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Direito penal econômico autor: tHIaGo BottINo Do aMaraL ROTEIRO DE CURSO 2010.1 3ª eDIção Sumário Direito Penal Econômico I. InTRODUçãO ...............................................................................................................................................................................6 Delimitação do conteúdo da disciplina .......................................................................................... 6 Metodologia................................................................................................................................... 7 Bibliografia .................................................................................................................................... 7 Avaliação ........................................................................................................................................ 8 II. BlOCO DE aUlaS .........................................................................................................................................................................9 II.1 – Bloco 01 – conceItos fundamentaIs. .......................................................................................................................................9 aUlaS 01, 02, 03, 04 E 05 – COnCEITOS fUnDamEnTaIS. ................................................................................................................. 11 Introdução ................................................................................................................................... 11 A diferenciação do direito penal clássico e do Direito Penal Econômico ....................................... 11 A questão do bem jurídico ........................................................................................................... 11 A percepção social dos crimes econômicos ................................................................................... 11 Adequação e proporcionalidade das penas cominadas para essa classe de delitos ........................... 12 Independência das instâncias administrativa e penal ..................................................................... 12 Metodologia................................................................................................................................. 13 II.2 – Bloco 02 – crImes contra o sIstema fInanceIro e contra o mercado de capItaIs. .............................................................15 aUla 06: QUEm PODE PRaTICaR CRImE COnTRa O SISTEma fInanCEIRO naCIOnal? (COnCEITO DE InSTITUIçãO fInanCEIRa E alCanCE Da RESPOnSaBIlIDaDE PEnal)....................................................................................................................................... 16 Introdução ................................................................................................................................... 16 Caso ............................................................................................................................................. 17 Jurisprudência .............................................................................................................................. 19 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 21 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 21 aUla 07: QUal a DIfEREnça EnTRE gESTãO TEmERáRIa E fRaUDUlEnTa? ...................................................................................... 22 Introdução ................................................................................................................................... 22 Caso ............................................................................................................................................. 22 Jurisprudência .............................................................................................................................. 23 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 25 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 25 Atividade complementar .............................................................................................................. 25 aUla 08: “CaIxa DOIS”, “EmPRéSTImO vEDaDO” E “DESvIO DE fInalIDaDE DE EmPRéSTImO”. .......................................................... 26 Introdução ................................................................................................................................... 26 Caso ............................................................................................................................................. 28 Jurisprudência .............................................................................................................................. 29 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 29 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 30 Atividade complementar .............................................................................................................. 30 aUlaS 09 E 10: a famIgERaDa EvaSãO DE DIvISaS. ....................................................................................................................... 31 Introdução ................................................................................................................................... 31 Caso ............................................................................................................................................. 31 Jurisprudência .............................................................................................................................. 32 Questões ...................................................................................................................................... 34 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 34 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 35 Atividade complementar .............................................................................................................. 35 aUlaS 11 E 12: ROUBOU mUITO? PREnDE lOgO! a DECRETaçãO DE PRISãO PREvEnTIva Em RazãO Da magnITUDE Da lESãO (aRT. 30 Da lEI nº 7.492/1986). .................................................................................................................................................... 36 Introdução ................................................................................................................................... 36 Caso ............................................................................................................................................. 37 Jurisprudência .............................................................................................................................. 38 Questões ...................................................................................................................................... 39 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 40 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 40 Atividade complementar ..............................................................................................................40 aUla 13: CRImES COnTRa O mERCaDO DE CaPITaIS: manIPUlaçãO DE COTaçõES Em BOlSaS, USO DE InfORmaçãO PRIvIlEgIaDa E aTUaçãO IRREgUlaR nO mERCaDO DE CaPITaIS. .................................................................................................. 41 Introdução ................................................................................................................................... 41 Caso ............................................................................................................................................. 44 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 45 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 46 Atividade complementar .............................................................................................................. 46 aUlaS 14 E 15: “lavô, Tá nOvO”. O CRImE DE lavagEm DE CaPITaIS. ............................................................................................... 47 Introdução ................................................................................................................................... 47 Caso ............................................................................................................................................. 51 Jurisprudência .............................................................................................................................. 53 Questões ...................................................................................................................................... 55 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 56 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 56 aUla 16: PERDEU, PlayBOy!mEDIDaS aSSECURaTóRIaS PaTRImOnIaIS. ........................................................................................ 57 Introdução ................................................................................................................................... 57 Caso ............................................................................................................................................. 58 Jurisprudência .............................................................................................................................. 59 II.3 – Bloco 03 – crImes contra a ordem trIButárIa e a ordem econômIca. ...............................................................................60 aUla 17: O CRImE DOS RICOS: SOnEgaçãO fISCal E aPROPRIaçãO InDéBITa PREvIDEnCIáRIa. ...................................................... 61 Introdução ................................................................................................................................... 61 Caso ............................................................................................................................................. 62 Jurisprudência .............................................................................................................................. 65 Questões ...................................................................................................................................... 68 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 69 Atividade complementar .............................................................................................................. 69 aUla 18: COnTRaBanDO E DESCamInhO. ...................................................................................................................................... 71 Introdução ................................................................................................................................... 71 Caso ............................................................................................................................................. 71 Jurisprudência .............................................................................................................................. 74 Questões ...................................................................................................................................... 77 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 77 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 78 Atividade complementar .............................................................................................................. 78 aUla 19: CaRTEl, DUmPIng E OUTROS “maUS-háBITOS” COmERCIaIS. ............................................................................................ 80 Introdução ................................................................................................................................... 80 Caso ............................................................................................................................................. 82 Jurisprudência .............................................................................................................................. 83 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 85 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 85 Atividade complementar .............................................................................................................. 85 aUla 20: O PREçO DO ESQUECImEnTO – a ExTInçãO Da PUnIBIlIDaDE nOS DElITOS COnTRa a ORDEm TRIBUTáRIa E ECOnômICa. ..... 86 Introdução ................................................................................................................................... 86 Jurisprudência .............................................................................................................................. 89 aUla 21: gaSOlIna BaTIzaDa, álCOOl mOlhaDO E OUTROS COmBUSTívEIS alTERnaTIvOS. .......................................................... 90 Introdução ................................................................................................................................... 90 Caso ............................................................................................................................................. 91 Jurisprudência .............................................................................................................................. 92 Bibliografia obrigatória ................................................................................................................. 93 Bibliografia complementar ........................................................................................................... 93 II.4 – Bloco 04 – dIsposIções processuaIs. .....................................................................................................................................94 aUla 22 – laDRãO QUE TRaI laDRãO, RECEBE O PERDãO; ISSO é DElaçãO. ..................................................................................... 95 Introdução ................................................................................................................................... 95 Caso ............................................................................................................................................. 96 Jurisprudência ..............................................................................................................................99 Questões .................................................................................................................................... 100 Bibliografia obrigatória ............................................................................................................... 100 Bibliografia complementar ......................................................................................................... 100 aUla 23 – TEm BOI na lInha OU O REgImE COnSTITUCIOnal Da InvIOlaBIlIDaDE DaS COmUnICaçõES. ...................................... 101 Introdução ................................................................................................................................. 101 Caso ........................................................................................................................................... 102 Jurisprudência ............................................................................................................................ 105 Questões .................................................................................................................................... 107 Bibliografia obrigatória ............................................................................................................... 107 Bibliografia complementar ......................................................................................................... 108 aUla 24 – OS nOvOS COmITêS DE SalvaçãO PúBlICa. ................................................................................................................. 109 Introdução ................................................................................................................................. 109 Caso ........................................................................................................................................... 110 Jurisprudência ............................................................................................................................ 111 Bibliografia obrigatória ............................................................................................................... 113 Bibliografia complementar ......................................................................................................... 113 aUla 25 – haBEaS CORPUS. ........................................................................................................................................................ 114 Introdução ................................................................................................................................. 114 Jurisprudência ............................................................................................................................ 120 Questões .................................................................................................................................... 122 Bibliografia obrigatória ............................................................................................................... 122 Bibliografia complementar ......................................................................................................... 123 aUla 26 – TEORIa gERal DaS nUlIDaDES. ................................................................................................................................... 124 Introdução ................................................................................................................................. 124 Caso ........................................................................................................................................... 125 Jurisprudência ............................................................................................................................ 126 Questões .................................................................................................................................... 130 Bibliografia obrigatória ............................................................................................................... 130 Bibliografia complementar ......................................................................................................... 130 aUla 27 – TEORIa gERal DOS RECURSOS. .................................................................................................................................... 131 Introdução ................................................................................................................................. 131 Jurisprudência ............................................................................................................................ 134 Questões .................................................................................................................................... 136 Bibliografia obrigatória ............................................................................................................... 137 Bibliografia complementar ......................................................................................................... 137 6FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO i. introDução O Direito Penal Econômico costuma ser associado a expressões como “crimes de colari- nho branco”, “crimes dos engravatados”, “crimes dos endinheirados”, “crimes of the power- ful”, “white collar criminality”, “criminality of the upper world” etc. É possível perceber que todos esses conceitos constroem a definição de Direito Penal Econômico a partir do sujeito ativo da conduta incriminada. Com efeito, na maioria dos casos, os crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas, gestão fraudulenta etc. são praticados por pessoas de alto nível sócio-econômico, no exercício de sua atividade profissional. São profissionais liberais, empresários, executivos, banqueiros, ocupantes de cargos políticos e altos funcionários públicos. Nesse contexto, a criminalidade econômica foge da idéia de delinqüência como fenô- meno marginal; na verdade, em muitas situações, os autores desses delitos não são vistos como verdadeiros criminosos por eles mesmos, pelo público em geral e nem por outros criminosos. Todavia, um conceito de Direito Penal Econômico construído a partir das características do agente que pratica o crime, e não do ato praticado, torna as definições mais sociológicas do que jurídicas. Sob a perspectiva jurídica, a definição de Direito Penal Econômico é construída a partir do bem jurídico protegido, das condutas praticadas e suas finalidades, além das características objetivas desses delitos. Dessa forma, é preferível definir o Direito Penal Econômico como o ramo do Direito Penal voltado para a identificação e criminalização de condutas pratica- das nas relações comerciais ou na atividade empresarial, pelos administradores, diretores ou sócios, geralmente de forma não violenta e envolvendo fraude ou violação da relação de con- fiança. Pode-se apontar, ainda, como característica desse tipo de crimes, a atuação de forma organizada, sob a forma de empresas lícitas, muitas vezes com caráter supranacional. Outro traço comum dos crimes econômicos é o caráter supra-individual do bem jurídico atingido. Com efeito, quando se fala em crimes contra a ordem econômica, sistema financeiro, ou ordem tributária verifica-se que a tutela jurídico-penal está voltada para o funcionamento regular desse conjunto de regras que orientam e regulam a atividade econômica, seja do Estado, seja do indivíduo (livre iniciativa). Em algumas situações, também é alvo de tutela penal o regular funcionamento do mer- cado empresarial, como ocorre nas hipóteses de abuso de poder econômico, ou ainda a boa- fé nas relações comerciais, como ocorre nas situações de violação ao direito do consumidor. Não obstante, em ambos os casos, é possível vislumbrar nessa tutela penal específica um reflexo da proteção à ordemeconômica, ou à economia popular, conceitos mais genéricos. Delimitação Do conteúDo Da Disciplina O estudo do Direito Penal Econômico será iniciado pelos conceitos fundamentais que o distinguem do Direito Penal Clássico e pelo contexto político, econômico e social em que esses crimes estão inseridos para, a partir dessa base de compreensão crítica, passar à análise dos tipos penais propriamente ditos. Dentro da enorme quantidade de leis que prevêem disposições penais ligadas à ativi- dade empresarial, optou-se por selecionar como objeto de estudo as condutas criminosas mais importantes relacionadas com o funcionamento dos sistemas econômico, financeiro e tributário. Essa perspectiva permite eleger as leis criminais e as medidas processuais mais 7FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO freqüentes nos escritórios de advocacia, nas delegacias e nas varas criminais especializadas em Direito Penal Econômico. A partir desse primeiro corte, realizou-se outra seleção, dessa vez para identificar os tipos penais cuja definição, aplicação ou persecução ensejam as maiores dificuldades práticas, ou ainda as discussões teóricas mais relevantes. Em alguns casos, a lei penal será estudada em sua inteireza; em outros casos, serão examinados apenas os crimes mais importantes. Cada bloco de aulas examinará um grupo de leis penais – ou de tipos penais – agrupados em razão do bem jurídico protegido. metoDologia Cada aula terá como ponto de partida um caso concreto passível de ser entendido e discutido com base na bibliografia básica (obra dogmática) e aprofundado a partir dos ele- mentos contidos na bibliografia específica, suscitando diferentes possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto. Essa metodologia aposta na capacidade do aluno de graduação da FGV Direito Rio de alçar vôos teóricos mais altos para discutir, com profundidade, os temas mais palpitantes da atualidade do Direito Penal Econômico. O uso de casos concretos e de notícias recentes de jornais a partir de uma perspectiva crítica traz a realidade da aplicação do direito para dentro da sala de aula e estimula a par- ticipação do aluno no processo de aprendizado, criando-se um ambiente de interatividade entre aluno e professor e aprimorando sua capacidade de raciocínio lógico-jurídico. O ob- jetivo dessa metodologia é habilitar o aluno a identificar problemas e resolvê-los de forma pragmática, sem deixar de se posicionar criticamente. BiBliografia A bibliografia obrigatória é composta por dois livros além de artigos doutrinários va- riados. Os artigos, escritos por autores nacionais e estrangeiros com destacada produção acadêmica e que representam visões distintas sobre a temática do Direito Penal Econô- mico, ressaltam as questões mais controvertidas da matéria estudada em cada bloco de aulas. Os livro indicados de leitura obrigatória são: – PRADO, Luiz Regis: Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; e – SILVA-SANCHEZ, Jesús Maria: A expansão do Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. A bibliografia complementar seguirá o mesmo modelo. Ao final de cada aula que integra essa apostila o aluno encontrará a indicação de livros e/ou artigos que permitirão aprofun- dar o tema discutido em sala ou ampliar as perspectivas de sua compreensão. Além disso, o aluno poderá se vales das seguintes obras como leitura complementar: – BALTAZAR JUNIOR, José Paulo: Crimes Federais. Porto Alegre: Livraria do Advo- gado, 2006. – CALLEGARI, André Luís: Direito Penal Econômico e lavagem de dinheiro – aspectos criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 8FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO – MAZLOUM, Ali: Crimes do colarinho branco. Porto Alegre: Síntese, 1999. – NUCCI, Guilherme de Souza: Leis Penais EspeciaisComentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. – TORTIMA, José Carlos: Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional – uma contri- buição ao estudo da Lei nº 7.492/86. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. avaliação A avaliação divide-se em atividades obrigatórias e facultativas. As primeiras compreen- dem duas provas dissertativas individuais sobre o conteúdo discutido em sala de aula e sobre a bibliografia obrigatória. As atividades facultativas, sujeitas exclusivamente à avaliação po- sitiva, são a execução das atividades complementares específicas de cada aula, a apresentação oral de casos ou de bibliografia complementar e a elaboração dos Cadernos Colaborativos da FGV Direito Rio. 9FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO ii. Bloco De aulas ii.1 – Bloco 01 – conceitos funDamentais. As primeiras aulas terão como foco a determinação de um conceito para o termo “direito penal econômico” e o exame das características fundamentais que o distinguem do direito penal clássico. Um dos aspectos mais importantes desse primeiro bloco é o debate acerca do bem jurídico protegido. Com efeito, esse tipo de crime faz parte de uma nova forma de criminalidade, diferente da criminalidade clássica. O crime econômico provoca danos não individualizáveis, irrepa- ráveis, incontroláveis e cuja percepção social é diferenciada. O objetivo é o lucro econômi- co, uma vantagem comercial ou a dominação de um mercado. As possibilidades e facilida- des oferecidas pelo avanço tecnológico ensejam o aparecimento de condutas praticadas em grande escala por organizações complexas e de grande potencialidade lesiva. As condutas praticadas são de difícil identificação. Em alguns casos, o lucro ilícito é disfarçado e regula- rizado (“lavado”) no sistema financeiro e demais instâncias formais, adquirindo aparência de legalidade, o que dificulta a apuração e punição dos delitos. A busca desenfreada, feroz e sem escrúpulos de interesses estritamente pessoais – con- ceito oposto à justiça, que infesta as sociedades ocidentais contemporâneas – é a essência da transformação dos crimes de agressão em crimes de fraude e violação de confiança. No Brasil – como em outros países em desenvolvimento ou desenvolvidos, cujo traço comum seja o modo de produção capitalista – verificam-se ondas sucessivas de “crimes de colarinho branco”, cujo custo econômico e social é muito superior ao dos demais crimes. Os protagonistas dessa nova forma de criminalidade integram uma parcela da socieda- de que sempre esteve à frente dos processos de integração e desenvolvimento econômico, gerando efeitos extremamente danosos à sociedade. Os prejuízos das condutas criminosas (mas muitas vezes apenas amorais, não criminosas) são de ordem política e social, além de econômica. A constatação dos danos supra-individuais é realizada mediante o cotejo entre as con- dutas praticadas, os fins perseguidos e os efeitos colaterais na sociedade. Como exemplos de crimes econômicos, podemos citar as alterações artificiais das condições de mercado, criação de monopólios ou oligopólios por meio de práticas que suprimem a livre iniciativa e a exis- tência da concorrência, apropriação pelos gestores de instituições financeiras dos recursos dos investidores individuais, não recolhimento aos cofres públicos das taxas e impostos incidentes sobre os lucros obtidos, dentre vários outros exemplos. Em todas essas situações, o agente busca atingir a maior rentabilidade possível, em detri- mento do meio econômico no qual ele está inserido. Nessa tentativa de maximizar ganhos, torna-se comum a prática de condutas como infiltração no aparelho governamental (cor- rupção), uso indevido de informações privilegiadas (interferindo no funcionamento livre da economia e na estabilização do valor do bem por meio da oferta e da demanda), criação de situações artificiais de risco (criando bolhas especulativas cujo estouro gera perdas para toda a economia e diminuição da confiança dos investidores no mercado). Embora os mercados sejam conhecidamente ambientes de risco, muitosatores parecem enxergar no risco e na oportunidade conceitos absolutamente desvinculados de qualquer obrigação moral. Ao adotarem estruturas societárias ou empresariais, determinados atores econômicos parecem despir-se de qualquer escrúpulo ou racionalidade na tentativa de al- cançar uma hegemonia econômica. 10FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO Esse processo foi definitivamente alavancado por meio do processo de globalização ini- ciado no final do século XX e ainda mais potencializado no início do século XXI, em gran- de parte pelas novas oportunidades criadas pelo comércio eletrônico e pela internet, pelo surgimento de novos mercados passíveis de “exploração” e “conquista” e devido ao aumento de potenciais investidores, os quais estão muitas vezes dispostos a “esquecerem” as “boas práticas” negociais desde que obtenham bom retorno financeiro. De modo semelhante, grandes conglomerados financeiros elaboram maneiras sofistica- das – na maioria das situações de forma não criminosa – de se manterem imunes a qualquer forma de controle ou imposição de impostos, elegendo domicílios fiscais em que não há custos ou esses são mínimos, usufruindo, porém, da estrutura social de países nos quais não investe ou de cujo custeio não participa. A possibilidade de que essa e outras práticas socialmente danosas ocorram, torna óbvia a incapacidade do mercado, por si só, de impedir uma espiral de outras violações a regras morais – as quais são responsáveis pela confiança e estabilidade das transações econômicas. O risco não é imune a um sentido moral, como também não é a economia. Em outras palavras, a ordem econômica e financeira do Brasil não pode ser conduzida à margem dos demais valores sociais (consubstanciados nos princípios jurídicos) que estruturam o Estado brasileiro, exigindo, portanto, regras que estabeleçam com precisão as condutas passíveis de punição administrativa e penal. De igual modo, a economia é capaz de conviver com mecanismos que obriguem os atores econômicos a agir com transparência, ética e respon- sabilidade, de modo a preservar a ordem econômica – em sua totalidade – de práticas que prejudiquem seu bom funcionamento. Além da perspectiva jurídica, os alunos irão debater temas como globalização, atividade empresarial e direito penal, perspectivas da criminalidade econômica, governança coorpo- rativa e percepção social dos crimes econômicos. O objetivo é construir um panorama do contexto político, econômico e social, no Brasil e no mundo, em que esses crimes estão inseridos, sempre buscando fornecer elementos ao aluno para que ele construa uma base para compreensão crítica dos crimes estudados. Trata-se de elemento indispensável para a construção de um raciocínio crítico, já que o direito penal econômico está ligado às características sociais, políticas e econômicas do iní- cio do século XXI: o paradigma societário e econômico atual caracteriza-se pelos processos de transformação acelerados, pelas concentrações maciças de capitais e por mercados de alta volatilidade. Fatos ocorridos num determinado local têm efeito imediato sobre economias distantes de maneira imediata. Esse fenômeno é característica de uma sociedade mundial, sem governo mundial nem Estado mundial, como definiu Ulrich Beck. Esse processo glo- balizador também influencia o sistema de controle penal, punindo condutas a partir do risco que representam para uma “estabilidade” financeira. Essa visão interdisciplinar dos conceitos fundamentais é relevante ainda porque o direi- to penal econômico traduz a proximidade entre política econômica e a política criminal, colocando questões como a necessidade/utilidade da proteção jurídico-penal da economia, ou da imposição aos atores econômicos de menores restrições possíveis em favor do cresci- mento econômico. A abordagem criminológica terá como proposta discutir se deve o legislador regular os delitos econômicos com a legislação penal (seja no Código Penal ou em lei especial), ou deve configurá-los como infrações administrativas (regulação tributária, fiscal, previdenci- ária); se a punição para tais delitos deve ser realizada com penas restritivas de liberdade ou com penas restritivas de direitos e penas pecuniárias compatíveis com a magnitude da lesão; se a punição deve ser imposta às pessoas físicas e às organizações, ou só às primeiras. 11FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO aulas 01, 02, 03, 04 e 05 – conceitos funDamentais. introDução As aulas iniciais do curso de Direito Penal Econômico, concentradas nesse primeiro blo- co, são extremamente relevantes porque problematizam questões que serão continuamente suscitadas ao longo do estudo dos dispositivos penais e processuais penais constantes dos blocos de aulas seguintes. Além de uma rica bibliografia, esse primeiro conjunto de sessões privilegiará o debate com os alunos acerca de temas menos dogmáticos e mais criminológi- cos e sociológicos, tais como: a Diferenciação Do Direito penal clássico e Do Direito penal econômico O termo criminalidade do colarinho branco possui diferentes variações (criminality of the upper world, Albert Morris: 1935; white collar criminality, Edwin Sutherland: 1949; crime dos endinheirados, Mangabeira Unger: 2001), com significados distintos. Dentre as várias definições possíveis, está aquela que conceitua o Direito Penal Econômico como o ramo do Direito Penal que estuda os crimes ocorridos nas relações comerciais ou na atividade empresarial, pelos administradores, diretores ou sócios, geralmente de forma não violenta e envolvendo fraude ou violação da relação de confiança, normalmente de forma organizada e muitas vezes com caráter supranacional, e estabelecida sob a forma de empresas lícitas. a questão Do Bem juríDico Uma característica do Direito Penal Econômico é criminalização de condutas que não afetam um bem jurídico individual determinado (como vida, patrimônio, honra), mas con- ceitos indeterminados e classificados como bens jurídicos supra-individuais (bom funcio- namento do sistema financeiro nacional, boas condições de concorrência e livre iniciativa etc.), à luz das teorias penais contemporâneas. O crime econômico provoca danos não indi- vidualizáveis, irreparáveis, incontroláveis e cuja percepção social é diferenciada. O objetivo é o lucro econômico, uma vantagem comercial ou a dominação de um mercado. As possibili- dades e facilidades oferecidas pelo avanço tecnológico ensejam o aparecimento de condutas praticadas em grande escala por organizações complexas e de grande potencialidade lesiva. a percepção social Dos crimes econômicos Esse tópico remete à discussão sobre o ínfimo número de crimes financeiros investiga- dos, processados e que tenham seus agentes condenados, bem como a forma pela qual a sociedade lida com o fenômeno criminógeno nas relações financeiras, econômicas, empresa- riais e comerciais. Está diretamente relacionado aos mecanismos de seleção da criminalidade econômica, ou seja, o processo de filtragem de fatos e agentes, realizados por instituições como bancos privados, Banco Central, Polícia Federal, Ministério Público e o Judiciário. Ademais, não se pode olvidar que a criminalidade econômica foge da idéia de delinqüên cia como fenômeno marginal e que os autores desses delitos não são vistos 12FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO como verdadeiros criminosos por eles mesmos, pelo público em geral e nem por outros criminosos. Por fim, as condutas praticadas são de difícil identificação. Em alguns casos, o lucro ilí- cito é disfarçado e regularizado (“lavado”) no sistema financeiro e demais instâncias formais, adquirindo aparência de legalidade, o que dificulta a apuração e punição dos delitos. aDequação e proporcionaliDaDe Das penas cominaDas para essa classe De Delitos Aqui, a discussão se põe sobre as penas de prisão (mais ou menos longas),de multa (com ou sem caráter confiscatório), à luz das teorias de fundamentação da pena. Desse debate surgem questões como: deve o Estado proteger jurídico-penalmente a economia, ou deve impor aos atores econômicos as menores restrições possíveis em favor do crescimento econômico? Deve o legislador regular os delitos econômicos com a legislação penal (seja no Código Penal ou em lei especial), ou deve configurá-los como infrações administrativas (regulação tributária, fiscal, previdenciária)? Deve-se impor penas restritivas de liberdade ou penas pecuniárias compatíveis com a magnitude da lesão? Deve-se punir as pessoas físicas ou as organizações? inDepenDência Das instâncias aDministrativa e penal Existem basicamente dois modelos de jurisdição relacionados à interdependência das instâncias administrativa e judicial nos países que adotam a separação dos poderes. Deno- mina-se sistema de jurisdição dual quando há previsão de que dois órgãos se manifestem de forma definitiva sobre o Direito, cada qual com suas competências próprias. Esse modelo é adotado, por exemplo, na França, onde as decisões da administração pública que são objeto de recursos administrativos não são passíveis de serem novamente discutidas no âmbito judicial. Já o sistema de jurisdição una é aquele segundo o qual cabe apenas ao Poder Judiciário a competência de dizer o Direito de forma definitiva. Esse é o modelo adotado no Brasil (como se extrai do Art. 5º, XXXV, da Constituição da República: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) bem como nos Estados Unidos da América. Nos EUA, por exemplo, a United States Court of Appeals for the District of Columbia Circuit (DC Circuit) é uma corte especializada em rever as decisões das agências federais (FCC, EPA, FTC, etc.). De seus julgamentos só cabe recurso à Suprema Corte. No Brasil, é fora de discussão que o Poder Judiciário pode rever decisões administrativas. A Constituição definiu que a lei é o limite do âmbito de atuação do agente administrativo e que quem fiscaliza a aplicação da lei pelo Executivo é o Poder Judiciário. Porém, em algumas situações, parece razoável que as decisões tomadas por autoridades administrativas vinculem o juiz. Quais as situações em que isso ocorre e quais as conseqüên- cias dessa unicidade no plano econômico? Se é verdade que não se pode modificar o sistema de independência das instâncias administrativa e penal, que soluções infraconstitucionais podem contribuir para aumentar o grau de segurança jurídica? Qual o reflexo dessa estabi- lidade jurídica em matéria econômica no planejamento da sociedade? 13FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO metoDologia Todos esses temas serão abordados, prioritariamente, a partir de discussões sobre a bi- bliografia indicada e privilegiando a presença de convidados. A cada aula, pretende-se trazer um profissional que atue diretamente com os temas referidos, com perspectivas diferencia- das (advogado, juiz, procurador da república, agente financeiro, um estudioso sob o aspecto interdisciplinar etc.) para criar um caldo de cultura que servirá como base crítica para a discussão das questões jurídicas aplicadas e estudadas ao longo do curso. Por fim, ainda dentro do primeiro bloco de aulas, mas já com uma estrutura independen- te, os alunos serão levados à reflexão sobre a responsabilidade social das empresas, tema ainda pouco discutido no mercado empresarial. O estudo do conceito e das técnicas de governança coorporativa (o modo como as empresas são “governadas”) remete à discussão sobre os direi- tos, deveres e, sobretudo, responsabilidades dos acionistas, administradores, conselho fiscal e auditores (internos ou externos), no curso da atividade econômica empresarial. aula 01 obrigatória PEREIRA, Flávia Goulart: Os crimes econômicos na sociedade de risco. In Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 51, São Paulo: RT, 2004. complementar FRANCO, Alberto Silva: Globalização e criminalidade dos poderosos. In Temas de Direito Penal Econômico. RT, 2000, pp. 235/277. aula 02 obrigatória TORON, Alberto Zacharias: Crimes do colarinho branco: os novos perseguidos? In Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 28, São Paulo: RT, 1999. KARAN, Maria Lucia: A esquerda punitiva. In Discursos Sediciosos, nº 1. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996, pp. 79/92. aula 03 obrigatória SILVA, Eduardo Sanz de Oliveira: Direito Penal preventivo e os crimes de perigo: uma apreciação dos critérios de prevenção enquanto antecipação do agir penal no direito. In COSTA, José de Faria: Temas de Direito Penal Econômico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pp. 251/283 BITENCOURT, Cezar Roberto: Princípios garantistas e a delinqüência do colarinho branco. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 11. São Paulo: RT, 1995, pp. 119/127. complementar SILVEIRA, Renato de Mello Jorge: Direito penal econômico como direito penal de perigo. São Paulo: RT, 2006, pp. 159/183. 14FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO aula 04 obrigatória DIAS, Jorge de Figueiredo: Breves considerações sobre o fundamento, o sentido e a aplicação das penas em Direito Penal Econômico. In Temas de Direito Penal Econô- mico. São Paulo: RT, 2000, pp. 121/135. D’ÁVILA, Fabio Roberto: Direito Penal e Direito Sancionador – sobre a identidade do Direito Penal em tempos de indiferença. in Revista Brasileira de Ciências Crimi- nais, nº 60. São Paulo: RT, 2006, pp. 09/35. complementar RODRIGUES, Anabela Miranda: Contributo para a fundamentação de um discurso punitivo em matéria penal fiscal. In Temas de Direito Penal Econômico. São Paulo: RT, 2000, pp. 181/191. aula 04 obrigatória Habeas Corpus 25.417-SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 13.028-SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. complementar Sentença proferida no processo nº 2004.34.00.028018-0, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. 15FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO ii.2 – Bloco 02 – crimes contra o sistema financeiro e contra o mercaDo De capitais. A primeira lei que tipificou condutas lesivas ao regular funcionamento do sistema fi- nanceiro nacional (SFN) foi a Lei nº 4.595/1964, instituidora do Conselho Monetário Nacional. Os crimes ali previstos foram expressamente revogados pela Lei nº 7.492/1986, que ampliou o número de condutas criminosas ligadas à atividade econômica e financeira. A Lei nº 7.492/1986, atualmente em vigor, foi objeto de duras críticas desde o momento de sua promulgação, sobretudo pelas falhas de técnica legislativa, pelo uso exacerbado de tipos penais em branco e pela atribuição de responsabilidade penal objetiva. Narra Luiz Regis Prado (Direito Penal Econômico, São Paulo: RT, 2004, p. 212) que o sistema financeiro nacional “tem por objetivo gerar e intermediar créditos (e empregos), estimular investimentos, aperfeiçoar mecanismos de financiamento empresarial, garantir a poupança popular e o patrimônio dos investidores, compatibilizar crescimento com estabili- dade econômica e reduzir desigualdades, assegurando uma boa gestão da política econômico- financeira do Estado, com vistas ao desenvolvimento equilibrado do País”. O bom funciona- mento do SFN é, portanto, fundamental para o desenvolvimento das finanças públicas e da economia nacional. Com efeito, o art. 192, da Constituição, prevê como objetivos do SFN promover o desenvolvimento equilibrado do País e atender aos interesses da coletividade. Os crimes que atingem e prejudicam o regular funcionamento do SFN têm natureza supra-individual e podem repercutir de forma sistêmica na própria estabilidade econômica do país. Por essa razão, todas as operações financeiras são rigidamente controladas pelo Es- tado, com regras destinadas a garantir transparência no funcionamento das instituiçõese, por conseguinte, maior segurança dos investimentos e operações realizadas. Quando se fala em crimes contra o SFN é fundamental ter em mente que a objetividade jurídica das condutas incriminadas é o prejuízo ao adequado funcionamento do sistema; logo, é tarefa igualmente fundamental entender e definir quais as características desse re- gular funcionamento. José Paulo Baltazar Junior (Crimes Federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 259) relaciona como condições para o bom desenvolvimento das operações financeiras: “a) confiança nas instituições; b) reforço no cumprimento das regras, como aquelas que tratam da manutenção de reservas técnicas; c) transparência dos riscos; d) baixos custos de transação; e) fragmentação da propriedade; f ) formação eficiente dos preços”. Por essa razão, condutas que, aparentemente, atingem apenas indivíduos (investidores, sócios ou credores), mas que, de modo mais amplo, afetam as bases sobre as quais se estru- tura o SFN, são consideradas crime pela Lei nº 7.492/1986. Esse mesmo raciocínio conduz à conclusão de que as instituições financeiras podem ser a) vítimas dos crimes, quando o crime é praticado em detrimento de seu patrimônio, mas afeta o SFN; b) vítima e autor, quando um agente responsável pela instituição lesa esta e outras pessoas; e, c) autora, quan- do esse mesmo agente interno lesa apenas outras pessoas físicas e/ou jurídicas, gerando risco para o SFN. Como já salientado na introdução, a proposta dessa disciplina é selecionar os temas mais relevantes em matéria de crimes contra o SFN e o mercado de capitais, promovendo, nesses casos, um exame aprofundado. Nesse contexto, foram eleitos para estudo o conceito de instituição financeira e de administrador, os crimes de gestão temerária, gestão fraudulenta, contabilidade paralela (caixa dois), empréstimo proibido, evasão de divisas, manipulação de cotação de ação em bolsas e uso de informação privilegiada. Além disso, será examinada a questão processual da prisão preventiva decorrente da magnitude da lesão causada nos cri- mes contra o SFN. Ainda nesse bloco, será estudado o crime de lavagem de capitais. 16FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO aula 06: Quem poDe praticar crime contra o sistema financeiro nacional? (conceito De instituição financeira e alcance Da responsaBiliDaDe penal). introDução conceito de instituição financeira (art. 1°, da lei nº 7.492/1986). O art. 1º da Lei nº 4.595/1964 define que o Sistema Financeiro Nacional, estruturado e regulado pela referida Lei, é constituído pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil, pelo Banco do Brasil S. A., pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDES) e pelas demais instituições financeiras públicas e privadas. O conceito de instituições financeiras também é estabelecido em lei, mais precisamente no 1º, da Lei nº 7.492/1986: “Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos fi- nanceiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários”. O trecho vetado referia-se à gestão de recursos financeiros próprios. A lei promove ainda a equiparação à instituição financeira da pessoa jurídica “que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros” e da pessoa física “que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual”. A Constituição previu que uma Lei Complementar deverá ser editada para regular o SFN. Enquanto não houver essa edição, a estrutura do sistema financeiro decorre das dispo- sições contidas na Lei nº 4.595/1964, já mencionada, na Lei nº 4.728/1965 (Lei do merca- do de capitais) e na Lei nº 6.385/1976 (que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários). Os delitos praticados no âmbito das operações em bolsa de valores foram inicialmente estabelecidos pela Lei nº 4.728/1965, posteriormente substituídos pela Lei nº 10.303/2001. Alcance da responsabilidade penal (art. 25, da Lei nº 7.492/1986). Os crimes contra o SFN são considerados crimes próprios em razão da Lei nº 7.492/1986 ter definido, em seu art. 25, que são penalmente responsáveis o controlador e os administra- dores de instituição financeira, assim considerados os diretores e gerentes. O texto original previa, ainda, a responsabilidade dos membros de conselho estatutário, mas houve veto na promulgação. A Lei equipara o interventor, o liquidante ou o síndico ao administrador. Embora se trate de crime próprio, não há impossibilidade de que pessoas não referidas no art. 25, da Lei nº 7.492/1986, participem da conduta criminosa. Os crimes societários em geral, e os praticados em detrimento do SFN em especial, apre- sentam dificuldade inicial de que se defina a responsabilidade individual de cada diretor ou controlador. A falta de conhecimento sobre a real participação de cada pessoa física nos atos de gestão da instituição financeira que caracterizam crime, muitas vezes impede que a acu- sação contenha “a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias”, exigência constante do art. 41, do Código de Processo Penal. Por um lado, a falta de descrição minuciosa do comportamento imputado gera prejuízo à defesa do acusado, que não saberá exatamente do que deve se defender, bem como traduz 17FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO uma responsabilidade objetiva do agente, prática sabidamente vedada em matéria penal. Por essa razão, os tribunais têm reconhecido que a exigência de descrição individualizada não pode ser desconsiderada no momento da propositura da inicial. caso supremo rejeita denúncia do mpf contra o deputado federal eduardo campos O Supremo Tribunal Federal rejeitou parcialmente hoje (12/11) a denúncia do Minis- tério Público Federal que responsabilizou o deputado federal Eduardo Henrique Accioly Campos (PSB/PE) por suposta emissão fraudulenta de títulos públicos do estado de Per- nambuco para pagamento de precatórios pendentes. O Plenário rejeitou por unanimidade a acusação por prática dos crimes de falsidade ideológica (artigo 299, do Código Penal) e contra o Sistema Financeiro Nacional (artigos 5º e 6º da Lei 7492/86). A decisão foi aprovada no julgamento do Inquérito 1690. Hoje o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, argumentou que “todo o esquema de distribuição dos lucros da operação é descrito tanto no relatório do Banco Central, quanto no relatório da intitu- lada CPI dos Precatórios, instaurada no âmbito do Senado Federal”. Inquiriu ele se “esse caso rumorosíssimo na nossa nação”, como descrito, não caracterizaria para o STF “o que é necessário para o recebimento de uma denúncia, ou seja, a presença do fumus boni iuris (juízo de probabilidade do bom direito)”. Em sustentação oral, os advogados de Eduardo Henrique Accioly Campos, de Fábio Barreto Nahoum, Mauro Enrico Barreto Nahoum, Ronaldo Ganon e Jairo da Cruz Ferreira sustentaram a inépcia da denúncia. Por indicação do relator, ministro Carlos Velloso, o Supremo adiou a conclusão do julgamento em relação aos outros envolvidos no processo quanto ao crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Em relação ao crime contra o Sistema Financeiro (artigo 7º, inciso 2º da Lei 7492/86), o Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Carlos Velloso, ao julgar a denúncia inepta, por não vincular o ex-secretário de Fazenda do Estado de Pernambuco ao suposto ato ilícito atribuído a ele, consistente no registro irregular de títulos estaduais junto ao Banco Central. O STF também rejeitou a denúncia por falsidade ideológica,ao julgar que é preciso haver dolo (intenção) específico para que se caracterize sua prática, não sendo crime que exista sob a modalidade culposa (sem intenção). Eduardo Campos foi acusado pela inserção em documento público de lista de precatórios enviada ao Senado Federal e o Banco Central com declaração diversa da que deveria ser escrita. Conforme a denúncia, “apurou-se que o valor real dos precatórios totalizaria R$ 26 milhões, e não R$ 480 milhões solicitados”. A denúncia diz que o secretário de Fazenda foi o “mentor intelectual da fraude perpe- trada”, tendo também assinado a declaração que contém a lista de Precatórios “produzida a partir de Precatórios já existentes, contudo superavaliados”. “Uma coisa me parece certa: Os Precatórios pendentes de pagamento não foram levan- tados pelo secretário de estado, mas por equipes de diversos órgãos, que teriam cometido as erronias e equívocos. Impossível responsabilizar o secretário de estado pela prática do fato”, afirmou o ministro Velloso. “Narra a denúncia que o estado de Pernambuco agindo como instituição financeira por equiparação legal (artigo 1º, parágrafo único da lei 7492/86) teria emitido títulos mo- biliários de forma fraudulenta, incorrendo, portanto, o secretário da Fazenda, nos crimes 18FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO previstos nos artigos 5º, 6º e 7º, da Lei 7492/86”, observou o relator dando seguimento ao seu voto. O ministro relator, Carlos Velloso, considerou inicialmente que o estado de Pernambuco não poderia ser equiparado a instituição financeira para os fins do disposto no artigo 1º, da Lei 7492/86, pois a emissão das Letras Financeiras para captação de recursos para o Tesouro do Estado não configuraria a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, nego- ciação, intermediação ou administração de valores mobiliários. “Na estrutura do Direito Penal brasileiro, vige o princípio constitucional da reserva legal”, observou o ministro. Para ele somente as pessoas que se enquadram no conceito de instituição financeira poderiam responder pelos tipos penais nela estabelecidos. Assim, não entendeu ser o estado de Pernambuco uma instituição financeira, e, por conseqüência, o secretário de Fazenda não teria praticado os crimes previstos nos artigos 5º, 6º e 7º da Lei 7.492/86, e rejeitou a denúncia nesta parte. Finalmente, o MPF atribuiu ao denunciado, Eduardo Campos, a conduta criminosa prevista no artigo 89, da Lei nº 8.666/93, por supostamente ter contratado sem licitação o Banco Vetor, embora não tivesse notória especialização expressa em lei para dispensar a licitação. A denúncia, para o relator, não estabeleceria o vínculo entre o acusado e o ato ilícito que lhe está sendo imputado. Ressaltou que o responsável pelo controle e negociação (contratos, compras, pagamentos) das Letras do Tesouro estadual seria o Banco de Pernambuco. E à Secretaria da Fazenda estadual caberia apenas oficiar tecnicamente sobre as negociações. O relator observou que nesse ponto haveria fato de terceiro, incapaz de responsabilizar o acu- sado, a menos que houvesse a possibilidade de invocar a responsabilidade penal objetiva. E rejeitou nesse ponto a denúncia. O ministro Carlos Ayres Britto divergiu do relator apenas quanto ao recebimento da denúncia com relação à conduta prevista no artigo 89, da Lei de Licitações (Lei 8.666/93). Os demais ministros acompanharam o relator. Histórico O Inquérito foi instaurado pelo Ministério Público Federal (MPF), em virtude das con- clusões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal, que apurou irre- gularidades relacionadas à autorização, emissão e negociação de Títulos Públicos estaduais e municipais em 1995 e 1996. A denúncia sustenta que o estado de Pernambuco, agindo como instituição financeira, emitiu o valor de R$ 480 milhões de títulos mobiliários, chamados de Letras Financeiras do Estado de Pernambuco (LFTEPE), de modo fraudulento para pagamento de precatórios. O pedido de autorização para a emissão dos títulos foi feito pelo então governador do estado Miguel Arraes, tendo participado também do suposto esquema, segundo o MPF, o deputado Eduardo Henrique Accioly Campos (PSB/PE), na época secretário da Fazen- da do estado de Pernambuco, o ex-diretor-presidente do Banco de Pernambuco (Bandepe) Wanderley Bejamim de Souza, o ex-diretor de finanças do Bandepe Jorge Luiz Carneiro de Carvalho, os economistas Fábio Barreto Nahoum e Mauro Enrico Barreto Nahoum, os ad- ministradores Ronaldo Ganon e Wagner Batista Ramos, o contador Nivaldo Furtado de Al- meida, o advogado Miguel Arraes de Alencar e o servidor do Banco Central aposentado Jairo da Cruz Ferreira. Com relação ao ex-governador de Pernambuco, a denúncia foi extinta pelo relator, ministro Carlos Velloso, em 30 de outubro de 2002, porque o crime prescreveu. 19FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO Eles teriam montado um esquema que ia da elaboração de documentos fraudulentos apresentados à Assembléia Legislativa de Pernambuco, ao Banco Central e ao Senado Fe- deral para a autorização da emissão dos títulos, à criação das LFTEPE e sua colocação no mercado. Além disso, parte do valor emitido não teria ingressado nos cofres do estado por- que cerca de 25% dos recursos teriam sido embolsados pelos supostos mentores por meio de comissões. Ainda, a lista de precatórios teria sido preparada pelo Banco Vetor, utilizando tecnologia de Wagner Ramos, valendo-se de precatórios inexistentes e superavaliados. Ade- mais, o Banco Vetor teria sido contratado sem licitação. Os acusados foram denunciados pelos crimes de falsidade ideológica (artigo 299, pará- grafo único, do Código Penal), afronta ao sistema financeiro nacional (artigo 6º, da Lei nº 7.492/86), registro irregular de título público (artigo 7º, inciso II, da Lei 7.492/86), apro- priação indébita dos valores obtidos com a venda dos títulos (artigo 5º, da Lei nº 7.492/86) e dispensa irregular de licitação (artigo 89, da Lei 8.666/93). A denúncia chegou ao STF em virtude da prerrogativa de foro do deputado Eduardo Henrique Accioly Campos. Brasília, segunda-feira, 13 de novembro de 2006 – 13:30h Fonte: http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=73311&tip =UN¶m= jurispruDência EMENTA:1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos descritos. Sa- crifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias constitucionais do devido processo legal (due process of law). Nulidade absoluta e insanável. Superveniência da senten- ça condenatória. Irrelevância. Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação do art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de narração deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes da defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão. 2. AÇÃO PENAL. Delitos contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos societários. Tipos previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 e art. 22 da Lei nº 7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação à pessoa jurídica. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim Extensão da ordem ao co-réu. Inteligência do art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18, 20 e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Precedentes. No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito “crimesocietário”, é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou administrador de empresa. STF. RHC 85658/ES. Relator Ministro Cezar Peluso. 1ª Turma. Julgamento: 21/06/2005. Publicação: 12/08/2005. EMENTA: Recurso Ordinário em habeas corpus. 2. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. 3. As entidades de fundo de pensão estão incluídas no Sistema Financeiro Nacio- nal. 4. Fraude cometida contra entidade previdenciária. 5. Aplicação da Lei no 7.492/86. 6. Competência da Justiça Federal. 7. Ordem denegada. STF. RHC 85094/SP. Relator Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma. Julgamento: 15/02/2005. Publicação: 08/04/2005. 20FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO EMENTA: Penal. Competência. Crime contra a ordem financeira nacional. Art. 109, VI, da Constituição Federal. Lei nº 7.492/86. - A competência da Justiça Federal para o processo e julgamento dos crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira circunscreve-se aos casos previstos na Lei nº 7492/86, não podendo ser ampliada para abranger crimes que, embora afetem a economia ou o sistema financeiro, não estão nela previstos. - A atividade fraudulenta de captação e aplicação de recursos de particulares, com pro- messa de rendimentos superiores aos oferecidos pelas instituições financeiras legalizadas e atuantes no mercado, não consubstancia operação financeira, afetando, somente, o patri- mônio das vítimas. - Conflito conhecido. Competência do Juízo Estadual, o suscitado. STJ. CC 23123/RS. Relator Ministro Vicente Leal. 3ª Seção. Julgamento: 10/03/1999. Publicação: 12/04/1999. EMENTA: Direito Penal. Crime contra o sistema financeiro. Responsabilidade penal objetiva. Princípio nullum crimen sine culpa. Trancamento da ação penal. 1. A interpretação do artigo 25 da Lei nº 7.492/86, que o vê como norma de presunção absoluta de responsabilidade penal, é infringente da Constituição da República e do direito penal em vigor, enquanto readmite a proscrita responsabilidade penal objetiva e infringe o princípio nullum crimen sine culpa. 2. Habeas corpus concedido para trancamento da ação penal. STJ. HC 9031/SP. Relator Ministro Hamilton Carvalhido. 6ª Turma. Unânime. Julga- mento: 02/09/1999. Publicação: 13/12/1999. EMENTA: Recurso Especial. Penal. Divergência jurisprudencial não caracterizada. Au- sência de identidade fática. Não conhecimento. Artigo 25 da lei nº 7.492/86. Responsa- bilidade criminal dos membros do conselho de administração de instituição financeira. Provimento. 1. O recurso especial fundado na alínea “c” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal requisita, em qualquer caso, tenham os acórdãos – recorrido e paradigma – conferi- do interpretação discrepante a dispositivo de lei federal sobre uma mesma base fática. 2. A disposição final da norma inserta no artigo 25 da Lei nº 7.492/86 – “assim con- siderados os diretores, gerentes” – contrariamente ao entendimento que, à força de uma interpretação estritamente formal de dispositivos isolados de diplomas legais diversos, fun- dou o acórdão impugnado, longe de excluir os integrantes dos Conselhos de Administração das instituições financeiras, integra-os no elenco dos penalmente responsáveis, sempre que exerçam atribuições, em natureza, de direção ou gerência. 3. Tal interpretação, estritamente formal, que se deve recusar, esbarra na própria letra do inciso VI do artigo 142 da Lei nº 6.404/76, também adequada aos denominados atos complexos de gestão, enquanto requisitam a participação de mais de um órgão na formação de seu conteúdo. 4. Fosse do acórdão impugnado a melhor positivação do direito, da norma do artigo 25 da Lei nº 7.492/86, teria sido excluída a expressão “administradores de instituição finan- ceira”. 5. Recurso especial provido. STJ. Resp nº 265.075/SP. Relator Ministro Hamilton Carvalhido. 6ª Turma. Julgamen- to: 25/08/2004. Publicação: 22/11/2004. 21FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO BiBliografia oBrigatória PRADO, Luiz Regis: Direito Penal Econômico. São Paulo: RT, 2004, pp. 168/171. COMPARATO, Fabio Konder: Crime contra a ordem econômica. In Revista dos Tribunais, nº 734/573. RT, 1996. BiBliografia complementar TÓRTIMA, José Carlos: Crimes contra o sistema financeiro nacional – uma con- tribuição ao estudo da Lei nº 7.492/86. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, pp 29/35. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo: Crimes Federais. Porto Alegre: Livraria do Advo- gado, 2006, pp. 261/273. 22FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO aula 07: Qual a Diferença entre gestão temerária e frauDulenta? introDução A lei não explicita o que seria as condutas de “gestão fraudulenta” ou “gestão temerária”. Não cumpre, portanto, a exigência da taxatividade e precisão empírica da conduta. Ao invés de descrever o comportamento proibido – como faz, por exemplo, no crime de estelionato “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou manten- do alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento” – a lei apenas fornece o nomen juris de um comportamento proibido. Por essa razão, o art. 4º e seu parágrafo único da Lei nº 7.492/1986 sempre tiveram sua constitucionalidade contestada. Não obstante a vagueza absoluta com que descreve o crime, os Tribunais têm reconhecido validade aos dispositivos, preenchendo-os por meio de conceitos doutrinários, ou pela própria produção jurisprudencial. A partir desses ele- mentos, é possível definir a gestão fraudulenta como a prática de atos de gestão que envol- vam qualquer espécie de fraude, ardil, embuste, falcatrua ou desfalque. Exemplo de gestão fraudulenta é a falsificação de balanços com objetivo de enganar investidores, auditores ou autoridades encarregadas da fiscalização, simulando uma falsa situação de saúde financeira da instituição. Já a gestão temerária significa a prática de atos sem as cautelas que seriam razoáveis ou necessárias. Caracterizam gestão temerária práticas impetuosas, imponderadas, irresponsáveis ou afoitas. Atente-se, desde logo, para o fato de que não há modalidade culposa nos crimes contra o SFN. A irresponsabilidade da gestão temerária não se confunde com a imprudência, im- perícia ou a negligência que caracterizam o elemento culposo. O agente deve compreender, de forma clara, a temeridade de seu comportamento e o risco que sua conduta gera para o bom funcionamento do SFN. Ao usar o termo gestão, o legislador quis definir uma conduta habitual. Assim, um administrador que realize um investimento mais arrojado ou ousado não terá incorrido no crime de gestão temerária, exigindo-se uma prática habitual de impetuosidade na gestão da instituição. Da mesma forma, a adoção contínua ou usual de posturas aventureiras ou arris- cadas na gestão do negócio caracterizam a conduta temerária, ainda que não decorra prejuí- zo das mesmas. Com efeito, tanto a conduta fraudulenta como a temerária não exigem que haja prejuízo financeiro ou ganho de vantagem financeira indevida pelo agente criminoso. Se conduta gera risco para o bom funcionamento do SFN, está caracterizado o crime. Segue daí que a prática isolada de determinados atos poderá ser punida de forma au- tônoma, enquanto sua prática contínua será considerada gestão fraudulenta ou temerária. São exemplos desses atos os crimes previstos nos artigos 7º, 9º, 10, entre outros, da Lei nº 7.492/1986. Dentre os autores mais estudados, apenas Rodolfo Tigre Maia considera que os crimes do art. 4º e seu parágrafo único são crimes habituais impróprios, ou acidentalmente habituais, em que uma única ação tem relevância para configurar o tipo (MAIA, Rodolfo Tigre: Dos crimes contra o sistema financeiro nacional. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 58). Trata-se de entendimento minoritário. caso MPprocessa 12 do Banco Rural por gestão temerária – Kátia Rabello, presidente da instituição, é acusada de emprestar dinheiro sem garantias a Marcos Valério. 23FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO O Ministério Público Federal em Minas ofereceu ontem denúncia à Justiça contra a presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e contra integrantes e ex-integrantes da dire- toria-executiva da instituição, no total de 12 pessoas, por gestão temerária de instituição financeira. É a chamada Lei do Colarinho Branco. Segundo o MPF, os denunciados exerceram as suas atividades, entre 2003 e 2005, “em desacordo com as normas de boa gestão e segurança operacional a que estão legalmente obrigados na direção de uma instituição financeira”. A acusação formal aponta irregularida- des na concessão de vultosos empréstimos, “sem observância aos princípios da seletividade, garantia e liquidez”. Dentre as operações analisadas, estão os empréstimos contraídos no Rural pelo PT, pela SMPB Comunicação e Graffiti Participações, empresas de Marcos Valério, acusado de operar o mensalão – pagamento de propina a parlamentares aliados em troca de apoio ao governo no Congresso. Empréstimos tomados no Rural e no BMG – no valor original de R$ 55 milhões, entre 2003 e 2004, por meio de empresas de Valério, foram indicados pelo empresário e pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares como a origem do caixa 2 pe- tista e do dinheiro dado a aliados. As contas e aplicações bancárias de Valério e seus sócios na SMPB – Cristiano de Mello Paz e Ramon Cardoso – já foram bloqueadas pela Justiça mineira em pelo menos duas ações de execução movidas pelo Rural. As decisões não têm efeito prático, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia determinado o bloqueio dos seus bens. O Rural divulgou nota alegando que não foi informado da acusação. “Ao que tudo indi- ca, trata-se de simples conseqüência processual no âmbito do Ministério Público sobre ope- rações de amplo conhecimento, já absorvidas patrimonialmente pelo Banco Rural”, disse. “O Banco Rural confia que, ao final, ficará demonstrada a inexistência de irregularidades.” Fonte: O Estado de São Paulo, Quarta-feira, 9 agosto de 2006. Por: Eduardo Kattah http://txt.estado.com.br/editorias/2006/08/09/pol-1.93.11.20060809.9.1.xml jurispruDência EMENTA: 1. Habeas Corpus. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei no 7.492, de 1986). Crime societário. 2. Alegada inépcia da denúncia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados. 3. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indi- cação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes: HC no 86.294- SP, 2a Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de 03.02.2006; HC no 85.579-MA, 2a Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de 24.05.2005; HC no 80.812-PA, 2a Turma, por maioria, de minha relatoria p/ o acórdão, DJ de 05.03.2004; HC no 73.903-CE, 2a Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC no 74.791-RJ, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 4. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5o, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1o, III). Precedentes: HC no 73.590-SP, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC no 70.763-DF, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 24FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO 6. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente. 7. Habeas corpus deferido. STF. HC 86879/SP. Relator originário Ministro Joaquim Barbosa. Relator p/ Acórdão Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma. Julgamento: 21/02/2006. Publicação: 16/06/2006. EMENTA: Processual penal. Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Gestão Frau- dulenta. Crime de mera conduta. Presença de suficientes indícios de materialidade e autoria relativos aos fatos narrados na peça acusatória. Ordem denegada. 1. Não há que se falar em inconstitucionalidade do tipo previsto no art. 4º da Lei nº 7.492/86, considerando ser o referido ilícito de mera conduta, ou seja, aquele que descreve apenas o comportamento do agente sem levar em consideração o resultado da ação. 2. Não se pode declarar a inépcia da denúncia que descreve fatos penalmente típicos e aponta, como no caso em exame, a conduta dos acusados de forma devidamente individua- lizada, oferecendo todas as condições para o pleno exercício do direito de defesa. 3. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser declarada quando, de pronto, sem necessidade de dilação probatória, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios de autoria capazes de sustentar a acusação ou, ainda, a existência de causa de extinção da punibilidade. 4. Ordem denegada. STJ. HC 38385/RS. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. 5ª Turma. Julgamento: 15/02/2005. Publicação: 21/03/2005. EMENTA: 1. Prescrição: não consumação: gestão temerária de instituição financeira: cuidando-se de crime habitual, conta-se o prazo da prescrição da data da prática do último ato delituoso (C. Penal, art. 111, III). 2. Embora a reiteração se tenha iniciado e, assim, configurado o delito habitual em junho de 1994, os atos posteriores não constituem mero exaurimento, mas também atos executórios que, juntamente com os demais, formam delito único. STF. HC 87987/RS. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. 1ª Turma. Maioria. Julga- mento: 09/05/2006. Publicação 23/06/2006 PP-00054. EMENTA: Competência penal: Critérios de determinação: Prevenção, conexão teleoló- gica e conexão instrumental: Pressupostos. 1. O apelo ao critério da prevenção pressupõe concurso entre infrações conexas, que, se isoladamente consideradas, determinaria, cada uma, a competência de foro diverso: logo, se todos os crimes imputados ao agente se consumaram em uma mesma circunscrição terri- torial, não se pode cogitar da prevenção da competência do foro de outra circunscrição em que só teriam ocorrido atos preparatórios. 2. Conexão teleológica entre a gestão fraudulenta de instituição financeira, consumada em São Paulo, sede da empresa, e operações temerárias na bolsa de valores do Rio de Janeiro, constitutivas de crime contra a economia popular, atribuídas ao mesmo agente. Conseqüen- te prevalência do foro federal paulista, em cujo território se deu a infração mais grave, para o processo e julgamento de ambas (c. Pr. Pen., art. 78, II, a). 3. A conexão probatória pressupõe vinculo objetivo entre crimes diversos, de tal modo que a prova de uma ou de qualquer de suas circunstancias elementares influa na prova da outra. 4. A verificação da conexão probatória não basta o simples juízo de conveniência da reu- nião de processo sobre crimes distintos: e preciso que entre elas haja vinculo objetivo – que 25FGV DIREITO RIO DIREITO pEnal EcOnômIcO se insinua por entre as infrações em si mesmas (Xavier de Albuquerque) –, de tal modo que a prova de uma influa na da outra (c. Pr. Pen., art. 76, III). Portanto, não se reconhece co- nexão entre infrações penais paralelas, embora consistentes em idênticas operações na bolsa de valores, mas imputadas a grupos distintos, entre os quais não se afirma a existência de relação negocial ou comparsaria. STF. HC 67769/SP. Relator originário Ministro Celso de Mello. Relator p/ Acór- dão Ministro Sepúlveda Pertence. 1ª Turma. Maioria. Julgamento: 28/11/1989. Publica- ção 11/09/1992 PP-14715. BiBliografia oBrigatória PRADO, Luiz Regis: Direito Penal Econômico.
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