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Resumo Kelsen - Prof. Júlio Aguiar de Oliveira

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1	
  
Direito	
  –	
  UFOP	
  
Introdução	
  ao	
  Estudo	
  do	
  Direito	
  II	
  
	
  
	
  
Material	
  de	
  estudos	
  da	
  1a	
  Unidade	
  da	
  Disciplina	
  Introdução	
  ao	
  Estudo	
  do	
  Direito	
  II	
  
Prof.	
  Júlio	
  Aguiar	
  de	
  Oliveira	
  	
  	
  
1a	
  Unidade	
  
Positivismo	
  Jurídico:	
  A	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito	
  (Hans	
  Kelsen)	
  
	
  	
  	
  
Introdução	
  
	
   Nesta	
   primeira	
   aula,	
   estudaremos	
   o	
   primeiro	
   capítulo	
   da	
   Teoria	
   Pura	
   do	
  Direito	
  (TPD):	
  “Direito	
  e	
  Natureza”.	
  	
  Antes	
   de	
   iniciarmos	
   o	
   estudo	
   desse	
   capítulo,	
   proponho	
   a	
   realização	
   de	
   duas	
  tarefas:	
  1)	
  uma	
  breve	
  exposição	
  da	
  biografia	
  de	
  Kelsen	
  e	
  2)	
  a	
  leitura	
  e	
  análise	
  dos	
  dois	
  prefácios	
   da	
   TPD	
   (o	
   prefácio	
   da	
   primeira	
   edição,	
   de	
   1934,	
   e	
   o	
   prefácio	
   da	
   a	
   segunda	
  edição,	
  de	
  1960).	
  	
  O	
   objetivo	
   dessas	
   tarefas	
   preliminares	
   é	
   um	
   só:	
   situar	
   a	
   TPD	
   –	
   e	
   seu	
   autor	
   –	
   no	
  tempo	
  e	
  no	
  espaço	
  (algo	
  fundamental	
  para	
  uma	
  compreensão	
  adequada	
  da	
  TPD).	
  	
  
Hans	
  Kelsen	
  (1881	
  –	
  1973)	
  	
   Hans	
   Kelsen	
   nasceu	
   na	
   cidade	
   de	
   Praga,	
   pertencente	
   então	
   ao	
   Império	
   Austro-­‐Húngaro,	
  no	
  dia	
  11	
  de	
  outubro	
  de	
  1881.	
  Seus	
  pais	
  foram	
  Adolf	
  Kelsen	
  e	
  Auguste	
  Löwy,	
  ambos	
   judeus.	
  Quando	
  Hans	
  Kelsen	
   tinha	
  quatro	
   anos	
  de	
   idade,	
   sua	
   família	
  mudou-­‐se	
  para	
  Viena.	
  	
  Em	
   Viena,	
   Kelsen	
   completou	
   os	
   estudos	
   primários	
   e,	
   em	
   seguida,	
   estudou	
   no	
  Ginásio	
   Acadêmico	
   (Akademische	
   Gymnasium	
  Wien).	
   Após	
   a	
   conclusão	
   do	
   ginásio,	
   em	
  1900,	
   cumpriu	
   um	
   ano	
   de	
   serviço	
   militar	
   como	
   voluntário.	
   Mais	
   tarde,	
   durante	
   a	
   1a	
  Guerra	
  Mundial,	
   trabalhou	
  como	
  auditor	
   jurídico	
  no	
  Exército,	
   tendo	
  alcançado	
  o	
  posto	
  de	
  Capitão-­‐Auditor.	
  Entre	
  1901	
  e	
  1906,	
  estudou	
  Direito	
  na	
  Universidade	
  de	
  Viena.	
  Em	
  1906,	
  recebeu	
  o	
  título	
  de	
  Doutor	
  em	
  Direito,	
  tendo	
  defendido	
  uma	
  tese	
  sobre	
  a	
  teoria	
  do	
  Estado	
  de	
  Dante	
  Alighieri.	
  Antes	
  disso,	
  em	
  1905,	
  converteu-­‐se	
  ao	
  catolicismo.	
  Em	
  1911,	
  Kelsen	
  concluiu	
  sua	
  habilitação	
  para	
  Direito	
  do	
  Estado	
  e	
  Filosofia	
  do	
  Direito	
  na	
  Universidade	
  de	
  Viena	
  com	
   a	
   tese	
   “Problemas	
   Centrais	
   da	
   Teoria	
   do	
   Direito	
   Público”	
   (Hauptprobleme	
   der	
  
Staatsrechtslehre).	
  Em	
  1912,	
  casou-­‐se	
  com	
  Margarete	
  Bondi,	
  que	
  foi	
  sua	
  companheira	
  por	
  toda	
  a	
  vida	
  e	
   com	
  quem	
   teve	
  duas	
   filhas,	
  Renata,	
   nascida	
   em	
  1914	
   ,	
   e	
  Maria	
  Beatrice,	
   nascida	
   em	
  1915.	
  Entre	
   1911	
   e	
   1917	
   lecionou	
   na	
   Academia	
   de	
   Exportação.	
   Em	
   1917,	
   tornou-­‐se	
  professor	
   extraordinário	
   da	
   Faculdade	
   de	
   Direito	
   de	
   Viena	
   e,	
   em	
   1919,	
   foi	
   nomeado	
  professor	
  efetivo	
  dessa	
  mesma	
  Universidade.	
  
	
   2	
  
Em	
   1918	
   colaborou	
   com	
   Karl	
   Renner	
   na	
   redação	
   da	
   Constituição	
   Austríaca.	
  Tornou-­‐se,	
   em	
   1920,	
   juiz	
   do	
   Tribunal	
   Constitucional,	
   cargo	
   que	
   ocupou	
   até	
   1930,	
  quando	
  rejeitou	
  ser	
  reconduzido	
  para	
  um	
  novo	
  exercício.	
  Em	
  1930	
  tem	
  início	
  um	
  longo	
  período	
  de	
  peregrinações.	
  Nesse	
  mesmo	
  ano,	
  deixou	
  Viena	
  e	
  assumiu	
  o	
  cargo	
  de	
  professor	
  na	
  Universidade	
  de	
  Colônia	
  (Alemanha).	
  Em	
  1933,	
  como	
   a	
   chegada	
   ao	
   poder	
   dos	
   Nazistas,	
   foi	
   afastado	
   da	
   Universidade	
   em	
   virtude	
   da	
  famigerada	
  Gesetzes	
  zur	
  Wiederherstellung	
  des	
  Berufsbeamtentums,	
  de	
  7	
  de	
  abril	
  de	
  1933	
  (Lei	
  para	
  a	
  restauração	
  do	
  serviço	
  público	
   –	
   que	
   estabeleceu	
   o	
   afastamento	
  do	
   Serviço	
  Público	
   Alemão	
   todos	
   os	
   funcionários	
   de	
   ascendência	
   não-­‐ariana	
   e	
   também	
   aqueles	
  considerados	
  oponentes	
  do	
  regime	
  nazista).	
  Conseguiu,	
  no	
  entanto,	
  sair	
  da	
  Alemanha	
  e	
  estabelecer-­‐se	
   em	
  Genebra,	
   onde	
   lecionou	
   no	
   Instituto	
  Universitário	
   de	
   Altos	
   Estudos	
  Internacionais.	
  Em	
  1934,	
  publicou	
  a	
  primeira	
  edição	
  da	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito.	
  Em	
  1936,	
  assumiu	
  uma	
   cátedra	
   da	
   Universidade	
   Alemã	
   de	
   Praga,	
   mas,	
   já	
   em	
   1938,	
   por	
   conta	
   de	
  movimentos	
   políticos	
   hostis	
   a	
   professores	
   de	
   ascendência	
   judaica,	
   foi	
   obrigado	
   a	
  abandonar	
  a	
  Universidade.	
  Em	
   1940,	
   considerando	
   o	
   avanço	
   das	
   forças	
   alemãs	
   na	
   2a	
   Guerra,	
   Kelsen	
   e	
   sua	
  mulher	
   resolveram	
  emigrar	
  para	
  os	
  Estados	
  Unidos,	
  onde	
  desembarcam,	
  na	
  cidade	
  de	
  Nova	
  York,	
  no	
  dia	
  21	
  de	
  junho	
  daquele	
  mesmo	
  ano.	
  Nos	
   Estados	
   Unidos,	
   Kelsen	
   proferiu	
   conferências	
   em	
   Harvard,	
   porém,	
   não	
  obstante	
  a	
  fama	
  de	
  sua	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito,	
  somente	
  em	
  1942	
  conseguiu	
  uma	
  posição	
  permanente	
   de	
   professor.	
   Em	
  1942,	
   foi	
   contratado	
   pela	
   Universidade	
   de	
   Berkeley,	
   na	
  Califórnia,	
  na	
  qual	
  trabalhou	
  até	
  a	
  aposentadoria,	
  em	
  1952.	
  Após	
   a	
   aposentadoria,	
  Kelsen	
   continuou	
  ativo,	
   publicando	
   trabalhos	
   em	
  diversas	
  áreas,	
   proferindo	
   conferências	
   e	
   recebendo	
   homenagens	
   em	
   várias	
   Universidades	
   em	
  diversos	
  países.	
  No	
  dia	
  5	
  de	
  janeiro	
  de	
  1973,	
  morreu	
  Margarete,	
  poucos	
  dias	
  depois,	
  em	
  19	
  de	
  abril,	
  aos	
  91	
  anos	
  de	
  idade,	
  Kelsen	
  morreu.	
  Em	
  1979,	
  foi	
  publicada	
  a	
  obra	
  “Teoria	
  Geral	
  das	
  Normas”	
  (Allgemeine	
  Theorie	
  der	
  
Normen).	
   Ao	
   longo	
   de	
   sua	
   carreira	
   acadêmica,	
   Kelsen	
   recebeu	
   12	
   doutorados	
   honoris	
  
causa	
  (Utrecht,	
  Harvard,	
  Chicago,	
  México,	
  Berkeley,	
  Salamanca,	
  Berlin,	
  Viena,	
  Nova	
  York,	
  Paris,	
  Salzburgo,	
  Strasburgo)	
  e	
  3	
   títulos	
  de	
  professor	
  honorário	
  (Viena,	
  Rio	
  de	
   Janeiro,	
  México).	
  	
  -­‐	
  1881.	
  11	
  de	
  outubro:	
  nasce	
  na	
  cidade	
  de	
  Praga.	
  Filho	
  de	
  Adolf	
  Kelsen	
  (1850	
  -­‐1907)	
  e	
  de	
  Auguste	
  Löwy	
  (1859-­‐1950).	
  -­‐	
  1884.	
  A	
  famíliase	
  muda	
  para	
  Viena.	
  -­‐	
  1900.	
  9	
  de	
  julho:	
  Conclusão	
  do	
  Ginásio	
  (Matura	
  am	
  Akademischem	
  Gymnasium	
  Wien).	
  -­‐	
  1900.	
  Inicia	
  o	
  período	
  de	
  um	
  ano	
  de	
  serviço	
  militar.	
  -­‐	
  1901.	
  Inicia	
  o	
  estudo	
  de	
  Direito	
  na	
  Universidade	
  de	
  Viena.	
  -­‐	
  1905.	
  Converte-­‐se	
  ao	
  catolicismo.	
  -­‐	
  1906.	
  Alcança	
  o	
  título	
  de	
  “Doutor	
  em	
  Direito”	
  na	
  Universidade	
  de	
  Viena	
  com	
  a	
  tese	
  “A	
  Teoria	
  do	
  Estado	
  de	
  Dante	
  Alighieri”	
  (Die	
  Staatslehre	
  des	
  Dante	
  Alighieri).	
  -­‐	
  1907.	
  12	
  de	
  julho.	
  Morre	
  seu	
  pai,	
  Adolf	
  Kelsen.	
  -­‐	
  1911.	
  9	
  de	
  março.	
  É	
  aprovado	
  em	
  seu	
  exame	
  de	
  habilitação	
  para	
  Direito	
  do	
  Estado	
  e	
  Filosofia	
  do	
  Direito	
  na	
  Universidade	
  de	
  Viena	
  com	
  a	
  tese	
  “Problemas	
  Centrais	
  da	
  Teoria	
  de	
  Direito	
  Público”	
  (Hauptprobleme	
  der	
  Staatsrechtslehre)	
  .	
  -­‐	
  1911.	
  Leciona	
  na	
  Acadêmia	
  de	
  Exportação	
  de	
  Viena.	
  -­‐	
  1912.	
  20	
  de	
  maio.	
  Hans	
  Kelsen	
  e	
  Margarete	
  Bondi	
  convertem-­‐se	
  à	
  fé	
  protestante.	
  
	
   3	
  
-­‐	
  1912.	
  25	
  de	
  maio.	
  Casamento	
  de	
  Hans	
  Kelsen	
  com	
  Margarete	
  Bondi,	
  do	
  qual	
  nascem	
  duas	
  filhas	
  (Anna	
  Renate	
  –	
  Viena	
  1914-­‐Nova	
  Yorque	
  2001	
  e	
  Maria	
  Beatrice	
  –	
  Viena	
  1915	
  –	
  Kensington/USA	
  1994).	
  -­‐	
   1919.	
   30	
   de	
   março.	
   Tribunal	
   Constitucional	
   Provisório	
   Nomeado	
   juiz	
   da	
   Corte	
  Constitucional	
  Austríaca.	
  -­‐	
   1919.	
   1o	
   de	
   Agosto.	
   Professor	
   de	
   Direito	
   do	
   Estado	
   e	
   Direito	
   Administrativo	
   da	
  Universidade	
  de	
  Viena.	
  -­‐	
  1920.	
  Nomeado	
  juiz	
  do	
  Tribunal	
  Constitucional	
  Austríaco.	
  -­‐	
  1930.	
  Encerra	
  sua	
  participação	
  como	
  juiz	
  do	
  Tribunal	
  Constitucional	
  Austríaco.	
  -­‐	
  1930.	
  Professor	
  na	
  Universidade	
  de	
  Colônia	
  (Alemanha).	
  -­‐	
  1933.	
  Perde	
  seu	
  posto	
  de	
  professor	
  na	
  Universidade	
  de	
  Colônia	
  em	
  virtude	
  da	
  	
  -­‐	
  1934.	
  Leciona	
  no	
   Instituto	
  Universitário	
  de	
  Altos	
  Estudos	
   Internacionais	
  em	
  Genebra	
  (Suíça).	
  -­‐	
  1934.	
  Publicação	
  da	
  primeira	
  edição	
  da	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito	
  (Reise	
  Rechtslehre).	
  -­‐	
  1936.	
  Professor	
  na	
  Universidade	
  Alemã	
  de	
  Praga.	
  -­‐	
  1938.	
  Abandona	
  a	
  Universidade	
  Alemã	
  de	
  Praga	
  em	
  virtude	
  da	
  escalada	
  da	
  hostilidade	
  sofrida	
  em	
  virtude	
  de	
  sua	
  ascendência	
  judaica.	
  -­‐	
  1940.	
  Emigra	
  com	
  sua	
  mulher	
  para	
  os	
  Estados	
  Unidos.	
  -­‐	
  1942.	
  Professor	
  na	
  Universidade	
  de	
  Berkeley,	
  Califórnia.	
  -­‐	
  1945.	
  Livre	
  docente	
  na	
  Universidade	
  de	
  Berkeley.	
  -­‐	
  1952.	
  Aposentadoria.	
  -­‐	
  1973.	
  19	
  de	
  abril:	
  Morre	
  aos	
  91	
  anos	
  de	
  idade	
  	
  
A	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito	
  –	
  Prefácios	
  de	
  1934	
  (1a	
  edição)	
  e	
  1960	
  (2a	
  edição)	
  	
   No	
  primeiro	
  parágrafo	
  do	
  prefácio	
  da	
  primeira	
  edição	
  da	
  TPD,	
  Kelsen	
  escreve:	
  	
  “Há	
  mais	
   de	
   duas	
   décadas	
   que	
   empreendi	
   desenvolver	
   uma	
   teoria	
   jurídica	
   pura,	
  isto	
  é,	
  purificada	
  de	
  toda	
  a	
  ideologia	
  política	
  e	
  de	
  todos	
  os	
  elementos	
  de	
  ciência	
  natural,	
  uma	
   teoria	
   jurídica	
   consciente	
   da	
   sua	
   especificidade	
   porque	
   consciente	
   da	
   legalidade	
  específica	
  do	
  seu	
  objeto.	
  Logo	
  desde	
  o	
  começo	
  foi	
  meu	
  intento	
  elevar	
  a	
  Jurisprudência,	
  que	
   –	
   aberta	
   ou	
   veladamente	
   –	
   se	
   esgotava	
   por	
   completo	
   em	
   raciocínios	
   de	
   política	
  jurídica,	
  à	
  altura	
  de	
  uma	
  genuína	
  ciência,	
  de	
  uma	
  ciência	
  do	
  espírito.	
  Importava	
  explicar,	
  não	
   as	
   suas	
   tendências	
   endereçadas	
   à	
   formação	
   do	
   Direito,	
   mas	
   as	
   suas	
   tendências	
  	
  exclusivamente	
  dirigidas	
  ao	
  conhecimento	
  do	
  Direito,	
  e	
  aproximar	
  tanto	
  quanto	
  possível	
  os	
  seus	
  resultados	
  do	
  ideal	
  de	
  toda	
  a	
  ciência:	
  objetividade	
  e	
  exatidão”.	
  (p.	
  XI)	
  	
  É	
  interessante	
  observar	
  nesse	
  primeiro	
  parágrafo:	
  	
  a)	
  A	
  primeira	
  edição	
  da	
  TPD	
  já	
  se	
  apresenta	
  como	
  a	
  síntese	
  de	
  um	
  trabalho	
  de	
  mais	
  de	
  vinte	
  anos.	
  Kelsen	
  tem,	
  por	
  essa	
  ocasião,	
  52	
  anos.	
  	
  b)	
   Pureza	
   significa	
   a	
   eliminação	
   de	
   toda	
   ideologia	
   política	
   e	
   dos	
   elementos	
   de	
  ciência	
  natural	
  da	
  teoria	
  do	
  Direito.	
  c)	
  A	
  teoria	
  pura	
  do	
  Direito	
  é	
  uma	
  teoria	
  que	
  objetiva	
  limitar-­‐se	
  à	
  descrição	
  do	
  seu	
  objeto	
  (isto	
  é,	
  do	
  direito	
  positivo).	
  	
  O	
  que	
  é	
  a	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito	
  e	
  de	
  onde	
  vêm	
  seus	
  opositores?	
  	
  “Ela	
  pode	
  ser	
  entendida	
  como	
  um	
  desenvolvimento,	
  uma	
  desimplicação	
  de	
  pontos	
  de	
   vista	
   que	
   já	
   se	
   anunciavam	
   na	
   ciência	
   jurídica	
   positivista	
   do	
   séc.	
   XIX.	
   Ora,	
   desta	
  
	
   4	
  
mesma	
  ciência	
  procedem	
  também	
  os	
  meus	
  opositores.	
  Não	
  foi,	
  pois,	
  por	
  em	
  propor	
  uma	
  completa	
   mudança	
   de	
   orientação	
   à	
   Jurisprudência	
   [ciência	
   do	
   Direito],	
   mas	
   por	
   eu	
   a	
  fixar	
  a	
  uma	
  das	
  orientações	
  entre	
  as	
  quais	
  ela	
  oscila	
  insegura,	
  não	
  foi	
  tanto	
  a	
  novidade,	
  mas	
   antes	
   as	
   consequências	
   da	
   minha	
   doutrina	
   que	
   provocaram	
   este	
   tumulto	
   na	
  literatura”.	
  (p.	
  XII)	
  	
  “O	
  postulado	
  metodológico	
  que	
  ela	
  visa	
  não	
  pode	
  ser	
  seriamente	
  posto	
  em	
  dúvida,	
  se	
  é	
  que	
  deve	
  haver	
  algo	
  como	
  uma	
  ciência	
  do	
  Direito.	
  Duvidoso	
  apenas	
  pode	
  ser	
  até	
  que	
  ponto	
   tal	
   postulado	
   é	
   realizável.	
   A	
   este	
   respeito	
   não	
   pode	
   seguramente	
   perder-­‐se	
   de	
  vista	
  a	
  distinção	
  muito	
  importante	
  que	
  existe,	
  precisamente	
  neste	
  ponto,	
  entre	
  a	
  ciência	
  natural	
   e	
   as	
   ciências	
   sociais.	
   Não	
   que	
   a	
   primeira	
   não	
   corra	
   qualquer	
   risco	
   de	
   os	
  interesses	
  políticos	
  a	
  procurarem	
  influenciar.	
  A	
  história	
  prova	
  o	
  contrário	
  e	
  mostra	
  com	
  bastante	
  clareza	
  que	
  até	
  pela	
  verdade	
  sobre	
  o	
  curso	
  das	
  estrelas	
  uma	
  potencia	
  terrena	
  se	
   sentiu	
   ameaçada.	
   Se	
   é	
   lícito	
   dizer-­‐se	
   quea	
   ciência	
   natural	
   pôde	
   ir	
   até	
   ao	
   ponto	
   de	
  levar	
  a	
  cabo	
  a	
  sua	
   independência	
  da	
  política,	
   isso	
  sucedeu	
  porque	
  existia	
  nesta	
  vitória	
  um	
   interesse	
   social	
   ainda	
  mais	
   poderoso:	
   o	
   interesse	
   no	
   progresso	
   da	
   técnica	
   que	
   só	
  uma	
   investigação	
   livre	
   pode	
   garantir.	
   Porém,	
   da	
   teoria	
   social,	
   nenhum	
   caminho	
   tão	
  direito,	
  tão	
  imediatamente	
  visível,	
  conduz	
  a	
  um	
  progresso	
  da	
  técnica	
  social	
  produtora	
  de	
  vantagens	
   indiscutíveis,	
   como	
   o	
   que	
   da	
   física	
   e	
   da	
   química	
   conduz	
   às	
   aquisições	
   que	
  representam	
   a	
   construção	
   de	
   máquinas	
   e	
   a	
   terapêutica	
   médica.	
   Relativamente	
   às	
  ciências	
  sociais	
  falta	
  ainda	
  –	
  e	
  o	
  se	
  estado	
  pouco	
  evoluído	
  não	
  é	
  das	
  razões	
  que	
  menos	
  concorrem	
  para	
  tal	
  –	
  uma	
  força	
  social	
  que	
  possa	
  contrabalançar	
  os	
  interesses	
  poderosos	
  que,	
   tanto	
   aqueles	
   que	
   detêm	
   o	
   poder	
   como	
   também	
   aqueles	
   que	
   ainda	
   aspiram	
   ao	
  poder,	
  têm	
  numa	
  teoria	
  à	
  medida	
  dos	
  seus	
  desejos,	
  que	
  dizer,	
  numa	
  ideologia	
  social.	
  E	
  isto	
   sucede	
   particularmente	
   na	
   nossa	
   época	
   que	
   a	
   guerra	
   mundial	
   e	
   as	
   suas	
  consequências	
   fizeram	
   saltar	
   dos	
   eixos,	
   em	
   que	
   as	
   bases	
   da	
   vida	
   social	
   foram	
  profundamente	
  abaladas	
  e,	
  por	
  isso,	
  as	
  oposições	
  dentro	
  dos	
  Estados	
  se	
  aguçaram	
  até	
  ao	
  extremo	
  limite.	
  O	
  ideal	
  de	
  uma	
  ciência	
  objetiva	
  do	
  Direito	
  e	
  do	
  Estado	
  só	
  num	
  período	
  de	
  equilíbrio	
   social	
   pode	
   aspirar	
   a	
   um	
   reconhecimento	
   generalizado.	
   Assim,	
   pois,	
   nada	
  parece	
   hoje	
   mais	
   extemporâneo	
   que	
   uma	
   teoria	
   do	
   Direito	
   que	
   quer	
   manter	
   a	
   sua	
  pureza,	
  enquanto	
  para	
  outras	
  não	
  há	
  poder,	
  seja	
  qual	
  for,	
  a	
  que	
  elas	
  não	
  estejam	
  prontas	
  a	
  oferecer-­‐se,	
  quando	
  já	
  se	
  não	
  tem	
  pejo	
  de	
  alto,	
  bom	
  som	
  e	
  publicamente	
  reclamar	
  uma	
  ciência	
  do	
  Direito	
  política	
  e	
  de	
  exigir	
  para	
  esta	
  o	
  nome	
  de	
  ciência	
  ‘pura’,	
  louvando	
  assim	
  como	
  virtude	
  o	
  que,	
  quando	
  muito,	
   só	
   a	
  mais	
  dura	
  necessidade	
  pessoal	
  poderia	
   ainda	
  desculpar”.	
  (p.	
  XIV)	
  	
  No	
   prefácio	
   da	
   segunda	
   edição,	
   Kelsen	
   apresenta,	
   já	
   no	
   primeiro	
   parágrafo,	
   o	
  sentido	
  da	
  novidade	
  da	
  segunda	
  edição	
  em	
  relação	
  à	
  primeira.	
  Ele	
  escreve:	
  	
  “A	
  segunda	
  edição	
  da	
  minha	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito,	
  aparecida	
  pela	
  primeira	
  vez	
  há	
  mais	
   de	
   um	
   quarto	
   de	
   século,	
   representa	
   uma	
   completa	
   reelaboração	
   dos	
   assuntos	
  versados	
   na	
   primeira	
   edição	
   e	
   um	
   substancial	
   alargamento	
   das	
  matérias	
   tratadas.	
   Ao	
  passo	
   que,	
   então,	
   me	
   contentei	
   com	
   formular	
   os	
   resultados	
   particularmente	
  característicos	
  de	
  uma	
  teoria	
  pura	
  do	
  Direito,	
  agora	
  procuro	
  resolver	
  os	
  problemas	
  mais	
  importantes	
   de	
   uma	
   teoria	
   geral	
   do	
   Direito	
   de	
   acordo	
   com	
   os	
   princípios	
   da	
   pureza	
  metodológica	
   do	
   conhecimento	
   científico-­‐jurídico	
   e,	
   ao	
  mesmo	
   tempo,	
   precisar,	
   ainda	
  melhor	
  do	
  que	
  antes	
  havia	
  feito,	
  a	
  posição	
  da	
  ciência	
  jurídica	
  no	
  sistema	
  das	
  ciências.	
  Antepus	
   a	
   esta	
   segunda	
   edição	
   o	
   prefácio	
   da	
   primeira.	
   Com	
   efeito,	
   ele	
  mostra	
   a	
  situação	
   científica	
   e	
   política	
   em	
  a	
   que	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito,	
   no	
  período	
  da	
  primeira	
  
	
   5	
  
Guerra	
  Mundial	
  e	
  dos	
  abalos	
  sociais	
  por	
  ela	
  provocados,	
  apareceu,	
  e	
  o	
  eco	
  que	
  ela	
  então	
  encontrou	
  na	
  literatura.	
  Sob	
  este	
  aspecto,	
  as	
  coisas	
  não	
  se	
  modificaram	
  muito	
  depois	
  da	
  segunda	
  Guerra	
  Mundial	
   e	
   das	
   convulsões	
   políticas	
   que	
   dela	
   resultaram.	
   Agora,	
   como	
  antes,	
  uma	
  ciência	
  jurídica	
  objetiva	
  que	
  se	
  limita	
  a	
  descrever	
  o	
  seu	
  objeto	
  esbarra	
  com	
  a	
  pertinaz	
  oposição	
  de	
  todos	
  aqueles	
  que,	
  desprezando	
  os	
  limites	
  entre	
  ciência	
  e	
  política,	
  prescrevem	
  ao	
  Direito,	
  em	
  nome	
  daquela,	
  um	
  determinado	
  conteúdo,	
  quer	
  dizer,	
  crêem	
  poder	
  definir	
  um	
  Direito	
  justo	
  e,	
  consequentemente,	
  um	
  critério	
  de	
  valor	
  para	
  o	
  Direito	
  positivo.	
   É	
   especialmente	
   a	
   renascida	
   metafísica	
   do	
   Direito	
   natural	
   que,	
   com	
   esta	
  pretensão,	
  sai	
  a	
  opor-­‐se	
  ao	
  positivismo	
  jurídico”.	
  (XVII-­‐XVIII)	
  	
  	
  
I.	
  Direito	
  e	
  Natureza	
  
	
  
	
  
1.	
  A	
  “pureza”	
  
	
  -­‐	
  Objeto	
  da	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito:	
  o	
  Direito	
  positivo	
  em	
  geral.	
  	
  -­‐	
  Objetivo	
  da	
  Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito:	
  conhecer	
  o	
  seu	
  objeto.	
  	
  -­‐	
   Princípio	
  metodológico	
   fundamental:	
   “garantir	
   um	
   conhecimento	
   apenas	
   dirigido	
   ao	
  Direito	
   e	
   excluir	
   deste	
   conhecimento	
   tudo	
   quanto	
   não	
   pertença	
   ao	
   seu	
   objeto,	
   tudo	
  quanto	
  não	
  se	
  possa,	
  rigorosamente,	
  determinar	
  como	
  Direito”.	
  (p.	
  1)	
  	
  -­‐	
  A	
  pureza	
  da	
  ciência,	
  para	
  Kelsen,	
  depende	
  de	
  uma	
  definição	
  estrita	
  do	
  objeto	
  da	
  ciência	
  (Direito	
   positivo	
   em	
   geral)	
   e	
   de	
   um	
   compromisso	
   com	
   a	
   neutralidade	
   (relativismo	
  axiológico).	
  Esse	
  relativismo	
  axiológico	
  é	
  –	
  na	
  sua	
  visão	
  –	
  uma	
  condição	
  necessária	
  para	
  reivindicação,	
  por	
  parte	
  de	
  uma	
  teoria,	
  do	
  status	
  de	
  científica.	
  	
  	
  	
  
2.	
  O	
  ato	
  e	
  o	
  seu	
  significado	
  jurídico	
  –	
  3.	
  O	
  sentido	
  subjetivo	
  e	
  o	
  sentido	
  objetivo	
  do	
  
ato.	
  A	
  sua	
  auto-­‐explicação	
  
	
  -­‐	
  O	
  sentido	
  jurídico	
  de	
  um	
  ato	
  não	
  pode	
  ser	
  percebido	
  diretamente	
  pelos	
  sentidos.	
  	
  -­‐	
  O	
  sentido	
  subjetivo	
  que	
  o	
  indivíduo	
  liga	
  ao	
  seu	
  ato	
  não	
  necessariamente	
  corresponde	
  ao	
  sentido	
  objetivo	
  desse	
  mesmo	
  ato,	
  pelo	
  qual	
  lhe	
  é	
  conferido	
  caráter	
  jurídico.	
  
	
  
4.	
  A	
  norma	
  
	
  
a)	
  A	
  norma	
  como	
  esquema	
  de	
  interpretação	
  
	
  -­‐	
  “Oque	
  transforma	
  um	
  fato	
  num	
  ato	
  jurídico	
  (lícito	
  ou	
  ilícito)	
  não	
  é	
  a	
  sua	
  faticidade,	
  não	
  é	
  o	
  seu	
  ser	
  natural,	
  mas	
  o	
  sentido	
  objetivo	
  que	
  está	
  ligado	
  a	
  esse	
  fato”.	
  (p.	
  4)	
  	
  -­‐	
  “O	
  sentido	
  jurídico	
  específico	
  é	
  recebido	
  pelo	
  fato	
  em	
  questão	
  por	
  intermédio	
  de	
  uma	
  norma	
   que	
   a	
   ele	
   se	
   refere	
   com	
   o	
   seu	
   conteúdo:	
   a	
   norma	
   funciona	
   como	
   esquema	
   de	
  interpretação.	
  (p.	
  4)	
  	
  
	
   6	
  
-­‐	
  “A	
  norma	
  que	
  empresta	
  ao	
  ato	
  o	
  significado	
  de	
  ato	
  jurídico	
  é	
  ela	
  própria	
  produzida	
  por	
  um	
  ato	
  jurídico,	
  que,	
  por	
  sua	
  vez,	
  recebe	
  a	
  sua	
  significação	
  jurídica	
  de	
  outra	
  norma”.	
  (p.	
  4).	
  (Esse	
  procedimento	
  este	
  que	
  só	
  se	
  encerra	
  na	
  Norma	
  Fundamental).	
  
	
  
b)	
  Norma	
  e	
  produção	
  normativa	
  	
  -­‐	
  O	
  conhecimento	
  jurídico	
  dirige-­‐se	
  a	
  normas	
  que	
  possuem	
  o	
  caráter	
  de	
  normas	
  jurídicas	
  e	
  conferem	
  a	
  determinados	
  fatos	
  o	
  caráter	
  de	
  atos	
  jurídicos	
  (ou	
  antijurídicos).	
  	
  -­‐	
  Direito	
  é	
  um	
  sistema	
  de	
  normas	
  que	
  regulam	
  o	
  comportamento	
  humano.	
  	
  -­‐	
  Norma	
  significa	
  que	
  algo	
  “deve-­‐ser”.	
  	
  -­‐	
  Normas	
  comandam,	
  permitem	
  ou	
  conferem	
  poder	
  para	
  algo	
  (competência).	
  	
  
-­‐	
  “Norma	
  é	
  o	
  sentido	
  de	
  um	
  ato	
  através	
  do	
  qual	
  uma	
  conduta	
  é	
  prescrita,	
  permitida	
  
ou,	
  especialmente,	
  facultada,	
  no	
  sentido	
  de	
  adjudicada	
  à	
  competência	
  de	
  alguém”.	
  
(p.	
  6)	
  	
  -­‐	
   A	
   TPD	
   se	
   afasta	
   do	
   imperativismo	
   (Austin):	
   “Neste	
   ponto	
   importa	
   salientar	
   que	
   a	
  norma,	
  como	
  o	
  sentido	
  específico	
  de	
  um	
  ato	
  intencional	
  dirigido	
  à	
  conduta	
  de	
  outrem,	
  é	
  qualquer	
  coisa	
  de	
  diferente	
  do	
  ato	
  de	
  vontade	
  cujo	
  sentido	
  ela	
  constitui”.	
  (p.	
  6)	
  	
  -­‐	
  A	
  norma	
  é	
  um	
  dever-­‐ser	
  e	
  o	
  ato	
  de	
  vontade	
  de	
  que	
  ela	
  constitui	
  o	
  sentido	
  é	
  um	
  ser.	
  	
  -­‐	
  “A	
  distinção	
  entre	
  ser	
  e	
  dever-­‐ser	
  não	
  pode	
  ser	
  mais	
  aprofunda.	
  É	
  um	
  dado	
  imediato	
  na	
  nossa	
  consciência”.	
  (p.	
  6).	
  Notar	
  que,	
  neste	
  momento,	
  Kelsen	
  insere	
  uma	
  nota	
  de	
  pé	
  de	
  página	
  na	
  qual	
  aproxima	
  sua	
  compreensão	
  do	
  conceito	
  de	
  dever-­‐ser	
  da	
  compreensão	
  do	
  conceito	
  de	
  “bom”	
  proposta	
  por	
  George	
  Edward	
  Moore,	
  na	
  obra	
  Princia	
  Ethica	
  (1922).	
  	
  	
  -­‐	
   “No	
   entanto,	
   este	
   dualismo	
   de	
   ser	
   e	
   dever-­‐ser	
   não	
   significa	
   que	
   ser	
   e	
   dever-­‐ser	
   se	
  coloquem	
  um	
  ao	
  lado	
  do	
  outro	
  sem	
  qualquer	
  relação.	
  Diz-­‐se:	
  um	
  ser	
  pode	
  corresponder	
  a	
   um	
   dever-­‐ser.	
   Afirma-­‐se,	
   por	
   outro	
   lado,	
   que	
   o	
   dever-­‐ser	
   é	
   ‘dirigido’	
   a	
   um	
   ‘ser’.	
   	
   A	
  expressão:	
  ‘um	
  ser	
  corresponde	
  a	
  um	
  dever-­‐ser’	
  não	
  é	
  inteiramente	
  correta,	
  pois	
  não	
  é	
  o	
  ser	
   que	
   corresponde	
   ao	
   dever-­‐ser,	
   mas	
   é	
   aquele	
   ‘algo’,	
   que	
   por	
   um	
   lado	
   ‘é’,	
   que	
  corresponde	
  àquele	
   ‘algo’,	
   que,	
  por	
  outro	
   lado,	
   ‘deve-­‐ser’	
   e	
  que,	
   figurativamente,	
   pode	
  ser	
  designado	
  como	
  conteúdo	
  do	
  ser	
  ou	
  como	
  conteúdo	
  do	
  dever-­‐ser”.	
  (p.	
  6-­‐7)	
  	
  -­‐	
   “O	
   processo	
   legiferante	
   é	
   constituído	
   por	
   uma	
   série	
   de	
   atos,	
   que,	
   na	
   sua	
   totalidade,	
  possuem	
   o	
   sentido	
   de	
   normas.	
   Quando	
   dizemos	
   que,	
   por	
  meio	
   de	
   um	
   dos	
   atos	
   acima	
  referidos	
   ou	
   através	
   dos	
   atos	
   do	
   procedimento	
   legiferante,	
   se	
   ‘produz’	
   ou	
   ‘põe’	
   uma	
  norma,	
   isto	
   é	
   apenas	
   uma	
   expressão	
   figurada	
   para	
   traduzir	
   que	
   o	
   sentido	
   ou	
   o	
  significado	
  do	
  ato	
  ou	
  dos	
  atos	
  que	
  constituem	
  o	
  procedimento	
  legiferante	
  é	
  uma	
  norma.	
  No	
  entanto,	
  é	
  preciso	
  distinguir	
  o	
  sentido	
  subjetivo	
  do	
  sentido	
  objetivo.	
   ‘Dever-­‐ser’	
  é	
  o	
  sentido	
  subjetivo	
  de	
  todo	
  o	
  ato	
  de	
  vontade	
  de	
  um	
  indivíduo	
  que	
  intencionalmente	
  visa	
  a	
  conduta	
  de	
  outro.	
  Porém,	
  nem	
  sempre	
  um	
  tal	
  ato	
  tal	
  ato	
  tem	
  também	
  objetivamente	
  este	
  sentido.	
  Ora,	
  somente	
  quando	
  este	
  ato	
  tem	
  também	
  objetivamente	
  o	
  sentido	
  do	
  dever-­‐ser	
  é	
  que	
  designamos	
  o	
  dever-­‐ser	
  como	
  ‘norma’”.	
  (p.	
  8)	
  	
  
	
   7	
  
-­‐	
  O	
   famoso	
  exemplo	
  da	
  ordem	
  do	
  gangster	
  e	
  a	
  primeira	
  menção	
  à	
  norma	
   fundamental	
  (Grundnorm).	
   Neste	
   parágrafo,	
   Kelsen	
   já	
   apresenta	
   um	
   esboço	
   completo	
   da	
   teoria	
   do	
  ordenamento	
  normativo	
  como	
  uma	
  estrutura	
  escalonada	
  de	
  normas,	
  que,	
  mais	
  tarde,	
  no	
  capítulo	
  “Dinâmica	
  Jurídica”,	
  será	
  apresentada	
  em	
  detalhes:	
  	
  -­‐	
  “A	
  ordem	
  de	
  um	
  ganster	
  para	
  que	
  lhe	
  seja	
  entregue	
  uma	
  determinada	
  soma	
  de	
  dinheiro	
  tem	
  o	
  mesmo	
  sentido	
  subjetivo	
  que	
  a	
  ordem	
  de	
  um	
  funcionário	
  de	
  finanças,	
  a	
  saber,	
  que	
  o	
   indivíduo	
   a	
   quem	
   a	
   ordem	
   é	
   dirigida	
   deve	
   entregar	
   uma	
   determinada	
   soma	
   de	
  dinheiro.	
  No	
  entanto,	
  só	
  a	
  ordem	
  do	
  funcionário	
  de	
  finanças,	
  e	
  não	
  a	
  ordem	
  do	
  gangster,	
  tem	
   o	
   sentido	
   de	
   uma	
   norma	
   válida,	
   vinculante	
   para	
   o	
   destinatário;	
   apenas	
   o	
   ato	
   do	
  primeiro,	
   e	
   não	
   o	
   do	
   segundo,	
   é	
   um	
   ato	
   produtor	
   de	
   uma	
   norma,	
   pois	
   o	
   ato	
   do	
  funcionário	
  de	
  finanças	
  é	
  fundamentado	
  numa	
  lei	
  fiscal,	
  enquanto	
  o	
  ato	
  do	
  gangster	
  se	
  não	
  apoia	
  em	
  qualquer	
  norma	
  que	
  para	
  tal	
  lhe	
  atribua	
  competência.	
  Se	
  o	
  ato	
  legislativo,	
  que	
   subjetivamente	
   tem	
   o	
   sentido	
   de	
   dever-­‐ser,	
   tem	
   também	
   objetivamente	
   este	
  sentido,	
  que	
  dizer,	
  tem	
  o	
  sentido	
  de	
  uma	
  norma	
  válida,	
  é	
  porque	
  a	
  Constituição	
  empresta	
  ao	
  ato	
  legislativo	
  este	
  sentido	
  objetivo	
  O	
  ato	
  criador	
  da	
  Constituição,	
  por	
  seu	
  turno,	
  tem	
  sentido	
  normativo,	
  não	
  só	
  subjetiva	
  como	
  objetivamente,	
  desde	
  que	
  se	
  pressuponhaque	
  nos	
  devemos	
  conduzir	
  como	
  o	
  autor	
  da	
  Constituição	
  preceitua.	
  (...).	
  Um	
  tal	
  pressuposto,	
  fundante	
   da	
   validade	
   objetiva,	
   será	
   designado	
   aqui	
   por	
   norma	
   fundamental	
  (Grundnorm).	
  Portanto,	
  não	
  é	
  do	
  ser	
  fático	
  de	
  um	
  ato	
  de	
  vontade	
  dirigido	
  à	
  conduta	
  de	
  outrem,	
  mas	
  é	
  ainda	
  e	
  apenas	
  de	
  uma	
  norma	
  de	
  dever-­‐ser	
  que	
  deflui	
   a	
  validade	
  –	
  em	
  sentido	
  objetivo	
  –	
  da	
  norma	
  segundo	
  a	
  qual	
  esse	
  outrem	
  se	
  deve	
  conduzir	
  de	
  harmonia	
  com	
  o	
  sentido	
  subjetivo	
  do	
  ato	
  de	
  vontade”.	
  (p.	
  9)	
  	
  -­‐	
  Exclusivamente	
  a	
  fim	
  de	
  assegurar	
  um	
  espaço	
  para	
  a	
  norma	
  fundamental	
  (Grundnorm)	
  no	
  âmbito	
  do	
  conceito	
  de	
  norma,	
  Kelsen,	
  no	
  último	
  parágrafo	
  deste	
  tópico,	
  registra:	
  	
  -­‐	
   “Finalmente	
   deve	
   notar-­‐se	
   que	
   uma	
  norma	
   pode	
   ser	
   não	
   só	
   o	
   sentido	
   de	
   um	
   ato	
   de	
  vontade	
   mas	
   também	
   –	
   como	
   conteúdo	
   de	
   sentido	
   –	
   o	
   conteúdo	
   de	
   um	
   ato	
   de	
  pensamento.	
  Uma	
  norma	
  pode	
  não	
  só	
  ser	
  querida,	
  como	
  também	
  pode	
  ser	
  simplesmente	
  pensada	
  sem	
  ser	
  querida.	
  Nese	
  caso,	
  ela	
  não	
  é	
  uma	
  norma	
  posta,	
  uma	
  norma	
  positiva.	
  Quer	
   isto	
   dizer	
   que	
   uma	
   norma	
   não	
   tem	
   de	
   ser	
   efetivamente	
   posta	
   –	
   pode	
   estar	
  simplesmente	
  pressuposta	
  no	
  pensamento”.	
  (p.	
  10)	
  	
  	
  
d)	
  Vigência	
  e	
  domínio	
  de	
  vigência	
  da	
  norma	
  	
  -­‐	
  “Com	
  a	
  palavra	
  ‘vigência’	
  designamos	
  a	
  existência	
  específica	
  de	
  uma	
  norma”.	
  (p.	
  11)	
  	
  -­‐	
   “A	
   ‘existência’	
   de	
   uma	
   norma	
   positiva,	
   a	
   sua	
   vigência	
   [validade],	
   é	
   diferente	
   da	
  existência	
  do	
  ato	
  de	
  vontade	
  de	
  que	
  ela	
  é	
  o	
  sentido	
  objetivo”.	
  (p.	
  11)	
  	
  -­‐	
   “É	
   errôneo	
   caracterizar	
   a	
   norma	
   em	
   geral	
   e	
   a	
   norma	
   jurídica	
   em	
   particular	
   como	
  ‘vontade’	
   ou	
   ‘comando’	
   –	
   do	
   legislador	
   ou	
   do	
   Estado	
   -­‐,	
   quando	
   por	
   ‘vontade’	
   ou	
  ‘comando’	
  se	
  entenda	
  o	
  ato	
  de	
  vontade	
  psíquica”.	
  (p.	
  11)	
  	
  -­‐	
  Vigência	
  e	
  eficácia	
  	
  
	
   8	
  
-­‐	
  “Como	
  a	
  vigência	
  da	
  norma	
  pertence	
  à	
  ordem	
  do	
  dever-­‐ser,	
  e	
  não	
  à	
  ordem	
  do	
  ser,	
  deve	
  também	
  distinguir-­‐se	
  a	
  vigência	
  da	
  norma	
  da	
  sua	
  eficácia,	
  isto	
  é,	
  do	
  fato	
  real	
  de	
  ela	
  ser	
  efetivamente	
  aplicada	
  e	
  observada,	
  da	
  circunstância	
  de	
  uma	
  conduta	
  humana	
  conforme	
  à	
  norma	
  se	
  verificar	
  na	
  ordem	
  dos	
  fatos.	
  Dizer	
  que	
  uma	
  norma	
  vale	
  (é	
  vigente)	
  traduz	
  algo	
   diferente	
   do	
   que	
   se	
   diz	
   quando	
   se	
   afirma	
   que	
   ela	
   é	
   efetivamente	
   aplicada	
   e	
  respeitada,	
   se	
  bem	
  que	
  entre	
  vigência	
  e	
  eficácia	
  possa	
  existir	
  uma	
  certa	
  conexão.	
  Uma	
  norma	
   jurídica	
   é	
   considerada	
   como	
   objetivamente	
   válida	
   apenas	
   quando	
   a	
   conduta	
  humana	
  que	
  ela	
  regula	
  lhe	
  corresponde	
  efetivamente,	
  pelo	
  menos	
  em	
  certa	
  medida.	
  Uma	
  norma	
  que	
  nunca	
  e	
  em	
  parte	
  alguma	
  é	
  aplicada	
  e	
  respeitada,	
   isto	
  é,	
  uma	
  norma	
  que	
  –	
  como	
  costuma	
  dizer-­‐se	
  –	
  não	
  é	
  eficaz	
  em	
  uma	
  certa	
  medida,	
  não	
  será	
  considerada	
  como	
  norma	
  válida	
   (vigente).	
  Um	
  mínimo	
  de	
  eficácia,	
   como	
  sói	
  dizer-­‐se	
  é	
  a	
   condição	
  da	
  sua	
  vigência”.	
  (p.	
  11-­‐12)	
  	
  -­‐	
   Neste	
   último	
   parágrafo,	
   Kelsen	
   aborda	
   uma	
   das	
   questões	
   mais	
   difíceis	
   da	
   TPD:	
   a	
  relação	
  entre	
  validade	
  e	
  eficácia.	
  Embora	
  a	
  norma	
  seja	
  um	
  dever-­‐ser,	
  esse	
  dever-­‐ser	
  tem	
  como	
   condição	
   de	
   existência	
   um	
   ser	
   (isto	
   é,	
   um	
   mínimo	
   de	
   eficácia).	
   Mais	
   tarde,	
   no	
  capítulo	
  “Dinâmica	
  Jurídica”,	
  Kelsen	
  voltará	
  a	
  enfrentar	
  essa	
  questão.	
  	
  -­‐	
  “No	
  entanto,	
  deve	
  existir	
  a	
  possibilidade	
  de	
  uma	
  conduta	
  em	
  desarmonia	
  com	
  a	
  norma.	
  Uma	
   norma	
   que	
   preceituasse	
   um	
   certo	
   evento	
   que	
   de	
   antemão	
   se	
   sabe	
   que	
  necessariamente	
   se	
   tem	
   de	
   verificar,	
   sempre	
   e	
   em	
   toda	
   parte,	
   por	
   força	
   de	
   uma	
   lei	
  natural,	
   seria	
   tão	
   absurda	
   como	
   uma	
   norma	
   que	
   preceituasse	
   um	
   certo	
   fato	
   que	
   de	
  antemão	
  se	
  sabe	
  que	
  de	
  forma	
  alguma	
  se	
  poderá	
  verificar,	
  igualmente	
  por	
  força	
  de	
  uma	
  lei	
  natural”.	
  (p.	
  12)	
  	
  -­‐	
  “Vigência	
  e	
  eficácia	
  de	
  uma	
  norma	
  jurídica	
  também	
  não	
  coincidem	
  cronologicamente”.	
  (p.	
  12)	
  	
  -­‐	
   “...	
   uma	
   norma	
   jurídica	
   deixará	
   de	
   ser	
   considerada	
   válida	
   quando	
   permanece	
  duradouramente	
  ineficaz”.	
  (p.	
  12)	
  	
  
-­‐	
  A	
  eficácia	
  é	
  condição	
  vigência	
  (validade).	
  	
  -­‐	
  “E	
  de	
  notar,	
  no	
  entanto,	
  que,	
  por	
  eficácia	
  de	
  uma	
  norma	
  jurídica	
  (...)	
  se	
  deve	
  entender	
  não	
  só	
  o	
  fato	
  de	
  esta	
  norma	
  ser	
  aplicada	
  pelos	
  órgãos	
  jurídicos,	
  (...),	
  mas	
  também	
  o	
  fato	
  de	
   esta	
   norma	
   ser	
   respeitada	
   pelos	
   indivíduos	
   subordinados	
   à	
   ordem	
   jurídica	
   (...).	
   Na	
  medida	
   em	
   que	
   a	
   estatuição	
   de	
   sanções	
   tem	
   por	
   fim	
   impedir	
   (prevenção)	
   a	
   conduta	
  condicionante	
   da	
   sanção	
   –	
   a	
   prática	
   de	
   delitos	
   -­‐	
   ,	
   encontramo-­‐nos	
   perante	
   a	
   hipótese	
  ideal	
  da	
  vigência	
  de	
  uma	
  norma	
  jurídica	
  quando	
  esta	
  nem	
  sequer	
  chega	
  a	
  ser	
  aplicada,	
  pelo	
   fato	
   de	
   a	
   representação	
   da	
   sanção	
   a	
   executar	
   em	
   caso	
   de	
   delito	
   se	
   ter	
   tornado,	
  relativamente	
  aos	
  indivíduos	
  submetidos	
  à	
  ordem	
  jurídica,	
  em	
  motivo	
  para	
  deixarem	
  de	
  praticar	
  o	
  delito”.	
  (p.	
  12)	
  	
  -­‐	
   “A	
   referencia	
   da	
   norma	
   ao	
   espaço	
   e	
   ao	
   tempo	
   é	
   o	
   domínio	
   de	
   vigência	
   espacial	
   e	
  temporal	
  da	
  norma.	
  Este	
  domínio	
  de	
  vigência	
  pode	
  ser	
  limitado,	
  mas	
  pode	
  também	
  sem	
  ilimitado”.	
  (p.	
  13)	
  	
  -­‐	
   “Além	
   dos	
   domínios	
   de	
   validade	
   espacial	
   e	
   temporalpode	
   ainda	
   distinguir-­‐se	
   um	
  domínio	
  de	
  validade	
  pessoal	
  e	
  um	
  domínio	
  de	
  validade	
  material	
  das	
  normas”.	
  (p.	
  15)	
  
	
   9	
  
	
  -­‐	
   “O	
   domínio	
   material	
   de	
   validade	
   de	
   uma	
   norma	
   jurídica	
   global,	
   porém,	
   é	
   sempre	
  ilimitado,	
   na	
   medida	
   em	
   que	
   uma	
   tal	
   ordem	
   jurídica,	
   por	
   sua	
   própria	
   essência,	
   pode	
  regular	
  sob	
  qualquer	
  aspecto	
  a	
  conduta	
  dos	
  indivíduos	
  que	
  lhe	
  estão	
  subordinados”.	
  (p.	
  16)	
  	
  -­‐	
  Em	
  última	
  instância,	
  e	
  aqui	
  estamos	
  diante	
  de	
  uma	
  importante	
  questão	
  demarcadora	
  do	
   positivismo	
   kelseniano,	
   a	
   norma	
   jurídica	
   pode	
   ter	
   qualquer	
   conteúdo.	
   Os	
   limites,	
  aqui,	
  são	
   limites	
  de	
  natureza	
  exclusivamente	
   lógica.	
   Isto	
  é,	
  não	
   faz	
  sentido	
  uma	
  norma	
  jurídica	
  que	
  proíba	
  ou	
  obrigue	
  alguém	
  a	
  realizar	
  ou	
  não	
  realizar	
  uma	
  conduta	
  impossível	
  ou	
   uma	
   conduta	
   necessária	
   (exemplos:	
   Levitar,	
   pena	
   de	
   um	
   a	
   dois	
   anos	
   de	
  detenção./Recusar-­‐se	
  a	
  levitar	
  quando	
  devidamente	
  solicitado,	
  pena	
  de	
  um	
  a	
  dois	
  anos	
  de	
   detenção/	
   Respirar,	
   pena	
   de	
   um	
   a	
   dois	
   anos	
   de	
   detenção./	
   Recusar-­‐se	
   a	
   respirar	
  quando	
  devidamente	
  solicitado,	
  pena	
  de	
  um	
  a	
  dois	
  anos	
  de	
  detenção).	
  	
  
d)	
  Regulamentação	
  positiva	
  e	
  negativa;	
  ordenar,	
  conferir	
  poder	
  ou	
  competência,	
  
permitir	
  	
  -­‐	
   “A	
   regulamentação	
  da	
   conduta	
  humana	
  por	
  um	
  ordenamento	
  normativo	
  processa-­‐se	
  por	
   uma	
   forma	
   positiva	
   e	
   por	
   uma	
   forma	
   negativa.	
   A	
   conduta	
   humana	
   é	
   regulada	
  positivamente	
  (...)	
  quando	
  a	
  um	
  indivíduo	
  é	
  prescrita	
  a	
  realização	
  ou	
  a	
  omissão	
  de	
  um	
  determinado	
  ato”.	
  (p.	
  16-­‐17)	
  	
  -­‐	
   “A	
  conduta	
  humana	
  é	
  ainda	
  regulada	
  num	
  sentido	
  positivo	
  quando	
  a	
  um	
   indivíduo	
  é	
  conferido,	
  pelo	
  ordenamento	
  normativo,	
  o	
  poder	
  ou	
  competência	
  para	
  produzir,	
  através	
  de	
   uma	
   determinada	
   atuação,	
   determinadas	
   consequências	
   pelo	
  mesmo	
   ordenamento	
  normadas,	
   especialmente	
   –	
   se	
   o	
   ordenamento	
   regula	
   a	
   sua	
   própria	
   criação	
   –	
   para	
  produzir	
  normas	
  ou	
  para	
  intervir	
  na	
  produção	
  de	
  normas”.	
  (p.	
  17)	
  	
  -­‐	
   “Negativamente	
   regulada	
   por	
   um	
   ordenamento	
   normativo	
   é	
   a	
   conduta	
   humana	
  quando,	
   não	
   sendo	
   proibida	
   por	
   aquele	
   ordenamento,	
   também	
   não	
   é	
   positivamente	
  permitida	
   por	
   uma	
   norma	
   delimitadora	
   do	
   domínio	
   de	
   validade	
   de	
   uma	
   outra	
   norma	
  proibitiva	
  –	
  sendo,	
  assim,	
  permitida	
  num	
  sentido	
  meramente	
  negativo”.	
  (p.	
  18)	
  	
  
e)	
  Norma	
  e	
  valor	
  	
  -­‐	
   “O	
   juízo	
   segundo	
   o	
   qual	
   uma	
   conduta	
   real	
   é	
   tal	
   como	
  deve	
   ser,	
   de	
   acordo	
   com	
  uma	
  norma	
   objetivamente	
   válida,	
   é	
   um	
   juízo	
   de	
   valor,	
   e,	
   neste	
   caso,	
   um	
   juízo	
   de	
   valor	
  positivo.	
  Significa	
  que	
  a	
  conduta	
  real	
  é	
   ‘boa’.	
  O	
   juízo,	
  segundo	
  o	
  qual	
  uma	
  conduta	
  real	
  não	
  é	
  tal	
  como,	
  de	
  acordo	
  com	
  uma	
  norma	
  válida,	
  deveria	
  ser,	
  (...),	
  é	
  um	
  juízo	
  de	
  valor	
  negativo.	
  Significa	
  que	
  a	
  conduta	
  real	
  é	
  ‘má’.	
  Uma	
  norma	
  objetivamente	
  válida,	
  que	
  fixa	
  uma	
  conduta	
  como	
  devida,	
  constitui	
  um	
  valor	
  positivo	
  ou	
  negativo”.	
  (p.	
  19)	
  	
  -­‐	
   Há	
   aqui	
   uma	
   nota	
   de	
   pé	
   de	
   página	
   na	
   qual	
   Kelsen	
   se	
   contrapõe	
   a	
   Schlick	
   (filósofo	
  vienense	
   fundador	
   da	
   escola	
   filosófica	
   do	
   positivismo	
   lógico),	
   pelo	
   fato	
   de	
   que,	
   para	
  Schlick,	
   uma	
   norma	
   é	
   uma	
   simples	
   tradução	
   de	
   um	
   fato	
   da	
   realidade.	
   No	
   início	
   do	
  próximo	
   capítulo	
   (“Direito	
   e	
  Moral”),	
   Kelsen	
   volta	
   a	
   se	
   contrapor	
   a	
   Schlick,	
   deixarei	
   –	
  deste	
  modo	
  –	
  para	
   registrar	
   essa	
  questão	
   com	
  um	
  pouco	
  mais	
  de	
  detalhe	
  no	
  próximo	
  capítulo.	
  
	
   10	
  
	
  -­‐	
   “Apenas	
   um	
   fato	
   da	
   ordem	
   do	
   ser	
   pode,	
   quando	
   comparado	
   com	
   uma	
   norma,	
   ser	
  julgado	
  valioso	
  ou	
  desvalioso	
  (...).	
  É	
  a	
  realidade	
  que	
  se	
  avalia”.	
  (p.	
  19)	
  	
  Aqui,	
  Kelsen	
  insere	
  uma	
  nota	
  de	
  rodapé,	
  na	
  qual	
  remete	
  para	
  o	
  apêndice	
  (que	
  consta	
  da	
  2a	
   edição	
   da	
   TPD,	
   mas	
   que	
   infelizmente	
   não	
   foi	
   publicado	
   na	
   edição	
   austríaca	
   e,	
   por	
  conta	
   disso,	
   não	
   aparece	
   também	
   na	
   edição	
   brasileira)	
   a	
   discussão	
   acerca	
   da	
  possibilidade	
   de	
   as	
   normas	
   serem	
   objeto	
   de	
   valoração	
   de	
   outras	
   normas,	
   isto	
   é,	
   “a	
  questão	
  de	
  saber	
  como	
  é	
  que	
  o	
  direito	
  positivo	
  pode	
  ser	
  valorado	
  como	
  justo	
  ou	
  injusto”.	
  	
  -­‐	
   “Na	
  medida	
  em	
  que	
  as	
  normas	
  que	
  constituem	
  o	
   fundamento	
  dos	
   juízos	
  de	
  valor	
  são	
  estabelecidas	
  por	
  atos	
  de	
  uma	
  vontade	
  humana,	
  e	
  não	
  de	
  uma	
  vontade	
  supra-­‐humana,	
  os	
  valores	
  através	
  delas	
  constituídos	
  são	
  arbitrários”.	
  (p.	
  19)	
  	
  
5.	
  A	
  ordem	
  social	
  	
  
a)	
  Ordens	
  sociais	
  que	
  estatuem	
  sanções	
  	
  “Uma	
  ordem	
  normativa	
   que	
   regula	
   a	
   conduta	
   humana	
  na	
  medida	
   em	
  que	
   ela	
   está	
   em	
  relação	
  com	
  outras	
  pessoas,	
  é	
  uma	
  ordem	
  social.	
  A	
  Moral	
  e	
  o	
  Direito	
  são	
  ordens	
  sociais	
  deste	
  tipo”.	
  (p.	
  25-­‐26)	
  	
  -­‐	
  O	
  princípio,	
  que	
  conduz	
  a	
  reagir	
  a	
  uma	
  determinada	
  conduta	
  com	
  um	
  prêmio	
  ou	
  uma	
  pena	
  é	
  o	
  princípio	
  retributivo	
  (Vergeltung).	
  O	
  prêmio	
  e	
  o	
  castigo	
  podem	
  compreender-­‐se	
  no	
  conceito	
  de	
  sanção.	
  (p.	
  26)	
  	
  -­‐	
  Finalmente,	
  uma	
  ordem	
  social	
  pode	
  –	
  e	
  é	
  este	
  o	
  caso	
  da	
  ordem	
   jurídica	
  –	
  prescrever	
  uma	
   determinada	
   conduta	
   precisamente	
   pelo	
   fato	
   de	
   ligar	
   à	
   conduta	
   oposta	
   uma	
  desvantagem,	
  como	
  a	
  privação	
  dos	
  bens	
  acima	
  referidos,	
  ou	
  seja,	
  uma	
  pena	
  no	
  sentido	
  mais	
  amplo	
  da	
  palavra”.(p.	
  26)	
  	
  -­‐	
   “A	
  conduta	
  prescrita	
  não	
  é	
  a	
  conduta	
  devida;	
  devida	
  é	
  a	
  sanção.	
  O	
  ser-­‐prescrita	
  uma	
  conduta	
  significa	
  que	
  o	
  contrário	
  desta	
  conduta	
  é	
  pressuposto	
  do	
  ser-­‐devida	
  da	
  sanção.	
  A	
  execução	
  da	
  sanção	
  e	
  prescrita,	
  é	
  conteúdo	
  de	
  um	
  dever	
  jurídico,	
  se	
  a	
  sua	
  omissão	
  é	
  tornada	
  pressuposto	
  de	
  uma	
  sanção.	
  Se	
  não	
  for	
  esse	
  o	
  caso,	
  ela	
  apenas	
  pode	
  valer	
  como	
  autorizada,	
  e	
  não	
  também	
  como	
  prescrita.	
  Visto	
  não	
  podermos	
  admitir	
  um	
  regressum	
  ad	
  
infinitum	
  ,	
  a	
  última	
  sanção	
  nesta	
  séria	
  apenas	
  pode	
  ser	
  autorizada,	
  e	
  não	
  prescrita”.	
  (p.	
  27)	
  	
  -­‐	
  “Na	
  medida	
  em	
  que	
  o	
  mal	
  que	
  funciona	
  como	
  sanção	
  –	
  a	
  pena	
  no	
  sentido	
  mais	
  amplo	
  da	
  palavra	
   –	
   deve	
   ser	
   aplicada	
   contra	
   a	
   vontade	
   do	
   atingido	
   e,	
   em	
   caso	
   de	
   resistência,	
  através	
  do	
  recurso	
  à	
  força	
  física,	
  a	
  sanção	
  tem	
  o	
  caráter	
  de	
  um	
  ato	
  de	
  coação.	
  Uma	
  ordem	
  normativa	
  que	
   	
  estatui	
  atos	
  de	
  coerção	
  como	
  reação	
  contra	
  uma	
  determinada	
  conduta	
  humana	
  é	
  uma	
  ordem	
  coercitiva.	
  Mas	
  os	
  atos	
  de	
  coerção	
  podem	
  ser	
  estatuídos	
  –	
  e	
  é	
  este	
  o	
  caso	
  da	
  ordem	
  jurídica,	
  como	
  veremos	
  –	
  não	
  só	
  como	
  sanção,	
  (...),	
  mas	
  também	
  como	
  reação	
  contra	
  situações	
  de	
  fato	
  socialmente	
  indesejáveis	
  que	
  não	
  representam	
  conduta	
  humana	
  é,	
  por	
  isso,	
  não	
  podem	
  ser	
  consideradas	
  como	
  proibidas”.	
  (p.	
  28)	
  	
  
b)	
  Haverá	
  ordens	
  sociais	
  desprovidas	
  de	
  sanção?	
  
	
   11	
  
	
  -­‐	
   “É	
   por	
   isso	
   duvidoso	
   que	
   seja	
   sequer	
   possível	
   uma	
   distinção	
   entre	
   ordens	
   sociais	
  sancionadas.	
  A	
  única	
  distinção	
  de	
  ordens	
  sociais	
  a	
  ter	
  em	
  conta	
  não	
  reside	
  em	
  que	
  umas	
  estatuem	
  sanções	
  e	
  outras	
  não,	
  mas	
  nas	
  diferentes	
  espécies	
  de	
  sanções	
  que	
  estatuem”.	
  (p.	
  30)	
  	
  
c)	
  Sanções	
  transcendentes	
  e	
  sanções	
  socialmente	
  imanentes	
  	
  -­‐	
  “Sanções	
  transcendentes	
  são	
  aquelas	
  que,	
  segundo	
  a	
  crença	
  das	
  pessoas	
  submetidas	
  ao	
  ordenamento,	
  provêm	
  de	
  uma	
  instância	
  supra-­‐humana”.	
  (p.	
  30)	
  	
  -­‐	
   “Completamente	
   distintas	
   das	
   sanções	
   transcendentes	
   são	
   aquelas	
   que	
   não	
   só	
   se	
  realizam	
   no	
   aquém,	
   dentro	
   da	
   sociedade,	
   mas	
   também	
   são	
   executadas	
   por	
   homens,	
  membros	
  da	
  sociedade,	
  e	
  que,	
  por	
  isso,	
  podem	
  ser	
  designadas	
  como	
  sanções	
  socialmente	
  imanentes”.	
  (p.	
  31)	
  	
  
6.	
  A	
  ordem	
  jurídica	
  	
  
a)	
  O	
  Direito:	
  Ordem	
  de	
  conduta	
  humana	
  	
  -­‐	
  “Uma	
  teoria	
  do	
  Direito	
  deve,	
  antes	
  de	
  tudo,	
  determinar	
  conceitualmente	
  o	
  seu	
  objeto.	
  Para	
  alcançar	
  uma	
  definição	
  do	
  Direito,	
  é	
  aconselhável	
  primeiramente	
  partir	
  do	
  uso	
  da	
  linguagem,	
  quer	
  dizer,	
  determinar	
  o	
  significado	
  que	
  tem	
  a	
  palavra	
  ‘Recht’	
  (‘Direito’)	
  na	
  língua	
  alemã	
  e	
  as	
  suas	
  equivalentes	
  nas	
  outras	
  línguas	
  (law,	
  droit,	
  diritto,	
  etc.)”.	
  (p.	
  33)	
  	
  -­‐	
   “Com	
   efeito,	
   quando	
   confrontamos	
   uns	
   com	
  os	
   outros	
   os	
   objetos	
   que,	
   em	
  diferentes	
  povos	
  e	
  em	
  diferentes	
  épocas,	
  são	
  designados	
  como	
  ‘Direito’,	
  resulta	
  logo	
  que	
  todos	
  eles	
  se	
  apresentam	
  como	
  ordens	
  de	
  conduta	
  humana.	
  Uma	
  ‘ordem’	
  é	
  um	
  sistema	
  de	
  normas	
  cuja	
   unidade	
   é	
   constituída	
   pelo	
   fato	
   de	
   todas	
   elas	
   terem	
   o	
   mesmo	
   fundamento	
   de	
  validade.	
  E	
  o	
  fundamento	
  de	
  validade	
  de	
  uma	
  ordem	
  normativa	
  é	
  –	
  como	
  veremos	
  –	
  uma	
  norma	
  fundamental	
  da	
  qual	
  se	
  retira	
  a	
  validade	
  de	
  todas	
  as	
  normas	
  pertencentes	
  a	
  essa	
  ordem.	
   Uma	
   norma	
   singular	
   é	
   uma	
   norma	
   jurídica	
   enquanto	
   pertence	
   a	
   uma	
  determinada	
   ordem	
   jurídica,	
   e	
   pertence	
   a	
   uma	
   determinada	
   ordem	
   jurídica	
   quando	
   a	
  sua	
  validade	
  se	
  funda	
  na	
  norma	
  fundamenta	
  dessa	
  ordem”.	
  (p.	
  33)	
  	
  -­‐	
  “As	
  normas	
  de	
  uma	
  ordem	
  jurídica	
  regulam	
  a	
  conduta	
  humana”.	
  (p.	
  33)	
  	
  -­‐	
  Kelsen,	
  na	
  passagem	
  citada,	
  coloca	
  definitivamente	
  no	
  centro	
  da	
  sua	
  teoria	
  o	
  conceito	
  de	
   “ordem”	
  ou	
   “sistema”.	
  O	
   foco	
  da	
  TPD,	
  portanto,	
   não	
   se	
   encontra	
  na	
  norma	
   jurídica	
  tomada	
  isoladamente,	
  mas	
  no	
  sistema	
  normativo.	
  	
  
b)	
  O	
  Direito:	
  uma	
  ordem	
  coativa	
  	
  -­‐	
  “Uma	
  outra	
  característica	
  comum	
  às	
  ordens	
  sociais	
  a	
  que	
  chamamos	
  Direito	
  é	
  que	
  elas	
  são	
   ordens	
   coativas,	
   no	
   sentido	
   de	
   que	
   reagem	
   contra	
   as	
   situações	
   consideradas	
  indesejáveis,	
   por	
   serem	
   socialmente	
   perniciosas	
   –	
   particularmente	
   contra	
   condutas	
  humanas	
  indesejáveis	
  –	
  com	
  um	
  ato	
  de	
  coação,	
  isto	
  é	
  com	
  um	
  mal	
  –	
  como	
  a	
  privação	
  da	
  vida,	
  da	
  saúde,	
  da	
   liberdade,	
  de	
  bens	
  econômicos	
  e	
  outros	
  -­‐,	
  um	
  mal	
  que	
  é	
  aplicado	
  ao	
  destinatário	
  mesmo	
  contra	
  a	
  sua	
  vontade,	
  se	
  necessário	
  empregando	
  até	
  a	
  força	
  física	
  –	
  
	
   12	
  
coativamente,	
  portanto.	
  Dizer-­‐se	
  que,	
   com	
  o	
  ato	
  coativo	
  que	
   funciona	
  como	
  sanção,	
   se	
  aplica	
   um	
   mal	
   ao	
   destinatário,	
   significa	
   que	
   este	
   ato	
   é	
   normalmente	
   recebido	
   pelo	
  destinatário	
  como	
  um	
  mal”.	
  (p.	
  36-­‐37(	
  	
  -­‐	
  O	
  direito	
  é	
  uma	
  ordem	
  coativa	
  da	
  conduta	
  humana.	
  	
  -­‐	
   “Mas	
  uma	
  ordem	
   jurídica	
  pode,	
  através	
  dos	
  atos	
  de	
  coação	
  por	
  ela	
  estatuídos,	
   reagir	
  não	
   só	
   contra	
   uma	
   determinada	
   conduta	
   humana	
  mas	
   ainda,	
   (...),	
   contra	
   outros	
   fatos	
  socialmente	
   nocivos.	
   Por	
   outras	
   palavras,	
   enquanto	
   o	
   ato	
   de	
   coação	
   normado	
   pela	
  ordem	
   jurídica	
   é	
   sempre	
   a	
   conduta	
   de	
   um	
   determinado	
   indivíduo,	
   a	
   condição	
   de	
   que	
  aquele	
  depende	
  não	
  tem	
  de	
  ser	
  necessariamente	
  determinada	
  conduta	
  de	
  um	
  indivíduo,	
  mas	
  podetambém	
  sê-­‐lo	
  uma	
  outra	
  situação	
  de	
   fato	
  considerada,	
  por	
  qualquer	
  motivo,	
  como	
  socialmente	
  perniciosa”.	
  (p.	
  36)	
  	
  
-­‐	
   “Como	
   ordem	
   coativa,	
   o	
   Direito	
   distingue-­‐se	
   de	
   outras	
   ordens	
   sociais.	
   O	
  
momento	
  coação	
  (...)	
  é	
  o	
  critério	
  decisivo”.	
  	
  (p.	
  37)	
  	
  
α)	
  Os	
  atos	
  de	
  coação	
  estatuídos	
  pela	
  ordem	
  jurídica	
  como	
  sanções	
  	
  -­‐	
  “O	
  Direito	
  é	
  uma	
  ordem	
  coativa,	
  não	
  no	
  sentido	
  de	
  que	
  ele	
  –	
  ou,	
  mais	
  rigorosamente,	
  a	
  sua	
   representação	
   –	
   produz	
   coação	
   psíquica;	
   mas	
   no	
   sentido	
   de	
   que	
   estatui	
   atos	
   de	
  coação,	
  designadamente	
  a	
  privação	
  coercitiva	
  da	
  vida,	
  da	
  liberdade,	
  de	
  bens	
  econômicos	
  e	
  outros,	
  como	
  consequência	
  dos	
  pressupostos	
  por	
  ele	
  estabelecidos”.	
  (p.	
  38)	
  	
  
β)	
  O	
  Monopólio	
  de	
  coação	
  da	
  comunidade	
  jurídica	
  	
  -­‐	
  “Gradualmente,	
  porém,	
  estabelece-­‐se	
  o	
  princípio	
  de	
  que	
  todo	
  o	
  emprego	
  da	
  força	
  física	
  é	
  proibido	
  quando	
  não	
  seja	
  –	
  e	
  temos	
  aqui	
  uma	
  limitação	
  ao	
  princípio	
  –	
  especialmente	
  autorizado	
  como	
  reação,	
  da	
  competência	
  da	
  comunidade	
   jurídica,	
   contra	
  uma	
  situação	
  de	
   fato	
   considerada	
   socialmente	
   perniciosa.	
   (...).	
   Neste	
   sentido,	
   pois,	
   estamos	
   perante	
  um	
  monopólico	
  da	
  coação	
  por	
  parte	
  da	
  comunidade	
  jurídica”.	
  (p.	
  40)	
  	
  
γ)	
  Ordem	
  jurídica	
  e	
  segurança	
  coletiva	
  	
  -­‐	
  “A	
  segurança	
  coletiva	
  visa	
  à	
  paz,	
  pois	
  a	
  paz	
  é	
  ausência	
  do	
  emprego	
  de	
  força	
  física.	
  (...).	
  O	
  Direito	
  é	
  uma	
  ordem	
  de	
  coerção	
  e,	
  como	
  ordem	
  de	
  coerção,	
  é	
  –	
  conforme	
  o	
  seu	
  grau	
  de	
  evolução	
  –	
  um	
  ordem	
  de	
  segurança,	
  que	
  dizer,	
  uma	
  ordem	
  de	
  paz”.	
  (p.	
  41)	
  	
  
δ)	
  Atos	
  coercitivos	
  que	
  não	
  têm	
  o	
  caráter	
  de	
  sanções	
  	
  -­‐	
   “Segundo	
   o	
   Direito	
   dos	
   Estados	
   totalitários,	
   o	
   governo	
   tem	
   poder	
   para	
   encerrar	
   em	
  campos	
   de	
   concentração,	
   forçar	
   a	
   quaisquer	
   trabalhos	
   e	
   até	
   matar	
   os	
   indivíduos	
   de	
  opinião,	
   religião	
   ou	
   raça	
   indesejável.	
   Podemos	
   condenar	
   com	
   a	
  maior	
   veemência	
   tais	
  medidas,	
   mas	
   o	
   que	
   não	
   podemos	
   é	
   considerá-­‐las	
   como	
   situando-­‐se	
   fora	
   da	
   ordem	
  jurídica	
  desses	
  Estados”.	
  (p.	
  44)	
  	
  -­‐	
  Na	
  minha	
  opinião,	
  Kelsen,	
  tendo	
  testemunhado	
  a	
  ascensão	
  do	
  nazismo	
  e	
  tendo	
  sofrido	
  diretamente	
  as	
  consequências	
  da	
  aplicação	
  de	
  leis	
  extremamente	
  injustas	
  (como	
  vimos	
  na	
   sua	
   biografia),	
   expressa	
   extraordinárias	
   coragem	
   e	
   retidão	
   intelectual	
   ao	
   escrever	
  
	
   13	
  
esse	
   parágrafo.	
   Ele	
   encerra	
   um	
   desdobramento	
   necessário	
   dos	
   pressupostos	
  juspositivistas	
   defendidos	
   por	
   Kelsen.	
   Desdobramento	
   potencialmente	
   trágico,	
   porém	
  necessário	
  do	
  ponto	
  de	
  vista	
  da	
  coerência	
   interna	
  da	
  teoria.	
  A	
  corrente	
  não-­‐positivista	
  que	
  se	
  desenrola	
  de	
  Radbruch,	
  do	
  final	
  da	
  2a	
  Guerra,	
  	
  até	
  Alexy,	
  nos	
  dias	
  de	
  hoje,	
  surge	
  da	
  necessidade	
  de	
  confrontar	
  a	
  validade	
  dessa	
  tese.	
  A	
  compreensão	
  da	
  “Tese	
  da	
  Injustiça	
  Extrema”,	
   defendida	
   por	
   Alexy,	
   e	
   que	
   compreende	
   a	
   famosa	
   “Fórmula	
   de	
   Radbruch”	
  (uma	
  injustiça	
  extrema	
  não	
  é	
  Direito),	
  busca	
  refutar	
  a	
  tese	
  defendida	
  pela	
  TPD	
  de	
  que	
  o	
  Direito	
  pode	
  ter	
  qualquer	
  conteúdo.	
  	
  -­‐	
   “Se	
   o	
   conceito	
   de	
   sanção	
   é	
   alargado	
   nestes	
   termos,	
   já	
   não	
   coincidirá	
   com	
   o	
   de	
  consequência	
  do	
  ilícito.	
  A	
  sanção,	
  neste	
  sentido,	
  não	
  tem	
  necessariamente	
  de	
  seguir-­‐se	
  ao	
  ato	
  ilícito:	
  pode	
  precedê-­‐lo”.	
  (p.	
  45)	
  	
  
ε)	
  O	
  Mínimo	
  de	
  liberdade	
  	
  -­‐	
  “A	
  ordem	
  jurídica	
  pode	
  limitar	
  mais	
  ou	
  menos	
  a	
  liberdade	
  do	
  indivíduo	
  enquanto	
  lhe	
  dirige	
  prescrições	
  mais	
  ou	
  menos	
  numerosas.	
  Fica	
  sempre	
  garantido,	
  porém,	
  um	
  mínimo	
  de	
  liberdade,	
  isto	
  é,	
  de	
  ausência	
  de	
  vinculação	
  jurídica,	
  uma	
  esfera	
  de	
  existência	
  humana	
  na	
  qual	
  não	
  penetra	
  qualquer	
  comando	
  ou	
  proibição.	
  Mesmo	
  sob	
  a	
  ordem	
  jurídica	
  mais	
  totalitária	
  existe	
  algo	
  como	
  uma	
   liberdade	
   inalienável	
  –	
  não	
  enquanto	
  direito	
   inato	
  do	
  homem,	
  enquanto	
  direito	
  natural,	
  mas	
  como	
  uma	
  consequência	
  da	
  limitação	
  técnica	
  que	
  afeta	
  a	
  disciplina	
  positiva	
  da	
  conduta	
  humana”.	
  (p.	
  47-­‐48)	
  	
  -­‐	
  Repare	
  que	
   esse	
   “mínimo	
  de	
   liberdade”	
  não	
   é	
   –	
   como	
  Kelsen	
  mesmo	
   faz	
  questão	
  de	
  sublinhar	
   –	
   uma	
   consequência	
   necessária	
   da	
   dignidade	
   da	
   pessoa	
   humana	
   ou	
   da	
   lei	
  natural.	
   Esse	
  mínimo	
  de	
   liberdade	
   é	
   simplesmente	
   a	
   consequência	
  da	
   impossibilidade	
  fática	
  de	
  uma	
  regulação	
  total	
  da	
  conduta	
  humana.	
  	
  
c)	
  O	
  Direito	
  como	
  ordem	
  normativa	
  de	
  coação.	
  Comunidade	
  jurídica	
  e	
  “bando	
  de	
  
salteadores	
  	
  -­‐	
   “Agora	
   podemos	
   dar	
   resposta	
   à	
   questão	
   de	
   saber	
   por	
   que	
   é	
   que	
   não	
   conferimos	
   ao	
  comando	
   de	
   um	
   salteador	
   de	
   estradas,	
   proferido	
   sob	
   ameaça	
   de	
   morte,	
   o	
   sentido	
  objetivo	
  de	
  uma	
  norma	
  vinculadora	
  do	
  destinatário,	
  isto	
  é,	
  de	
  uma	
  norma	
  válida,	
  por	
  que	
  	
  é	
   que	
   não	
   interpretamos	
   este	
   ato	
   como	
   um	
   ato	
   jurídico,	
   por	
   que	
   interpretamos	
   a	
  realização	
  da	
  ameaça	
  como	
  um	
  delito	
  e	
  não	
  como	
  a	
  execução	
  de	
  uma	
  sanção”.	
  (p.	
  52)	
  	
  -­‐	
  Agora	
  então	
  vem	
  a	
  resposta:	
  	
  -­‐	
  “Se	
  se	
  trata	
  do	
  ato	
  isolado	
  de	
  um	
  só	
  indivíduo,	
  tal	
  ato	
  não	
  pode	
  ser	
  considerado	
  como	
  um	
  ato	
  jurídico	
  e	
  o	
  seu	
  sentido	
  não	
  pode	
  ser	
  considerado	
  como	
  uma	
  norma	
  jurídica,	
  já	
  mesmo	
  pelo	
   fato	
  de	
  o	
  Direito	
  –	
  conforme	
  já	
  acentuamos	
  –	
  não	
  ser	
  uma	
  norma	
  isolada,	
  mas	
   um	
   sistema	
   de	
   normas,	
   um	
   ordenamento	
   social,	
   e	
   umanorma	
   particular	
   apenas	
  pode	
   ser	
   considerada	
   como	
   norma	
   jurídica	
   na	
   medida	
   em	
   que	
   pertença	
   a	
   um	
   tal	
  ordenamento.	
   O	
   confronto	
   com	
   uma	
   ordem	
   jurídica	
   penas	
   seria	
   de	
   considerar	
   se	
   se	
  tratasse	
   da	
   atividade	
   sistemática	
   de	
   um	
   bando	
   organizado	
   que	
   tornasse	
   inseguro	
   um	
  determinado	
  território	
  pelo	
  fato	
  de	
  coagir	
  os	
  indivíduos	
  que	
  aí	
  vivessem,	
  sob	
  a	
  ameaça	
  de	
  certos	
  males,	
  à	
  entrega	
  do	
  seu	
  dinheiro	
  e	
  valores	
  patrimoniais.	
  Nesse	
  caso,	
  a	
  ordem	
  que	
   regula	
   a	
   conduta	
   recíproca	
   dos	
   membros	
   do	
   grupo,	
   qualificado	
   como	
   ‘bando	
   de	
  
	
   14	
  
salteadores’,	
   deve	
   ser	
   distinguida	
   da	
   ordem	
   externa,	
   isto	
   é,	
   dos	
   comandos	
   que	
   os	
  membros	
  ou	
  os	
  órgãos	
  do	
  bando	
  dirigem,	
  sob	
  a	
  cominação	
  de	
  certos	
  males,	
  àqueles	
  que	
  não	
  pertencem	
  ao	
  grupo.	
  Com	
  efeito,	
  somente	
  em	
  relação	
  aos	
  estranhos	
  é	
  que	
  o	
  grupo	
  se	
  comporta	
  como	
  bando	
  de	
   ‘salteadores’.	
  Se	
  a	
  rapina	
  e	
  o	
  assassinato	
  não	
  fosse	
  proibidos	
  nas	
   relações	
   entre	
   os	
   salteadores,	
   não	
   estaríamos	
   sequem	
   em	
   face	
   de	
   qualquer	
  comunidade,	
   não	
   existiria	
   um	
   ‘bando’	
   de	
   salteadores.	
   Por	
   isso,	
   pode	
   ainda	
   a	
   ordem	
  interna	
   do	
   bando	
   entra	
   muitas	
   vezes	
   em	
   conflito	
   com	
   uma	
   ordem	
   de	
   coerção,	
  considerada	
   como	
  ordem	
   jurídica,	
   em	
  cujo	
  domínio	
   territorial	
  de	
  validade	
   se	
   exerça	
  a	
  atividade	
   do	
   mesmo	
   bando.	
   Se	
   a	
   ordem	
   de	
   coerção	
   que	
   constitui	
   esta	
   comunidade	
   e	
  abrange	
  a	
  sua	
  ordenação	
  interna	
  e	
  externa	
  não	
  é	
  considerada	
  como	
  ordem	
  jurídica,	
  se	
  o	
  seu	
   sentido	
   subjetivo,	
   segundo	
  o	
  qual	
   as	
  pessoas	
   se	
  devem	
  conduzir	
  de	
   conformidade	
  com	
  ela,	
   não	
   é	
   havido	
   como	
   sendo	
  o	
   seu	
   sentido	
  objetivo,	
   é	
   porque	
   se	
  não	
  pressupõe	
  qualquer	
   norma	
   fundamental	
   por	
   virtude	
   da	
   qual	
   as	
   pessoas	
   se	
   devam	
   conduzir	
   de	
  harmonia	
  com	
  tal	
  ordenamento	
  –	
  isto	
  é,	
  por	
  força	
  da	
  qual	
  a	
  coação	
  deva	
  ser	
  exercida	
  sob	
  os	
  pressupostos	
  e	
  pela	
  forma	
  que	
  esse	
  ordenamento	
  determina.	
  Mas	
  –	
  e	
  esta	
  é	
  a	
  questão	
  decisiva	
   –	
   por	
   que	
   é	
   que	
   se	
   não	
   pressupõe	
   essa	
   norma	
   fundamental?	
   Ela	
   não	
   é	
  pressuposta	
  porque,	
  ou	
  melhor,	
  se	
  esse	
  ordenamento	
  não	
  tem	
  aquela	
  eficácia	
  duradoura	
  sem	
   a	
   qual	
   não	
   é	
   pressuposta	
   qualquer	
   norma	
   fundamental	
   que	
   se	
   lhe	
   refira	
   e	
  fundamente	
  a	
  sua	
  validade	
  objetiva.	
  Ele	
  não	
  tem	
  claramente	
  esta	
  eficácia	
  se	
  as	
  normas	
  estatuidoras	
   de	
   sanções	
   da	
   ordem	
   jurídica	
   em	
   cujo	
   domínio	
   territorial	
   de	
   validade	
   se	
  exerce	
  a	
  atividade	
  do	
  bando	
  são	
  aplicadas	
  de	
  fato	
  a	
  esta	
  atividade	
  enquanto	
  ela	
  constitui	
  uma	
   conduta	
   contrária	
   ao	
  Direito	
   e	
   os	
   componentes	
   do	
   bando	
   são	
   compulsoriamente	
  privados	
  da	
  liberdade,	
  ou	
  mesmo	
  da	
  vida,	
  por	
  meio	
  de	
  atos	
  que	
  são	
  interpretados	
  como	
  pena	
  de	
  privação	
  de	
  liberdade	
  e	
  pena	
  de	
  morte	
  e,	
  assim,	
  se	
  põe	
  um	
  termo	
  à	
  atividade	
  do	
  bando	
  –	
   ou	
   seja:	
   quando	
   a	
   ordem	
  de	
   coação	
   reconhecida	
   como	
  ordem	
   jurídica	
   é	
  mais	
  eficaz	
  do	
  que	
  a	
  ordem	
  de	
  coação	
  constitutiva	
  do	
  bando	
  de	
  salteadores”.	
  (p.	
  52-­‐53)	
  	
  -­‐	
  Esse	
  trecho	
  é,	
  com	
  razão,	
  um	
  dos	
  trechos	
  mais	
  famosos	
  da	
  TPD.	
  Aqui	
  aparece	
  a	
  conexão	
  entre	
  a	
  norma	
  fundamental	
  e	
  a	
  eficácia	
  global	
  do	
  sistema	
  normativo,	
  que,	
  aqui,	
  aparece	
  qualificada	
   como	
   “eficácia	
   duradoura”.	
   Essa	
   é,	
   de	
   fato,	
   a	
   questão	
   central.	
   No	
   entanto,	
  chamo	
   a	
   atenção	
   para	
   uma	
   interessante	
   questão	
   periférica.	
   Kelsen	
   afirma	
   que	
   se	
   a	
  “rapina	
   e	
   o	
   assassinato	
   não	
   fossem	
   proibidos	
   nas	
   relações	
   entre	
   os	
   salteadores,	
   não	
  estaríamos	
   seque	
   em	
   face	
   de	
   qualquer	
   comunidade”.	
   Essa	
   é	
   uma	
   afirmação	
   que,	
   em	
  qualquer	
   outro	
   lugar,	
   soaria	
   trivial.	
   No	
   entanto,	
   me	
   parece	
   que	
   ao	
   afirmar	
   que	
   a	
  proibição	
  da	
   rapina	
  e	
  do	
  assassinato	
  são	
  condições	
  de	
  existência	
  de	
  uma	
  comunidade,	
  Kelsen	
  entra	
  em	
  contradição	
  com	
  sua	
  afirmação	
  –	
  central	
  para	
  a	
  TPD	
  –	
  de	
  que	
  o	
  Direito	
  pode	
  ter	
  qualquer	
  conteúdo.	
  Sugiro	
  que	
  você	
   leia,	
  mais	
  tarde,	
  e	
  compare	
  com	
  o	
  trecho	
  destacado,	
   o	
   que	
   Alexy,	
   em	
   “O	
   Conceito	
   e	
   Validade	
   do	
   Direito”,	
   escreve	
   sobre	
   o	
  “argumento	
   da	
   correção”.	
   Cito	
   algumas	
   poucas	
   linhas:	
   “O	
   argumento	
   da	
   correção	
  constitui	
  a	
  base	
  dos	
  outros	
  dois	
  argumentos,	
  ou	
  seja,	
  o	
  da	
  injustiça	
  e	
  o	
  dos	
  princípios.	
  Ele	
  afirma	
  que	
  tanto	
  as	
  normas	
  e	
  decisões	
  jurídicas	
  individuais	
  quanto	
  os	
  sistemas	
  jurídicos	
  como	
  um	
  todo	
  formulam	
  necessariamente	
  a	
  pretensão	
  à	
  correção.	
  Sistemas	
  normativos	
  que	
   não	
   formulam	
   explícita	
   ou	
   implicitamente	
   essa	
   pretensão	
   não	
   são	
   sistemas	
  jurídicos”.	
  (ALEXY,	
  2011:	
  43)	
  	
  -­‐	
  Não	
  vou	
  transcrever,	
  mas,	
  neste	
  tópico,	
  merece	
  ainda	
  ser	
  lida	
  com	
  atenção	
  a	
  passagem	
  na	
  qual	
  Kelsen	
  cita	
  Santo	
  Agostinho	
  e,	
  contra	
  Santo	
  Agostinho,	
  defende	
  a	
  tese	
  de	
  que	
  a	
  Justiça	
   não	
   pode	
   ser	
   nem	
   uma	
   característica	
   que	
   distinga	
   o	
   Direito	
   de	
   outras	
   ordens	
  coercitivas,	
  como	
  tampouco	
  pode	
  ser	
  o	
  fundamento	
  de	
  validade	
  do	
  sistema	
  normativo,	
  
	
   15	
  
pelo	
  fato	
  de	
  que,	
  a	
  tese	
  de	
  Santo	
  Agostinho,	
  na	
  concepção	
  de	
  Kelsen,	
  ignora	
  a	
  necessária	
  relatividade	
  dos	
  juízos	
  de	
  valor.	
  Kelsen	
  conclui:	
  	
  -­‐	
   “Se	
   a	
   Justiça	
   é	
   tomada	
   como	
   critério	
   da	
   ordem	
   normativa	
   adesignar	
   como	
   Direito,	
  então	
   as	
   ordens	
   coercitivas	
   capitalistas	
  do	
  mundo	
  ocidental	
   não	
   são	
  de	
   forma	
  alguma	
  Direito	
  do	
  ponto	
  de	
  vista	
  do	
  ideal	
  comunista	
  do	
  Direito,	
  e	
  a	
  ordem	
  coercitiva	
  comunista	
  da	
  União	
  Soviética	
  não	
  é	
  também	
  de	
  forma	
  alguma	
  Direito	
  do	
  ponto	
  de	
  vista	
  do	
  ideal	
  de	
  Justiça	
  capitalista.	
  Um	
  conceito	
  de	
  Direito	
  que	
  conduz	
  a	
  uma	
  tal	
  consequência	
  não	
  pode	
  ser	
  aceito	
  por	
  uma	
  ciência	
  jurídica	
  positiva”.	
  (p.	
  55)	
  	
  
d)	
  Deveres	
  jurídicos	
  sem	
  sanção?	
  	
  -­‐	
  A	
  resposta	
  é	
  não.	
  E	
  um	
  não	
  com	
  radicais	
  consequências:	
  	
  -­‐	
  “Nas	
  ordens	
  jurídicas	
  modernas	
  só	
  muito	
  excepcionalmente	
  se	
  encontram	
  normas	
  que	
  são	
   o	
   sentido	
   subjetivo	
   de	
   atos	
   de	
   legislação	
   e	
   que	
   prescrevem	
   uma	
   determinada	
  conduta	
  sem	
  que	
  a	
  conduta	
  oposta	
  seja	
  tomada	
  como	
  pressuposto	
  de	
  um	
  ato	
  coercitivo	
  que	
   funcione	
   como	
   sanção.	
   Se,	
   no	
   entanto,	
   as	
   ordens	
   sociais	
   a	
   que	
   chamamos	
  Direito	
  contivessem	
  de	
  fato	
  em	
  quantidade	
  apreciável	
  normas	
  prescritivas	
  que	
  não	
  estivessem	
  essencialmente	
  ligadas	
  a	
  normas	
  que	
  estatuem	
  atos	
  coercitivos	
  como	
  sanção	
  –	
  o	
  que	
  não	
  é,	
  porém,	
  o	
  caso	
  -­‐,	
  então	
  a	
  admissibilidade	
  de	
  uma	
  definição	
  do	
  Direito	
  como	
  ordem	
  de	
  coerção	
  seria	
  posta	
  em	
  causa.	
  E	
  se	
  das	
  ordens	
  sociais	
  a	
  que	
  chamamos	
  Direito	
  viesse	
  a	
  desaparecer	
   –	
   como	
   profetiza	
   o	
   socialismo	
   marxista	
   –	
   o	
   elemento	
   coação	
   (como	
  consequência	
   do	
   desaparecimento	
   da	
   propriedade	
   privada	
   dos	
   meios	
   de	
   produção),	
  estas	
   ordens	
   sociais	
   mudariam	
   radicalmente	
   de	
   caráter:	
   perderiam	
   –	
   no	
   sentido	
   da	
  definição	
   do	
   Direito	
   aqui	
   admitida	
   –	
   o	
   seu	
   caráter	
   jurídico,	
   do	
   mesmo	
   passo	
   que	
   as	
  comunidades	
   por	
   elas	
   construídas	
   perderiam	
   o	
   seu	
   caráter	
   estatal;	
   ou	
   seja,	
   na	
  terminologia	
  de	
  Marx,	
  o	
  Estado	
  –	
  e	
  com	
  o	
  Estado	
  também	
  o	
  Direito	
  –	
  ‘morreria’”.	
  (p.	
  60)	
  	
  
e)	
  Normas	
  jurídicas	
  não	
  autônomas	
  	
  -­‐	
   “Se	
   uma	
   ordem	
   jurídica	
   ou	
   uma	
   lei	
   feita	
   pelo	
   parlamento	
   contém	
   uma	
   norma	
   que	
  prescreve	
   determinada	
   conduta	
   e	
   uma	
   outra	
   norma	
   que	
   liga	
   à	
   não	
   observância	
   da	
  primeira	
   uma	
   sanção,	
   aquela	
   primeira	
   norma	
   não	
   é	
   uma	
   norma	
   autônoma,	
   mas	
   está	
  essencialmente	
  ligada	
  à	
  segunda;	
  ela	
  apenas	
  estabelece	
  –	
  negativamente	
  –	
  o	
  pressuposto	
  a	
  que	
  a	
  segunda	
  liga	
  a	
  sanção”.	
  (p.	
  61)	
  	
  -­‐	
   “Do	
   que	
   fica	
   dito	
   resulta	
   que	
   uma	
   ordem	
   jurídica,	
   se	
   bem	
   que	
   nem	
   todas	
   as	
   suas	
  normas	
   estatuam	
   atos	
   de	
   coação,	
   pode,	
   no	
   entanto,	
   ser	
   caracterizada	
   como	
   ordem	
  de	
  coação,	
  na	
  medida	
  em	
  que	
  todas	
  as	
  suas	
  normas	
  que	
  não	
  estatuam	
  elas	
  próprias	
  um	
  ato	
  coercitivo	
  e,	
  por	
  isso,	
  não	
  contenham	
  uma	
  prescrição	
  mas	
  antes	
  confiram	
  competência	
  para	
   a	
   produção	
   de	
   normas	
   ou	
   contenham	
   uma	
   permissão	
   positiva,	
   são	
   normas	
   não	
  autônomas,	
  pois	
  apenas	
  têm	
  validade	
  em	
  ligação	
  com	
  uma	
  norma	
  estatuidora	
  de	
  um	
  ato	
  de	
  coerção”.	
  (p.	
  64)	
  	
  -­‐	
   “Visto	
  que	
  uma	
  ordem	
   jurídica	
   é	
  uma	
  ordem	
  de	
   coação	
  no	
   sentido	
  que	
  acaba	
  de	
   ser	
  definido,	
   pode	
   ela	
   ser	
   descrita	
   em	
   proposições	
   enunciando	
   que,	
   sob	
   pressupostos	
  determinados	
  (determinados	
  pela	
  ordem	
   jurídica),	
  devem	
  ser	
  aplicados	
  certos	
  atos	
  de	
  coerção	
   (determinados	
   igualmente	
   pela	
   ordem	
   jurídica).	
   Todo	
   material	
   dado	
   nas	
  
	
   16	
  
normas	
   de	
   uma	
   ordem	
   jurídica	
   se	
   enquadra	
   neste	
   esquema	
   de	
   proposição	
   jurídica	
  formulada	
   pela	
   ciência	
   do	
  Direito,	
   proposição	
   esta	
   que	
   se	
   deverá	
   distinguir	
   da	
   norma	
  jurídica	
  posta	
  pela	
  autoridade	
  estadual”.	
  (p.	
  65)	
  	
  -­‐	
  Com	
  este	
  parágrafo,	
  Kelsen	
  encerra	
  o	
  primeiro	
  capítulo	
  da	
  TPD.	
  O	
  Direito	
  é	
  uma	
  ordem	
  de	
  coação.	
  Proposições	
  podem	
  descrever	
  essa	
  ordem.	
  Os	
  enunciados	
  dessas	
  proposições	
  descrevem	
   o	
   Direito	
   da	
   seguinte	
   maneira:	
   dados	
   certos	
   pressupostos	
   (determinados	
  pela	
   ordem	
   jurídica),	
   devem	
   ser	
   aplicados	
   certos	
   atos	
   de	
   coerção	
   (também	
  determinados	
   pela	
   ordem	
   jurídica).	
   Observe	
   que,	
   para	
   TPD,	
   todo	
   material	
   dado	
   no	
  Direito	
   se	
   enquadra	
   nesse	
   esquema	
   de	
   proposição	
   jurídica.	
   Outra	
   coisa	
   –	
   só	
   uma	
  observação	
   em	
   relação	
   à	
   tradução	
  do	
   termo	
   “estadual”.	
   Estadual	
   aqui,	
   e	
   não	
  devemos	
  nos	
  esquecer	
  que	
  a	
   tradução	
  da	
   “Teoria	
  Pura	
  do	
  Direito”	
   foi	
   feita	
  para	
  o	
  Português	
  de	
  Portugal,	
  se	
  refere	
  ao	
  que,	
  no	
  Português	
  do	
  Brasil,	
  nós	
  chamamos	
  de	
  estatal.	
  
 
 
II. Direito e Moral 
 
 
1. As Normas morais como normas sociais 
 
- “Ao definir o Direito como norma, na medida em que ele constitui o objeto de uma 
específica ciência jurídica, delimitâmo-lo em face da natureza e, ao mesmo tempo, 
delimitamos a ciência jurídica em face da ciência natural. Ao lado das normas jurídicas, 
porém, há outras normas que regulam a conduta dos homens entre si, isto é, normas sociais, e 
a ciência jurídica não é, portanto, a única disciplina dirigida ao conhecimento e à descrição de 
normas sociais. Essas outras normas sociais podem ser abrangidas sob a designação de Moral 
e a disciplina dirigia ao seu conhecimento pode ser designada como Ética”. (p. 67) 
 
- “A tentativa do positivismo lógico de representar a Ética como ciência empírica de fatos 
provém claramente do legítimo empenho de a subtrair ao domínio da especulação metafísica. 
Mas tal empenho já é bastante respeitado quando as normas que formam o objeto da Ética são 
conhecidas como conteúdos de sentido de fatos empíricos postos pelos homens no mundo da 
realidade, e não como comandos de entidades transcendentes. Se as normas da Moral, assim 
como as normas do Direito positivo, são o sentido de fatos empíricos, tanto a Ética como a 
ciência jurídica podem ser designadas como ciências empíricas – em contraposição

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