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Fernando de Tacca
IMAGENS DO SAGRADO O livro trata do embate midiático de
imagens de candomblé realizadas na
cidade de Salvador (BA) publicadas
nas revistas e
em 1951. Importantes personagens
ligados às áreas de jornalismo, an-
tropologia, fotografia e cinema se
envolveram nos fatos, entre eles
José Medeiros, Henri-Georges
Clouzot, Roger Bastide, Alberto
Cavalcanti, Pierre Verger, Odorico
Tavares, entre outros. O fato impli-
cou forte polêmica no meio religioso
e entre a intelectualidade brasileira, e
teve conseqüências para a mãe-de-
santo Riso da Plataforma. A partir
de fontes documentais, pesquisa de
campo das memórias vivas, levanta-
mento de material iconográfico e bi-
bliografia original e inédita, a pesqui-
sa analisa o fato midiático do enfren-
tamento entre as duas revistas em
relação à documentação fotográfi-
ca do ritual de iniciação no candom-
blé dos vários pontos de vista de
seus atores.
O Cruzeiro Paris Match
Fernando de Tacca é fotógrafo,
doutor em antropologia pela USP e
professor livre-docente no Instituto
de Artes da Unicamp. Foi professor
visitante na Universidade de Estudos
Estrangeiros de Osaka, Japão (1995-
1997), e assumiu a cátedra de
estudos brasileiros na Universidade
de Buenos Aires (2004). Foi contem-
plado no I Concurso Marc Ferrez de
Fotografia (Funarte, 1984) e com a
Bolsa Vitae de Artes (2002). Em
2006 ganhou o Prêmio Pierre Verger
de Fotografia da Associação Bra-
sileira de Antropologia e o Prêmio de
Reconhecimento Acadêmico Zeferi-
no Vaz (Unicamp). Publicou o livro
e
inúmeros artigos sobre fotografia,
cinema e antropologia visual. Rea-
lizou várias exposições fotográficas
no Brasil e no exterior. É o criador e o
editor da revista .
A
imagética da Comissão Rondon
Studium
Imagens do sagrado — Entre Paris Match e O Cru-
zeiro
status
Milton Guran
nos traz uma significativa contribuição para
a construção de uma metodologia de trabalho que
alia técnicas de reportagem jornalística às melhores
práticas de pesquisa de campo da antropologia.
Partindo de um conflito de interesses e de disputas
jornalísticas que abrangeram tanto questões éticas
quanto comerciais, Fernando de Tacca colocou na
boca de cena, com de atores principais, per-
sonagens que até então funcionavam apenas como
objetos de curiosidade. De seres exóticos, esses per-
sonagens e, por meio deles, o próprio culto passaram
a sujeitos e interlocutores graças às entrevistas e,
sobretudo, à leitura acurada das imagens publicadas.
IM
AGENS
DO
SAGRADO
Fernando
de
Tacca
Editora da Unicamp Imprensa Oficial
788570 607478
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eduardo Delgado Assad – José A. R. Gontijo
José Roberto Zan – Marcelo Knobel
Sedi Hirano – Yaro Burian Junior
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IMAGENS DO SAGRADO
 
Fernando de Tacca
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 1. Fotografia 770
 2. Candomblé 299.6
 3. Antropologia visual 390
 4. Fotojornalismo 778.53807
Copyright © by Fernando Cury de Tacca
Copyright © 2009 by editora da unicamp
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Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional 
(lei nº 10.994, de 14.12.2004)
Impresso no Brasil 2009
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Tacca, Fernando Cury de.
Imagens do sagrado: entre a Paris Match e O Cruzeiro / Fernando Cury de Tacca. 
– Campinas, sp: editora da unicamp, Imprensa Oficial do estado de São 
Paulo, 2009.
200p. - il.
isbn 978-85-268-0848-5 (editora unicamp)
isbn 978-85-7060-747-8 (Imprensa Oficial)
1. Fotografia. 2. Candomblé. 3. Antropologia visual. 4. Fotojornalismo. I. Título.
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IMAGENS DO SAGRADO
enTre paris match e o cruzeiro
Fernando de Tacca
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Não há Cruzeiro que pague tanto Riso...
A Micênio Carlos Lopes dos Santos, in memoriam
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Agradecimentos
Ao povo de Mãe Riso do Bairro da Plataforma e de Nilópolis, pelos de-
poimentos aqui publicados, especialmente a Janíldece Barroso da Silva, que nos 
aco lheu desde a primeira vez que chegamos de surpresa em sua casa e se tornou 
nosso principal contato no Bairro da Plataforma em Salvador, Bahia, e a Mari-
lene da Silva Reis, pela paciência com nossas indagações. Agradeço a todas as 
pessoas cujos depoimentos constam neste livro. 
Agradeço a algumas pessoas e entidades que foram muito importantes para 
esta pesquisa: 
Micênio Carlos Lopes dos Santos, meu companheiro de trabalho, que acom-
panhou todas as etapas e esteve comigo em Salvador, em julho de 2003; 
José Medeiros, que me recebeu em sua casa no Rio de Janeiro, em 1988, 
quan do iniciava minha pesquisa; 
Milton Guran, amigo e incentivador deste estudo; 
Cláudio da Cruz David, assistente de pesquisa, sempre atento aos dados; 
Susana Sel, sempre presente e acompanhando nosso trabalho;
Luiz Eduardo R. Achutti, Cláudia Possa, Emanoel Castro Oliveira , Vagner 
Gonçalves e Jéromê Sou ty, pelas preciosas informações e contribuições; 
Angela Lühning e Alex Baradel, da Fundação Pierre Verger; 
Casa de Cultura de Teresina, pelas informações da Coleção Fotográfi ca José 
Medeiros;
Lygia Nery, pelas traduções e amizade, e Eduardo Covas, pelas transcrições 
dos depoimentos.
Meus alunos de graduação e pós-graduação, sempre atentos ao desenvolvi-
mento da pesquisa, e meus colegas do Departamento de Multimeios, Mídia & 
Comunicação, do Instituto de Artes da Unicamp;
Fundação Vitae, pela Bolsa Vitae de Artes — 2002.
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Sumário
 Apresentação 13
 Introdução 17
 Encontro com memórias e histórias recontadas 29
 O contraponto de Pierre Verger 71
 Clouzot no Brasil, o caso Paris Match 87
 O Cruzeiro e José Medeiros 123
 A fricção ritualística 159
 Bibliografi a 163
 Candomblé — José Medeiros 165
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 APRESENTAÇÃO 13
Apresentação
Já foi dito que o jornalismo — o palco onde se desenrola a polêmica 
 central deste livro — é um delicioso passeio pela superfície das coisas. 
De fato, cabe-lhe proceder a um inventário dos acontecimentos em geral. 
Entretanto, ao fazê-lo, o jornalismofi ca localizada agora no Pelourinho, e na sua entrada 
fomos recebidos por uma pessoa com certo ar de segurança. Identifi ca-
mo-nos e tivemos de aguardar na calçada. Ele subiu uma longa escadaria 
para nos anunciar e em seguida fomos autorizados a subir. Esperamos 
por pouco tempo em uma sala de onde podíamos observar que várias 
pessoas trabalhavam: parecia um pouco com uma repartição pública não 
modernizada, algum ar de burocracia antiga, móveis velhos, retratos na 
parede e certo clima de assistencialismo. Entre as imagens na parede da 
sala de espera havia um retrato de Antônio Carlos Magalhães. Fomos 
recebidos pelo senhor Antoniel Ataíde dos Santos, que nos informou 
sobre o funcionamento da instituição, o número de associados (3 mil) e 
o número aproximado de terreiros existentes na Bahia (7 mil somente 
em Salvador). A conversa concentrou-se sobre fundamentos religiosos 
do candomblé, principalmente depois da apresentação de Micênio como 
sendo oriundo de uma casa tradicional da Bahia. Sobre possíveis infor-
mações documentais, a visita foi frustrante, pois eles não tinham essa 
documentação antiga, que não era sistematizada, e disse que somente uma 
pessoa, um dos fundadores da Federação, senhor Esmeraldo Emetério de 
Santana, ainda vivo, poderia ter algum documento da década de 50. A 
4 A Federação Baiana dos Cultos Afro-Brasileiros mudou seu nome para Federação Nacional 
dos Cultos Afro-Brasileiros.
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 45
Federação foi fundada em 1946 com a intenção de descriminar a prática 
dos cultos afro-brasileiros, que estavam sujeitos à Delegacia de Jogos e 
Costumes, e exigia muitos procedimentos burocráticos para autorizar o 
funcionamento de um terreiro. Disse-nos ainda que era comum aparecer 
nos quadros de marginais da delegacia a presença de retratos de pais-de-
santo. Assim, as primeiras gestões da Federação tiveram o objetivo de, 
segundo ele, retirar os cultos afro-brasileiros do foco policial. Pareceu-
nos, então, que uma das primeiras assertivas públicas da Federação sobre 
fundamentos religiosos e sua prática se deu exatamente sobre o caso das 
fotografi as das revistas O Cruzeiro e Paris Match.
Sobre documentação, mostrou-nos um prontuário recente, que come-
çava na década de 80, de uma mãe-de-santo, no qual se podia verifi car 
um cadastro de todos os cerimoniais, da iniciação ao rito funerário de 
uma pessoa dentro de um candomblé, mas isso podia não ter efeito, pois 
teríamos de cruzar muitas das obrigações com outros terreiros, pois elas 
podiam ser realizadas por diferentes pais-de-santo. De qualquer forma, 
não deixava de ser um registro importante, ainda que embrionário, pois 
todos os pais-de-santo e mães-de-santo teriam de informar todos os seus 
passos, o que me parece muito improvável, talvez os livros próprios dos 
terreiros sejam mais confi áveis, ou pelo menos contenham mais dados.
Quando falei das imagens sobre as quais estava procurando infor-
mações, ele talvez não tivesse entendido direito e passou a falar que o 
candomblé não tinha uma iconografi a ou culto a imagens, o que me 
pareceu contraditório, com a forte presença de signos visuais da religião 
e sua própria origem sincrética com as imagens do catolicismo. Acho 
que ele estava se referindo diretamente aos procedimentos ritualísticos. 
Percebendo que não estávamos falando do mesmo assunto, resolvi mos-
trar-lhe as imagens de Medeiros e pudemos verifi car que ele não as 
conhecia, e novamente se referiu ao senhor Esmeraldo, conhecido por 
Benzinho, como a pessoa indicada para falar sobre elas. Antes disso, 
referiu-se ele a certa imagem fotográfi ca de uma pessoa em uma bacia 
com o corpo coberto de sangue, não sendo a primeira vez que essa ima-
gem era citada em entrevistas. Tal fato nos chamou a atenção para um 
caso que estava sendo de certa forma renegado. Antes da viagem para 
Salvador, nos preparativos e no planejamento, e nos contatos telefônicos, 
apareceu nas histórias do candomblé certa pessoa chamada Lulu (Ebo-
me Lulu), que achávamos que seria uma das iaôs fotografadas por Me-
deiros. Lulu viveria à margem de um terreiro tradicional e seria susten-
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46 IMAGENS DO SAGRADO
tada por uma famosa mãe-de-santo. Entretanto, com as várias entre vistas 
de pessoas diretamente envolvidas nas imagens de Medeiros, pudemos 
identifi car as três iaôs fotografadas por ele, e não constava nenhuma 
Ebome Lulu. Outra referência que tínhamos era um guia, chamado de 
Chico Monalê, que teria levado Medeiros até o terreiro de Riso, que 
também não apareceu em nenhuma das entrevistas. Por várias vezes o 
nome de Chico Monalê apareceu como o guia de Medeiros. Esses dois 
fatos nos permitiram formular a hipótese de que as fotos da Paris Match 
seriam as imagens que as pessoas do meio religioso citam como simu-
lação do ritual ao qual esses personagens estariam diretamente vincula-
dos. Nesse momento da pesquisa, a chegada da revista em minha casa 
em Campinas era eminente, e talvez elucidasse um elo importante des-
sa história. Caso fosse confi rmada essa hipótese, ainda mais com a fala 
de Medeiros de que foram essas imagens e essa reportagem que o mo-
tivaram a revelar o que chamou de verdadeiro candomblé, a pesquisa fe-
charia seu ciclo, ou seja, poderíamos entender todo o processo. Como 
não conhecia as imagens e o teor da reportagem, fazia-se necessário que 
isso acontecesse exa tamente nesse momento importante do trabalho de 
campo. Outra questão que talvez Seu Benzinho pudesse esclarecer é 
sobre como a Federação tomou conhecimento da reportagem da Paris 
Match, pois, em relação a O Cruzeiro, era possível compreender o seu 
acesso à reportagem, já que a revista tinha importância nacional e tam-
bém pela prévia divulgação que pudemos constatar nos dois jornais mais 
importantes de Salvador, A Tarde e Diário de Notícias, inclusive com a 
publicação da fotografi a da iniciação e das várias chamadas sobre o as-
sunto, como vimos no início. 
Abriu-se uma nova frente importante na pesquisa, pois a relação entre 
as duas reportagens nas diferentes revistas estava na motivação inicial de 
Medeiros e no cerne das discussões no meio religioso, e podemos ainda 
ter a discussão de uma contraposição entre verdade jornalística na docu-
mentação de Medeiros e na simulação da Paris Match. 
Fechando a entrevista com o secretário da Federação, perguntei-lhe 
o que faria a Federação caso imagens semelhantes fossem publicadas em 
um jornal ou em uma revista de âmbito nacional. Ele nos respondeu que 
o pai-de-santo, ou mãe-de-santo, seria chamado para uma conversa com 
a presidência e poderia ser penalizado até com a expulsão, se o caso fosse 
para o Conselho Sacerdotal da instituição. Aparentemente, a posição da 
Federação seria muito mais branda do que a expressada em 1951, talvez 
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 47
em virtude de outras dinâmicas da própria Federação, como sua partici-
pação no plano político-partidário.
Entrevista de Leleta5
Depois de vários telefonemas para sua fi lha natural Marilene — cha-
mada de Loura — que morava em São Paulo, fi zemos uma entrevista 
gravada com dona Leleta, irmã de Riso. A fala de Leleta tornou-se o de-
poimento mais importante de todos. Loura, por outro lado, seria elemento 
vital para obtermos informações sobre sua vivência no Rio de Janeiro, 
pois foi com apenas 7 anos morar com sua tia Riso, em Nilópolis, e fez 
cabeça com ela aos 8 anos. Fomos muito bem recebidos por dona Leleta 
e pudemos ter uma entrevista agora legitimada pelos vários interlocuto-
res intermediários da conversa, e ela estava muito tranqüila e à vontade. 
Seguem os principais trechos de seu depoimento, no qual não quis fazer 
muitas alterações para manter a autenticidadedas informações:
5 Angioleta Silva dos Santos, irmã de sangue de Riso.
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48 IMAGENS DO SAGRADO
Riso revelou o que nenhum pai-de-santo quis revelar... então, quando eles 
[ José Medeiros e Arlindo Silva] chegaram lá na casa dela... foi na casa daquela 
mãe-de-santo de lá... Astera... Astera, então informou a minha irmã Riso 
sobre os jornalistas... então Riso aceitou... eles levaram na base de uns oito dias 
lá, sem sair de lá para nada, todos passos que Riso dava, eles também davam 
atrás para poder escrever tudo, para registrar tudo, até para ir para dentro do 
quarto do santo, que não se entra quando se tem “recardoria” [reclusão], eles 
entraram para ver tudo como era, e Riso disse tudo, tudo, tudo... então foi por 
isso a revolta dos pais-de-santo, porque ninguém revelava, parecia um bicho-
de-sete-cabeças que não era, não é? Aí ela revelou, então os pais-de-santo 
fi caram tudo com raiva... tentaram matar ela... porque, naquele tempo, isso 
aqui não tinha pista, daqui para ir lá na Ilha Amarela era mato, só tinha um 
caminho, era um caminho só, não tinha transporte nada, e Riso morava lá, aí 
eles [os pais-de-santo] fi cavam no caminho para ver se tentava emboscar ela, 
mas nunca conseguiram... ela só sabia que estava sendo ameaçada, e eles, os 
pais-de-santo, deram queixa na 1a Delegacia de Polícia... aí veio uma viatura 
da polícia buscar ela, aí ela disse: “eu vou mas primeiro vou trocar de roupa...”, 
entrou dentro do quarto do santo dela, depois foi na casa de Exu, porque ela 
tinha santo de nascença, aí quando ela voltou eles disseram: “nós não vamos 
levar você aqui dentro, depois você vai em outro carro”, depois que eles foram 
embora, ela pegou outro carro e foi para a delegacia... quando chegou lá, eles 
não fi zeram nada porque o delegado só recebia telefonema que dizia para não 
tocar nela, não fi zesse nada contra ela, então ele não podia fazer uma pergunta 
porque era só telefone tocando. Ele então disse: “a senhora vai embora porque 
a senhora é tão querida que é um tanto de telefonema para não tocar a mula 
e não fazer nada com a senhora, agora o dinheiro que a senhora pegou é tão 
pouco que se a senhora precisar de advogado o dinheiro não dá”. Naquele 
tempo foi besteira, naquele tempo dava na base de R$ 60,00 [Cr$ 60,00 
na época] então ela vendeu lá [o terreiro] da Ilha Amarela e comprou uma 
roça aqui, que é o lugar da pista hoje na Plataforma, comprou um terreno 
enorme e fez uma casa de candomblé ali [apontando para o supermercado 
Paes Mendonça]. Naquele tempo não tinha pista, era mato, isso tudo em 
1951 era mato... aí eles [os policiais] perguntaram quando tinha festa lá no 
candomblé, ela respondeu: “se o senhor puder ir, sábado estou fazendo uma 
festa”, ela então preparou uma festa com tudo, e quando foi no sábado da 
mesma semana eles chegaram com umas três viaturas, cheia de polícia para 
apreciar o candomblé e comer, depois disseram a ela: “quando tiver festa me 
convide que estou aqui”, isso lá ainda na casa antiga da Ilha Amarela, então 
com a polícia acabou o problema. Os pais-de-santo não puderam fazer nada 
contra ela porque ela tinha santo, tudo acalmou... ela foi ameaçada porque 
achavam que tinham descoberto o segredo [...] ela decidiu ir para o Rio depois 
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 49
de muitos anos, ela fi cou aqui, e ela tinha um irmão de criação que tinha lá, 
ela resolveu ir para o Rio [...] abriu uma casa e eu fi quei morando na casa, a 
casa dela aqui... [no terreiro da Plataforma] quando veio passar essa rodagem, 
a casa era bem na pista, então ela foi indenizada, Riso veio para receber os 
papéis, receber a indenização e foi embora de novo para o Rio.
Assim, a versão de que o terreiro de Riso fora “derrubado”,“quebrado”, 
na verdade foi uma simples decisão estratégica de traçado de vias ur-
banas. 
[...] Riso dizia que não tinha medo sobre toda essa história, não tinha feito 
nada demais, que o santo não tem mais segredo... ela fez aquilo com autori-
zação do santo, porque ela tinha santo mesmo, porque se ela fi zesse alguma 
coisa que o santo não quisesse... uma vez ele [o santo] deixou ela muda! Ela 
não falava de jeito nenhum... ela voltou a falar depois de muito tempo... ela 
só fazia o que o santo quisesse... então o santo autorizou fotografar... ela fez 
com autorização dos orixás dela... depois que ela foi para o Rio, lá ela abriu 
casa, tinha bastante prestígio... aqui ela tinha muito fi lho-de-santo porque 
ela era famosa mesmo [...] Riso não teve prejuízo nenhum, aqui ela não teve 
e lá no Rio ela também não teve, tinha muito fi lho-de-santo, tinha de tudo 
dentro de casa, não precisava trabalhar...
A fala de Leleta demonstra que Riso não teve “prejuízos” com a pu-
blicação das fotos, mas foi muito hostilizada, e afi rmou que é “mentira” 
que a casa dela foi quebrada.
[...] depois que ela quis ir para o Rio porque tinha o irmão de criação lá, e 
eu mesmo fi quei na casa dela aqui em Salvador, eu mesmo que desmanchei 
o quarto de santo porque ela não ia voltar mais, chamei os fi lhos-de-santo, 
entreguei o de cada um... porque eu vivi dentro da casa de candomblé desde 
menina, como ela, mas não sou de candomblé, embora tenha um bocado de 
fi lho, tudo de candomblé [...]. Quando ela foi para o Rio, ela deixou tudo aí, 
o terreiro... e quando ela se deu bem e deu para ela por lá fi car... então ela só 
me deixa fi car tomando conta da casa [...]. Ela desde menina que era muito 
perturbada com esses negócios [Riso tinha visões] e minha mãe detestava, 
ela ia para casa desse irmão de criação dela e de lá ela ia para a casa de uma 
mãe-de-santo de São Caetano, Idalisse da Ilha Amarela, minha mãe não 
sabia. Idalisse foi a mãe-de-santo dela... então, quando foi um dia, minha 
mãe foi para a cidade, e veio um rapaz que tava com Riso, mas Riso não 
veio... ele disse que ela tinha bolado e que ela tava lá [no terreiro de Idalisse] 
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e o santo não queria levantar, e ela tinha bolado nessa casa pelo menos umas 
três vezes e mamãe não sabia, ela era de Oxóssi, então ela fez o santo, minha 
mãe nunca foi lá porque não gostava, só meu pai que ia às vezes... antes de 
fazer o santo ela via mesmo, mamãe levava ela para o caminho e ela não 
queria seguir adiante, dizia: “não pode passar, não pode passar...”. Ela via um 
cavaleiro, dizia que tinha um cavaleiro na sua frente que não a deixava pas-
sar... isso com uns 13 a 14 anos, ela tinha vidência, aí mamãe voltava, chegou 
a fazer promessa para Santo Antônio para ela não entrar nisso [...]. Ela 
trabalhou muito novinha na fábrica na União Fabril de São Brás, ainda não 
era de candomblé [ainda não tinha terreiro]. Aqui na Plataforma mesmo, a 
fábrica está desativada agora... com menos de 15 anos, naquela época era 
fácil se empregar [...]. Riso não casou, teve um fi lho, que já morreu, ele 
morreu num mês de novembro, quando foi o dia 1o de janeiro ela morreu, 
ela estava doente, diabética, então a paixão que era o fi lho único... o fi lho 
morava com ela ... nasceu aqui justamente na obrigação daquela moça que 
veio do Rio, teve de suspender a obrigação que ia começar pois Riso estava 
barriguda, aí adiou a obrigação, nasceu no dia 4 de dezembro... ela tá com 
sete anos de morta.
Pela primeira vez pudemos ter a confi rmação da morte natural de 
Riso.
Perguntada sobre o fato de dizerem que Riso teria sido assassinada, 
Leleta disse:
Isso é uma confusão porque Loura viveu muitos anos com a mãe-pequena 
dela e a mãe-pequena é que foi assassinada, por uma fi lha-de-santo... lá em 
São Paulo [...]. Se você for para São Paulo e procurar minha fi lha, Loura, 
ela tem tudo, tem fi ta, foto, lá dacasa do Rio, tem tudo... tem o jornal com o 
enterro dela com 600 fi lhas-de-santo, todas de alvo... ela [Loura] foi para lá 
com 8 anos de idade, na casa de Riso, ela é gêmea de Marinalva, a Morena...
ela com 6-7 anos era uma menina que se assombrava muito, quando era de 
noite ela fi cava assombrada, via um velho com um cachorro, então quando 
minha irmã, Riso, veio do Rio, passear, naquele tempo era de navio, aí eu 
disse “leva a Loura porque ela puxou a você, ela não puxou a mim, porque 
aqui eu não vou metê-la no candomblé”, ela chegou e levou. Aí mais de oito 
meses ela não sentia nada, me escreveu uma carta dizendo que ela ia voltar 
porque não sentia nada lá... eu disse a Riso: “é porque você foi de navio e o 
santo dela vai a pé...”. Aí quando Riso foi recolher um barco de seis pessoas, 
quando viu, o santo dela baixou, e fez o santo com 8 anos de idade.
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 51
Leleta conta que não registrou Loura e Riso fez o registro no Rio de 
Janeiro com se fosse sua mãe, tornando-se ela [Loura] sua única herdeira 
depois da morte do fi lho de Riso.
A Riso vinha muitas vezes passear aqui em Salvador, e não freqüentava outras 
casas de candomblé aqui, só ia na casa de Mariinha... o povo que procurava 
ela, quando tinha candomblé aqui, vinha muita gente mesmo, era muita gente 
mesmo, era famosa mesmo, era o candomblé mais famoso da Plataforma [...] 
Riso começou a olhar desde quatro anos de feita, ela não tomou logo o decá, 
a Riso tomou o decá depois de velha... o candomblé agora tem valor.
Leleta conta que o cargo de Riso seria uma herança de seus avós afri-
canos, pois quando eles chegaram disseram que o cargo seria passado 
para um parente distante e não para os fi lhos, e o cargo fi cou para Riso.
Ao mostrar o livro de José Medeiros, mais uma vez ninguém ali o 
conhe cia, houve identifi cação das iaôs nas fotografi as, como uma memória 
muito viva ainda de um evento de 50 anos atrás, e, sem titubear, foram 
identifi cando cada uma delas. Confi rmou-se que não são diretamente 
ligadas à iniciação, foram feitas em outro terreiro, e, vendo as imagens, 
Leleta disse: “Não era conhecido pelas pessoas”, nunca souberam da 
exis tência do livro. Houve identifi cação das iaôs, de alguns fundamentos 
do candomblé, identifi cação de outras pessoas não importantes para a 
pesquisa, confi rmou-se que algumas fotos foram feitas em outro lugar e 
não no terreiro de Riso.
Leleta fez comentários sobre fundamentos, já que, mesmo não sendo 
iniciada, viveu muito tempo dentro do meio religioso, demonstrando 
conhecimentos profundos sobre candomblé. Diz ela olhando para uma 
foto de sua irmã: “Olha a atenção de Riso para raspar a cabeça, não é?... 
Riso era bonita, não é?”.
Vendo um telhado que aparece em uma foto no livro, Leleta não o 
reconhece como sendo do terreiro de Riso porque, segundo ela, os dois 
terreiros eram cobertos de palha: “quando ia para o Rio e quis colocar 
laje no barracão, o santo não deixou”.
Leleta conta de uma ida de Idalisse, mãe-de-santo de Riso, para o 
Rio, quando houve um sacrifício de um boi para uma obrigação dela no 
terreiro de Riso em Nilópolis. Ela colocou o boi com as patas para cima 
e Riso o desvirou e fez logo outro trabalho porque o santo dela era forte. 
Diz que “Idalisse não se conformava de Riso saber tanto, mas ela [Riso] 
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52 IMAGENS DO SAGRADO
freqüentava candomblé desde pequena e desde os quatro anos de feita 
que ela olhava e fazia trabalho, de nova no santo”.
Leleta diz que Riso não comentava muito sobre as fotos d’O Cruzeiro 
e que Nieta, uma das iaôs, bebia muito, morou em sua casa quando se 
mudou para o terreiro de Riso, e também morou na casa de Perrucha.
Conversa telefônica com Pai Benzinho
Conforme indicações do senhor Antoniel Ataide dos Santos, secre-
tário da Federação, tentamos entrar em contato com Pai Benzinho, Es-
meraldo Emetério de Santana, pelo telefone que nos passara, mas era 
número errado e conseguimos seu telefone pelo Auxílio à Lista. Na pri-
meira tentativa, pediram-nos para ligar e falar diretamente com o fi lho 
e somente na segunda tentativa, ainda com desconfi ança, passaram o 
número correto após explicações sobre nossas intenções.
Na conversa com Pai Benzinho, apresentei-me e tentei marcar uma 
conversa, mas ele foi enfático em dizer que não conversa mais com “jorna lis-
tas”, não dá entrevistas, pois muitas pessoas ganham com isso e ele somente 
se desgasta. Ele está atualmente com 87 anos. Quando insisti no assunto 
específi co da pesquisa, as imagens da revista O Cruzeiro e uma revista es-
trangeira que publicara fotos de iniciação. Ele disse que estava velho para 
se lembrar desses fatos acontecidos há muito tempo, e pergun tei-lhe se 
conhecia a Mãe Riso da Plataforma. Ele disse as seguintes palavras: “Essa 
mulher aprontou o diabo, saiu fugida da Bahia para o Rio de Janeiro, não 
sei se está viva ou morta, se estiver viva que o diabo a carregue”.
Essa explosão verbal demonstrou que a história ainda estava viva 
em sua memória, mesmo ele não querendo mais falar de candomblé, 
pois, segundo ele, estava aposentado e disse que teríamos de procurar a 
Federação, acentuando a existência de um processo seu, um prontuário, 
com toda a sua vida na Federação. Tudo indicava que ele tivera uma 
participação direta nos acontecimentos, já que era uma das pessoas mais 
importantes da Federação na época. 
Visita ao terreiro de Mãe Cutu
Margarida Nayr da Anunciação, conhecida como Mãe Cutu, Ajicutu, 
“aquela que acorda cedo”, ou que vê antes as coisas, teve origem em uma 
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das casas mais tradicionais de Salvador, a Casa Branca, e em contato tele-
fônico disse que sabia de uma história relacionando um tal Chico Monalê 
com Ebome Lulu, e que poderia estar ligada com as imagens das revistas, 
pois a tão falada imagem da pessoa dentro da bacia novamente foi citada. 
Fomos muito bem recebidos por ela no bairro da Mussuranga, periferia 
de Salvador. Mãe Cutu não quis que a entrevista fosse gravada. Ela co-
nhecia muito bem Ebome Lulu, disse que não sabia notícias dela e que 
perguntava para as próprias fi lhas de Lulu e elas não tinham informação 
da mãe. Mãe Cutu contou detalhes da vida de Lulu desde sua infância, o 
que demonstrava que a conhecia muito bem, sendo elas do mesmo barco, 
assim, transmitiu-nos que tinha uma afeição muito grande por Lulu. Esse 
fato relatado a credenciava a tentar reconhecer Lulu nas fotos. 
Pensávamos que a imagem da bacia poderia ser uma das que foram 
publicadas na Paris Match, pois em uma das fotos aparece uma bacia. Pois 
bem, Mãe Cutu não reconheceu ninguém nas imagens, as quais também 
não eram de seu conhecimento, nunca as tinha visto antes, o que eliminou 
a hipótese de as imagens serem de Chico Monalê e Ebome Lulu, que 
agora se tornaram menos importantes para a pesquisa, ainda mais porque 
a imagem sempre citada da pessoa dentro de uma bacia com a cabeça 
raspada não apareceu em nenhum momento dela. 
Essas imagens acompanharam a pesquisa desde a preparação da via-
gem e agora se tornavam somente uma citação que muitos relacionam 
com Riso, como vários acontecimentos desagradáveis do candomblé da 
época são vistos dentro do imaginário popular como ligados às imagens 
de O Cruzeiro e a Riso. 
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54 IMAGENS DO SAGRADO
A revista Paris Match será analisada dentro de sua narrativa visual e 
textual como elemento de motivação para Medeiros e também como 
motivação para a discussão das imagens de iniciação de candomblé na 
mídia impressa da época por parte da Federação.
Alguns detalhes importantes da conversa com Mãe Cutu:
1. Nãoreconheceu as pessoas da Paris Match.
2. Reconheceu Joana de Ogum em uma das fotografi as, na qual quatro 
pessoas estão levando um presente para Iemanjá. O presente de Joana 
de Ogum era muito concorrido e famoso. Reconhece também o te-
lhado em uma das fotografi as como sendo a casa de Joana de Ogum, 
pois, como vimos na entrevista com Leleta, o telhado do terreiro de 
Riso era de palha. Caracteriza-se então que Medeiros fotografou as 
imagens complementares publicadas no livro de 1957 em Salvador 
mesmo, provavelmente nas suas outras viagens posteriores à época 
das fotos feitas para O Cruzeiro.
3. Em uma das únicas vezes que citou Riso, Mãe Cutu disse a seguinte 
expressão: “Deus perdoa seus pecados, Riso!”, deixando que o perdão 
aconteça no plano espiritual somente, e quando da afi rmação de que 
Riso teria consultado seu orixá, Oxóssi, disse ainda: “Não consultou 
Oxóssi, não!”.
4. Mãe Cutu contou-nos uma passagem de sua vida relacionada direta-
mente com a revista O Cruzeiro, disse ela que era a primeira vez que 
via a revista com calma e atenção, pois, quando era ainda pequena, 
não iniciada, e freqüentava o terreiro onde raspou a cabeça, entrou 
um dia no barracão do terreiro e viu uma revista em cima de uma 
mesa. Começou a folhear, vendo algumas imagens. Estava sozinha 
nesse momento, mas em seguida uma pessoa mais velha da casa 
chegou e tomou-lhe a revista de sua mão de forma muito agressiva 
dizendo que ela não poderia ver aquelas imagens, o que demonstra 
uma interdição visual para não-iniciados, e também ela própria citou 
os problemas que imagens de iniciação podem causar para os inicia-
dos após saírem da reclusão, pois nesse momento estão em transe e 
não se lembram de nada do que se passou; alertou para problemas 
de ordem pessoal e psicológica que podem surgir dessa situação.
5. Cantou-nos uma cantiga da época que está diretamente ligada a 
Riso. Quando lhe dissemos o nome da mãe-de-santo de Riso, ela 
cantou o seguinte:
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 55
as muzenzas de Adalisse
nuas na frente do guarda,
as muzenzas de Adalisse
vão levar borrachada 
“Muzenza” signifi ca iaô, ou seja, “[...] as muzenzas de Idalisse” evoca 
as iniciadas por Idalisse. Essa cantiga evidencia que Riso e, mais ainda, 
sua própria mãe-de-santo se tornaram personagens de cantigas populares 
em razão das imagens da revista O Cruzeiro, e pelo fato de que Riso teve 
de ir para a delegacia prestar esclarecimentos, com denúncia provável 
originada nas pessoas da Federação, como já citara Leleta.
6. Mãe Cutu disse que em sua casa de origem, Casa Branca, e na sua 
própria, não deixava que as pessoas iniciadas utilizassem cadernos 
de anotações durante o processo de iniciação, permitindo, assim, que 
o aprendizado se realizasse por intermédio da comunicação oral, 
como é tradição no candomblé. O caso da revista O Cruzeiro deve 
ser considerado dentro desse mundo da oralidade, mas uma oralidade 
paralela à tradição, fora do contexto religioso e dentro do cotidiano 
da religião, fazendo com que muitas pessoas que não tiveram contado 
direto com Mãe Riso lhe associem muitos fatos correlatos ou mesmo 
trágicos e escandalosos do candomblé que aconteceram na época. 
O caso de Joãozinho da Goméia, pai-de-santo muito questionado 
naquela época por suas atuações e aparições na mídia, surgiu em 
muitas citações como ligado ao caso da revista O Cruzeiro. 
Segunda visita à Federação Baiana de Cultos Afro-Brasileiros
Com a chegada da revista Paris Match pelo correio e pela primeira 
vez aos nossos olhos, retornamos à Federação Nacional dos Cultos Afro-
Brasileiros, antiga Federação Baiana dos Cultos Afro-Brasileiros, para 
conversar com o secretário que havia também citado a tal fotografi a da 
bacia, mas ele não reconheceu as pessoas das fotografi as, o que me levou 
a acreditar na inexistência de tais imagens, e, como eu disse, alguns fatos 
aca baram sendo relacionados a Riso pelo imaginário popular e religioso. 
Também vimos o prontuário de Pai Benzinho, conforme ele nos indi-
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cara, mas somente constavam dados de seu itinerário pessoal dentro do 
candomblé.
Fomos levados a conversar com outra pessoa dentro da Federação, 
uma pessoa mais nova e com muita fl uência que também não conseguiu 
reconhecer as pessoas da Paris Match e via pela primeira vez todas as 
imagens. Contou-nos que poderia haver uma pessoa chamada Lili entre 
as imagens, que sabemos não ter sido identifi cada pelas pessoas mais 
diretamente ligada às fotos da O Cruzeiro, e depois disse que Lili fi cou 
conhecida por um acontecimento nessa mesma época, dentro de sua casa 
religiosa, quando algumas iaôs, incorporadas pelas entidades infantis, 
fugiram da camarinha e acabaram realizando furtos com conseqüên-
cias trágicas para uma delas. Tal citação reafi rma o imaginário popular e 
religioso que tenderia a ligar Riso com várias passagens que de alguma 
forma “sujam” a imagem pública do candomblé. O interessante é que, 
mesmo sendo uma pessoa muito nova, sabia quem tinha sido Riso e o 
que ela fi zera. Como um jovem envolvido com as propostas da Federação 
e também preocupado com a memória e a história do candomblé, sabia 
da história de Mãe Riso e de sua principal fi lha-de-santo, Perrucha, que 
ele disse ter conhecido, o que evidenciava que os fatos da década de 50 
estavam tendo uma releitura pelos mais novos, e não manifestou também 
nenhuma reprimenda em relação a Riso.
Interessante sua resposta à minha pergunta sobre a publicação nos 
dias atuais de imagens semelhantes às publicadas pela O Cruzeiro em 
1951. Disse ele que o problema hoje é o uso que essas imagens poderiam 
ter por parte dos evangélicos, principalmente pela Igreja Universal do 
Reino de Deus, ou seja, ele está mais preocupado com os ataques que o 
candomblé sofreria da Igreja Universal do que com uma “revelação de 
segredo”. E ainda disse que a publicação poderia levar muitos adeptos a 
deixar o candomblé, que estaria perdendo infl uência devido exatamente 
aos ataques e ao conseqüente crescimento dos evangélicos. 
Conversa com Sissi, Nancy de Souza
Com 63 anos de idade, Sissi tinha na ocasião das imagens de O Cru-
zeiro somente 12 anos. Recebeu-nos na Fundação Pierre Verger, onde 
trabalha, e contou-nos muitas histórias do candomblé e sobre seus fun-
damentos, revelando um vasto conhecimento sobre o assunto. Sua he-
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 57
rança espiritual e intelectual está diretamente ligada à história de Pierre 
Verger, com quem viveu durante muitos anos, e a ele refere-se sempre 
com muita reverência. 
Ela conheceu Riso em 1962, no estado do Rio de Janeiro, quando 
estava presente em um terreiro na Baixada Fluminense, para ver a saída 
ou a Festa do Nome de uma iaô (nação Angola). Disse que Mãe Riso 
chegou seguida de um séquito de pessoas e logo à sua chegada o pai-de-
santo da casa lhe perguntou: “Você conhece ela? Aquela que foi expulsa 
da Bahia, que deixou o Cruzeiro fotografar?”.
Mais uma vez apareceu a fala sobre uma “expulsão” de Riso que não 
somente correu a Bahia, mas o mundo do candomblé. Disse que ela che-
gou trajando uma saia justa, conhecida na época como “costume”, ves-
tindo uma camisa masculina listrada, com suas contas de Oxóssi, seu 
orixá. Notou que ela tinha olhos esverdeados, como “olhos de gata”. Ti-
nha também um anel de ouro no dedo com a imagem de São Jorge, que 
aparece em uma das imagens da revista O Cruzeiro. Sissi insinuou por 
meio de um movimento de ombros a chegada de Riso no terreiro, indi-
cando sua preferência sexual, o que depois confi rmou em fala baixa. Sa-
bia ela que Riso tinha uma história controversa, mas não deixou de pro-
ceder aos ritos de obediência hierárquica, mesmosendo de uma casa 
tradicional (Casa Branca), indo ao seu encontro para tomar bênção das 
mãos de Riso. Esse fato demonstra que Riso superou qualquer dúvida 
sobre sua história dentro do candomblé, confi rmando as palavras de sua 
irmã Leleta de que não foi prejudicada depois da publicação das imagens 
na O Cruzeiro. Sissi ainda falou com muito respeito em relação a Riso, 
dizendo que ela era uma mulher muito séria, e citou exatamente uma 
fotografi a publicada para comprovar suas idéias, comentando: “olha como 
ela está atenta na raspagem da iaô”, detalhe que havíamos notado antes 
e, é claro, por intermédio do perspicaz olhar fotográfi co de Medeiros. 
Mesmo assim, reafi rmou a versão de que Riso teria saído “descarregada” 
para o Rio depois que saiu a revista O Cruzeiro, citando até mesmo o 
nome do navio em que ela teria embarcado, Comandante Capote. Sissi 
informou-nos que não havia muitas relações entre os terreiros da cidade 
alta com os terreiros da cidade baixa, assim, as redes de relações que se 
estabeleceram foram autóctones, sem criar redes mais extensas; é o que 
ainda predomina no candomblé. Dessa forma a rede estabelecida por 
Riso não nutriu de informações a rede da cidade alta. Do meu ponto de 
vista tal ocorrência facilitou a profusão de versões sobre os fatos da re-
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vista O Cruzeiro, pois, caso houvesse essa rede, se saberia que Riso não 
tinha sido expulsa, que seu terreiro não fora quebrado e que também ela 
tivera uma vida longa e profícua no meio religioso.
Sissi indicou-nos uma imagem que teria sido realizada no Brasil por 
Pierre Verger, na mesma época, uma foto clássica de uma iniciação, na 
qual aparece uma pessoa com a cabeça de um bode na boca. Disse Sissi 
que a foto foi feita na casa de Pai Cosme, mas não aparecem muitas outras 
imagens de Verger sobre esses ritos no Brasil, somente nas suas fotogra-
fi as da África. Como o tempo estava muito curto para continuarmos a 
conversa e ela prontifi cou-se a mostrar outras imagens de Verger sobre 
a temática, achei melhor fazer uma visita mais demorada e verifi car as 
imagens do Terreiro de Pai Cosme em outra visita. 
Sissi lembrou a participação de Joãozinho da Goméia nas fi lmagens 
de Barravento de Glauber Rocha, como também a participação de uma 
atriz argentina de nome Irma Alvarez em um fi lme chamado O cavalo 
de Oxumaré, e tentou ligar algo a Riso, sem clareza, dizendo que teria 
havido uma capa da revista O Cruzeiro com a argentina, ligando essa 
história a Riso.
Sobre os limites entre o sagrado e o profano nas imagens da revista O 
Cruzeiro, chamou a atenção para o lado psicológico da leitura posterior 
das imagens pelos iniciados, assim como disse Mãe Cutu, comentando 
que poderia haver prejuízos mentais para aqueles que estão em transe 
nos procedimentos ritualísticos, já que não têm consciência dos detalhes 
desses procedimentos pela própria postura corporal e pelo estado de 
cons ciência alterado em que se encontram. Ela mesma disse que não 
gos tava de ver essas imagens e em alguns fi lmes sente-se mal. Em ne-
nhum momento referiu-se a uma revelação do segredo ou outro fato 
que prejudicasse a religião com a publicação dessas imagens. Não me 
pareceu producente mostrar as imagens da revista e ela disse não saber da 
existência da reportagem da Paris Match, como também não se lembrou 
de nenhum pai-de-santo chamado Nestor, que é citado nela. As dúvidas 
sobre a existência desse pai-de-santo continuam, assim como a própria 
veracidade das imagens coletadas por Clouzot. Posteriormente, mandou-
nos um recado dizendo que esse Nestor era um tal de Pai Rufi no.
Perguntamos a Sissi se Pierre Verger se havia expressado alguma 
vez sobre a reportagem de O Cruzeiro e ela disse que ele nunca havia 
falado sobre o assunto, como também parece não ter nada escrito. 
Em que pese a seu favor todo o seu trabalho de pesquisa e o uso diferen-
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 59
ciado que dava para suas imagens, deixa um espaço para pensarmos sobre 
o signifi cado de seu silêncio, pois vivia ele na Bahia naquele momento 
em que o candomblé se arvorou contra fotografi as publicadas em revistas 
e estava exatamente fotografando o candomblé, e trabalhando para a 
sucursal da revista O Cruzeiro, em Salvador.
Entrevista com Loura6
O encontro com Loura aconteceu em São Paulo, na sede de uma 
empresa de segurança vizinha ao seu terreiro na Vila Libanesa, Bairro da 
Penha. Os motivos de ser esse o local do encontro são difusos, e podem 
estar ligados ao fato de uma das pessoas da empresa ser sua cliente, mas 
a preocupação de Lili com a “segurança” mostrou sua própria inseguran-
ça em relação ao assunto tratado. Não tivemos nenhuma situação similar 
em toda a pesquisa.
Marilene nasceu quatro anos depois da publicação das fotos na revista 
O Cruzeiro, mas sua trajetória de vida fez com que encontrasse sua tia 
Riso no Rio de Janeiro, com a qual viveu alguns anos. Disse que sabe 
pouco sobre o caso, que houve até intervenção da polícia e o assunto não 
era tratado nas conversas. Assim como ocorreu com Riso, sua entrada 
no candomblé deu-se quando ainda era criança, época em que se identi-
fi cou sua inclinação para a mediunidade. Disse ela sobre esses primeiros 
momentos (muito parecidos com a história de Riso):
Eu tinha 2 anos de idade, tinha saúde imensa, eu e minha irmã, que sou 
gêmea, e minha mãe tinha mania de dar banho na gente e colocar a gente 
no campo brincando, sentadinhas assim, e passou um velho, não me lembro, 
minha mãe conta, depois desse dia é que eu fi quei doente, aí passou um 
senhor de idade e passou a mão na cabeça de nós três, e falou assim: vocês 
vão dormir que vocês vão ver, aí minha mãe pôs a gente pra dormir. Todas 
as três dormiram, duas acordaram bem, e eu acordei mal. Dali por diante eu 
comecei a passar muito mal, de 2 anos em diante até 7, até completar 7 anos, 
e todo mundo dizia que era de santo e eu ia para o vizinho do lado, que era a 
dona Mariinha, fi cava boa, voltava pra casa fi cava ruim, e minha mãe sempre 
falando que não queria que eu entrasse na religião, que já tinha minha tia que 
6 Marilene da Silva Reis, fi lha de Leleta.
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é a Mãe Riso, e não queria, não queria mas a minha vida ia ser realmente pra 
fazer o santo, e fi quei até os 7 anos. Com 7 anos a Mãe Riso sempre estava 
lá no barracão dela, que era do lado da casa da minha mãe, e falava que eu 
tinha que fazer o santo, e minha mãe falava: ah, ela não vai fazer isso não, ela 
vai fazer só se for com você, que meu pai e ela só confi ava nela.
Marilene foi morar com Riso no Rio de Janeiro quando completou 7 
anos, idade necessária na época para fazer iniciação. A fala de Marilene 
revela que Riso tinha muitas atividades no Rio e manteve seu terreiro na 
Plataforma, no qual Leleta morava e do qual cuidava. Ainda em Salva-
dor, Riso tinha muitos fi lhos-de-santo da região da Plataforma e da Ilha 
Amarela, e freqüentava outros terreiros da região carregando Marilene 
junto dela, e sempre Marilene “bolava” no santo nesses terreiros, acabava 
em quartos de reclusão com todos os pais e mães-de-santo querendo 
fazer sua iniciação, mas Riso dizia que ela iria ser iniciada em seu terreiro. 
Como era pequena, frágil e doente, não poderia ser recolhida sozinha 
e no terreiro de Riso havia outras pessoas para cuidarem dela. Com 7 
anos foi embora de Salvador morar com Riso na Baixada Fluminense, e 
lembrava-se de que a casa de Riso tinha cerimônia e rituais quase todos 
os dias, era muito movimentada e freqüentada. 
Assim ela contou sobre sua iniciação por Riso:
Aí fui embora pro Rio, cheguei lá tinha muitos fi lhos-de-santo, ela me apre-
sentava, levava pra me ver, eu fi cava sempredentro dum, não dum quarto de 
santo, eu fi cava sempre dentro de casa, que tinha... era doente, num queria 
saber de nada, aí ela levava os fi lhos-de-santo dela, eram muito carinhosos 
comigo, e me agradavam... daí começou o ritual, todo dia tinha, como é que 
a gente fala: é adarrum! Pra poder ver se virá no santo, ver se bola, aí todo dia 
tinha e todo mundo bolou, e eu não bolava, e ela não tinha aquele negócio 
de você fi ngir, principalmente comigo. Antes de eu recolher, ela ia em mui-
tos candomblé e eu ia junto. Chegava na casa dos outro eu bolava, eu caía 
e todo mundo queria me recolher porque eu era pequenininha, com 7 anos 
era assim. Aí ela dizia: “não, pelo amor de Deus, se alguém pôr a mão nela, 
minha irmã me mata, essa aí é comigo”. Eu acordava nos quartinhos que me 
colocavam lá, ela me levava embora pra casa. Aí nesse dia, que recolheu tudo 
pra fazer os negócios, nada de virar, nada de virar, antes de eu virar que tem 
a história do santo que não ia, ela brincava. Antigamente num tinha negócio 
de telefone, ela escrevia na carta para minha mãe em Salvador: “Ah! Aqui ela 
tá boa, num tá dando nada nela”. E minha mãe Leleta escrevia: “Não, pode 
deixar ela aí que vocês foram de navio e o santo tá indo a pé”.
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 61
Marilena nos contou sua iniciação:
Aí começou aquilo tudo, eu deitei pra recolher, num ia virar no santo, aí no 
dia do orô, que é a obrigação, e todo mundo virado, todo mundo fazendo 
negócio, e eu deitei como a Obaluaê, que seria no mês de agosto, tanto que 
eu fi z agora aniversário de santo no dia 22. Aí ela falava assim: não, ela é de 
Obaluaê, porque todo lugar que eu caía, que eu bolava, eu fi cava toda torta, 
e tinha muita coceira, assim, feridas... aí ela falava: não, ela é de Obaluaê. Aí, 
eu deitei pra fazer o Obaluaê, tanto que eu não ia virar, e eu virei... virei no 
santo com 7 anos e na hora de fazer obrigação, só que meu santo Obaluaê 
pegava branco e meu Xangô pega branco: Airá! Aí, na hora, na semana da 
saída, eu virei, em vez de ser Obaluaê era Xangô. No dia do orô, aí ela pegou 
e mudou para daí uma semana, pra poder... os bichos eram tudo igual, só o 
assentamento que era diferente, daí saiu na outra semana. Eu era pra sair 
no colo, ela se emocionou demais, ela via eu de santo, ela não acreditava 
que eu ia virar no santo. O barco era “dofana”, era da frente, atrás vinha o 
“chará”, e eu fi quei o tempo todo, o tempo que o santo dançou eu fi quei de 
santo e de pezinha, ninguém me carregou no colo... fi quei um ano de saia 
de santo, um ano de erê, normal, até eu fi car bem longe da minha mãe. E 
ela se emocionou demais, enquanto todo mês tinha saídas de santo, tinha 
muitos fi lhos-de-santo.
Marilene morou somente um ano com Riso, mudando-se para São 
Paulo por problemas de saúde, com uma mãe-de-santo da casa de Riso. 
Freqüentava mensalmente a casa de sua tia-mãe Riso (tia de sangue e 
mãe-de-santo), para cuidar de seu assentamento e visitar sua família mais 
próxima, que era somente Riso e seu fi lho Jorge. Riso tinha na época mais 
de cem fi lhos-de-santo no Rio e sua morte produziu confl itos sobre a 
herança de seu santo e o terreiro fi cou parado, “sem tocar”, mais de ano. 
Nesse período muitas coisas desaparecem do terreiro. Segundo Marilene, 
Riso “tinha muitos herdeiros assim perante o povo, cada um queria uma 
parte”, e como herdeira patrimonial disse “então deixando pra mim, que 
era sobrinha, eu acho que seria o ideal, porque, se eu herdei uma casa, eu 
tinha que herdar o santo também”. 
Riso freqüentava muito Salvador, principalmente o terreiro de Ma-
riinha (mãe-pequena de sua casa na Ilha Amarela e na Plataforma) e de 
Perrucha, quando havia iaôs recolhidos, como também freqüentava o 
terreiro que Marilene abriu depois em São Paulo. Riso também abriu e 
manteve um terreiro na cidade de Ribeirão Preto, no interior de São 
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Paulo, na década de 90, perto de sua morte. Riso nunca foi casada e teve 
somente um fi lho chamado Jorge, cujo pai tem o nome de Antônio Ge-
raldo. Esse é o único relacionamento citado por parentes de Riso, e que 
aconteceu ainda quando estava na Bahia e muito nova. O nome somen-
te foi lembrado por Marilene porque ela leu no atestado de óbito de seu 
primo Jorge, pois Leleta não se lembrava desse nome, o que parece de-
monstrar que foi um relacionamento muito rápido de Riso. 
Marilene lembrava-se de ter visto as fotografi as da revista O Cruzeiro 
quando ainda era cria, principalmente de que Riso tinha um exemplar do 
livro Candomblé, e disse que ele fi cava sempre muito escondido de todos. 
Riso nunca comentou com ela as imagens do livro nem as da revista: “Era 
dela... esse livro era dela; quando ela morreu foi a maior polêmica quando 
eu peguei esse livro e essa fotografi a [uma fotografi a de Riso pintada à 
mão]. E esse livro ninguém queria entregar, ninguém sabia onde tava, 
eu encontrei ele debaixo... eu encontrei debaixo do colchão, embaixo de 
um monte de coisa ”.
Riso manteve um exemplar do livro durante muitos anos e o guardou 
de outros olhares, como um passado polêmico, talvez proibido. Provavel-
mente não quis expor-se mais do que os próprios fatos decorrentes das 
imagens publicadas que a levaram a uma execração pública em Salvador. 
Riso resguardava-se desse passado punitivo que lhe foi imposto por não 
ter respeitado a tradição de preservar o segredo da religião. Como Leleta, 
Marilene partilha da opinião de que Riso não foi prejudicada pela publi-
cação das imagens porque “ela era muito ciente do que ela fazia”. 
Exemplifi cando sua maneira de agir, Marilene comenta:
Ela era um tipo de pessoa que... hoje tem muito curso, eu num faço curso 
nenhum de negócio de candomblé, de espiritismo; eu não aprendi jogar búzio 
fazendo curso, porque ela não adotaria, tudo dela era feito pelo orixá, o orixá 
dava intuição pra ela, tanto que ela jogava búzio, o Ogum dela vinha, quando 
ela tava jogando; ele fi cava em pé e jogava pra ela, pra pessoa... quando eu falei 
pra ela: “Mãe Riso, eu vou entrar no curso de búzio”, nossa, ela me deu uma 
bronca. Ela falava que isso não se aprende assim, isso é o dom, o orixá traz 
pra você... Ela era assim muito espontânea, ela não gostava de andar muito 
elegante. Ela era assim simples. Se você chegasse na casa dela, ela tivesse 
de calça e de chinelo, é a mesma pessoa. Nunca tava enfeitada. Ela recebia 
as pessoas bem, ela era muito alegre, todo mundo conhecia ela, a gente ria, 
que ela chamava as galinhas assobiando, né?! Ela tinha umas galinhas no 
barracão, chamava assobiando. Era pombo, tudo ela puxava assobio, todo 
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 63
mundo conhecia ela por causa disso. Ela ia na venda do lado, ela era muito 
assim, livre, se dava com todo mundo ali no bairro. Se ligasse lá, perguntasse 
da dona Riso, todo mundo sabia quem era. Se chegasse na rua de lá: “onde 
é a casa da dona Riso da Beija-Flor?”, todo mundo conhecia...Todo mundo 
conhecia ela, era na quitanda... ela fazia quitanda na frente, ela era mulher 
muito de negócio, ela gostava de vender as coisas assim, é... verdura, sabe?! 
Ela punha quitanda, vendia às vezes até bebidinha, essas coisas, tudo, assim, 
ela gostava. Ela mantinha a casa dela, nossa... ela morava lá sozinha com 
eles... tinha fi lhos-de-santo que morava lá, mas todo dia era aquele panelão 
de arroz, de feijão, né?! com carne, e muita coisa de mistura, e era cigarro, todo 
mundo que tava lá ela mantinha. Morava essa, a Jacira, aí ela aproveitava, ela 
colocou sobrinha, a prima, a irmã, morava todo mundo lá às custas dela. Ela 
era assim... o jeito dela de ser era rude, né?! Rude assim, em termos, porquegostava das coisas muito certas, porque na parte de santo ela era muito rigo-
rosa. Ela achava que era uma responsabilidade muito grande, pegar um ser 
humano pra fazer uma obrigação ou qualquer coisa, um ebó, qualquer coisa 
que fosse. Então, por ser minha mãe-de-santo e por ser a minha tia, eu achei 
que ela trabalhava de um jeito muito certo. Se eu fosse fazer santo com outra 
pessoa... olha, se eu te falar a verdade, hoje eu não tenho... não escolhi outro 
pai-de-santo e não concordo. Eu falo que eu tenho ela até o resto da minha 
vida. Eu nunca mais dei a cabeça pra ninguém... nunca mais.
Justifi cando sua vinda para São Paulo, Marilene disse que Riso es-
quecia muito dela por causa das atividades do terreiro e que precisava 
de mais cuidados, mesmo tendo as fi lhas-de-santo que ajudam a manter 
o terreiro e os agrados que recebia de sua clientela. Marilene não achou 
importante procurar as fi lhas de Riso em Nilópolis, dizendo que elas 
inventariam mentiras, o que demonstra que o processo depois da morte 
de Riso foi confl ituoso. Marilene fi cou com alguns objetos de uso pessoal 
de Riso, como um anel de búzios, mas o famoso anel de São Jorge não 
se sabe com quem fi cou: “[...] Esse aí sumiu, eu tenho do búzio, que ela 
tinha em pequenininho, ela mandou ampliar, o anel parece que ela colocou 
no assentamento do Oxum, e o grande ela mandou ampliar, é um búzio 
grandão, o brinco ela usava, até quando ela tava doente, começou a fi car 
leve, caindo, e no dia que ela faleceu, na hora, ela entregou: ‘entrega pra 
minha sobrinha’”.
Riso vestia-se sempre de calça comprida, sempre de claro com turbante 
na cabeça. Tinha muitos turbantes de crochê e o modo de ela colocar o 
tur bante na cabeça denotava seu estado de espírito, que era logo compreen-
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64 IMAGENS DO SAGRADO
dido pelos freqüentadores de sua casa: “a gente falava: ‘carcará chegou, 
carcará chegou...’, era quando ela bebia, que ela gostava de tomar uma, 
quando não tava mexendo com preceito, aí ela entrava, quando ela entrava 
sambando a gente falava: ‘carcará chegou...’, aí ela cantava: ‘Carcará, pega, 
mata e come...’, aí a gente já sabia...”.
Riso ajudou Marilene a abrir seu terreiro em São Paulo no começo 
dos anos 90, fi cou mais de 40 dias na cidade nessa ocasião, e às vezes 
passava semanas em momentos ritualísticos que necessitavam de uma 
pessoa que conhecesse muito bem os preceitos da religião. Riso era uma 
espécie de madrinha de Marilene, dando cobertura religiosa quando ela 
precisou. E Marilene fez com ela as obrigações de 14 e 21 anos, no terreiro 
de Nilópolis. Marilene esteve próxima de Riso quando aconteceram as 
internações e sua morte em 1995.
Dado importante são as viagens que a mãe-de-santo de Riso, Idalisse 
da Ilha Amarela, fazia de Salvador para o Rio, sendo presença constante 
no terreiro de Riso em Nilópolis. Com as afi rmações das viagens tam-
bém de Riso para Salvador, fi ca claro que ela manteve laços fortes com o 
candomblé de sua origem e de seu território na área da Plataforma.
Em Nilópolis
O encontro com o terreiro de Riso
Resolvi ir a Nilópolis encontrar as pessoas ligadas a Riso, o povo de 
Riso, no Rio de Janeiro. A única informação de que dispunha era o en-
dereço de seu terreiro e de sua casa, que constava no próprio atestado de 
óbito, Rua Carlos Bernadete, 283, Cidade Nova, Nilópolis. O motivo do 
empenho em encontrar pessoas ligadas a Riso e a seu terreiro foi tentar 
elucidar seus passos no Rio de Janeiro, suas atividades e seu itinerário pes-
soal de vida. Era um dos últimos passos previstos na pesquisa e esperava 
encontrar muitos detalhes de sua vida pós-Salvador. Já no ônibus, quando 
perguntamos ao motorista pela rua, um senhor de idade disse que a conhe-
cia e uma garota disse que morava nessa rua. O senhor indagou-me qual 
o motivo da visita e a quem procurava, e aproveitei perguntando se tinha 
conhecido Mãe Riso, ele confi rmou e disse que ela tinha falecido. Falou 
com respeito, disse que ela era muito conhecida, e colocou-se à disposição 
para ajudar. A garota que estava no ônibus acompanhou-nos e disse que 
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 67
ao lado de sua casa morava uma mãe-de-santo, chamada dona Marta, 
indicando na chegada sua residência. Após apresentações e dizendo o 
motivo da visita, dona Marta não quis falar sobre Riso, pois disse que, 
sendo ela da nação Queto e Riso da Angola, não caberia falar de outro 
povo, e não conhecia a reportagem da revista O Cruzeiro. Indicou-me o 
caminho mais à frente como o do terreiro de Riso.
Chegando ao número de que dispunha, logo o identifi quei como sendo 
o terreiro de Riso: um lindo São Jorge em azulejo reinava incrustado na 
frente e no alto da casa. Nesse momento senti uma grande emoção de 
estar ali defronte o terreiro de Riso, e ao mesmo tempo uma vontade 
muito grande de tê-la conhecido. De alguma forma, senti sua presença 
pela primeira vez, uma boa sensação. Como me haviam indicado, na casa 
logo em frente morava uma família ligada a Riso, e, como eu esperava, 
obtive, ao chegar ao local, informações da vizinhança, uma senhora disse-
me que procurasse Adalgiza, fi lha-de-santo de Riso. 
Na casa de Adalgiza, também fomos muito bem recebidos. Quando 
comecei a falar de Riso e das informações que tinha sobre ela, senti uma 
simpatia muito grande por parte de Adalgiza, com 77 anos, e de João, 
seu marido, com 67 anos. O verdadeiro nome de Adalgiza é Sebastiana 
Stanziola Diniz, nascida na Itália em 1928. Foi uma das primeiras fi lhas-
de-santo de Riso no Rio de Janeiro, e sua “digina”7 é Mutalecy. Seu 
marido era Oxogum na casa de Riso, o primeiro a ser confi rmado por ela 
no Rio, e tem a “digina” de Omonyle. Estava falando com uma das pes-
soas mais próximas de Riso em Nilópolis, o que se confi rmou quando 
disse que quase todas as fi lhas e fi lhos de Riso agora freqüen tavam o 
terreiro de Adalgiza, Terreiro São Miguel Arcanjo. Riso fazia parte do 
Conselho Espiritual da casa, conforme o livro de registro. Adalgiza con-
tou-nos que Riso era muito exigente com os fundamentos, e as fi lhas-
de-santo mantinham um respeito muito ardoroso, não ultrapassando 
nunca os limites, falando sempre com a cabeça abaixada, não entrando 
no recinto onde ela estivesse a não ser com consentimento. Assim, infor-
mou que não mantinha conversas sobre a vida pessoal de Riso, nem sobre 
o passado. Diniz confi rmou todas as informações, enfatizando mais ain-
da o conhecimento de Riso sobre candomblé, e disse ainda que ela era 
analfabeta.
7 Nome pelo qual as pessoas são reconhecidas dentro do candomblé. 
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68 IMAGENS DO SAGRADO
A edição de O Cruzeiro não foi mencionada e, quando perguntei sobre 
a revista, disseram inicialmente que nunca a tinham visto, que Riso não a 
tinha e nunca comentou nada a respeito. Minhas informações sobre Riso 
foram sendo transmitidas e iam surpreendendo-os, pois desconheciam 
detalhes do passado de Riso, mesmo sendo pessoas próximas a ela. Sobre 
a revista O Cruzeiro, disseram que ouviram falar vagamente, e Adalgiza 
contou-nos que um dia, freqüentando um terreiro com Riso, a mãe-de-
santo pediu ajuda na pintura de uma iaô e Riso mandou Adalgiza fazê-lo. 
Quando entrou na camarinha, encontrou a revista aberta e identifi cou 
uma pessoa como sendo Riso. Foi somente esse contato rápido que teve 
com a revista. Ela achava que as pessoas estavam vendo a pintura da iaô 
na revista para fazer igual. Riso não trouxe um exemplar da revista O 
Cruzeiro com ela da Bahia, ao que tudo indica não o tinha, e se tivesse 
teria fi cado com sua irmãLeleta. Mesmo tendo consigo um exemplar do 
livro Candomblé, mantinha-o guardado longe de outros olhares. Riso não 
comentava com ninguém a reportagem nem as polêmicas que causou na 
Bahia. Para ela os minutos de glória de estar na revista O Cruzeiro como 
destaque em 38 fotografi as não tiveram importância, como também não 
trouxeram uma herança negativa; parece que, simplesmente, ela ignorou 
por completo a reportagem e preferiu colocá-la no passado quando che-
gou ao Rio de Janeiro. 
As pessoas mais próximas de Riso em Salvador não conheciam o 
livro, o que indica que Riso teve contato com ele no Rio de Janeiro, 
quando o adquiriu ou ganhou de alguém. Ao manter o livro consigo, 
embaixo de seu colchão, Riso trazia seu passado bem próximo de si; ao 
mantê-lo longe de outros olhares, preservava-se publicamente desse 
mesmo passado. 
Riso disse que seria ela, Adalgiza, a fazer o seu axexê, ritual funerário 
do candomblé. A morte violenta de seu fi lho Jorge deixou-a desconcertada 
e amargurada. Mesmo sentindo que ainda não estivesse preparada para 
fazer o axexê e não encontrando um pai-de-santo que quisesse proceder 
a esse ritual fúnebre do candomblé, pois Riso morreu no dia primeiro do 
ano e muitos estavam nas águas de Iemanjá, o que acabou difi cultando 
o contato, Adalgiza tomou-se de coragem e o fez, acompanhada pelo 
marido, como Riso explicitou ainda em vida. A herança espiritual de Riso 
concretizou-se com Adalgiza e seu terreiro, mesmo Marilene sendo sua 
parente mais próxima e natural herdeira.
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 69
A sucessão de Riso foi confusa, pois Marilene (Loura) resolveu ven-
der a casa e o “povo de Riso” no Rio fi cou indignado, querendo que os 
assentamentos dos santos continuassem no lugar. Houve proposta para 
aluguel da casa e assim manter os assentamentos dos fi lhos e fi lhas-de-
santo, mas não houve acordo e devagar foram sendo retirados, um a um. 
João Diniz fez o despacho das coisas de Riso e disse que seu orixá, Oxóssi, 
e Exu não quiseram sair da casa. 
No Jornal de Nilópolis, um dia depois da morte de Riso (1o de janeiro 
de 1993, segundo seu atestado de óbito), aparece a notícia:
Muita emoção no enterro de mãe-de-santo
Cerca de 600 pessoas, todas vestidas de branco, compareceram sábado à 
tarde, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, para o enterro da babalorixá 
Rizolina Heleonita da Silva, 73 anos, que recebia a entidade Oxóssi em seu 
terreiro em Nilópolis. Riso de Oxóssi, como era bastante conhecida no Rio e na 
Bahia, morreu de embolia pulmonar no Hospital Santa Maria, em Nilópolis. 
Segundo Cleomídio da Silva, morador na Estrada dos Bandeirantes, 7.993, 
Riocentro, mãe Riso de Oxóssi foi uma santa criatura. Durante anos ela se 
dedicou a fazer o bem às pessoas necessitadas e sua passagem espiritual deixa 
uma lacuna nos meios umbandistas.
Três fotos são preciosas no baú de imagens de Adalgiza e elucidam o 
trânsito Salvador–Nilópolis:
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70 IMAGENS DO SAGRADO
Primeira foto: Riso logo na chegada ao Rio, em uma festa de seu 
terreiro, tendo ao seu lado sua mãe-de-santo, Idalisse da Ilha Amarela, 
aparecendo cortada da parte esquerda da foto.
Segunda foto: Riso com Adalgiza em Salvador, quando foi fazer o 
decá de Idinha, sua cunhada. As duas fotos reafi rmam visualmente as 
informações de que havia um trânsito intenso do povo de Riso da Pla-
taforma entre Salvador e Rio de Janeiro ; como foi dito em Salvador, 
Riso recebia muitas visitas de pessoas no Rio. Riso manteve então fortes 
relações, além das familiares, com o candomblé baiano, e Adalgiza disse 
que depois da morte de Idalisse Riso foi para Salvador tirar a mão com 
Vicente da Casa Branca.
Terceira foto: Riso aparece sentada e encostada carinhosamente em 
Adalgiza ao seu lado, em pé, ainda muito nova e usando o quelê de sua 
recente iniciação. Nessa singela foto, anuncia-se o futuro dessas duas 
pessoas ligadas espiritualmente pela crença nos orixás. 
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 O CONTRAPONTO DE PIERRE VERGER 71
O CONTRACAMPO DE PIERRE VERGER
Pierre Verger, um ícone das relações da imagem fotográfi ca com o 
mun do religioso do candomblé e a cultura afro-brasileira, é elemento 
primordial para a refl exão na área e um contracampo ao trabalho sensa-
cionalista realizado na época por Henri-Georges Clouzot, na Paris Match, 
e por José Medeiros, n’O Cruzeiro. 
Em visitas à Fundação Pierre Verger pudemos pesquisar a intensa 
atividade de Verger na revista O Cruzeiro entre os anos de 1946 e 1958, 
e surpreendentemente encontramos quatro reportagens com suas foto-
grafi as na revista A Cigarra, e entre elas uma seqüência de imagens de 
um ritual de iniciação do candomblé com texto de Roger Bastide (texto 
publicado como anexo da segunda edição da clássica obra de Bastide: O 
candomblé da Bahia — Rito nagô, mas não cita que o texto foi publicado 
com imagens de Verger). Essa descoberta abriu ainda mais o campo refl e-
xivo de imagens de candomblé e de seus ritos em meios de comunicação 
de massa, pois a torna, até o momento, a primeira publicação conhecida 
desse tipo de imagens. Em conversa com Angela Lühning, que conviveu 
com Pierre Verger em seus últimos anos de vida, tivemos a declaração de 
que ele lhe deu a revista O Cruzeiro, com a reportagem de José Medeiros 
e Arlindo Silva, pois não queria tê-la consigo, confessando que desgostava 
desse tipo de abordagem do culto, a ponto de a direção da revista já ter 
pedido uma reportagem da mesma natureza e ele ter-se recusado a fazê-
la, dado confi rmado por uma carta de Leão Gondim para José Medeiros, 
que será analisada mais à frente. 
Souty (2006, pp. 374-5) destaca algumas passagens dessa relação de 
Pierre Verger com as reportagens nas trocas de correspondência com A. 
Métraux, ou, ainda, por exemplo, na entrevista para Emmanuel Garrigues 
(L’Ethnographie, 1991), da qual ressalta o trecho em que Verger critica o 
caráter sensacionalista das fotos de Clouzot, e diz que suas imagens são 
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 O CONTRAPONTO DE PIERRE VERGER 73
de outra ordem. Souty ressalta também que Pierre Verger retira imagens 
de sacrifícios de animais na preparação de seu livro Dieux d’Afrique, prin-
cipalmente pelo impacto das duas reportagens naquele momento.
A proximidade de Pierre Verger com Odorico Tavares e o fato de 
terem feito juntos mais da metade de seus trabalhos n’O Cruzeiro co-
locaram Odorico também no campo da omissão, sugerida por Gondim 
a Medeiros na Bahia. Entre as reportagens de Pierre Verger e Odorico 
Tavares, destaca-se a série Roteiro de Canudos, com três reportagens, e 
ainda, em dupla com Gilberto Freire, cinco matérias no Benin sobre 
os ex-escravos que voltaram para a África depois de libertos no Brasil, 
criando uma “cultura brasileira” no antigo Reino do Daomé. Nota-se 
que Pierre Verger se manifestou apenas privadamente sobre o conteúdo 
das reportagens da Paris Match e d’O Cruzeiro apesar de manter em seus 
guardados toda a polêmica suscitada na imprensa brasileira sobre a Paris 
Match, como veremos. 
Pudemos pesquisar e ver nos arquivos digitalizados da Fundação, 
além das imagens publicadas na revista A Cigarra, um ritual de inicia-
ção no terreiro de Pai Cosme, na década de 501. A seqüência com um 
total de 111 imagens realizadas mostra imagens muito parecidas com as 
fo tografi as de José Medeiros, e somente duas delas vão ser publicadas 
no livro Orixás, em 1981, 20 anos depois, citando somente no fi nal que 
fo ram feitas no Brasil (“Bahia, Brasil”). A seqüência, além das próprias 
imagens publicadas, revela o processo de escolha (edição) das imagens, 
acentuandoo fato de não serem imagens isoladas e sim uma grande e 
signifi cativa seqüência. Ao publicar somente duas dessas imagens, sem 
referências explícitas do lugar e da data, e com fotos que não identifi cam 
pessoas, Verger preserva o anonimato dos envolvidos de forma muito 
diferente da que José Medeiros e Arlindo Silva quiseram ingenuamente 
fazer ao não citar o nome de Riso. Nas duas únicas fotos publicadas de 
Verger envolvendo sacrifícios de animais, não temos a possibilidade de 
ver a seqüência enunciadora do evento fotografado, e como ele é citado 
na carta de Gondim dizendo que não as publicaria naquele momento, 
somente muito tempo depois de realizá-las é que ele as torna públicas, 
mas fora do contexto de um de embate O Cruzeiro–Paris Match, empre-
1 Segundo Angela Lühning, da Fundação Pierre Verger, essa seqüência de imagens no terreiro 
de Pai Cosme não foi realizada no mesmo dia e somente metade das imagens se refere ao ritual 
de iniciação, incluindo o ritual do oruncó no barracão. 
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74 IMAGENS DO SAGRADO
sas de comunicação com conteúdo de um fotojornalístico muitas vezes 
sensacionalista, e sim dentro de sua refl exão da ponte cultural religiosa 
África–Brasil. Verger escapa conscientemente de uma manipulação de seu 
trabalho pela direção da revista O Cruzeiro, interessada em contrapor-se à 
matéria da Paris Match, para reafi rmar-se no cenário midiático brasileiro 
como instrumento genuíno de defesa dos temas nacionais. Esse desafi o 
e esse embate não pertenciam a Pierre Verger. 
A Fundação Pierre Verger, na ótica atual, endossa e respeita a posi-
ção do fotógrafo de não apresentar a seqüência inteira, preservando a 
imagem dos fotografados e acentuando a “proibição” de veiculação desse 
tipo de imagens na mídia, de acordo com as posições originais de Pierre 
Verger. 
Relação de fotorreportagens de Pierre Verger
encontradas na Fundação
Revista A Cigarra
1) Adoradores de astros na várzea de Recife (3.1949), texto: Gonçalves 
Fernandes
2) Roda de samba (4.1949), texto: Cláudio Tuiuti Tavares
3) Candomblé (6.1949), texto: Roger Bastide
 Caroá, texto: José Leal
Revista O Cruzeiro
4) Cuzco — Cidade dos deuses (7.9.1946), texto: Vera Pacheco Jordão
5) Cuzco — Imperial e colonial (5.10.1946), texto: Vera Pacheco Jor-
dão
6) Saveiros do Recôncavo (30.11.1946), texto: Odorico Tavares
7) A aldeia festeja a Virgem do Carmo (14.12.1946), texto: Vera Pacheco 
Jordão
8) A vitória do Rei Índio (04.1.1947), texto: Vera Pacheco Jordão
9) O mundo trágico da talha baiana (1.2.1947), texto: Godofredo 
 Filho
10) Itinerário das feiras da Bahia (15.2.1947), texto: Odorico Tavares
11) O ciclo do Bonfi m (22.3.1947), texto: Odorico Tavares
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 O CONTRAPONTO DE PIERRE VERGER 75
12) Maracatu (29.3.1947), texto: Odorico Tavares
13) Atlas carrega o seu mundo (5.4.1947), texto: Odorico Tavares
14) Frevo (19.4.1947), texto: Odorico Tavares
15) O reino de Iemanjá (26.4.1947), texto: Odorico Tavares
16) Caymmi na Bahia (17.5.1947), texto: Odorico Tavares
17) Conceição da Praia (31.5.1947), texto: Odorico Tavares
18) Roteiro de Canudos — (19.7.1947), texto: Odorico Tavares
I - O reduto de Antônio Conselheiro
II - O repórter Euclides da Cunha 
III - Depoimento dos sobreviventes
19) A pesca do xaréu (18.10.1947), texto: Odorico Tavares
20) Bumba-meu-boi (13.12.1947), texto: Luiz Alípio de Barros
21) Mamulengo — A poesia do Nordeste (27.12.1947), texto: F. Balzoni 
Filho
22) A vida de um circo (17.1.1948), texto: Guerra de Holanda
23) Cultura popular — ex-votos (31.1.1948), texto: Antônio R. Ban-
deira
24) O calvário dos sertões baianos (27.3.1948), texto: O. Tavares
25) Chiou, perdeu! (3.4.1948), texto: Fernando Lôbo
26) Vitalino e o mundo dos bonecos (10.4.1948), texto: Mário Leão 
 Ramos
27) Afoché — ritmo bárbaro da Bahia (29.5.1948), texto: Cláudio Tuiuti 
Tavares
28) Tubarão (30.10.1948), texto: Franklin Oliveira
29) Baianas das saias rodadas (5.2.1949), texto: José Leal
30) Roteiro poético do Capibaribe (12.11.1949), texto: José Césio Costa
31) Pancetti (11.11.1950), texto: Odorico Tavares
32) Cosme e Damião — Os Santos Mabaças (18.11.1950), texto: Odorico 
Tavares
33) Mataripe (25.11.1950), texto: Odorico Tavares
34) A cozinha da Bahia (2.12.1950), texto: Odorico Tavares
35) Rafael, o pintor (6.1.1951), texto: Odorico Tavares
36) N. S. da Boa-Morte das Negras de Cachoeira (13.1.1951), texto: Odo-
rico Tavares
37) A escultura afro-brasileira na Bahia (14.4.1951), texto: Odorico Ta-
vares
38) A casa do Tio Juca (14.4.1951), texto: Odorico Tavares
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76 IMAGENS DO SAGRADO
39) Decadência e morte da lavagem do Bonfi m (23.6.1951), texto: Odorico 
Tavares
40) Revolução na Bahia — Artistas baianos (7.7.1951), texto: Odorico 
Tavares
41) Acontece que são baianos (11.8.1951), texto: Gilberto Freire
42) Senhor do Bonf im domina a África (18.8.1951), texto: Gilberto 
 Freire
43) Casas brasileiras na África (25.8.1951), texto: Gilberto Freire
Brasileiros Grão-Senhores na África, texto: Gilberto Freire
44) A dinastia dos Xaxá de Souza (9.1951), texto: Gilberto Freire
45) Infl ação de reis africanos (29.9.1951), texto: Odorico Tavares
46) Martírio e glória de Cosme e Damião (25.9.1954 — edição colorida), 
texto: Franklin de Oliveira
47) El viejo y el mar (16.9.1957 — edição internacional), texto: Fernando 
G. Campoamor
48) Así eran los astecas (1.1.1958 — edição internacional), texto: Mário 
Dantino
49) La moda viene de África (1.7.1958 — edição internacional), texto: 
Nora Toupet
A Cigarra
Antes mesmo de ir para a Bahia, que era sua vontade, depois de en-
contrar-se no primeiro dia que esteve em São Paulo com Roger Bastide, 
vindo de Corumbá, por onde chegou ao Brasil, Verger é por este instigado 
a continuar sua viagem para Salvador e falou-lhe da importância da in-
fl uência africana nessa região. Verger diz em suas memórias que já tinha 
lido em francês o livro Jubiabá, de Jorge Amado, e tinha noções dessa 
infl uência. Verger descreve que, em sua passagem pelo Rio de Janeiro, 
procurando Vera Pacheco Jordão, por indicação de seu amigo Alfred 
Métraux2, quase que não é recebido por ela, pois “[...] a minha habitual 
deselegância no vestir lhe fez crer que tinha a ver com um pedinte ou um 
vendedor de aparelhos domésticos” (Verger, 1982, p. 239). Apresentando-
2 Nesse sentido, ver Alfred Métraux e Pierre Verger, Le pied à l ’étrier — Correspondance 12 Mars 
1946 — 5 Avril 1963. Paris: Jean Michel Place, 1994.
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 O CONTRAPONTO DE PIERRE VERGER 77
se como fotógrafo e necessitando ela de imagens do Peru para matérias 
que tinha realizado, sugeriu que procurasse a redação da revista O Cruzeiro 
e ofertasse-as para acompanhar o texto. As fotos foram aceitas para a 
reportagem e, tendo uma história internacional no fotojornalismo, ele 
foi convidado a fazer matérias sobre a Bahia, com contrato que ofi ciali-
zou sua permanência no Brasil, tornando-se assim fotógrafo da revista 
O Cruzeiro em Salvador, realizando quase uma centena de reportagens, 
muitas delas não publicadas. 
Angela Lühning, que teve uma convivência bastante estreita com 
Verger, assim se refere a sua chegada: 
Uma data sempre lembrada por Verger foi a da sua chegada à Bahia, em 
5 de agosto de 1946. Tratava-se não somente de um compromisso formal, 
mas também de um interesse particular de Verger, já que amigos que havia 
feito na década anterior nas Filipinas também residiam na “Boa Terra”, como 
Salvador era chamada à época. Imediatamente após a sua chegada, dá iní-
cio às suas atividades profi ssionais, realizando reportagens fotográfi cas que 
passarão a ser publicadas em O Cruzeiro. Verger mora temporariamente no 
Hotel Chile, situado no CentroHistórico de Salvador, e é de lá que parte 
para as suas diversas viagens pelo Nordeste para realizar as reportagens que 
seriam enviadas para a revista. (Lühning, 2002, p. 13)
Grande parte das fotorreportagens de Pierre Verger publicadas na 
revista O Cruzeiro aconteceu entre os anos de 1946 e 1951. Diz Verger 
que fez mais de 80 reportagens e a maioria em dupla com Odorico Ta-
vares; estariam aí computadas as reportagens publicadas na revista A 
Cigarra e aquelas enviadas e não publicadas. As reportagens mostravam 
a exuberância cultural da Bahia, candomblé, festas populares, carnaval, e 
aspectos da vida no Recôncavo. Então, nesse período publicou também 
algumas matérias na revista A Cigarra, entre elas Candomblé, em parceria 
com Roger Bastide, na edição de junho de 1949. A surpresa pelo encontro 
dessa matéria deve-se ao perfi l da própria revista, uma revista de varieda-
des, mais voltada para o público feminino, e a matéria de Pierre Verger e 
Roger Bastide escapa da superfi cialidade generalizante presente na maior 
parte dos assuntos tratados, embora muitos dos temas da revista fossem 
de forte apelo nacional e sobre cultura regional brasileira.
Provavelmente essa reportagem foi realizada somente por Bastide, 
pois Verger encontrava-se na África: 
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78 IMAGENS DO SAGRADO
[...] Durante a segunda estada de Bastide na Bahia, em 1949, Verger en-
contra-se na sua primeira grande viagem à África, após ter conhecido o 
território baiano. Bastide passa algumas impressões para Verger; porém, 
curiosamente, eles pouco conversam acerca da vivência baiana de Bastide”. 
(Lühning, 2002, p. 14)
E também, como cita Lühning, a casa mais freqüentada por eles era 
o Axé Apô Afonjá, de Mãe Senhora, onde participou pela primeira vez 
de cultos, tendo-a como mãe-de-santo. Somente a partir de 1951 eles 
começam a realizar juntos visitas a festas e cerimônias de candomblé. 
A saída de iaô descrita por Bastide na revista A Cigarra foi vista, como 
ele próprio diz no texto, na casa de Joãozinho da Goméia, e as fotos, 
mesmo com a indicação da não-presença de Verger, foram confi rmadas 
por Sissi e constam no banco de imagens como sendo desse terreiro, mas 
em nenhum momento Joãozinho da Goméia aparece explicitado como 
um dos retratados. 
Depois do primeiro encontro com Bastide no primeiro dia em São 
Paulo, uma amizade de amplas dimensões vai fazer com que mantenham 
um permanente contato através de cartas, visitas mútuas, visitas a can-
domblés, e acentua Verger: 
Foi Roger Bastide quem revelou a África no Brasil, ou mais exatamente, a 
infl uência da África na Região Nordeste deste país [...]. Aconselhou-me 
vivamente a ir à Bahia, região sobre a qual o livro Jubiabá, de Jorge Amado, 
havia-me dado uma primeira idéia. Bastide havia ido a essa região e escrevera 
uma excelente obra intitulada “Imagens do ‘Nordeste místico em preto e 
branco’”, que iria me servir de guia na região. Ele me confi ou um certo número 
de cartas de apresentação para os seus amigos da Bahia [...]. Isso se passou em 
1946. Tive o privilégio, 12 anos mais tarde, de lhe mostrar, em contrapartida, 
a infl uência do Brasil no Daomé e na Nigéria. (Lühning, 2002, p. 39)
Realizam então, juntos, uma longa viagem à África em 1958. Da tra-
jetória de três meses, desde a chegada de Bastide e seu encontro com 
Verger em Porto Novo no Benin (de 13 de julho a 22 de setembro), que 
imediatamente o levou para ver uma festividade, ao último dia, realizaram 
uma série de reportagens para O Cruzeiro, mas não foram publicadas. 
Para Verger, as viagens de Bastide para a África participando de colóquios 
e congressos fi zeram que ele somente encontrasse com muitos africanis-
tas e poucos africanos. Diz Bastide:
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 O CONTRAPONTO DE PIERRE VERGER 79
Quem viveu no Brasil não consegue esquecer o país. Procura-o em toda parte. 
Não posso passar diante da Torre Eiff el sem ver se desenhar no céu a imagem 
de Santos Dumont, nem diante do Bœuf sur le Toit sem escutar ressoarem 
os sambas brasileiros. Foi essa vontade de rever o Brasil que me levou, nestas 
férias, a ir ter com meu amigo Pierre Verger entre os “brasileiros” de Uidá, 
em Porto Novo, e de Lagos, que ele conhece bem. E o Brasil — esse Brasil 
importado para a terra africana pelos descendentes dos antigos escravos que 
voltaram para lá com sua religião, a língua e os costumes do Brasil — mais 
uma vez realizou meus desejos: no próprio dia em que desembarquei do 
avião, sem ter tido tempo de desfazer as malas, de me instalar, Verger me 
arrastou a Uidá para assistir a uma “Burrinha deliciosamente brasileira”. 
(Lühning, 2002, p. 77)
Assim, Verger começou a mostrar o Brasil na África para Bastide. 
Fluxo e refl uxo de uma amizade consolidada na paixão abnegada de en-
tender o trânsito da cultura afro-brasileira no Atlântico. Foram oito tra-
balhos juntos, nos quais Verger não apenas fazia o papel de “fotógrafo 
itinerante voltado para a etnografi a”, como ele se autodenomina, mas 
eram uma dupla de produção intelectual em campo, e Verger, como Lüh-
ning acentua em muitas passagens, mesmo fornecendo suas notas de 
campo, preferia assinar as imagens, e seis delas são encaminhadas para a 
redação da revista O Cruzeiro, infelizmente não publicadas, mas resgata-
das por Angela Lühning3. São as seguintes reportagens encaminhadas e 
não publicadas:
– “Aidjan, São Paulo da África Ocidental francesa”;
– “Fretown, os créoles parecem sair de uma gravura da época da rainha 
Vitória”;
– “A ‘Burrinha’ de Uidá”;
– “O mistério dos bronzes de Ifé e do Benin”;
– “A festa de Oxum, deusa do amor e da água doce”;
– “O ritual de iniciação das fi lhas de Xangô na África e no Brasil”
3 Angela Lühning (org.), “Verger/Bastide — Dimensões de uma amizade”. Rio de Janeiro: Bertrand 
Brasil, 2002. Também estão presentes na íntegra e com as respectivas imagens, como todos os 
outros textos citados, os seguintes trabalhos da dupla Bastide-Verger: “Contribuição ao estudo 
da adivinhação em Salvador”, “Pesca na Bahia (Xaréu)”, “Procissões e carnaval no Brasil”, e 
outros.
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80 IMAGENS DO SAGRADO
Ainda são resgatados textos mais profundos — também produzidos 
na viagem — do que os textos preparados para a revista O Cruzeiro: “Uma 
festa dos inhames novos em Pobé”, “Ogum Igbo-Igbo” e “Contribuição 
ao estudo sociológico dos mercados nagôs do Baixo Daomé”. 
Mesmo não estando juntos na visita ao terreiro de Joãozinho da 
 Goméia, a publicação do texto de Bastide com as fotografi as de Verger 
em A Cigarra anunciava um campo profícuo de trabalho conjunto. A 
revista A Cigarra mostrava um Brasil diferenciado nos seus aspectos 
regionais. Entre as reportagens destaca-se “Um rio imita o inferno”, 
sobre o rio Parnaíba, com fotos de José Medeiros e texto de José Leal. 
São 19 fotografi as publicadas, dando-se uma preferência explícita à vi-
sualidade por intermédio da diagramação. Ainda nessa edição uma re-
portagem sobre um culto religioso em Recife demonstra o interesse de 
Pierre Verger por essas manifestações culturais no Brasil. “Adoradores 
de astros da várzea do Recife” mostra o culto a um homem chamado 
Bento Milagroso, ou Bento do Beberibe. Uma das fotos indica uma 
ovelha designada para o sacrifício, não mostrado nas fotografi as de Ver-
ger. Nessas duas reportagens, em uma mesma edição da revista, a opção 
pela imagem acentua-se quando são usadas quatro imagens em uma 
mesma página, cada uma ocupando um quarto do espaço, com uma pe-
quena legenda centralizada. Outras reportagens seguem essa linha: “O 
roteiro do agreste”, publicada na edição de abril de 1949, com texto de 
José Conde e fotos de José Medeiros, e nesse mesmo número a matéria 
“Rodas de samba”, que dá grande destaque para as fotos de Pierre 
Verger com textoproduz, também, um registro mais ou 
menos minucioso dos di fe rentes interesses e mentalidades que permeiam 
a sociedade enfocada num determinado momento.
Às ciências sociais, por sua vez, cabe reunir, sistematizar e proble mati-
zar todo esse material — que constitui parte do seu campo de trabalho —, 
buscando produzir uma refl exão sobre como os indivíduos e os grupos so-
ciais organizam e classifi cam suas experiências enquanto seres sociais. 
São tarefas distintas, mas contíguas, por assim dizer. Normalmente, são 
desempenhadas por profi ssionais diferentes, cada um com uma formação 
espe cífi ca e com propósitos diversos. Aqui, no entanto, encontramos o 
fotógrafo, com sua experiência de repórter-fotográfi co, que se junta com 
o antropólogo para transformar aquele delicioso passeio pela superfície 
em uma apaixonante viagem pelas profundezas do mundo do candomblé, 
das suas dimensões sagrada, mediática e ética. 
A partir da própria polêmica gerada pela sua exposição jornalística, 
são apre sentados e analisados os preconceitos que o candomblé desper-
tava naquela época no Brasil e no exterior, como também os interesses 
menores dos seus adeptos ao lado de toda a sua dimensão humana e 
força social. Bastam os títulos das reportagens em questão para se ter 
uma idéia da problemática que essa polêmica pôs em evidência. De um 
lado, a revista francesa Paris Match publica “Les possédées de Bahia”, 
reportagem marcada pelo sensacionalismo do exótico. De outro, ferida 
em seus brios de líder inconteste do mercado editorial brasileiro e 
exemplo mais bem sucedido das revistas ilustradas na América Latina, 
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14 IMAGENS DO SAGRADO
O Cruzeiro contra-ataca com “As noivas dos deuses sanguinários”, le-
vando ao extremo o equívoco e o preconceito que marcavam a primeira 
reportagem.
A revista O Cruzeiro tinha um impacto na sociedade brasileira de 
norte a sul somente comparável ao das grandes cadeias de televisão de 
hoje. A sua re por tagem, mais do que a da revista francesa, mexeu pro-
fundamente com a represen tação do candomblé enquanto culto religioso 
e agitou perigosamente seus segui dores, principalmente em Salvador. E 
como fi caram os adeptos nessa polêmica? Como se produziram essas 
reportagens, que interesses represen tavam, dentro e fora dos terreiros de 
culto? Quem eram os protagonistas, e por que colaboraram com essas 
reportagens? Eis algumas das perguntas que este livro responde, e aí 
reside um dos seus méritos. 
Fernando de Tacca levantou as fontes originais dos jornais da épo-
ca e foi pro curar os seus protagonistas, diretos e indiretos, no próprio 
Bairro da Plataforma. Ouviu quem carregava ainda as lembranças da 
polêmica pelo seu lado de dentro, como Sissi, da Fundação Pierre Ver-
ger, e Mãe Cutu, da Casa Branca. Encontrou as mesmas imagens que 
foram sentidas como pejorativas agora habitando o universo das iaôs, 
ressignifi cadas em álbuns familiares. Aqui aparece, de volta, a persona-
gem central de Mãe Riso, mãe-de-santo da periferia, de tradição banto, 
que foi duramente rechaçada pelo candomblé, mas que teve uma vida 
inteira dedicada somente a essa religião. Sua história de vida, por si só, 
enriquece enormemente a releitura desses fatos. Essa polêmica, natu-
ralmente, envolveu a intelectualidade da época e aqui estão, também, 
Pierre Verger, Édison Carneiro, Paulo Duarte, Alberto Cavalcanti, Leão 
Gondim, Accioly Netto, Odorico Tavares e Roger Bastide (inclusive 
com o artigo específi co sobre a revista O Cruzeiro, excluído dos seus 
compêndios), entre outros. 
Imagens do sagrado — Entre Paris Match e O Cruzeiro nos traz, ain da, 
uma signifi cativa contribuição para a construção de uma metodologia 
de trabalho que alia técnicas de reportagem jornalística às melhores 
práticas de pesquisa de campo da antropologia. Partindo de um con fl ito 
de interesses e disputas jornalísticas que abrangeram tanto questões 
éticas quanto comerciais, Fernando de Tacca colocou na boca da cena, 
com status de atores principais, personagens que até então funcionavam 
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 INTRODUÇÃO 15
apenas como objetos de curiosidade. De seres exóticos, esses personagens 
e, através deles, o próprio culto passaram a sujeitos e interlocutores gra ças 
às entrevistas e, sobretudo, à leitura acurada das imagens publicadas. 
milton guran
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 INTRODUÇÃO 17
Introdução
A primeira vez em que as fotografi as sobre rituais afro-brasileiros de 
José Medeiros estiveram diante do meu olhar corria o ano de 1984, 
quando me foi apresentado o livro Candomblé, publicado em 1957 pela 
Editora O Cruzeiro. Elementos inatingíveis pelo olhar leigo, espaços e 
temporalidades da liminaridade, detalhes do sagrado, impenetráveis ao 
olhar de um não-iniciado, eram explicitados pela fotografi a e mostravam 
imagens nunca antes vistas, em recortes detalhistas de todo o conjunto de 
cerimônias que envolvem os ritos de iniciação no candomblé. Na ocasião, 
estava em Goiânia fazendo o primeiro curso no Brasil que tratava das 
questões de antropologia e imagem, seus usos e suas signifi cações. Um 
curso no qual pude encontrar pessoas muito importantes para minha vida 
pessoal e profi ssional: Milton Guran, Kim-Ir-Sem Pires Leal, Micênio 
Carlos Lopes dos Santos, Luis Eduardo Jorge. O curso de especialização 
chamado de Recursos Audiovisuais em Etnologia foi realizado dentro de 
uma instituição sem nenhuma tradição imagética, mas com importante 
parte do acervo brasileiro do cineasta e fotógrafo Jesco von Puttkamer. 
Alguns professores foram importantes na aproximação com o conteúdo 
do curso, mas especifi camente somente Cláudia Menezes tinha uma 
inserção real na área, já havia realizado um fi lme etnográfi co sobre os 
pancararus e tinha alguma bibliografi a básica para nos indicar. Um cur-
so era uma idéia “fora de lugar”, pois o interesse era somente chamar a 
atenção para o acervo e buscar saber o que fazer com ele. 
Nessa situação, ainda um neófi to na área chamada antropologia visual, 
que começava a encontrar seus primeiros caminhos no Brasil como área 
do conhecimento, estive com essas imagens pela primeira vez. Entretanto, 
eu vinha de uma experiência pessoal de pesquisa em alguns textos do 
periódico Studies in Visual Communications, que encontrei uma parte na 
biblioteca da Fflch-USP e outra na biblioteca da ECA-USP, e com uma 
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18 IMAGENS DO SAGRADO
prática fotográfi ca na documentação do cotidiano de pescadores da Ilha 
de Boipeba, Bahia, com cultura e conhecimento fotográfi cos. Assim, com 
essa formação, tive a primeira relação com as imagens de José Medei-
ros. O livro pertencia a Micênio Carlos Lopes dos Santos, também um 
antropólogo em formação com muita inserção no universo religioso dos 
cultos afro-brasileiros, com o qual travei as primeiras questões sobre as 
imagens e o contexto da cerimônia de iniciação no candomblé.
As imagens de José Medeiros imediatamente saltaram aos meus olhos 
iniciantes na compreensão da relação entre antropologia e imagem. Ima-
gens nunca vistas por mim e com certeza tampouco por muitos pes-
quisadores nas áreas da antropologia e da fotografi a, e, como fotógrafo, 
percebi que estava diante de um fotógrafo especial, com aguçado senso 
plástico para as condições dadas de um ritual e suas difi culdades de do-
cumentação. Percebi que estava perante uma documentação autêntica e 
original. Já conhecia a importância da fotografi a de José Medeiros, mas 
sua obra era inacessível,de Cláudio Tuiuti Tavares. Na chamada da primeira 
página, seis retratos de sambistas abrem uma visualidade muito ca-
racterística de Verger, os retratos anônimos da Bahia. São 12 fotografi as 
publicadas no total e duas ocupam página inteira. Com os mesmos fo-
tó grafos e jornalistas da revista O Cruzeiro, a revista A Cigarra era de 
me nor formato, mensal e utilizava o mesmo padrão imagético crista-
lizado por Jean Mazon. 
A amizade entre Verger e Medeiros vem dessa época e Verger, durante 
sua viagem à África entre 1948 e 1949, envia uma carta carinhosa para 
Medeiros com os seguintes dizeres4:
4 Memorial José Medeiros na Casa de Cultura de Teresina, Piauí. 
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 O CONTRAPONTO DE PIERRE VERGER 81
20 dec 48
Meu caro José Medeiros
Cheguei por fi m no Dahomey adonde vou fi car um ano.
Encontrei aqui coisas super-interessantes. Tanto Brasileiras com os “des-
cendentes” dos que voltaram aqui no último siglo com todas as tradições 
brasileiras — Já vi “Bumba meu boi”, “Sambas” estilo de Bahia —, vou fazer a 
festa do Bonfi m em Janeiro com segunda-feira gorda como na “boa terra”.
Do lado Africano é estupendo — vi cerimônias incríveis. 
Espero colher bom material e mostrar-lhe algum dia.
Resta-me saber si “o cruzeiro” publicou algumas fotos minhas e se “O diário 
da Noite” publicou a coisa das “Bush Negras” de gueyara.
Amizades a família — e aos amigos do cruzeiro e do teatro de ensaio.
Axé logo e escreva.
pierre verger
A Cigarra teve uma história editorial anterior à revista O Cruzeiro. Foi 
criada em 1914 e existiu até 1956 (adquirida por Assis Chateaubriand 
em 1933); tornou-se uma irmã menor da revista O Cruzeiro, iniciada em 
1928. Dirigida pelo seu sobrinho Frederico, fi lho do irmão mais velho 
de Chatô, A Cigarra foi por algum tempo mais importante do que O 
Cruzeiro, na década de 30, e muitos autores e fotógrafos que se tornaram 
famosos trabalhando em O Cruzeiro começaram em A Cigarra, como 
Millôr Fernandes e Ary Vasconcelos. Com o passar do tempo e a trans-
formação implementada por Jean Mazon, O Cruzeiro tornou-se o prin-
cipal órgão dos Diários Associados.
Freddy diz que A Cigarra começou a deslanchar, enquanto na sala em frente, 
O Cruzeiro marcava passo. Cheio de gás, com a força do tio em ótimo faro 
para talentos, começou a dar palpites. Aos poucos foi transferindo sua turmi-
nha para a revista de Accioly. Nem tinha nome no expediente, mas começou 
a ocupar espaço. (Carvalho, 2001, p. 57)
A dupla francesa Verger-Bastide vai mostrar pela primeira vez ao 
grande público brasileiro aspectos detalhados da religião afro-brasileira do 
candomblé na reportagem publicada em junho de 1949. A profundidade 
relativa do texto de Bastide, no contexto e no perfi l da revista, e a força 
das imagens de Verger tornam essa matéria uma primeira visualidade 
positiva da religião nos meios de comunicação de massa no Brasil. Nesse 
mesmo número de A Cigarra (junho de 1949), outra reportagem, “Caroá”, 
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82 IMAGENS DO SAGRADO
enfatiza as imagens de Verger e sua fi gura despojada, com texto de José 
Leal. Assim começa o texto da matéria:
Pierre Verger é um espírito irrequieto, um homem apaixonado pelas aven-
turas arriscadas, um fotógrafo internacionalmente conhecido. Sei que ele é 
francês mas nunca perguntei-lhe em que parte da França nasceu. Está entre 
os quarenta e cinco anos de idade, já percorreu a maior parte do mundo, e sua 
bagagem consta apenas de três blusões, três calças, um par de sapatos, roupa 
interna, sua máquina fotográfi ca e um arquivo de negativos que constitui 
um documentário riquíssimo. Alto, apressado, afável, bom companheiro, ele 
pensa unicamente em viajar. Esteve no Brasil por mais de dois anos, morou na 
Bahia e fez centenas de reportagens e agora está na África de onde escreveu 
longa carta para José Medeiros. Certa vez encontrei com ele no interior do 
Maranhão. “Oh, sua chegada foi muito oportuna. Eu estou querendo fazer 
um passeio a Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Quer ir comigo 
para fazer os textos das reportagens que pretendo fazer?” — Naquele mesmo 
dia embarcamos num caminhão de carga, vencendo estradas perigosas, até 
chegar em Campina Grande, na Paraíba. Nessa cidade tomamos um avião 
que nos deixou no Recife. Mais tarde, Verger conseguiu o avião particular de 
um amigo para sobrevoar o estado do Pernambuco. O mau tempo entretanto 
impediu nossa viagem de observação. Os planos dele foram abaixo, e na 
mesma semana Verger decidiu fazer uma reportagem sobre o caroá, planta 
nativa cuja fi bra resulta em cordas e tecidos, que enriqueceu um grande 
número de nordestinos.
O texto de Leal coloca Verger no campo das decisões de sua própria 
pauta, assim como acontecia com os fotógrafos em O Cruzeiro e A Cigarra. 
Mas Verger, por estar deslocado do centro das decisões das revistas no Rio 
de Janeiro, tinha plena autonomia para circular fotografando acompa-
nhado por um jornalista de texto, principalmente Odorico Tavares. Nesse 
mesmo ano fez com Leal uma reportagem para O Cruzeiro: “Baianas das 
saias rodadas”, publicada no dia 5 de fevereiro. A decisão sobre Verger 
publicar em A Cigarra ou em O Cruzeiro ocorria no Rio de Janeiro pela 
direção das revistas. “Caroá” tem um texto que apresenta o fotógrafo, 
descreve superfi cialmente o contexto da produção do caroá, fazendo com 
que a matéria se torne basicamente visual, com 11 fotografi as publicadas 
ocupando grandes espaços na diagramação. 
Candomblé tem 11 imagens de Verger publicadas. As imagens mostram 
cenas de uma cerimônia pública e Verger mantém-se a certa distância 
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 O CONTRAPONTO DE PIERRE VERGER 83
respeitosa. A primeira imagem ocupa quase toda a página dupla, restando 
uma pequena coluna para a introdução do texto de Bastide. Anuncia-se, 
portanto, o candomblé por intermédio da imagem de uma divindade sen-
do reverenciada; dessa forma, a abertura imagética da reportagem acentua 
os procedimentos ritualísticos. As imagens, quase todas de corpo inteiro, 
sem uso de uma grande angular, acentuam o contexto. Não vemos uma 
fotografi a que poderia destacar-se das outras no sentido de identifi car o 
pai-de-santo ou a mãe-de-santo. Ao não personalizar as imagens com 
referências ao nome e ao cargo, a edição refl ete o próprio texto de Bastide, 
que somente situa o terreiro de Joãozinho da Goméia, com poucas falas 
sobre o principal mestre da casa, e apresenta o candomblé através de uma 
visão mais genérica. As legendas também não nomeiam as pessoas, sendo 
exaltações à origem africana, ao roteiro penoso dos navios negreiros, dos 
quais se ouve o “rumor”, à dança do “Ballet Negro”, à confraternização 
do “abraço litúrgico”. 
O texto de Bastide alude, no início, à sua viagem no caminho do ter-
reiro de Joãozinho da Goméia, pelas estradas da Bahia, com “um grupo 
de amigos”, para ver no espaço cerimonial a Festa do Nome: “A noite 
caía sobre a estrada litorânea onde se defrontavam e se confundiam os 
perfumes das árvores tropicais das fl orestas selvagens da terra e o odor 
persistente de iodo e de maresia, vindo do mar próximo”. Mesmo citando 
Arthur Ramos e Nina Rodrigues no parágrafo anterior, demonstrando seu 
conhecimento da bibliografi a, Bastide sabia que estava escrevendo para os 
leitores da revista A Cigarra, envolvendo-os com o mistério e o exótico. E 
o faz de forma poética, em doses equilibradas, entre o onírico e o etnográ-
fi co. Antes de entrar nos aspectos mais descritivos da cerimônia, Bastide 
diz que em ocasião próxima tinha visto iaôs em camarinhas com “os rostos 
afogados na brancura da fazenda [...] semelhavam a humildes crisálidas 
[...]” que aos banhos de ervas preparados pelo babalorixá abririam suas 
cabeças e seus corpos para entrada do divino e assim “[...]desvencilharia 
as asas das dançarinas dos deuses” (Bastide, 2001, p. 328).
Assim, Bastide cria com sutilezas que lhe são próprias a temporalidade 
e a anterioridade da Festa do Nome, colocando para um leitor atento 
que havia um percurso ritual para chegar ao nome religioso das jovens 
iniciantes dali para frente. Depois dessa introdução, Bastide mergulha 
na sua veia antropológica e o texto fl ui para as descrições da cerimônia, 
para a análise do sincretismo e para particularidades do terreiro: 
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84 IMAGENS DO SAGRADO
Em nenhuma parte eu havia visto cerimônias iguais, em que os iaôs entrassem 
enfi leirados com as vestimentas dos orixás. Joãozinho, que é um admirável 
maître de ballet, aqui, abandonou-se, certamente, à sua fantasia de criador 
estético. A cena é grandiosa e os corpos negros pintalgados de branco são 
como noites estreladas da África.
As imagens fi nais saltam aos nossos olhos pelos detalhes, uma foto 
próxima de uma mão tocando um instrumento anuncia em tom dramático 
“o agogô se agita e o ritmo se torna mais feroz”, antecipando uma imagem 
que retrata partes de um boi em um altar, principalmente a cabeça e as 
patas em posição sagrada, e os dizeres: “Enfi m — a imolação”.
A imagem mostra as partes de um animal sacrifi cado para um orixá 
ofertado em seu altar próprio, mas o sacrifício não é mostrado e sabemos 
que aconteceu em cerimônia anterior à saída das iaôs. A imagem fi nal, a 
única na exterioridade do terreiro, realizada à luz do dia, anuncia o fi m da 
cerimônia: “ e quando desponta a madrugada os atabaques emudecem”. 
O texto de Bastide não conduz a uma narrativa forte na qual o sacrifício 
aparece com tom dramático, mas o fi nal é uma interação entre texto e 
imagem, quando Bastide diz que vai descer rumo à cidade adormecida, 
no último bonde, a imagem fi nal do altar nas cercanias do terreiro marca 
a territorialidade sagrada de uma divindade que fi cou emanada da energia 
ritualística.
Diz Bastide no fi nal do texto: 
A festa está terminando. Segundo o costume, vou comer o resto do alimento 
dos deuses. E depois, partirei só. Quero descer, rumo à cidade adormecida, 
levando a cadência da música, que continua em minha memória. Tomarei 
o último bonde que geme nos trilhos. Perto de mim, entre os passageiros, 
alguma fi lha-de-santo, de novo em roupa triste de trabalho, ainda trará nos 
olhos o brilho do amplexo dos deuses. (Bastide, 2001, p. 330)
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 87
CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH
Henri-Georges Clouzot, cineasta francês de grande importância na 
cinematografi a francesa e internacional, diretor de clássicos como Le 
corbeau e Manon, chegou ao Brasil no começo de maio de 1950, acompa-
nhado por sua mulher brasileira, Vera Amado, fi lha do escritor Gilberto 
Amado. A intenção de Clouzot era fazer um fi lme intitulado a princípio 
de Le Brésil, com roteiro incerto, mais voltado para um diário de viagem, 
segundo suas próprias palavras: 
Não preparei nada. Será uma coisa impressionista, o enredo formado pelos 
fatos à medida que se processarem. Só quero fi lmar o que sentir e não o que 
me disserem, mas para sentir preciso ter conhecimento das coisas, estudá-
las. Antes de vir para cá não quis ler nada sobre o Brasil, a fi m de não ter 
opiniões já feitas e preservar a primeira impressão. Agora estou lendo muito, 
já comecei Os sertões1.
Clouzot foi recebido com muita deferência, por onde passava a bur-
guesia nacional realizava reuniões com a intelectualidade local, assim foi 
no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia, encontros nos quais todos 
queriam fornecer informações pontuais importantes para suas pretensões, 
e, dessa forma, foi coletando informações e histórias sobre o Brasil. Com 
seu jeito franzino, agitado e querendo mais informações, foi colecionando 
uma série de “primeiras impressões”, que já lhe permitia dizer: “Uma coisa 
que muito me impressiona, aqui no Rio de Janeiro, é a ignorância dos 
cariocas relativamente ao interior do Brasil. Acho que sei mais do que 
muita gente carioca. Conto coisas que sei serem verdadeiras e as pessoas 
1 “Clouzot quer mostrar o Brasil aos brasileiros”, entrevista ao Folha da Manhã, 11 jun., 1950. 
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me olham desconfi adas”2. Sua formação de iniciante brazianist já lhe 
permitia traçar suas primeiras observações sociológicas: 
Seu país é um país heróico, isto é, até certo ponto ainda se encontra numa 
idade heróica. Os sertanejos vivem numa luta constante contra inúmeras 
difi culdades, especialmente a falta de comunicações. Ao lado de casos de es-
forços sobre-humanos, encontra-se também muita indolência e um estranho 
desinteresse. Creio que, como resultado da herança indígena, ainda falta o 
instinto de fi xação: continuam nômades, plantam um pedaço de terra e feita 
a colheita, mudam-se para outro lugar [...]3.
Sua entrevista para o jornal Folha da Manhã foi realizada em uma 
reunião social no Rio de Janeiro, e ele afi rma ainda que queria mais do 
que mostrar a unidade do país, queria “prová-la”. Esse encontro deu-se 
depois de sua primeira viagem ao interior do país rumo a Goiás. Queria 
ele refazer o percurso dos bandeirantes, “do pior para o melhor”, partindo 
de Goiás, até o rio da Prata, Minas Gerais e São Paulo. No Rio, já tinha 
fi lmado os contrastes arquitetônicos entre as grandes obras e as favelas e, 
dizendo que fi cou impressionado com a rapidez da construção do Estádio 
Municipal (que também fi lmou), continuou sua impressão sociológica 
sobre o trabalhador brasileiro: “No entanto, os operários pareciam inativos, 
e tive de pedir-lhes que fi ngissem trabalhar para a fi lmagem!”4. Clouzot 
era muito ambicioso e generalizante com sua perspectiva de fi lmar o 
Brasil, afi rmando: “Pode ser que eu falhe, mas, se não falhar, terei obtido 
uma coisa única na história do cinema. Um documentário que não é um 
documentário. Algo que reúne o interesse humano, político, geográfi co 
e social. Conforme já disse, procurarei unifi car na tela os aspectos hete-
rogêneos e a diversidade do Brasil”5.
Considerava o sujeito “Brasil” como uma entidade que pudesse ser 
condensada em uma película, um olhar de estrangeiro voltado para o 
exterior. 
Parece que a passagem de Clouzot foi incentivada pela convivência 
com sua linda mulher. Já em outra ocasião fala da relação fulminante com 
2 Ibidem.
3 Ibidem.
4 Ibidem.
5 Ibidem.
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 89
Vera, quando da primeira vez que a viu e deixou sua mulher, Susi Delair, 
e convidou-a a dançar uma música brasileira que tocava naquele momen-
to. A decisão pelo divórcio veio em questão de dias, segundo ele. Vera 
seria o personagem principal de seu fi lme, que teria também o nome 
Brasil — O diário de uma viagem: “[...] agora, felizmente casado com Vera, 
nada melhor para provar o meu afeto por ela que prestar uma homenagem 
merecida e sincera aos meus patrícios, fazendo um fi lme para o mundo, 
a fi m de levar ao estrangeiro a beleza desse país que também é o meu de 
coração”6. Clouzot trouxe consigo 3 mil e 500 quilos de equipamento, e 
os gastos seriam por sua conta no valor de mais de 70 milhões de francos; 
as fi lmagens durariam um ano. Com ele veio uma equipe técnica, entre 
eles o conhecido fotógrafo de cinema Armand Th irard. 
Paulo Duarte escreveu um artigo na sua revista Anhembi7 sobre a 
passagem de Clouzot pelo Brasil. No artigo publicado quase um ano 
depois da passagem do cineasta francês,relata o malogro das fi lmagens. 
Ressalta a excelência da equipe técnica nomeando-os8 e dizendo que 
tinha apoio de “inteligentes capitalistas”, e o próprio capital de Clouzot 
de Cr$ 5.000,00.
O artigo relata as difi culdades enfrentadas pela equipe para liberar seus 
equipamentos, fi cando dois meses sem fi lmar, envolvidos com a liberação 
do material e as difi culdades de importar película virgem, solicitada “três 
dias após o meu desembarque [...]. Exaltado como uma personalidade 
[...] gente como Clouzot deveria ser recebida com todas as facilidades”, 
ainda teve de contar com “advertências veladas da censura”, preocupada 
com a temática e a opção naquele momento já explicitada por Clouzot 
de fi lmar os usos e costumes religiosos da Bahia, “entre os quais cenas de 
macumba e de magia primitiva, tão comum entre populações de origem 
africana”, dizia o artigo. 
O mesmo navio que trouxera a equipe técnica e o pesado equipamen-
to profi ssional retornou para a França levando-os depois da malograda 
6 “Vencido pelo amor a uma carioca sob o som duma música brasileira”, entrevista ao Diário de 
Notícias, 7 maio, 1950.
7 “Henri-Georges Clouzot e o Brasil”, Anhembi, no 5, vol. II. São Paulo, abr., 1951, 
pp. 396-8.
8 “[...] operadores Th irard, Pecqueux e Ducop, responsáveis pela fotografi a das melhores películas 
francesas atuais, algumas delas premiadas em vários festivais europeus; dois engenheiros de 
som, Sivel e Bocher [...]”. 
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tentativa de fi lme sem roteiro e produção, somente uma idéia aventurosa. 
Clouzot e sua mulher Vera fi caram no Brasil interessados cada vez mais 
pela Bahia e seus mistérios, aludindo a um outro projeto que causou 
manifestações sobre a “desmoralização” do país depois de uma nota na 
revista Paris Match na qual Clouzot indicava que queria fazer agora um 
novo fi lme somente interpretado por atores negros. O artigo defende o 
cineasta, apontando que os problemas brasileiros em relação ao aspecto 
moral são de outra ordem, e indica a imprensa sensacionalista, os políticos 
e os governantes como o fator desmoralizante:
Há em nossas incribilíssimas câmaras federais, estaduais e municipais, as 
quais, para os seus deputados e vereadores, não passam de um escritório de 
negócios, escusos na maioria das vezes... Há outras coisas muitíssimo mais 
desmoralizantes por aí a passar em branca nuvem e que por vezes tornam o 
Brasil motivo de pilhéria humilhante e ninguém se lembra de apelar para a 
ação de “nossas autoridades”. Bastou, porém, que um cineasta do porte de 
Clouzot escolhesse o Brasil para campo de uma experiência que só poderia 
lisonjear o país, para que a patriotada e os catões de esquina surgissem em 
defesa dos brios nacionais, profundamente lesados pela leviandade de um 
artista francês, a tirar da Bahia motivos para realizar uma película inteira-
mente interpretada por negros e inteiramente vivida no ambiente caracte-
rístico desses negros.
Tal película, seu roteiro e seu argumento nunca vieram à tona; qual era 
o fi lme que Clouzot queria fazer no Brasil, não sabemos até hoje. 
Paulo Duarte exalta ainda mais as pretensões de Clouzot na Bahia, ao 
dizer que o Brasil e a França teriam a lucrar com tal empreitada e de uma 
forma colonizada termina: “O Brasil, porque verá inscrito, numa película 
assinada por um grande artista, um pouco do folclore, dos costumes de 
uma de suas regiões mais pitorescas e mais ricas em motivos cinemato-
gráfi cos. E a França, porque terá registrado em seu cinema uma curiosa 
experiência impressionista, realizada por um de seus mais ilustres [...]. 
Mas, chegaremos a ver tudo isso?...”, termina o artigo. 
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 91
Reportagem “As possuídas da Bahia”,
Paris Match, 12 de maio de 1951
Henri-Georges Clouzot traz do Brasil um extraordinário documento 
etno gráfi co:
AS POSSUÍDAS DA BAHIA
Pela primeira vez um branco pode penetrar no santuário dos deuses negros onde 
se praticam os ritos sangrentos de iniciação. É a primeira reportagem fotográfi ca 
do grande diretor Clouzot e Paris-Match a publica com prioridade mundial.
No meio do século XX, em 1950, um quarto dos 400 mil habitantes de uma 
cidade moderna continua a celebrar Shango, o deus do trovão e dos raios. Em 
Salvador, capital do estado brasileiro da Bahia, para 96 igrejas há 453 templos 
fetichistas declarados à polícia, sem contar os clandestinos.
Tendo partido para o Brasil em 1950 para rodar um fi lme, o grande diretor 
francês Henri-Georges Clou zot — autor do Cor beau (Corvo), de Manon, de 
Miquette et sa Mère (Miquette e sua Mãe) — renunciou ao seu projeto para mer-
gulhar com Vera, sua mulher, no estudo dos ritos fantásticos que assombram as 
noites da maior cidade negra da América do Sul.
A alucinante reportagem que ele traz de lá vai aparecer nas livrarias sob o 
título O Cavalo dos Deuses. “Paris-Match” assegurou-se da exclusividade dos 
documentos fotográfi cos que Clouzot realizou no curso das cerimônias secretas 
onde ele foi excepcionalmente admitido após três meses de pesquisas e proce-
dimentos. O cineasta nunca tinha usado uma câmera fotográfi ca. Seu sucesso 
surpreendeu a ele próprio.
O Brasil é uma terra de contras tes espantosos. Em São Paulo termina-se 
um arranha-céu a cada quarto de hora, mas o policial negro da Bahia vai à noite 
fardado às cerimônias fetichistas. A “Panair do Brasil” colocará em serviço, no 
próximo ano sobre o Atlântico, aviões à jato, mas em Salvador, a cada ano, uma 
procissão vai afogar um garanhão negro para que “Yemanja”, deusa do oceano, 
possa cavalgar agradavelmente seu reino submarino.
“A canção que o barman assobia”, escreve Clouzot, “é um cântico africano em 
homenagem a Oshun, que habita as águas doces, e o ascensorista do Palace usa 
sob sua camisa o colar de Ogoun, que preside a guerra. No escritório do hotel você 
pode ligar para Paris ou New York, só que a telefonista que fará a comunicação é 
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92 IMAGENS DO SAGRADO
uma iniciada. Ontem à noite, na festa secreta, Omolu, o deus da peste, baixou em 
sua cabeça, ou talvez fosse Santa Bárbara ou Nossa Senhora do Rosário.”
Uma noite, Clouzot, após mil procedimentos, foi conduzido a uma cerimônia 
fetichista nos subúrbios da Bahia. Assim que se aproximou, sob a tempestade, do 
“lugar santo”, ele percebeu pela primeira vez a cadência misteriosa dos tambores 
sagrados.
“Eu parei, levantei a cabeça. Vera também ouviu os tambores. As vibrações 
tocam em nós qualquer coisa de mais profundo do que o que se pode exprimir. 
Ainda mais implacável ou angustiante...” 
Na sala semi-iluminada onde ocorre a cerimônia, jovens negras dançam. 
Seus rostos estão tensos, seus olhos fechados, seus lábios tão apertados que 
estão arroxeados. De vez em quando elas soltam grunhidos de animais. Elas es tão 
possuídas. Um “deus” que lhes entrou na cabeça dita seus gestos, suas palavras, 
seus passos. Todo um povo de negros as segue com olhos fascinados. Às vezes, 
na multidão, uma mulher levanta, perde o equilíbrio e, como que embriagada, 
se deixa ir de um lado para outro da pista.
“A jovem, conta Clouzot, tampa os ouvidos, aperta os punhos e o maxilar. 
Ela se debate com todas as suas forças contra um fantasma. Mas o maestro que 
tem o maior dos tambores sagrados viu a cena: ele precipita o ritmo dos tam-
bores. Dessa vez a infeliz não escapará. Ela o sabe e se abandona ao tremor 
terrível que a agita dos pés à cabeça. Seus pés não se movem no solo, mas a 
cabeça balança a toda velocidade, da frente para trás e de trás para frente, sobre 
um pescoço completamente desarticulado. Ela vai e vem sob uma chuva de 
golpes invisíveis, como um punching-ball. Depois a dançarina se imobiliza e tomaa pose ritual, com suas duas mãos atrás das costas. A jovem possuída pelo de-
mônio começa a dançar. Certas “possuídas” dançam assim durante quarenta e 
oito horas ininterruptas. Os negros as chamam de “fi lhas-de-santo”.
Toda a noite, a festa (o “Candomblé” no dialeto local) continua, com períodos 
de paroxismo espantoso.
No Brasil, os raros intelectuais que se interessam por essas estranhas mani-
festações foram incapazes de fornecer a Clouzot a explicação dessas possessões 
em cadeia, desses fenômenos de histeria fantástica.
O cineasta e sua jovem mulher resolveram penetrar mais fundo no mistério. 
O relato de suas desventuras iluminam com algo de pitoresco sua “reportagem” 
de pesadelo.
Desde a primeira noite, eles foram “carregados” (como o próprio Clouzot 
confessa) por uma rabatteuse (pessoa que angaria clientes) que os conduziu por 
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 93
mil atalhos ao casebre de um “feiticeiro” de grande reputação local. Este lhes 
extorquiu inicialmente 2.000 francos e propôs a Vera de lhe “ler a sorte”.
“Nunca houve necessidade”, nota Clouzot maliciosamente, “de insistir muito 
junto a uma mulher para que ela tenha seu futuro adivinhado, sobretudo por 
um feiticeiro negro.”
O adivinho, após intermináveis 
caretas, pronunciou o seu oráculo:
— Você tem um mau olhado 
contra você — disse para Vera.
Eu olhava Vera, ela estava cons-
ternada. Uma brasileira pode ter 
sido educada no colégio de freiras, 
falar cinco idiomas correntemente, 
ter percorrido a Europa e as duas 
Américas, conhecer a gíria de Saint-
Denis e ao mesmo tempo poder re-
citar vinte páginas de Claudel — ela 
não deixará de ser a criança supers-
ticiosa que foi.
Quantas vezes eu vi Vera pular 
da cama precipitadamente para des-
virar uma pantufa caída de cabeça 
para baixo! Ainda me lembro do dia 
em que ela me alertou pela primeira 
vez contra as forças ocultas.
“— Você não acredita? Você 
não acredita nas forças ocultas? 
Puxa! Mas é loucura! E você fala 
isso em alto e bom som! Você não 
se dá conta de que está provocando? 
Mon Dieu de la France (meu Deus), 
proteja-o! Bata na madeira, rápido, 
não, assim não, por baixo.”
Clouzot teve de romper relações 
com o feiticeiro quando este pediu, 
para iniciá-lo em outros mistérios, 
3 galinhas — uma branca, uma preta e uma mesti ça — um litro de óleo, 5 me-
tros de diferentes tecidos, 6 velas e 260 “cru zeiros”.
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94 IMAGENS DO SAGRADO
A EMPREGADA DE CLOUZOT
ERA UMA FEITICEIRA
Para ter todo o dia sob as mãos um objeto de estudo, Clouzot decidiu contra-
tar como empregada uma “fi lha-de-santo”. Sua primeira empregada que possuía 
esta mística qualidade chamava-se Petronília. Ela tinha dois fi lhos e tomava três 
banhos por dia. Ela também roubava comida. Petronília passava por longos esta-
dos de embrutecimento total, durante os quais não se podia tirar nada dela.
Interrogada sobre suas possessões noturnas, ela declarou somente:
— Quando me dá isso, num sei que qui mi acontece. Eu sinto tudo zanzando 
e dá dor de cabeça. E quando eu acordo, num lembro mais di nada.
“Petronília foi substituída”, conta Clouzot, “por uma espécie de monstro 
pré-histórico que se chamava Anita.” Este diplodocus (gigantesco réptil dinos-
sauro fossilizado) que tinha dois ventres, um pela frente e outro por trás, se 
acocorava em um canto da cozinha na hora do almoço para devorar bolotas de 
farinha amassadas longamente entre seus dedos cheios de gordura. Anita não 
falava. Ela se exprimia por grunhidos, por gestos, por onomatopéias. Ela chegava 
raramente a pronunciar três palavras em seqüência. E elas ainda não faziam o 
menor sentido.
— Anita — perguntava Vera — o que é que nós temos para almoçar hoje?
— Ahn... uhn...
— Para o almoço? Anita?
— Ahn... coisas.
— Tá... mas que coisas?
— eh... de comer.
— Claro... mas o que de comer?
— Ummmm... do bom...
Não se pode nunca tirar nada mais.
O diretor do hospício local não foi nem um pouco sutil.
— O “candomblé”? Não conheço.
Fui uma vez. Repugnante... Se fosse o delegado de polícia, fecharia tudo.
Os médicos não eram mais explícitos.
— 30% de simulação e de resto um pouco de tudo. Muita histeria, alguns 
casos de esquizofrenia e excepcionalmente alguma coisa que não se reduz a nada 
de patológico: nem neurose, nem psicose.
— O que, então?
Mas Clouzot não recebia em resposta senão gestos de ignorância. Ele des-
cobriu pouco a pouco que os verdadeiros iniciados nos segredos do candomblé 
eram muito pouco numerosos.
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96 IMAGENS DO SAGRADO
Vera propôs então heroicamente de se fazer “fi lha-de-santo”. O que a dis-
suadiu foi a idéia de que ela teria de deixar raspar sua cabeça.
SACERDOTE NESTOR ABRE
AS PORTAS DO MISTÉRIO
Clouzot marcou passo por longas semanas (“todas as noites fi cava à espreita 
do som dos tambores”, disse ele) antes de entrar em contato com um verda-
deiro “pai-de-santo”, o feiticeiro fetichista Nestor. A expressão “pai-de-santo” 
designa o “pai” que inicia as jovens nos mistérios do rito e leva-as ao estado de 
possessão por “um deus”. Elas tornam-se então “fi lhas de santo” e participam 
dos “candomblés” organizados a cada noite nos lugares santos. “Fazer seu santo” 
é sofrer sua primeira possessão.
Com Nestor, Clouzot entra enfi m em pé de igualdade no mundo secreto 
dos negros fetichistas.
Nestor consente em iniciar algumas jovens negras em presença de Clouzot, 
que deve pagar o preço dessas cerimônias. Nestor pede 70 mil francos e um 
lampião com bomba. Durante duas semanas as duas jovens fi cam seqüestradas 
em um cômodo nu, quase sem comida, mas empanturradas de infusões miste-
riosas. De vez em quando, Nestor entra no cubículo onde as infelizes criaturas 
estão deitadas de bruços. Ele as ofende e humilha. As negras beijam suas mãos 
tremendo. Elas estão reduzidas a um incrível grau de submissão.
— Vocês são animais, vocês não existem? — fala pausadamente o feiticeiro 
na semi-obscuridade fétida da cela.
As jovens recebem também banhos de ervas, de uma composição secreta, 
e devem submeter-se à inalação de substâncias entorpecentes. Elas caem logo 
em um estado próximo à infância, chupam incessantemente seu polegar e só se 
exprimem por onomatopéias como os bebês.
Clouzot e Vera foram obrigados a se submeter a curiosas cerimônias. Vera 
teve que dançar e cantar nas cerimônias. Clouzot teve que “dar de comer à sua 
cabeça”, quer dizer, colocar sobre seu crânio diversos alimentos.
O rito de iniciação das jovens toma pouco a pouco um aspecto horrível. Nes-
tor faz entrar as duas postulantes e tira de um caixote dois pombos brancos.
“Nestor está de pé”, conta Clouzot, “o pombo se debate na sua mão esquerda. 
Com um golpe de polegar, ele faz saltar sua cabeça e antes que o sangue tenha 
tempo de jorrar, ele introduz o pescoço do pombo na boca da jovem que avança 
os lábios avidamente. E, eis que em um último espasmo, a vítima decapitada 
põe-se a bater as asas. Suas penas brancas batem nas bochechas negras. É como 
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98 IMAGENS DO SAGRADO
um mecanismo que se aciona: o gosto do sangue desencadeia o “deus” e o “deus” 
transmite seu delírio ao corpo da “possuída”, que se abandona aos seus impulsos 
furiosos. Os transportes são assustadores. Pela primeira vez, Vera empalidece sob 
seu bronzeado... As mulheres, iradas, balançam suas presas por todos os lados, 
em um turbilhão de penugem. Elas apertam tão forte os maxilares que Nestor 
precisará demuitos minutos para desapertar seus dentes e fazê-las soltar os 
restos dos pássaros.”
As jovens, que foram previamente raspadas e pintadas em todo o corpo, são 
então ungidas e molhadas com sangue de galinha.
RITOS SANGUINÁRIOS HERDADOS
DA IDADE DA PEDRA
Nestor pratica sobre seus braços, seu peito e sua língua incisões com lâmina 
que as deixam praticamente insensíveis. Depois ele as inunda com sangue fresco 
de um bode, em meio a um tumulto de cânticos e de convulsões. “Nós fi camos 
abestalhados, mudos, paralisados. Era inútil recuar os limites da repugnância, 
encontrava-se sempre um detalhe nojento para ultrapassar ainda mais esses 
limites: as manchas vermelhas nas calças, a cabeça do bode que uma mulher 
levava pela orelha entre seus dentes, as máscaras e trejeitos faciais atrás dos quais 
não encontrávamos mais traços humanos, sob a crosta formada pelas penas e 
coágulos diluídos no suor.”
Mas o horror desse espetáculo desperta também ressonâncias distantes. Muito 
antes de Buda e Confúcio, o fetichismo reinou nas cavernas onde a humanidade 
da idade da pedra tomava consciência dos mistérios da morte e do além.
“Nós nos sentíamos em presença de alguma coisa tão antiga, tão fora das 
eras, que um estranho respeito nos fazia esquecer a nossa náusea.”
Clouzot também teve de beber, do pescoço recentemente cortado, o sangue 
quente de um pombo.
“Assim”, concluiu o cineasta, “terminou-se essa experiência apaixonada”. 
Alguns dias mais tarde ele reencontrava, longe dos deuses selvagens, a razoá-
vel Europa no clima pomposo do barco inglês que o levava de volta para a 
França.
As conclusões que ele tirou da sua incursão no mundo proibido dos últimos 
fetichistas não são menos extraordinárias que as aventuras que ele viveu.
Clouzot fi cou surpreso com as semelhanças apresentadas pelo trabalho do 
“pai-de-santo” com o do psicanalista. Lá e cá, leva-se o doente (ou o futuro ini-
ciado) a regressar até o estado infantil. É assim que as jovens negras, submetidas 
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 99
aos procedimentos de Nestor, falavam e agiam como bebês. Parece que as provas 
do feiticeiro constituem um tratamento de certas neuroses, que, eliminando as 
crises agudas, conservam essas neuroses e as fi xam em certas formas regulares.
No curso das sessões de iniciação, os postulantes são autorizados a satisfazer 
seu complexo de agressividade: os ritos sangrentos cumpririam esse objetivo. 
Tratar-se-ia fundamentalmente de verdadeiras curas de “desrecalcamento”, de 
redução dos complexos.
“Tudo isso”, acrescenta prudentemente Clouzot, “é infi nitamente mais com-
plicado, mais incerto na realidade. Os fetichistas bahianos continuaram primiti-
vos; raciocinar logicamente com eles ou a propósito deles deturparia tudo, pois 
isso seria introduzir um elemento estranho à sua consciência.”
De fato, nenhuma explicação científi ca ou fi losófi ca pode conjurar o encan-
tamento das divindades negras africanas. Clouzot reencontrou o céu razoável 
da Ile-de-France (região parisiense), mas confessa que, quando fecha os olhos, 
lhe parece ouvir, em alguma parte, muito longe, como um eco, a pulsação dos 
tambores gigantes, os gritos inumanos das “fi lhas-de-santo” que se debatem para 
matar seus demônios.
�
Não esperavam todos os seus anfi triões brasileiros que tal passagem 
conturbada de Clouzot pelo Brasil, não conseguindo fazer com que suas 
idéias de um fi lme genérico sobre o país se concretizassem, causasse ainda 
mais polêmica com essa reportagem e colocasse a todos que o receberam 
em estado de indignação e revolta. Clouzot escreveu e lançou um livro na 
França em 1951, Le cheval des dieux, e como uma espécie de marketing, 
também é publicada na ocasião a matéria na revista Paris Match com ca-
ráter sensacionalista que vai causar manifestações de intelectuais e artistas 
no Brasil, pela imprensa nacional. 
Neste estudo um fato foi muito signifi cativo. Quem fez a pesquisa 
nos jornais da Bahia foi meu assistente, Cláudio David da Cruz, e quan-
do, ainda a distância, lhe solicitei que fi zesse uma pesquisa sobre a revis-
ta O Cruzeiro, não tínhamos a informação sobre a reportagem da revista 
francesa, e as matérias nos jornais baianos sobre essa reportagem passa-
ram despercebidas. Entretanto, como tínhamos Pierre Verger como um 
contracampo imagético e ético, confi rmado pelos depoimentos e pela 
documentação, encontramos um farto material recolhido por ele e guar-
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dado entre seus pertences na Fundação que leva seu nome. Portanto, 
Verger acompanhava os fatos e mantinha-se informado do que acontecia 
na mídia, mas manteve silêncio nos seus escritos e mesmo com as pes-
soas próximas. Assim, não foi preciso voltar aos jornais novamente e 
percorrer dia a dia as publicações para encontrar as possíveis manifesta-
ções sobre a revista francesa, felizmente Verger já o tinha feito, coletan-
do as matérias dos jornais e guardando-as em seus arquivos pessoais.
A reportagem publicada no dia 12 de maio de 1951 pela revista fran-
cesa Paris Match, com o título: “As possuídas da Bahia — Henri- Georges 
Clouzot traz do Brasil um extraordinário documento etnográfi co”, apre-
sentava uma série de fotografi as, inclusive imagens de iniciação. Tal re-
portagem foi reproduzida na íntegra pelo jornal A Tarde, de Salvador, 
em três dias seguidos, 10, 11 e 12 de julho de 1951, com a publicação de 
fotografi as de Clouzot, repercutindo ainda mais a publicação francesa 
na capital da Bahia. Nessa altura da pesquisa, fi cou clara a forma pela 
qual os baianos tiveram acesso à reportagem estrangeira e também como 
e quando quiseram discutir seu conteúdo, pois não tínhamos no início, 
conforme a introdução, como saber a penetração da Paris Match além do 
seleto grupo de intelectuais que tinham acesso às publicações es trangeiras. 
A publicação de toda a reportagem em jornal da capital, e ainda por três 
dias seguidos, tornou acessível a reportagem da revista francesa para o 
público baiano. Com o título de chamada “Um francês em visita aos 
candomblés”, ainda tinha dois subtítulos: “Pela primeira vez um branco 
pode penetrar no santuário dos deuses negros onde se praticam os ritos 
sangrentos da iniciação” e “Reportagem em Paris Match, do grande ci-
neasta Georges Clouzot, que esteve na Bahia no ano passado”.
O mesmo jornal publica anteriormente no dia 7 de julho de 1951 uma 
reportagem na qual traz como título a opinião de um eminente pesqui-
sador: “Roger Bastide protesta contra as reportagens de Clouzot”. 
Em passagem por Salvador, “[...] em viagem mais de passeio do que 
de estudos”, o sociólogo francês acusa o cineasta de sensacionalismo que 
não exprime a realidade do culto afro-brasileiro na Bahia. Bastide se diz 
um admirador da “boa terra”, das tradições e dos costumes baianos e 
aproveitará a viagem para recolher material folclórico, histórico e artístico, 
e que, se houver festa em algum “terreiro”, irá assisti-la.
Indagado pela reportagem sobre a matéria de seu conterrâneo, Bastide 
afi rma que “[...] observa nessa reportagem apenas um cunho sensaciona-
lista, nela não se encontrando uma orientação científi ca”. Ainda questiona 
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a fi delidade das imagens e das informações da reportagem retiradas da 
fala de pais-de-santo que facilitam acesso a estranhos aos segredos do 
candomblé, recebendo para isso remuneração, como o tal Nestor o fez 
com Clouzot. Bastide tinha consigo um exemplar da revista Paris Match 
e questiona a informação de Clouzot ter dito ser ele o primeiro branco a 
penetrar na camarinha. Mesmo sem citar, Bastide já havia mencionado 
que entrara na camarinha na reportagem publicada pela revista A Cigarra,e mais, diz: 
Isso não é verdadeiro. Antes dele outros brancos já entraram em tais recin-
tos. Basta dizer que nem todos os fetichistas são negros; há gente branca 
entre eles, inclusive uma fi lha de espanhóis. Agora, que tenha sido ele um 
dos primeiros a publicar fotografi as de camarinhas e de algumas cenas mais 
íntimas dos candomblés, não tenho dúvida e devo acrescentar que houve 
aí espírito sensacionalista, dando-se à publicidade de segredos da religião 
afro-brasileira.
Bastide ainda questiona a visão colonialista de Clouzot de não en-
xergar o caráter moderno de Salvador, criando uma imagem de “primiti-
vismo”, que estaria impressa em toda a cidade pela sua fala afi rmativa de 
que um terço da população era de “fetichistas”: “Acho que a civilização 
africana está bem desenvolvida, mas como a Bahia, pela sua expressiva 
maioria, professa outros costumes, está na civilização que adotamos na 
Europa, escrevi artigos que serão publicados em São Paulo e em Paris, 
protestando contra essas afi rmações do meu patrício”.
O teor dessa reportagem foi noticiado também pelo jornal O Globo 
de 18 de julho de 1950, com o título: “Caluniada em Paris a cidade de 
Salvador. — A reportagem de Clouzot agita a sociedade baiana — O 
sociólogo Roger Bastide contradiz seu patrício”. A reportagem reproduz 
uma das imagens fortes de Clouzot (o sacrifício de uma pomba na cabeça 
de uma iaô) e acrescenta: “Deixamos de reproduzir outras, a fi m de não 
ferirmos a sensibilidade dos nossos leitores”. Por meio de um telegrama 
vindo da Bahia: “Por menos jornalístico que possa parecer, podemos 
iniciar este telegrama com a famosa advertência de Apeles, avisando 
que o sapateiro não deve passar dos sapatos [...]”, e segue reafi rmando as 
posições expressadas por Roger Bastide para o jornal A Tarde. 
O jornal baiano Diário de Notícias, do dia 11 de julho de 1951, publica 
um longo artigo assinado por José Valladares com o título: “Monsieur 
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Clouzot — cineasta ou etnologista?”. No artigo, Valladares exalta a erudi-
ção e o conhecimento de Clouzot, e sua aventura cinematográfi ca na qual 
queria o comprometimento e o apoio ofi cial em larga escala, e questiona 
as relações deste com Hitler e Mussolini, pois Clouzot teria dito a um 
baiano que nem esses ditadores o teriam feito esperar como as autoridades 
brasileiras. Depois de suas tentativas frustradas de fi lmar, teria vindo à 
Bahia “a conselho de amigos [...] onde se acreditava que a cor local, os 
costumes regionais e a vida pacata da província podiam favorecer seu 
trabalho”. Clouzot era uma fi gura inquieta e não respeitava os processos 
de inserção e legitimidade das informações, “Queria saber de tudo, inclu-
sive daquilo que ninguém sabe”, e a culpa acaba no pai-de-santo que lhe 
ofereceu uma iniciação, pois tinha, segundo Valladares, muito dinheiro 
para tal, e queria desvendar [...]. Os segredos mais delicados da magia 
negra fi guravam-se-lhe essenciais para o desenvolvimento temático de 
um fi lme em que a Bahia fosse aproveitada”. 
De forma muito consciente, Valladares relaciona o livro de Clouzot 
com a reportagem da Paris Match, acentuando o autor como um cronista 
estrangeiro passando pela Bahia e traçando suas observações. Entretanto, 
diz Valladares: 
O que francamente nos parece lamentável quando se considera o valor de 
Henri-Georges Clouzot como homem de cinema é que, de volta a Paris, 
tenha vendido suas fotografi as a uma revista sensacionalista, Paris Match, 
que do texto do livro fez um resumo ainda mais sensacional, apresentando 
o Brasil e com especialidade a Bahia em cores que não são de todo falsas, 
porém que deixam de possuir a escusa da objetividade científi ca, uma vez 
que aplicadas num retrato onde a intenção do escândalo e da propaganda 
sobrepuja qualquer outra. Não adianta os editores da revista dizer-nos que 
estamos em face de um Clouzot etnólogo e não do diretor de cinema. Não 
obstante sua extraordinária cultura, sua etnologia é improvisada, de tudo 
transpira claramente que seu principal interesse está em chamar atenção sobre 
si mesmo. Mas será este o caminho mais adequado para uma personalidade 
de sua grandeza?
Ainda o jornal A Tarde, na mesma semana em que reproduziu a re-
portagem da Paris Match, traz uma longa entrevista com o médico e 
professor Estácio de Lima, catedrático de Medicina Legal da Escola de 
Medicina da Bahia, com o título: “Turista no candomblé — Um novo 
Colombo descobridor de tudo”. Estácio de Lima exalta uma tradição 
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 103
de pesquisa dos cultos afro-brasileiros com Nina Rodrigues e Arthur 
Ramos, dizendo que sempre conduz uma aula no término do curso de 
medicina com seus alunos em um terreiro, para introduzir-lhes a riqueza 
cultural dos cultos afro-brasileiros: “[...] E então, me apraz mostrar aos 
moços a multiplicidade de questões que, em si, se agitam. Estes de ordem 
fi lológica, pois temos nunca menos de oito idiomas exóticos, cinco dos 
quais desconhecemos, por completo, o emprego dos verbos”, e continua 
ressaltando aspectos da mitologia e do panteão afro-brasileiro na cultura 
popular, os mais variados aspectos coreográfi cos, a culinária, a escultura, 
as artes etc. Lima reforça seus argumentos científi cos com estatísticas do 
Instituto Nina Rodrigues e diz que: 
Sempre nossas investigações levadas a cabo à luz da psicologia clássica e 
da psicanálise de Freud, dos seus discípulos e dissidentes. Para o mestre 
vienense, haveria, no estado de santo, uma sublimação da sexualidade. Na 
lição de Adler, seria resultante do complexo de inferioridade (receber o santo 
equivaleria a engrandecer-se). Numa interpretação à Jung, teríamos, em jogo, 
o inconsciente atávico. De qualquer maneira, todos sabemos o que é, o que 
signifi ca uma crise, distinguindo as simulações, que os leigos não distinguem, 
os casos psiquiátricos e as reações normais da personalidade.
A reportagem tenta mostrar que existe uma tradição científi ca na 
Bahia, citando nomes importantes da pesquisa passada e atual, os quais 
Clouzot deixa no anonimato. Estácio de Lima identifi ca Clouzot com a 
ingenuidade da visão de um turista na Bahia: 
O turista, aportando em nossa terra, tão cheia de encanto e deslumbramento, 
raramente foge à tentação de assistir a uma representação dos ritos afro-
baianos. Aí, o ambiente esquisito, a música tonitruante e a singularidade das 
práticas religiosas conduzem comumente o espectador primário à crença de 
que é um descobridor de tudo, um Colombo desse bizarro, nunca dantes 
visto ou percorrido por outros [...].
Também o jornal A Tarde publica nesse dia uma carta raivosa e até 
mesmo preconceituosa em relação ao próprio candomblé, de autoria do 
“escritor e historiador” Gustavo Barroso. A carta publicada na íntegra re-
força a característica de “escândalo”, depois da reprodução da reportagem 
da Paris Match por esse mesmo jornal. Barroso chama Clouzot de aven-
tureiro que se “apregoa cineasta”, publicando em uma “revista qualquer”, 
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e com “barato sensacionalismo”, uma reportagem com fotografi a de “ritos 
bárbaros [...] apresentando a Bahia como um simples antro de feitiçaria 
africana”. Segundo Barroso, desculpando os baianos de favorecerem o 
estrangeiro pela sua generosidade, seria da falta de senso, de inteligência 
e de probidade mental de Clouzot unicamente a responsabilidade: “Se ele 
somente foi capaz de apreender aquilo que de mais baixo e aviltante pode 
existir nas camadas inferiores da população, é que a sua alma se mede por 
essa craveira, isso é o que agrada e alimenta a sua mentalidade”. 
A carta reveste-se de uma atitude nacionalista e preconceituosa ao 
aludir os cultoscomo “bárbaros” e situando os cultos afro-brasileiros nas 
camadas “inferiores” da população. Questionando a visão colonialista 
decadente européia, acaba propondo que as revistas nacionais publiquem a 
miséria nas cidades européias para mostrar que também lá existe pobreza: 
“[...] Há um meio excelente de responder a publicações da espécie dessa 
tão comentada na Bahia e aqui. É darmos em troca nas nossas revistas 
as cenas noturnas de miséria física e de miséria moral que se passam por 
todos os cantos nas capitais européias... cá e lá fadas há”. A revista O 
Cruzeiro irá fazê-lo dez anos depois com o caso Flávio. 
A saga da imprensa nacional continua com a divulgação da opinião 
de Édison Carneiro, um dos principais especialistas em religiões afro-
brasileiras. 
O periódico O Jornal, do dia 19 de julho, traz uma reportagem sobre 
a relação de Édison Carneiro com Clouzot, com a seguinte manchete: 
“Sensacionalismo e nada mais a reportagem de Georges Clouzot — Édi-
son Carneiro aponta falsidades”. 
O professor Édison Carneiro redigiu um guia turístico e várias cartas, 
dirigidas a seus amigos baianos, recomendando-lhes o cineasta francês, 
incluindo terreiros famosos da Bahia, com os quais Carneiro tinha re-
lações amistosas e respeitosas. O guia preparado pelo etnólogo baiano 
apontava os verdadeiros pais-de-santo, a situação dos terreiros, condições 
de facilidade para chegar até estes, e a natureza de seus cultos. Carneiro 
foi uma espécie de padrinho e credenciou o passaporte de Clouzot para 
sua incursão na Bahia. 
No livro Les cheval de dieux, logo nas primeiras páginas, Clouzot men-
ciona que ignorava a existência do candomblé até conhecer Édison Car-
neiro, do qual não diz mais nada, nem menciona sua obra, e, segundo 
Carneiro, Clouzot faz citações e traduções de trechos de seu livro Can-
domblés da Bahia, sem referências, e mesmo o glossário, elaborado por 
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Carneiro, é plagiado com uma simples repetição do que já havia no seu 
livro. Carneiro deduz que existe uma fotomontagem nas imagens, na qual 
a mulher de Clouzot, em trajes tradicionais dos ritos, aparece com um 
cachimbo na testa e com a legenda afi rmando que ela teve de se disfarçar 
de fi lha-de-santo para participar das cerimônias. Ao ser indagado sobre 
o livro e a reportagem, Carneiro afi rma:
Sensacionalismo, nada mais. Clouzot fez cinema com as letras. Não se trata 
de um documento etnográfi co, e muito menos extraordinário e intimamente 
a gente dos candomblés, não consegui identifi car muita coisa, tal a maneira 
por que as experiências de Clouzot estão narradas. O pior é a “descoberta” 
do candomblé que Clouzot pretende ter feito. Clouzot nasceu em 1907, 
mas antes disso, em fi ns do século passado, Nina Rodrigues escrevia mais 
profundamente sobre o candomblé e por coincidência em francês, em revistas 
científi cas de Paris; antes de Clouzot ter notícia de que havia candomblés 
em alguma parte do mundo, os livros de Arthur Ramos eram traduzidos 
em inglês, francês, alemão e espanhol [...]. A explicação da “possessão”, que 
Clouzot diz que ninguém lhe soube explicar no Brasil, está em trabalhos de 
Nina Rodrigues e Arthur Ramos. Por aí você vê a importância do documento 
etnográfi co que ele apresenta [...]. 
Credenciando Clouzot na sua incursão baiana, Carneiro generosa-
mente diz que não se arrepende de tal aproximação e favorecimento: 
“Faria isso outra vez, se necessário. O candomblé não é privilégio de 
ninguém, nem me julgo dono do assunto. Creio que todos têm liberdade 
de dizer as bobagens que quiserem [...]”. 
A carta de Alberto Cavalcanti
Alberto Cavalcanti, cineasta brasileiro com um importante histórico 
dentro do cinema internacional, pela sua vivência no exterior, escreveu 
uma carta dirigida a vários jornais que é considerada a primeira manifesta-
ção contrária à reportagem da Paris Match. Publicada na íntegra em vários 
jornais nacionais na época (entre eles a A Folha da Noite, em São Paulo, 
no dia 27 de julho), é também mencionada nas várias reportagens sobre 
o assunto. Na publicação em terras baianas, no jornal Diário de Notícias, 
de 18 de julho, a manchete diz: “Cavalcanti acusa Clouzot: amargura mal 
digerida contra nosso país”. 
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A carta teve até mesmo uma publicação tardia na revista Anhembi9, como uma 
espécie de redenção ao artigo já mencionado anteriormente de exaltação da 
presença do ilustre cineasta francês no Brasil e publicado pela mesma revista 
em abril do mesmo ano. A carta de Cavalcanti é anunciada como parte de 
uma “[...] tremenda onda de protestos em todo o Brasil pela leviandade e 
má fé de Henri-Georges Clouzot, o cineasta francês que há questão de um 
ano esteve no Brasil tentando realizar uma fi ta sobre o país”. 
Alberto Cavalcanti morou na França na década de 20 do século XX, 
onde participou da vanguarda francesa, produzindo, fazendo fi lmes ex-
perimentais e mais convencionais (Rein que les heures, Le train sans yeux). 
Ainda na França integra os estúdios Paramount, na época estruturados 
como uma indústria do cinema. Na Inglaterra, entra para a equipe do 
General Post Offi ce Film Unit, cuja produção revolucionou o documen-
tário social. Com sua intensa experiência no exterior, produzindo e di-
rigindo fi lmes na França e na Inglaterra, imprimia seu nome como o 
mais conhecido diretor de cinema brasileiro no exterior. Entusiasmado 
com as possibilidades da Companhia Cinematográfi ca Vera Cruz, tor-
na-se produtor geral em 1950, depois rompe com os donos da empresa 
e continua dirigindo fi lmes no Brasil. Alberto Cavalcanti tornou-se, na 
época, o único cineasta com reconhecimento e trajetória internacional, 
com mais de 20 fi lmes na França e na Inglaterra. No ano em que assumia 
a produção geral da Vera Cruz, teve um encontro com Clouzot, que pas-
sava pelo Brasil para tentar fazer seu fi lme Brésil, encontro relatado em 
sua carta. A legitimidade de Cavalcanti no cinema credenciava-o a falar 
sobre o cineasta francês, de cineasta para cineasta, e sua carta, transcrita 
a seguir, foi amplamente divulgada pela mídia brasileira:
Procuremos esquecer o senhor Clouzot
Durante a guerra, Clouzot dirigiu um fi lme extraído de uma história de Louis 
Chavance, chamada Le corbeau (A sombra do pavor). Era uma história bastante 
sórdida, que, infelizmente, os americanos acabam de fi lmar outra vez, com o 
título de 13th Letter (Cartas venenosas). 
9 Roger Bastide, “Ainda o caso Clouzot”, Anhembi, no 10, vol. IV. São Paulo, set., 1951.
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Quando eu voltei a Paris, no momento da Libertação como membro do exér-
cito inglês, havia certa desconfi ança a respeito do diretor e do cenarista: os ale mães 
tinham divulgado o seu fi lme como sendo o retrato fi el dos costumes numa aldeia 
francesa. Na excitação do momento, Clouzot e Chavance foram con siderados 
responsáveis por essa propaganda mal intencionada. A acusação era injusta.
Depois passou-se o tempo. O incidente foi esquecido. Clouzot fez muitos 
fi lmes. Todos se lembraram de Quais des Orfevres (Crime em Paris), que é um 
dos meus fi lmes preferidos, e de Manon (Anjo perverso), mais desigual, mas onde 
há momentos admiráveis. 
Clouzot veio ao Brasil e pode-se mesmo dizer que ele quis “fazer o Brasil”. 
Recebi-o em minha casa, em São Bernardo do Campo. Lá, contou-me o ar-
gumento do fi lme que pretendia realizar. Nesse tempo eu era produtor numa 
companhia de São Paulo, o que me possibilitou oferecer-lhe estúdios, técnicos 
e a quantia que eu próprio tinha à minha disposição para os fi lmes que eu então 
produzia e que me pareciam planejados dentro de orçamentos normais. Mas isso 
não interessavaa Henri Clouzot. Ele queria ser o produtor do seu fi lme brasileiro. 
Ele me disse: “Exijo que me paguem soma idêntica à que me foi oferecida por 
Hollywood”; Clouzot foi embora. Ao que parece, o tal oferecimento americano 
não se concretizou. 
Parece que Clouzot diz nos meios cinematográfi cos parisienses que ele fi lmou 
oito mil metros no Brasil e que nossa censura impediu a saída desse material. O 
Dr. Melo Barreto Filho, chefe do Serviço de Censura de Diversões Públicas, nos 
informa que nunca fi lme algum foi vetado antes da exportação e muito menos 
o de Clouzot, que nem sequer foi submetido à censura. Naturalmente, não quis 
exibir a sua incursão no documentário. Mas a censura tem as costas largas!
No “Match”, revista muito popular aqui e conhecida como uma das de maior 
tiragem em todo o mundo, Henri Clouzot publicou uma reportagem sobre sua 
viagem. Esta reportagem chocou o público brasileiro. As fotografi as escolhidas, 
e, coisa curiosa, assinadas por Clouzot, que, todo mundo sabe, não é fotógrafo, 
apresentam um pitoresco de uma violência excessiva. A macumba é apenas um 
pequeno aspecto da verdadeira fi sionomia do Brasil. Se se mostram as práticas de 
magia negra ou branca tão comuns nas aldeias do coração da Inglaterra, isso não 
tem importância. Todo mundo conhece a Inglaterra e todos sabem estabelecer a 
justa proporção dos fatos. Mas mostrar os nossos negros domésticos lambuzados 
de sangue e praticando rituais africanos como a única coisa vista por ele no 
Brasil digna de ser mostrada é uma atitude um tanto esquisita. Por isso, venho 
à presença de “Match”, para botar os pontos nos ii. É preciso explicar as causas 
dessa escolha infeliz. Há no Brasil muita gente como eu que não é “patrioteira” 
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108 IMAGENS DO SAGRADO
e que absolutamente não se importa de que nos mostrem como nós somos. Para 
nós dá no mesmo que os nossos visitantes nos mostrem como eles nos vêem. 
Mas no caso Clouzot isso nos aborrece. 
A nossa sorte é que outros franceses vieram cá antes e depois do sr. Clouzot! 
Vieram o galante Villegagnon, o delicioso Debret e o “nosso” talentoso Taunay; 
como eles, muitos outros nos compreenderam. Jamais os esqueceremos.
Procuremos pois esquecer o sr. Clouzot.
alberto cavalcanti 
�
A reportagem de Odorico Tavares e Pierre Verger
Encontrada em meio dos arquivos de Pierre Verger, uma reportagem 
preparada por Odorido Tavares e indicando fotos de Pierre Verger repro-
duz e sintetiza os vários momentos do caso Clouzot na sua estada baiana, 
a repercussão na mídia e a “posição da Bahia” perante a reportagem da 
Paris Match. A reportagem encontrada datilografada e com correções a 
caneta e contendo ainda alguns erros não foi publicada pela revista O 
Cruzeiro. Segue sua transcrição: 
Resposta da Bahia a Clouzot
Texto de Odorico Tavares — fotos de Pierre Verger
Certa manhã, um amigo nos telefona e diz: “Acaba de chegar o Clou zot com 
a esposa, estão hospedados no Palace Hotel, trazem reco mendações para você”.
Tocamos incontinente para o hotel e lá estava o Diretor de “Manon” já cercado 
de jornalistas e Diretores do Clube de Cinema local. Com seu ar espantadiço 
de bicho acuado, parecia cansado, e sua bela e simpática esposa, Vera Clouzot, 
atendia como podia as pessoas. Tanto quanto possível, queixaram-se ambos 
da falta de cooperação das autoridades, da desistência do fi lme no Rio e que, 
embora tivesse regressado a equipe que trouxera da França, estavam dispostos 
a escrever o cenário de uma película passada na Bahia. Si tudo corresse bem a 
equipe viria meses depois. Mas Clouzot já meio impaciente queria detalhes e 
mais detalhes do candomblé. Estava com o bolso cheio de apresentações de 
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 109
Édison Carneiro e gostaria de tomar contato com mães e pais-de-santo. As 
primeiras providências a respeito fracassaram: Clouzot desejava um candomblé 
no dia que chegara e não era possível, pois candomblé não é espetáculo público 
que se possa improvisar a qualquer momento.
Algumas reuniões sociais, em homenagem ao casal, alguns contatos com 
escritores, durante os quais a obstinação de Clouzot mais se frisava: candomblé, 
candomblé, candomblé. Fora de candomblé, não haverá acordo. Enfarado no 
hotel, mudou-se para um casarão em Rio Vermelho e prosseguiu na sua caçada 
ao candomblé. Este lhe daria margem para o fi lme, acentuava, e na conversa 
sempre girava sobre o mesmo assunto: de todos inquiria e vinha a decepção. 
Por que não se desvendava o “mistério” do candomblé? Queria “ferir de cheio o 
mistério do candomblé”.
Sucede que o candomblé não é diversão, repitamos, e sim cerimônia religio-
sa dos negros baianos. Não tenhamos dúvida que grande parte dos negros da 
Bahia participam dos seus ritos, dentro da maior ordem e do maior respeito. As 
autoridades baianas reconhecem o livre direito de reunião e de liberdade reli-
giosa, não trazem embaraços à religião dos negros da Bahia. Apenas para con-
trole, tem registro dos “terreiros” e das solenidades que se vão ali realizar, em 
determinadas épocas. Clouzot, na sua busca incessante e inquietadora do “mis-
tério” do candomblé, procurou pais e mães-de-santo, foi a diversos terreiros — e 
ele próprio confessa no seu livro “Le Cheval des Dieux”.
Em face de tais propósitos de descobrir o “mistério”, foi recebido com reservas 
naturais em alguns deles, sobretudo naqueles ortodoxos, onde não se pode inter-
ferir à larga, usando o suborno. A própria Tia Massi, do terreiro Engenho Velho, 
recusou delicadamente recebe-lo pela segunda vez. Estava doente e cansada, 
deixasse para outra oportunidade. Mas Clouzot não é homem para desanimar; 
cada vez mais inquieto à procura do mistério que haveria de ser revelado para 
gáudio seu. E um belo dia, soube-se que estava recolhido a um candomblé, 
onde passaria dias, com Vera, assistindo e participando de todas as cerimônias 
de iniciação de fi lhas-de-santo. Dias depois, ressurgia com uma forte gripe, que 
pôs Vera em polvorosa, apavorada com a frágil saúde do marido. 
Não era nada, não haveria recaída para a sua tuberculose curada. Por fi m, 
soube-se que iria dar o regresso de Clouzot, que acabara de escrever um diário 
e o argumento do fi lme. Este teria adiada a sua execução mas seria realizado na 
Bahia. Questão de meses e questão sobretudo de como Getúlio encararia sua 
pessoa. Getúlio permitirá o fi lme? Getúlio eliminará as difi culdades? Não se 
sabia, pois Getúlio ainda não tomara posse. Clouzot se foi, saciado, pois alegara 
ter descoberto o “mistério” do candomblé. Que se aguardasse o seu livro.
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110 IMAGENS DO SAGRADO
Antes do livro porém, chegou à Bahia a reportagem — digamos a sensacio-
nalíssima reportagem — do “Paris Match”, sobre a estada de Clouzot na Bahia. 
E causou lamentável repercussão, sobretudo porque o problema foi pessima-
mente situado. Não se tratava de preconceitos: a Bahia tem orgulho tanto de 
suas igrejas, de sua riqueza artística, de suas casas coloniais, de sua arquitetura 
velha, como de suas feiras, de suas festas populares, de seus brancos e de seus 
pretos. Somos a Cidade mais democrática do Brasil: não há aqui preconceitos, 
nem limitações. Exatamente, o que irritou na reportagem de Clouzot foi o seu 
preconceito de europeu em transformar numa novidade o que é velho de sécu-
los, o candomblé, conforme acentuou, muito bem, o Sr. Édison Carneiro, em 
entrevista aos Diários Associados: “Tudo que Clouzot achou ser a revelação dos 
mistérios está em estudos sérios e realizados por mestres honestos, como Nina 
Rodrigues, Arthur Ramos, Édison Carneiro e um francês tão compreensivo aos 
problemas do negro baiano, Sr. Roger Bastide. De toda a sua estada,no Brasil, 
só se preocupou em fazer sensacionalismo com um detalhe muito limitado da 
vida brasileira, a reportagem de Clouzot faz um mal terrível”.
“E um mal terrível aos candomblés e aos pretos baianos”, diz-nos o Sr. 
Jorge Manuel da Rocha, presidente da Federação de Culto Afro-Brasileiro. 
Trouxe contra nós um sensacionalismo ultrajante e que repelimos com toda 
energia. Além disso, utilizou elemento que desonrou o seu terreiro, deixando-se 
comprar pelo dinheiro miserável de um sensacionalista. Tanto Clouzot como 
este pai-de-santo, que ele acoberta com o nome de Nestor, mas que se chama 
Rufi no, são do mesmo naipe.
A Federação vai tomar as medidas mais rigorosas contra o culpado local, 
já que no que tange ao Sr. Clouzot, está ele recebendo a repulsa dos maiores 
elementos dos mais culturais brasileiros, como o grande cineasta Cavalcanti, 
professor José Valadares, o nosso Édison Carneiro e o professor Roger 
Bastide, francês como ele mas um francês digno de uma grande pátria. Quero 
acentuar que o professor Bastide, que conquistou a nossa confi ança, tem um 
livro e outros estudos onde o negro baiano e suas religiões são analisadas dentro 
do maior respeito, sobretudo dentro daquilo que se chama respeito humano.
Quero dizer aos brasileiros, por intermédio de “O Cruzeiro”, que o candom-
blé pode ser tudo menos a palhaçada que o Sr. Clouzot descreve no seu livro ou 
na sua reportagem. Tudo ele usou e utilizou-se de um homem fraco e que não 
resiste aos dinheiros da traição. Usou, e ele confessa, até chaves falsas. Fracassando 
o seu fi lme, ele desejava levar alguma coisa para suprir suas defi ciências: levou 
a reportagem graças ao conúbio Clouzot-Rufi no, ou melhor, Georges-Nestor... 
Não há nenhum mistério a revelar nos candomblés. Não temos nada a ocultar, 
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 111
nem somos mistifi cadores. A religião afro-brasileira é uma herança de nossos 
antepassados africanos, vem de muitos séculos. É acatada por todos; às nossas 
solenidades freqüentam, convidados ou não, pessoas de mais absoluto respeito: 
visitantes ilustres, gente de todas as classes, como iniciados ou como simples 
curiosos, e jamais se apresentou uma “aventura” como a de Clouzot-Rufi no.
Nos meios intelectuais baianos que conviveram com Clouzot, a repulsa é 
geral: não se justifi cava o seu sensacionalismo, nem tampouco as inverdades 
trazidas no livro. Ele fala que todos os anos, no dia de Iemanjá, é jogado ao mar 
um garanhão preto, de presente à deusa. É falso. Como são falsos e frágeis mui-
tos assuntos e conceitos emitidos, com uma fi rmeza de conhecedor, quando na 
realidade ele apenas estava atrás de um ponto a visar: descobrir à França alguma 
coisa que ele fosse o único a ver, mesmo utilizando os processos mais condenáveis. 
O que ele viu, muitos o viram, a questão é que os demais não sensacionalizaram 
nem deturparam os acontecimentos.
O primeiro protesto contra a reportagem de Clouzot, na Bahia e no Brasil, 
partiu do professor José Valadares, crítico de arte do “Diário de Notícias” e 
Diretor do Museu do Estado, salientando que o que Clouzot desejou foi chamar 
atenção sobre si mesmo e não querer trazer qualquer contribuição honesta para o 
problema do candomblé. O professor Roger Bastide, da Faculdade de Filosofi a 
de São Paulo, visitando mais uma vez a Bahia, disse à imprensa a respeito da 
prioridade invocada por Clouzot, em entrar em recintos reservados.
— Isso não é verdadeiro. Antes dele outros brancos já entraram em tais 
recintos. Basta dizer que nem todos os fetichistas são negros; há gente branca 
entre eles, inclusive uma fi lha de espanhóis. Agora, que tenha sido ele um dos 
primeiros a publicar fotografi as de camarinhas e de algumas cenas mais íntimas 
dos candomblés, não tenho dúvida e devo acrescentar que houve aí espírito sen-
sacionalista, dando-se à publicidade de segredos da religião afro-brasileira.
Além disso, o autor da reportagem não disse, no seu trabalho, como deveria 
fazê-lo, que a Bahia é uma cidade civilizada e progressista, com inúmeras es-
colas e hospitais, cheia de tradições. Dizendo, por outro lado, que um terço da 
população local é de fetichistas, com o que não concordo, deu a impressão aos 
que não conhecem esta terra, de que aqui se vive em completo primitivismo. 
Acho que a civilização africana está bem desenvolvida, mas como a Bahia, pela 
sua expressiva maioria, professa outros costumes, está na civilização que adota-
mos na Europa, escrevi artigos que serão publicados em São Paulo e em Paris, 
protestando contra essas afi rmações do meu patrício.
Também, Édison Carneiro, autoridade no assunto assim se expressou em 
entrevista à imprensa carioca:
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112 IMAGENS DO SAGRADO
— Sensacionalismo, nada mais, Clouzot fez cinema com as letras. Não se 
trata de um documento etnográfi co, e muito menos extraordinário. Eu mesmo, 
que conheço de perto e intimamente a gente dos candomblés, não consegui 
identifi car muita coisa, tal a maneira por que as experiências de Clouzot estão 
narradas. O pior é a descoberta do candomblé que Clouzot pretende ter feito. 
Clouzot nasceu em 1907, mas antes disso, em fi ns do século passado, Nina 
Rodrigues escrevia mais profundamente sobre o candomblé e por coincidência 
em francês, em revistas científi cas de Paris; antes de Clouzot ter notícia de que 
havia candomblés em alguma parte do mundo, os livros de Arthur Ramos 
eram traduzidos em inglês, francês, alemão, espanhol... A explicação de posses-
são, que Clouzot diz que ninguém lhe soube dar no Brasil, está em trabalhos de 
Nina Rodrigues e Arthur Ramos. Por aí você vê a importância do documento 
etnográfi co que ele apresenta...
Alberto Cavalcanti, grande cineasta como Clouzot, externou seu pro-
testo, mostrando que o Brasil não pode ser olhado por um pequeno aspecto de 
sua fi sionomia. Novos protestos vão surgindo, como o do professor Estácio de 
Lima, da Faculdade de medicina da Bahia.
Outra fi gura de importância nos meios dos candomblés baianos adianta-nos: 
“Não são as nossas ‘fi lhas-de-santo’ criaturas miseráveis e doentes, que se deixas-
sem reduzir a frangalhos humanos, degradadas e desequilibradas, como acentua 
o Sr. Clouzot. As nossas mães-de-santo chegam à idade avançada queridas e 
respeitadas por todos, como mães de família, como líderes de nossos ritos. Como 
isso poderia acontecer, si fossem elas miseráveis meninas de que fala o Sr. Clouzot? 
E dizer que haja em nosso meio quem tenha consentido na presença do cineasta 
francês em cerimônias, para que ele nos achincalhasse desta maneira. Pode dizer 
que não é somente a Bahia dos brancos que se revolta com a reportagem e o 
livro de Clouzot. Somos sobretudo, nós, os pretos, ofendidos e ultrajados pela 
sua escrita. Mas não faz mal: sabemos desprezar Clouzot e o seu conivente”.
Pois é assim que se reage na Bahia contra o que escreveu Georges Clouzot, o 
admirável diretor de “Manon” e de “Le Corbeau”. Não há uma voz divergente: 
todos lamentam a sua maneira de apresentar um problema de interesse étnico, 
sociológico e portanto humano. De apresentar um país inteiro que o acolheu 
como um grande artista, através de seus olhos penetrantes e mórbidos. E que os 
franceses não queiram ver o Brasil, através da reportagem e do livro de Clouzot, 
como os alemães tentaram inutilmente mostrar ao mundo, o caráter e os costumes 
da França através de “Le Corbeau”. Erro fatal e inversão de visão.
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 113
Roger Bastide e Henri-Georges Clouzot
O sociólogo francês foi mencionado em quase todas as matérias pu-
blicadas nos jornais, pois, como patrício e envolvido diretamente na pes-
quisa com oscultos afro-brasileiros, era constantemente assediado para 
manifestar-se sobre o caso Clouzot-Paris Match. Suas opiniões de opo-
sição ao conteúdo e à forma de apresentação dos ritos de iniciação na 
revista francesa levaram-me a pesquisar seu clássico livro O candomblé da 
Bahia — Rito nagô. Publicado na sua primeira edição em 1958, imagi-
návamos encontrar alguma referência aos fatos pela viva participação de 
Bastide na onda de protestos da qual fez parte. Nenhuma referência 
havia sido encontrada até então sobre esse assunto em outros trabalhos 
científi cos de etnólogos brasileiros ou estrangeiros. Fazendo uma leitura 
minuciosa no texto do livro de Bastide, encontramos muitas passagens 
sobre o livro de Clouzot Le cheval de dieux, que consta em sua bibliogra-
fi a. Tinha à mão uma edição recente, cujo exemplar fi cou perto de mim 
durante todo o tempo esperando a hora de lançar-me a ele, a hora tinha 
chegado. E para minha surpresa essa nova edição tem vários anexos, 
inclusive um compêndio da sua obra, na qual encontramos dois artigos 
publicados na revista Anhembi. 
O primeiro artigo, “A etnologia e o sensacionalismo ignorante”10, é 
aberto com uma nota explicativa da editoria da revista que lembra sua 
imparcialidade quando defendeu a proposta fílmica de Clouzot e suas 
difi culdades com as autoridades brasileiras, principalmente da alfândega, 
na edição de abril de 1951, já comentadas aqui. A nota diz: 
[...] abrimos espaço às linhas que seguem, a fi m de colocar na sua justa medida 
o intuito sensacionalista de um cineasta, de alto valor na sua especialidade, 
mas de uma lastimável ignorância sociológica. Um homem inteligente como 
Clouzot não cairia nesse erro grosseiro, por ignorância apenas [...]. Temos 
para nós que Clouzot se arriscou a comprometer a sua idoneidade intelec-
tual exclusivamente para exercer uma vingança contra o governo do Brasil 
[...]. Com a mesma imparcialidade contra o gesto desarrazoado de nossas 
autoridades, fazemos agora nossas as palavras serenas e lúcidas do professor 
Roger Bastide, ao qual a cultura brasileira deve inestimáveis serviços.
10 Idem, Anhembi, no 9, vol. III. São Paulo, ago., 1951, pp. 580-3.
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114 IMAGENS DO SAGRADO
Já havia sido publicada a carta de Alberto Cavalcanti na qual ele não 
identifi ca uma ação da censura sobre o trabalho de Clouzot, mas unica-
mente nos parece ter havido problemas com a liberação do equipamen-
to cinematográfi co e na importação de películas virgens, mas, se havia 
problemas para brasileiros, qual a razão de termos facilitação para estran-
geiros? A revista tenta esquivar-se de suas atitudes anteriormente elo-
giosas e exaltadoras da capacidade do diretor francês e de suas futuras 
contribuições à imagem do Brasil no exterior, o que inversamente ocor-
reu, e nada como contar agora com a fala de um contemporâneo com a 
legitimidade de Bastide.
Bastide reafi rma suas opiniões já amplamente públicas de localizar 
no sensacionalismo a razão da matéria, e diz que o artigo não apresenta 
interesses etnográfi cos como também não poderíamos esperar de sua 
obra científi ca uma formatação jornalística, mas irá apontar um “desejo 
sensacionalista duplamente injurioso para os meus amigos de cor e para 
os meus amigos brancos da Bahia, em detrimento da verdade. É o que 
não se pode tolerar”.
Para Bastide, Clouzot caiu na armadilha da escola do cinema italiano 
que pede a participação de não-profi ssionais, na qual uma deformação 
voluntária da realidade cria “uma estilização, seja no sentido de carregar 
as cores, seja no de poetizá-las”. Mas quando um cineasta pretende es-
crever um “documento etnográfi co”, não deve utilizar esses métodos de 
documentação. Bastide diz que Clouzot foi vítima de um “candomblé para 
turista”, e vítima de exploradores que lhe extorquiram quantias razoáveis 
de dinheiro por duas vezes: “Clouzot saiu da aventura ridicularizado, se 
realmente acredita que viu manifestações da religião afro-brasileira”. 
Bastide enumera uma série de questionamentos sobre as informações 
da reportagem. Não aceita, como já havia dito, Clouzot afi rmar-se como 
o primeiro branco a penetrar o espaço sagrado desses ritos. Diz que o 
candomblé não tem preconceito de cor e vários imigrantes fazem parte 
do culto. Cita um suíço francês que é “ministro de Xangô” e, em seguida, 
Pierre Verger, que passou pelo mesmo ritual ao qual Clouzot faz refe-
rência — “dar comida à cabeça” — e, ainda, “contrariamente ao que 
julga Clouzot, nada tem a ver com iniciação propriamente dita”. Mostra 
a ignorância de Clouzot sobre a obra de Nina Rodrigues, que descreve 
essas cerimônias, e o fato de terem sido objeto de artigo de Marcel Mauss. 
Sobre esse tema, faz questão de reafi rmar o desconhecimento de Clouzot 
quando ele comenta não ter encontrado intelectuais no Brasil para ex-
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 115
plicar as possessões em série e a “histeria fantástica”. Bastide diz que tal 
informação cria uma imagem deformadora da ciência brasileira, pois, 
além dos escritos de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, amplamente co-
nhecidos do circuito acadêmico internacional, congressos sobre religiões 
afro-brasileiras já haviam ocorrido em várias capitais brasileiras. Bastide 
cita estudos que mostram que a histeria é uma doença de brancos, não 
sendo encontrada em populações negras, e afi rma que não podemos to-
mar o termo “possessão”, dentro do candomblé, no sentido médico e sim 
sociológico: “[...] o transe místico afro-brasileiro nada tinha de realmen-
te patológico e não constituía uma entidade psiquiátrica”. Bastide ques-
tiona a participação de Clouzot na liminaridade do processo ritualístico, 
pois não se podem tirar conclusões etnográfi cas em terreiros que permi-
tem a entrada de pessoas não iniciadas, pois isso não aconteceria em um 
“verdadeiro candomblé tradicional”, e ele próprio diz que, quando intro-
duzido em uma camarinha, teve o cuidado de não generalizar o que viu. 
Para Bastide, então, Clouzot “Tomou os gestos simbólicos do novo nas-
cimento por manifestações de esquizofrenia e as onomatopéias das fu-
turas iaôs por uma regressão ao estado de infância, quando tudo isso não 
passa do rito sociológico da interdição da fala”.
Ainda sobre as questões médico-psiquiátricas, Bastide diz que Clou-
zot, ao comparar os candomblés com o cerimonial da psicanálise, “[...] 
não compreendeu nem a terapêutica psicanalítica nem a iniciação afri-
cana”. Ao afi rmar que o feiticeiro trata de fi xar e tratar de neuroses que 
se apresentam na possessão de erê (entidade infantil), Clouzot, segundo 
Bastide, confunde-se, pois elas não existiriam no ritual e “porque se trata 
apenas de sublimar a libido, e não de curar o doente”. 
O sociólogo francês reafi rma uma visão de Salvador como uma “cida-
de progressista”, mas que aparenta ser dominada pelos cultos fetichistas 
conforme estatística primária e descontextualizada de Clouzot: “Esses 
algarismos arriscam-se a dar aos estrangeiros uma idéia errônea do que 
se passa na Bahia”. Bastide diz que uma pequena minoria freqüenta os 
terreiros, que, apesar de um grande número de templos, “não têm mais 
do que uma dúzia de adeptos”. E refuta a carga de fanatismo dos cultos 
conforme texto de Clouzot.
Identifi ca um erro etnográfi co no texto sobre o sacrifício de “um ga-
ranhão negro para que Iemanjá, deusa do oceano, possa cavalgar agrada-
velmente pelo seu reino submarino”, pois, segundo Bastide, trata-se de 
um acontecimento histórico e singular do universo imaginário da cul tura 
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116 IMAGENS DO SAGRADO
popular, e, se acontecia no passado, as festas de Iemanjá não comportam 
mais sacrifícios de animais. Bastide identifi ca o mesmo erro em várias 
outras descrições dessas cerimônias,somente algumas imagens suas tinham sido 
publicadas até então, fora as publicações da revista O Cruzeiro, também 
de difícil acesso. O que me atraiu de imediato no conjunto de 60 foto-
grafi as foi o olhar inserido na complexidade do ritual e a forma como 
o fotógrafo realizou as imagens, com proximidade e consentimento. A 
objetividade no enquadramento com contextualização dos momentos 
importantes do ritual condensa, principalmente, os detalhes sobre o 
corpo como suporte ritualístico. Desde o primeiro instante em que meu 
olhar percorreu o conjunto das imagens, identifi quei-as como uma docu-
mentação original e de forte valor etnográfi co. O texto jornalístico que 
acompanha as imagens não compromete pelo seu caráter meramente 
descritivo, com detalhamento para ações, cantos, nomeação de objetos, 
e certa dramaticidade narrativa do evento. O texto e as legendas não 
identifi cam o local e as pessoas fotografadas, somente havia a indicação 
da cidade de Salvador, Bahia. Pensei ingenuamente tratar-se de uma 
forma de preservação das pessoas que se deixaram fotografar, mas fui 
percebendo, conforme a pesquisa se desenvolvia, que tenha sido talvez 
um caso de simples omissão.
Instigado então pelas imagens que fi cariam retidas na minha memória, 
encontrei-me com o fotógrafo José Medeiros em seu apartamento no 
Rio de Janeiro, em 1988. Ele me concedeu, na ocasião, uma entrevista 
na qual relatou os fatos aqui apresentados. Eu tinha interesse específi co 
em saber a motivação da reportagem, sua inserção no meio religioso, 
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 INTRODUÇÃO 19
as relações que propiciaram a feitura das imagens, as conseqüências da 
publicação e outras informações que ele tivesse sobre o assunto. José 
Medeiros, amável e simpático, foi solícito e conversamos por duas horas. 
Na conversa, indicou-me caminhos importantes com informações que 
somente ele podia fornecer-me naquele momento. Disse ele que em 
1951, sentindo-se importunado e incomodado em decorrência das ima-
gens sobre candomblé publicadas por um estrangeiro, resolveu fazer uma 
reportagem mostrando os aspectos inacessíveis ao olhar leigo dos rituais 
de iniciação dessa religião afro-brasileira. Segundo ele, a reportagem es-
trangeira não mostrava o “verdadeiro candomblé”. Como era costume no 
processo de decisão de pauta na revista O Cruzeiro, os fotógrafos tinham 
autonomia para propor e conduzir uma reportagem. Os enfrentamentos 
com revistas estrangeiras eram um ponto importante de afi rmação para 
O Cruzeiro como produto de um jornalismo autêntico e nacional. O caso 
Flávio publicado na revista Life é um deles. Medeiros partiu então com 
o jornalista Arlindo Silva para a Bahia para tentar uma documentação 
original dos rituais secretos do candomblé. A difi culdade de aproximação 
nos terreiros tradicionais levou-os a procurar alternativas, e um guia in-
dicou-lhes uma casa não-tradicional onde três iaôs1 estavam em reclusão 
e em processo de iniciação. 
Medeiros relatou-nos que teve uma experiência desagradável quando 
freqüentava os terreiros tradicionais tentando as primeiras aproximações 
com o intuito de fotografar, e logo em um deles, mesmo sem portar o 
equipamento fotográfi co, foi questionado por uma mãe-de-santo em 
transe, que se dirigiu diretamente a ele e falou: “Você veio aqui para 
fotografar, mas não vai não!”. Medeiros contou-nos essa passagem com 
um ar de espanto místico, mas, como um fotojornalista exemplar, refl etiu 
internamente e decidiu que não iria desistir de mostrar o “verdadeiro 
candomblé” e voltar para a redação sem o material prometido. Assim, 
mesmo fora dos terreiros tradicionais já se sabia de seus objetivos, afi nal, 
a chegada de um fotógrafo e de um jornalista da revista O Cruzeiro era 
assunto em qualquer cidade na época. No depoimento mais informativo 
de sua vida, Medeiros fala sobre sua sensação de ser um fotógrafo da 
revista O Cruzeiro: “Um fotógrafo da revista era tão famoso quanto é 
1 Termo que designa as pessoas que estão em processo de iniciação no candomblé.
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20 IMAGENS DO SAGRADO
hoje um galã da Globo, cheguei a dar autógrafos na rua. O pessoal fi cava 
vidrado pelo fato de o cara ser d’O Cruzeiro”.2
Assim, ele encontrou um guia que o conduziu a um terreiro na peri-
feria, no qual estariam sendo iniciadas as três iaôs: o Terreiro de Oxóssi, 
da mãe-de-santo Mãe Riso da Plataforma. Na conversa com Medeiros, 
pela primeira vez ouvi o nome da mãe-de-santo que se deixou fotografar, 
um dado importante para a pesquisa de campo realizada em 2002, pois 
pude ir diretamente para o local, o Bairro da Plataforma, em Salvador, e 
encontrar as memórias vivas dos acontecimentos nas pessoas que tiveram 
alguma relação com o evento ou que foram fotografadas por Medeiros. 
Somente no fi nal da pesquisa, por meio de conversas com Arlindo Silva, 
tivemos a informação de como chegaram até o terreiro de Mãe Riso. O 
também fotógrafo Gervásio Batista apresentou-os a um motorista de 
táxi, chamado de Sessenta, que era freqüentador da casa de Riso e sabia 
da reclusão de três iaôs, e, por intermédio de Sessenta, chegaram até o 
Bairro da Ilha Amarela onde fi cava o terreiro. Localizado no subúrbio 
ferroviário, o local era ainda zona rural com poucas casas e um trajeto 
muito longo e difícil, passando pela Ribeira e pela Plataforma, muito 
distante do centro de Salvador.
Contou-nos Medeiros que “pagou” a mãe-de-santo para fotografar 
as três iaôs dentro de sua reclusão, as etapas do ritual de iniciação e a 
festa de saída. Com a carga mística envolvendo sua fala e o fato de estar 
documentando procedimentos ritualísticos não veiculados pela mídia 
brasileira até então, falou-nos com forte ar de mistério que ainda teve 
problemas com seu equipamento, pois o cabo de sincronismo do fl ash 
rompeu-se. Como o ambiente era muito escuro, fez as fotos com sua 
Rolleifl ex usando B no anel do obturador.3 Assim, acionando e segurando 
o disparador na posição B, disparou a luz do fl ash e imprimiu imagens 
com ótima qualidade tonal no material fotossensível, demonstrando sua 
capacidade técnica de trabalhar em condições adversas. 
A reportagem resultante foi publicada no dia 15 de novembro de 1951 
na revista O Cruzeiro com o título “As noivas dos deuses sanguinários”, 
contendo 38 fotografi as. Algumas dessas fotografi as de Medeiros, poucas 
2 Depoimento no catálogo da exposição José Medeiros — 50 anos de fotografi a. Rio de Janeiro: 
Funarte, 1986, p. 15.
3 Dispositivo que permite sensibilizar a película por quanto tempo desejar o fotógrafo: enquanto 
estiver apertando o botão disparador, o fi lme está sendo exposto à luz.
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 INTRODUÇÃO 21
e raras, foram publicadas depois da reportagem e do livro, e foram sendo 
citadas em catálogos e artigos nos anos subseqüentes com erros de datas 
e falsas informações, mas sempre de uma forma ufanista sobre a impor-
tância desse material fotográfi co na história do jornalismo brasileiro, e de 
modo superfi cial, pois, quando citado, nunca veio acompanhado de uma 
análise mais profunda, nem ao menos se discutiu o próprio campo ético 
do jornalismo, propício nesse caso. Accioly Netto, diretor de redação da 
revista por mais de 40 anos, deixou uma série de escritos memorialistas 
dos fatos, dos personagens e dos profi ssionais com quem conviveu e que 
seu fi lho fez publicar no livro O Império de Papel — Os bastidores de O 
Cruzeiro. Accioly Netto, mesmo estando próximo de José Medeiros, 
cometeu o erro grave de indicar o tradicional Terreiro do Gantois como 
o local de origem das fotos e acentua as difi culdades da reportagem, 
aumentando assim a mística em torno dela. Diz ele:
A atração pelo mistério levou José Medeiros também aos terreiros de can-
dombléque exageram na dramaticidade e 
esquecem o elemento estético para encontrar explicações psicologizantes 
na histeria, na hipnose etc. Erros que já foram formalizados em seus 
escritos e de Herskovits. Sobre a embriaguez e o uso de álcool, Bastide 
diz que essa ação é regulada e fi scalizada pela própria sociedade religio-
sa e “não apresenta nada de comum com a loucura estática, ou o paroxis-
mo assustador”.
Sobre a descrição do rito “dar comida à cabeça”, embora Bastide en-
contre elementos reais na narração, aparenta, segundo ele, “uma deforma-
ção turística” do ritual, e o que chama sua atenção é a ênfase na “náusea” 
de Clouzot, “pois desnatura totalmente uma das coisas mais belas do 
mundo”. Colocado dessa maneira, como “ritos sangrentos herdados da 
idade da pedra”, não encontraremos um etnógrafo a aceitar os valores 
da reportagem. Nesse sentido, Bastide ainda aprofunda a ignorância de 
Clouzot ao contextualizar as origens desses rituais em civilizações muito 
adiantadas como “a da Nigéria e do Dahomey, com fortes infl uências 
egípcias e sem dúvida asiáticas”. 
A falsa imagem do “verdadeiro candomblé” criada por Clouzot poderia 
ser exposta também se escrevêssemos uma reportagem sensacionalista 
sobre o catolicismo, diz Bastide no fi nal do artigo, e ele se prontifi ca a 
fazê-lo para a Paris Match, comentando um fi lme de Giraudoux, Anjo 
perdido, sobre a honra da Igreja Católica. É mais uma provocação do 
que uma verdadeira proposta, e, alterando o ponto de vista e a ordem 
dos fatores, pergunta se um negro assistindo a essa película não poderia 
escrever uma reportagem tão sensacionalista como a de Clouzot. Bastide 
invoca os franceses a admirar a beleza litúrgica desse culto, pois lá “[...] 
encontrarão um culto respeitoso, sincero, sem nada de histérico [...] mas 
que tenham cuidado para não introduzir nele o seu erotismo ou o seu 
sadismo pessoal: todos os elementos patológicos que se infi ltraram em 
certas seitas, foram levados pela imaginação mórbida e pelos preconceitos 
dos brancos”, termina. 
Bastide, do alto de sua legitimidade acadêmica e de sua cumplicidade 
com os cultos afro-brasileiros, disseca a reportagem da revista Paris Match 
como nenhum outro intelectual, jornalista ou cineasta havia feito, e co-
loca Clouzot no plano de sua total ignorância e arrogância colonizadora. 
Dessa forma, distingue-se deste e caracteriza-o como um aventureiro, 
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 117
pela inoportuna matéria sem relevância etnográfi ca, afundando-o no 
esquecimento, como queria Alberto Cavalcanti. Bastide aparentemente 
joga a última pá de terra na sepultura de um “Clouzot etnógrafo”. 
A redenção de Clouzot?
O mesmo Bastide que desconstrói a farsa da Paris Match faz ressurgir 
das cinzas a passagem de Clouzot pelo Brasil. Apenas um mês depois de 
publicar o artigo que coloca o cineasta francês no banco dos réus e como 
um advogado sagaz o incrimina, escreve outro artigo na mesma revista 
Anhembi11, com essas primeiras palavras: 
Tendo sido, segundo me parece, o primeiro a protestar contra a reportagem 
de “Match”, sinto-me na obrigação de ser o primeiro a reconhecer que o 
livro de Clouzot, “Le cheval de dieux”, é infi nitamente superior à reportagem 
sensacionalista que dele tiraram para fazer publicidade. A maioria das críticas 
que formulei caem por terra, e em particular a mais grave de todas, sobre a 
cerimônia de “dar de comer à cabeça”, pois as fotografi as incluíam apenas a 
iniciação e o “bori” desse rito especial, e não o rito dos não-iniciados.
O artigo em questão muda o clima de denúncia anterior e encon-
tra um Clouzot que permite o diálogo etnográfi co. Entretanto, mesmo 
identifi cando caminhos possíveis de uma grande obra no livro, quando 
Clouzot indica em suas lembranças ginasianas os estudos do politeísmo 
grego e seus ritos, e Bastide vê esses estudos como porta de entrada para 
a compreensão dos ritos de iniciação, diz que ele confundiu arcaico com 
primitivo, e primitivo com selvagem, e por um “deleite sombrio” encontra 
em toda parte “o sujo, o repugnante, o bárbaro”. E diz:
No fundo, eu não estava errado atacando-o através da “Match”, pois o ci-
neasta, que realizou as suas mais belas películas justamente pela pintura da 
feiúra e do nauseabundo, prejudicou o etnógrafo. Clouzot viu tudo através 
da sua sensibilidade masoquista ou sádica, de modo que, entre a sua pintura 
dos candomblés e a realidade, vai a mesma distância que entre a vida real de 
11 Idem, “O caso Clouzot e ‘Le cheval de dieux’”, Anhembi, no 10, vol. IV. São Paulo, set., 1951, 
pp. 188-90.
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118 IMAGENS DO SAGRADO
uma cidadezinha francesa e a película “Le Corbeau”. “Le Cheval des Dieux” 
deve ser considerado uma obra da “série negra” e não uma visão exata do 
mundo dos deuses.
A náusea e a repugnância em Clouzot estão ligadas a sua concepção 
do sangue nos ritos religiosos, impedindo-o de compreender o sangue 
místico no candomblé, o que até mesmo um cristão pode compreender, 
diz Bastide. 
Como muitos afoitos e iniciantes na observação dos cultos, Clouzot 
procurava o segredo imediato, alcançável e visível, mas, ao fotografar 
segredos, “o mistério permanece inteiro, pois o mistério é espiritual”, 
afi rma Bastide, e mesmo comprando um babalorixá “sacrílego” para fazer 
fotos proibidas “[...] ou entrar com chaves falsas nos santuários vedados, 
tudo o que se poderá encontrar serão fragmentos de segredos, mas nada 
se descobrirá, pois ter-se-á deixado de lado o fundamento, a explicação 
do segredo: o mistério, no sentido que Gabriel Marcel dá à palavra, e que 
vale tanto para o candomblé como para o cristianismo”. 
Clouzot diz em seu livro que assistiu à cerimônia dos eguns, ou à 
materialização dos mortos, e em uma passagem faz pilhéria, dizendo que 
o morto se esqueceu de tirar o relógio do pulso. Bastide, também escar-
necendo, pergunta: “Clouzot julgará realmente que os negros da Bahia 
são tão bobos que não sabem que o papel do morto é representado por 
um homem?”. Ao entrar na Casa dos Mortos e não encontrar o segredo, 
Clouzot espera, de uma forma racionalista, encontrar traços visíveis e 
palpáveis de uma concretude inexistente, que haveria somente na relação 
indelével do sagrado com o profano, do natural com o sobrenatural, e para 
isso necessitaria aceitar a “categoria do sagrado”, como o faz a sociologia, 
diz Bastide, “A Casa dos Mortos é secreta porque é o lugar dos mistérios. 
Mas o mistério é invisível”. 
A prática desastrosa de Clouzot é identifi cada como o principal ele-
mento de um clima de falta de confi ança em relação à mídia e aos pes-
quisadores que se instalou no meio do candomblé baiano, relação de 
confi ança e Bastide sente falta da paciência de um etnógrafo em Clouzot, 
pois ele poderia ter acrescentado novas informações dos boris, mas como 
ele não era um etnógrafo,“[...] por três ou quatro fotografi as sensacionais, 
tornou impossível qualquer pesquisa científi ca durante alguns anos. Digo, 
pois, que o preço foi muito caro. Caro demais para a Ciência”. 
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 119
Ao levantar uma possível pergunta sobre o seu próprio julgamento do 
livro de Clouzot, Bastide aponta para um método condenável e pouco 
moral. Sobre a veracidade das informações, aponta o mesmo erro de Clou-
zot, aludido em seu outro artigo, de confundir o símbolo com a realidade 
quando ele se colocava em busca do segredo, pois “a iniciação não nos dá 
a chave da vida mística”, completa. Assim, mesmo considerando que não 
há erros graves em seu conjunto, a imagem construída do candomblé por 
Clouzot permanece falsa, por procurar sempre “o grotesco, o nauseabun-
do, o ridículo [...] assim, desaparece o que há de lírico, de místico, e de 
filosófi co nessa religião, essa busca ardente do divino, essa participação 
poética com as forças da natureza, essa fi delidade comovente com a África 
ancestral [...]”. Clouzot carece de simpatia humana, fi naliza Bastide, como 
se novamente indicasse que devíamos esquecê-lo. 
Clouzot, de volta das cinzas
Logo na Introdução do livro Candomblé da Bahia — Rito nagô, de 
1958, Bastide chama uma primeira nota na qual completa informação 
sobre a bibliografi a comentada sobre o candomblé, reafi rma algumas 
colocações de seus artigos na revista Anhembi sobre Clouzot e faz uma 
comparação entre os procedimentos utilizados por ele e os adotados por 
Pierre Verger. Diz Bastide: 
Já citamos as publicações feitas em francês por Nina Rodrigues e pelo padre 
Brazil. Também nessa língua, acrescentemos às obras precedentes a do cine-
asta Clouzot, Le Cheval de Dieux (Paris, 1951), e o álbum Dieux d’Afrique 
(Paris, 1955), de Pierre Verger, composto de fotografi as comentadas. Embora 
o livro de Clouzot não seja o de um etnógrafo, não contém erros muito 
graves; pode até ser útil, fazendo-nos assistir à vida de alguns candomblés 
e, desse ponto de vista, ocupa em nossa literatura lugar análogo ao livro de 
Ruth Landes, A Cidade das Mulheres. Infelizmente, Clouzot nada compreen-
deu da mentalidade do negro baiano e apresenta uma noção engraçada do 
“segredo”, que o faz desviar para falsas pistas, impedindo-o de ver o que há 
de mais importante no culto. A leitura do livro revela todo o mal que a lite-
ratura sádica, pode trazer à pesquisa científi ca. Pierre Verger, ao contrário, é 
o homem que mais bem conhece atualmente os candomblés, pois não só é 
membro como ocupa neles posição ofi cial; sem dúvida, por isso mesmo está, 
por sua vez, ligado pela lei do segredo e nunca poderá contar tudo que sabe; 
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120 IMAGENS DO SAGRADO
mas esperamos muito de seus conhecimentos, e particularmente a obra que 
está agora preparando [...]. (Bastide, 2001, p. 267)
Em outra passagem, logo à frente, sobre a cerimônia chamada bori, 
ou “dar de comer à cabeça”, Bastide alude à existência de alguns detalhes 
dessa cerimônia encontrados na “reportagem” de Clouzot (Bastide, 2001, 
p. 42). Note-se que Bastide usa o termo “reportagem”, mas a matéria 
publicada na revista Paris Match não é citada em momento algum do 
livro, e Bastide refere-se sempre ao livro de Clouzot nas suas notas e na 
sua bibliografi a. O detalhe que Bastide vai buscar em Clouzot aparece 
na forma de nota, e explica o efum em um texto descritivo, mas Bastide 
acentua: “Clouzot só se interessa pelos elementos dramáticos; mas se 
nossa interpretação sociológica for exata, são ao contrário os elementos 
simbólicos os mais importantes. Para nós, o efum individualiza a posses-
são” (Bastide, 2001, p. 270, grifos do autor).
Clouzot aparece de forma mais incisiva no livro de Bastide quando o 
assunto é a iniciação. Bastide resume a passagem de Clouzot quando este 
indaga sobre a alta incidência de doentes histéricos na Bahia, indicando 
uma relação entre a possessão e a crise histérica (assunto já tratado por 
ele em artigo na revista Anhembi). Para Clouzot, então, a administração 
de ervas especiais para as iaôs funcionaria como drogas para colocá-las 
em uma espécie de estado de atordoamento, mas sob uma dominação 
hipnótica, em um estado de desagregação mental, criando uma associa-
ção da música com o transe e um conseqüente sugestionamento, que 
ainda vai continuar também na passagem para o estado de vigília. Não 
da mesma forma veemente, por meio da qual refuta essa justifi cativa de 
Clouzot, Bastide diz agora que a atitude é mais fl exível “[...] pois leva 
em consideração ainda o fato de certas candidatas serem possuídas por 
um santo bruto antes de terem sofrido as provas iniciáticas” (Bastide, 
2001, p. 46).
Nesse sentido, uma passagem de Clouzot é citada para aludir uma 
questão refutada anteriormente por Bastide sobre o “tratamento de neu-
roses”. Mais fl exível também nos parece Bastide nesse momento, mesmo 
questionando a argumentação de Clouzot de reconhecer a iniciação como 
um fator de controle dessas crises, mas sem destruir o indivíduo, tornan-
do-o sugestionável: “No entanto, encara ainda o controle por meio da 
medicina psiquiátrica. Dever-se-á encarar necessariamente as centenas 
de fi lhas e fi lhos-de-santo que vivem na Bahia como outros tantos epi-
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 CLOUZOT NO BRASIL, O CASO PARIS MATCH 121
lépticos, histéricos, paranóicos — numa palavra, neuróticos —, embora 
nosso autor pareça de início rejeitar essa hipótese?”. Bastide retoma aqui 
quase literalmente seu texto publicado na revista Anhembi, o qual não 
é citado em suas notas nem na sua bibliografi a. E continua dentro da 
mesma perspectiva: 
Mas o transe de possessão tem caráter antes sociológico do que patológico; 
como Herskovits observa com muita razão, não devemos esquecer que esse 
transe é um fenômeno ‘normal’ para certas civilizações como as da África 
negra, imposto pelo meio e constituindo uma espécie de adaptação social a 
certos ideais coletivos.
A pergunta que fi ca é: Por que razão não incluir o texto no qual ele 
próprio já tinha dessa forma argüido anteriormente? Independentemen-
te de seus motivos, o que nos interessa é a volta de Clouzot como um 
autor questionável em seus pontos de vista, mas agora passível de certa 
fl exibilidade. 
Em alguns outros momentos menos importantes do livro, Clouzot 
é lembrado, como na passagem em que Bastide relata um processo de 
sucessão em um terreiro tradicional de Salvador e a disputa que se es-
tabeleceu com a morte da ialorixá, cujo protetor era Xangô. Durante os 
sete anos regulares que se esperava para que a sociedade dos eguns da 
ilha de Itaparica invocasse a alma da mãe-de-santo, a fi lha-de-santo mais 
velha de terreiro fi cou encarregada de cuidar da casa religiosa, mas como 
era fi lha de Oxum, aconteceram confl itos até mesmo no plano místico 
com os seguidores de Xangô, e Bastide diz: “Clouzot, aliás, que estava na 
Bahia nessa época, faz a isso uma rápida alusão” (Bastide, 2001, p. 246). 
Qual a importância de novamente citar Clouzot se suas observações não 
são relevantes? As cinzas de Clouzot são constantemente reavivadas por 
Bastide, legitimando sua passagem pelo Brasil. Assim, Clouzot não foi 
esquecido como tanto queria Alberto Cavalcanti. 
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 123
O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS
De Leão Gondim para José Medeiros1
Anexo reportagem de Clouzot, se é que você 
não a conhece, para inspiração. O “furo” é de 
doer, caramba!
Endereço — Av. Copacabana 1386 – AP. 701
Rio, 2 de agosto
Caro Medeiros
Acabo de receber a reportagem das baleias — mandei fazer logo as provas 
pequenas e pelo que pude olhar no laboratório está bôa. Poderia estar magnífi ca 
se houvesse por aí uma teleobjetiva para focar cenas longínquas como as do har-
poamento. Estou providenciando para que em breves dias “O Cruzeiro” possúa 
equipamentos especiais de fotografi a para todas as emergencias.
Soube que você andou meio mal dos pulmões com qualquer cousa parecida 
com peneumonia (o molestia do sono?) mas acredito que já esteja bom. O motivo 
desta carta, como se pode prever, não é de saudades de tão insignifi cantes crea-
turas que vocês são, mas outro. Um motivo que deve ficar absolutamente 
secreto.
Como você sabe aquela reportagem de Paris-Match sobre os “Pocessos da 
Bahia” deixou nosso chefe com absoluta e gravissima dor de côrno — princi-
palmente porque sabe e viu que Verger possue fotografi as tão sensacionais ou 
mais sensacionais do que as do cineásta francez.Verger esteve aqui no Rio e foi 
convenientementecantado para ver se nos cedia tal material — fez promessas 
vagas e agóra manda dizer que “em hipótese nenhuma os publicará agora”. Ora, 
1 Correspondência reproduzida com a grafi a da época e os grifos originais.
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meu caro Medeiros, se um francez chamado Verger conseguiu fotografar os 
ritos secretos da Macumba, e quando outro francez chamado Clouzot conseguiu 
também o mesmo, porque raios que os partam um fotografo brasileiro não poderá 
fazer o mesmo? Estaremos tão avacalhados assim? Somos tão cretinos assim que 
nos deixemos vencer em nossa própria terra por dois gringos?
O que há é o seguinte: o nosso chefe acredita que José Medeiros será o 
unico fotografo brasileiro capaz de realizar uma façanha semelhan-
te — eu quasi que participo da mesma opinião, muito embóra os rapazes cá de 
casa digam que também eles poderiam fazer o mesmo... Muito bem, você 
será capaz de nos trazer uma reportagem ao menos semelhante ao de Clouzot? 
Bem sei que agóra a cousa está mais difícil depois do escandalo de Paris-Match. 
Mas nada existe de impossível quando há dinheiro para gastar, e vocês estão 
autorizados a gastar o que for necessário para conseguir o que queremos. Para 
lavar nossa cara tão duramente atingida pela reportagem de Clouzot 
(“nossa cara” quer dizer, nossa honra de revista que realisa as melhores reporta-
gens do Brasil) Você é capaz negroide amigo? Pois então mãos á obra para 
construir o maior cartaz da reportagem brasileira. Veja se Arlindo o auxilia, se 
esse paulista peçonhento e prosa p’ra xuxú sabe fazer alguma cousa a não ser 
descobrir tramas comunistas inexistentes...
Importantissimo — Desse plano ninguém deve saber, principalmente Ver-
ger e inclusive nosso amigo querido Odorico Tavares, que está com escrupulos de 
abordar o assunto, de acordo com razões que possue e que respeitamos. Trabalhe 
na moita, dizendo que quer fazer cousas diversas, documentação pessoal sobre 
qualquer assunto, mas nunca que está procurando material para bater 
Clouzot. Combinado?
Escreva com notícias. É preferível que para mim para que a carta não se perca 
na Redação. Mandaremos o que vocês necessitarem. Lembranças ao Arlindo a 
quem (aqui entre nós) muito admiro e estimo e abrace o amigo (não sei porque, 
mas amigo) e chefe mirim.
leão gondim (chefe da Revista “O Cruzeiro”)
�
As informações dessa carta enviada por Leão Gondim para José Me-
deiros, quando ele e Arlindo Silva ainda estavam na Paraíba fazendo uma 
reportagem sobre a pesca da baleia em Cabedelo, são elucidativas de todo 
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 125
o processo de tomada de decisão para a realização da pauta que resultou 
na reportagem “As noivas dos deuses sanguinários”. Datada do dia 2 de 
agosto de 1951, a carta foi endereçada diretamente a José Medeiros. 
A visão negativa sobre a presença de jornalistas no meio religioso 
do candomblé depois de um mês de julho intenso de críticas públicas 
à reportagem da Paris Match irão dar o tom da carta de Leão Gondim 
para José Medeiros. A deturpação dos fundamentos e uma visão precon-
ceituosa por meio de um texto infeliz e de imagens sensacionalistas do 
“segredo” do candomblé colocaram a comunidade religiosa, pelo menos os 
terreiros tradicionais, em estado de desconfi ança, como acentuou Roger 
Bastide. Alguns dados merecem comentários e análises. O tratamento 
dado na carta é de extrema intimidade com José Medeiros e coloca-o em 
uma situação de desafi o profi ssional, ou seja, demonstra que o interesse 
principal da revista é conseguir um conjunto de fotografi as com cunho 
documental e jornalístico. Ao colocar o jornalista de texto em segundo 
plano, valoriza-se a fotografi a como principal elemento de comunicação 
pretendida. 
Logo no cabeçalho da carta, Leão Gondim diz que manda anexa a 
reportagem publicada na Paris Match para que Medeiros se inspire, e a 
importunação aparece de imediato com a frase: “O ‘furo’ é de doer, ca-
ramba!”. Instaura-se assim o teor corrente que terá a carta, o fato de um 
estrangeiro abordar uma temática nunca explorada pela mídia nacional: 
os segredos do candomblé. 
No tratamento próximo, perguntando sobre a saúde de Medeiros, Leão 
Gondim diz que escreve não de saudades de “insignifi cantes criaturas”, 
mas enfatiza em letras maiúsculas: “um motivo que deve permanecer em 
segredo absoluto”. 
Cita que “nosso caro chefe”, no caso Fred Chateaubriand, fi cou com 
“absoluta e gravíssima dor de corno”, principalmente por ele saber da 
existência de documentação fotográfi ca realizada por Pierre Verger fo-
calizando o ritual secreto de iniciação, e por Verger ter-se recusado a 
publicá-la, sendo no início ambíguo quando de uma estada sua no Rio 
de Janeiro, e enviando depois uma mensagem na qual declara que “em 
hipótese alguma as publicará agora”.
A posição ética de Pierre Verger, como um cúmplice do candomblé, 
coloca-o dentro da esfera da lei do segredo e, portanto, do invisível, ou da 
preservação imagética desse universo. Dado o contexto, Chateaubriand 
parte para o desafi o com Medeiros, colocando-o como único fotógrafo 
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126 IMAGENS DO SAGRADO
brasileiro a poder fazer frente aos “dois gringos” que conseguiram ima-
gens dos rituais sagrados e ele ainda pergunta: “Será que estamos tão 
avacalhados assim?”. 
Colocado o desafi o e a pauta sendo articulada na cúpula da revista 
O Cruzeiro, e não como inicialmente pensávamos, como uma pauta do 
próprio Medeiros, Leão Gondim reconhece que depois da Paris Match se 
tornaria difícil entrar novamente em um terreiro para realizar reportagem 
semelhante: “Mas nada existe de impossível quando há dinheiro para gas-
tar e vocês estão autorizados a gastar o que for necessário para conseguir 
o que queremos”. O Cruzeiro coloca-se no mesmo plano de Clouzot, que 
tinha também muito dinheiro para gastar e o fez pagando uma alta soma 
para o tal Nestor, conhecido como Pai Rufi no. Leão Gondim coloca para 
Medeiros, dessa maneira, além do desafi o pessoal de um fotógrafo em 
relação a dois estrangeiros, a própria “honra” da revista O Cruzeiro, para 
“lavar a cara” da “revista que realiza as melhores reportagens do Brasil”. 
E pergunta em desafi o direto: “Você é capaz, negróide amigo”? Arlindo 
Silva, “paulista peçonhento e prosa p’ra xuxu”, é indicado como acompa-
nhante de Medeiros, reforçando o caráter imagético da pauta. 
A última frase coloca novamente a importantíssima missão secreta 
dos dois, pois pede que não falem nem com Pierre Verger, nem com 
Odorico Tavares (chefe da sucursal da revista em Salvador). Ou seja, 
orienta que digam mentiras para os dois, que não aceitariam uma outra 
reportagem semelhante à de Clouzot, principalmente publicada por uma 
revista brasileira. “Não diga nada para ninguém”, “trabalhe na moita”, diz 
Leão Gondim. E ainda sugere a Medeiros que não mencione Clouzot em 
suas conversas para não levantar suspeitas que difi cultariam o trabalho. 
A decisão de uma pauta secreta, e a carta endereçada para Medeiros 
que nem mesmo foi mencionada por ele a seu companheiro de trabalho, 
Arlindo Silva, coloca essa reportagem no âmbito de uma “missão secreta” 
redentora da importância da revista O Cruzeiro com as temáticas nacio-
nais. Podemos imaginar a surpresa da intelectualidade baiana e brasileira 
que se movimentou armada em críticas abertas em relação à reportagem 
da Paris Match. Pouco se escreveu sobre a reportagem, e todos silenciaram 
em uníssono, temendo talvez a força da revista e de seu dono. Talvez se 
sentindo, alguns, magoados com a forma de conduzir a reportagem, mas 
parece que todos se sentiram redimidos, menos, é claro, a parte mais fraca 
do elo que se formou desde a publicação da Paris Match, a mãe-de-santo 
Riso daPlataforma, para a qual toda a ira local foi deslocada. 
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 127
O embate da revista O Cruzeiro com a imprensa internacional sobre 
temas brasileiros tomou uma dimensão de farsa no repique que a dire-
ção da revista quis fazer sobre uma reportagem publicada nos EUA em 
1961. A história do menino Flávio da Silva foi publicada na revista Life 
no dia 16 de junho de 1961. Gordon Parks, em viagem ao Brasil para 
fazer uma reportagem sobre favelas no Rio de Janeiro, encontrou Flávio 
no barraco de sua família com graves problemas de saúde. A foto que 
mostra Flávio em sua cama, uma foto que dramatiza seu sofrimento pela 
luz e pela expressão anunciada de uma morte próxima, sensibilizou cen-
tenas de pessoas nos EUA, que imediatamente encaminharam doações 
que resultaram em US$ 30.000. O fundo criado pelo volume expressivo 
das doações foi repartido entre a ajuda direta a Flávio e sua família e a 
favela que morava, Catacumba. Simultaneamente a esse fato, a favela da 
Catacumba tornou-se assim um piloto de um “projeto de progresso”, 
como ressalta Parks em seu livro Flávio, publicado em 1978, como plei-
teava John Kennedy e sua ação na Aliança para o Progresso. Parks esteve 
durante três meses em contato com Flávio e a família na sua estada no 
Brasil. Diz Parks em seu livro:
Nada pareceu mais irritado do que a revista brasileira O Cruzeiro. Depois 
da história de Flávio ser publicada em Life en Español, O Cruzeiro enviou 
um de seus próprios fotógrafos para a cidade de Nova Iorque tentar fazer 
uma reportagem similar no distrito de Wall Street onde moravam famílias 
porto-riquenhas, e mostrou uma criança dormindo com baratas em sua face 
e outra criança chorando de fome. A matéria acusava Life de fabricar toda a 
história de Flávio e me acusava de comprar um caixão e colocar uma mulher 
viva dentro dele (na verdade, a mulher estava realmente morta, com o atesta-
do de óbito para provar, e ela não estava em um caixão mas deitada em um 
esquife provisório). Time Magazine descobriu, depois de investigações, que o 
correspondente do O Cruzeiro fez uma foto armada com a criança dormindo, 
tendo pego as baratas e colocando-as em seu rosto. Para fazer a outra criança 
chorar, o fotógrafo ameaçou jogá-lo pela janela. (Parks, 1978, p. 91)
Parks diz que se surpreendeu, pois, se O Cruzeiro quisesse fazer uma 
matéria semelhante, era somente ir ao Harlem ou ao sul de Chicago 
que iria encontrar uma história genuinamente trágica como a história 
de Flávio. E disse que, quando a Time publicou a matéria sobre a farsa, 
a revista O Cruzeiro não respondeu. O caso Flávio publicado na Life 
fez que uma onda de artigos de protesto aparecesse na mídia brasileira, 
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principalmente nos jornais O Dia e Correio da Manhã. O Dia escreve que 
não era necessário um estrangeiro para alertar-nos para as condições das 
favelas, e que não se poderia culpar o povo brasileiro por essa situação, 
mas, ao mesmo tempo, o Correio da Manhã dizia que as fotografi as de 
Parks falavam por si sós e falavam muito alto, e pergunta se os outros vi-
zinhos de Flávio poderiam esperar por outras reportagens e assim ganhar 
também uma casa em lugar limpo e sadio. Com o dinheiro arrecadado 
pela reportagem, doações espontâneas dos leitores de Life, Parks com-
prou uma nova casa para a família de Flávio em um bairro, Guadalupe, e 
levou-o para tratamento nos EUA. Flávio sobreviveu e estudou durante 
dois anos nos EUA, vivendo com uma família hispânica. Parks voltou ao 
Brasil em 1977 e fotografou Flávio, já casado, e sua família; justapõem-se 
no livro as fotos feitas em 1961 com as fotos de 1977, inclusive a foto do 
casamento feita por um fotógrafo anônimo, provavelmente um fotógrafo 
de casamento. 
Segundo Arlindo Silva, o fotógrafo que a revista O Cruzeiro mandou 
a Nova Iorque para fazer a reportagem sobre miséria em bairro porto-
riquenho foi o francês Henri Ballot. O embate Paris Match-Clouzot 
repetiu-se de forma trágica para a revista no caso Life-Parks. A revista 
perdeu credibilidade com o repique da Life desmontando a farsa de Henri 
Ballot. 
Encontro com Arlindo Silva
Depois de várias tentativas durante todo o ano de 2002, consegui 
agendar um dia para conversar com Arlindo Silva. Não sei a razão pela 
qual ele adiou tantas vezes a entrevista, que acabou sendo muito impor-
tante para fechar o levantamento de dados da pesquisa. Muitas dúvidas 
foram sanadas, principalmente em relação à identifi cação de uma carta 
recebida por José Medeiros, datada de 2 de agosto de 1951, e às infor-
mações que deu sobre a relação estabelecida na ocasião com Mãe Riso 
da Plataforma. 
Em relação à carta, tive a informação de que a Casa de Cultura de 
Teresina mantinha uma sala com alguns objetos pessoais de José Medeiros 
e algumas cartas, entre elas uma que referenciava a sua ida para Salvador. 
Gentilmente a carta foi digitalizada e enviada via Internet, e pude usá-la 
na entrevista com Arlindo Silva. A cópia que me foi enviada pela Casa 
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de Cultura estava sem assinatura, provavelmente deixaram de digitalizar 
a última parte. Medeiros e Arlindo Silva a receberam na Paraíba quando 
estavam fazendo uma reportagem sobre a pesca da baleia em Cabedelo. 
A carta é elucidativa de vários aspectos da tomada de decisão de fazer 
a reportagem sobre candomblé pela revista O Cruzeiro. Destinada dire-
tamente a Medeiros, pede-lhe que mantenha absoluto segredo do seu 
conteúdo, e Arlindo Silva não sabia da sua existência. No encontro que 
tivemos, ele pôde ler pela primeira vez, 51 anos depois, a tal misteriosa 
carta que esclarece a decisão de fazer a reportagem, a motivação e as 
circunstâncias ocultas da sua realização perante a dupla de inúmeras 
reportagens no Nordeste: Pierre Verger e Odorico Tavares, esse último 
então responsável pela sucursal de Salvador. 
Arlindo Silva confi rmou que a motivação da passagem pela Bahia, 
junto com José Medeiros, foi a reportagem da Paris Match antes mesmo 
de ver a carta enviada para José Medeiros, dizendo que Clouzot fez um 
grande alarde da matéria, e eles colocaram então a reportagem de Salvador 
como uma questão de honra, de brio profi ssional, pois a imprensa brasi-
leira comentara a polêmica da Paris Match, e disse que a decisão partiu 
da redação da revista O Cruzeiro. Odorico Tavares era muito amigo de 
José Medeiros e colocou-se contra a reportagem dos dois; Pierre Verger 
não foi procurado. Segundo Arlindo Silva, 
O próprio Odorico também foi contra essa reportagem, de nossa tentativa lá... 
vocês vão quebrar... vocês não deviam fazer isso, esse Clouzot fez um mal, ele 
fez um grande mal, porque contou coisas secretas, de coisas bonitas, coisas 
dessa religião, e acho que vocês não deviam fazer isso, vocês vão quebrar o 
encanto de muitas cerimônias que existem aí, do mundo secreto, religioso, é 
muito bonito esse mundo secreto e tal...
Como eu estava com a carta incompleta na ocasião da entrevista com 
Arlindo Silva (faltava a frase fi nal e a assinatura), ele identifi cou a autoria 
da carta como sendo de Antônio Accioly Netto pelo endereço que consta-
va no cabeçalho, pela forma jocosa como as pessoas eram tratadas na carta 
e mesmo por um detalhe sobre equipamentos fotográfi cos que estariam 
sendo providenciados pela revista: Accioly “me chamava de paulista”.
Por causa da confusão estabelecida pela falta da autoria da carta nessa 
ocasião, Arlindo Silva identifi cou, equivocadamente, um chefe citado na 
carta como sendo Leão Gondim, diretor responsável pela revista, que 
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participava das idéias e dasdiscussões das matérias. Ele “dava muito 
palpite, e nesse caso ele se interessava muito e tal, porque a Paris Match 
tinha feito essa coisa, então essa carta é do Accioly Netto, que era o diretor 
responsável da revista, e pelo endereço aqui [...]”2.
Apesar da resistência de Odorico Tavares, Arlindo e Medeiros insis-
tiram na reportagem e a relação com Riso foi estabelecida por Gervásio 
Batista, fotógrafo do Diário de Notícias, que fazia parte dos Diários As-
sociados, jornal em que Odorico Tavares era editor-chefe:
O Gervásio tinha um amigo motorista de praça, que o apelido dele era 
Sessenta, então através dele nós chegamos até o terreiro, ele era amigo des-
se pessoal, pelo menos conhecia. Através do Sessenta encaminhamos uma 
negociação com a mãe-de-santo do terreiro, ele intermediou a negociação, 
foi lá, conversou com ela. Ela disse que o material era muito caro, bichos, 
folhas etc... aí nós mandamos dizer, olha não queremos violentar a norma 
da religião mas se ela quiser a gente pode comprar o material necessário, 
podemos oferecer o material necessário.
Sessenta então se incumbiu da negociação com Mãe Riso, comprando 
os bichos, e todo material necessário para fi nalizar a iniciação do barco 
de três iaôs que estavam recolhidas, não havendo, portanto, uma soma 
muito grande de dinheiro em espécie na relação com Riso, conforme se 
alardeou rapidamente em Salvador depois que a reportagem foi publicada. 
É possível que um pequeno montante tenha fi cado com Riso, pois sua 
irmã Leleta disse que ela usou esse dinheiro para completar a compra do 
terreiro da Plataforma, depois da venda do terreiro da Ilha Amarela. Uma 
semana depois eles estavam dentro do terreiro fotografando e anotando 
todos os passos da mãe-de-santo. O local era considerado muito distante 
da cidade, tendo de ser percorrida uma certa distância a pé. José Medeiros 
e Arlindo Silva dormiram nos fundos do terreiro esperando as cerimônias 
de sacrifício de animais para os orixás, e não tiveram nenhuma restrição 
de circulação para fotografar ou observar todo o ritual. “Nós chegamos 
lá de dia, à tarde, dormimos lá, dia seguinte tomamos café, comemos uns 
bolinhos, aquela coisa toda, e não havia nenhum tipo de movimento de 
2 Cláudia Possa me enviou em setembro de 2006 a carta completa, pois passou por Teresina e 
teve acesso aos originais, e fi cou estabelecida fi nalmente a autoria da carta, assinada por Leão 
Gondim.
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cerimônia, só tinha lá essas moças, moças normais, ninguém dizia que 
seriam iniciadas [...]”.
Sem pesquisar sobre candomblé anteriormente, e sem muitas pergun-
tas, Arlindo escreveu o texto da matéria de forma quase direta: 
Durante a noite a mãe-de-santo começou a preparar o material, pra ver os 
bichos, aquela coisa toda etc. e tal, e mais tarde, numa hora x, que ela come-
çou, acho que ela entrou em transe, quando ela começou a trabalhar, então 
o Zé Medeiros começou a fotografar, e eu tomando rigorosamente nota, o 
que estava acontecendo eu estava passando para o papel, aí a mãe-de-santo 
pegou a moça e começou a raspar, cantando a música, eu sabia da música até 
agora... veja você como é interessante, faz 50 anos e eu me lembro da música. 
Então eu tinha tudo anotado ali, como se eu estivesse vendo e escrevendo, 
fazendo uma narrativa ao vivo do que eu estava assistindo, senão seria depois 
impossível escrever mais tarde, lembrar de tudo o que estava acontecendo, 
então anotei “passou a navalha do lado de cá e tal, e os pêlos estão caindo 
no chão, agora ela mudou de lado [...]”, tudo com detalhes, sem conversar 
com ela, sem conversar, assistindo e escrevendo o que ela estava fazendo, 
inclusive as reações das pessoas que estavam ao lado, as assistentes, auxiliar. 
Foi escrito ao vivo ali, assistindo o fato e descrevendo o fato. Então fi camos lá 
até de madrugada, e as moças fi caram lá ainda em transe, as iaôs estavam em 
transe, entendeu? Estavam completamente tomadas. Houve vários santos que 
baixaram, não me lembro quais os santos que baixaram nelas, então terminou 
esse cerimonial, até quase raiar do dia seguinte, até quase a madrugada do 
dia seguinte, quando terminou, nós fomos nos recolher.
Ao contrário de Medeiros, sem lembrar-se do nome da mãe-de-santo, 
Arlindo Silva disse que não nomearam as pessoas no texto da reporta-
gem para preservar o anonimato, e ingenuamente não perceberam que 
a rede do candomblé conhece a todos, e assim Riso da Plataforma foi 
imediatamente reconhecida quando a revista chegou a Salvador. Arlindo 
e Medeiros sabiam das conseqüências de sua reportagem:
A reportagem foi feita debaixo de muitos cuidados, e a própria mãe-de-
santo sabia que ela estava correndo algum risco, algum perigo... O Clouzot 
fez aquela matéria pequena, e deu uma revolução, no Brasil inteiro a impren-
sa comunicou, comentou isso, deu uma enorme repercussão, na França, o 
Clouzot tornou-se um nome faladíssimo por essa reportagem na Bahia, 
então tornou-se uma coisa misteriosa, selvagem... e nós, por uma precaução, 
conhecendo o problema da época, não iríamos citar o nome dela porque ela 
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seria perseguida, como depois souberam, descobriram, em uma comunidade 
tão pequena, e depois de muito tempo, conversando com o Gervásio Batis-
ta, soube desses fatos, porque depois ele saiu da Bahia e tornou-se fotógrafo 
da revista Manchete, começamos a ter uma convivência maior, uma grande 
amizade... eu soube que ela foi realmente perseguida, até que teve de sair da 
Bahia, sair de Salvador [...].
Riso sabia o que estava fazendo e tinha consciência de que eles eram 
jornalistas da revista O Cruzeiro, pois dessa forma se apresentaram a ela: 
[...] ela sabia que era para ser publicado na revista O Cruzeiro, a gente até 
comentou nessa base de que um estrangeiro tinha publicado umas fotos de 
Candomblé e tal, e a gente queria também fazer a mesma coisa e tal, e foi 
assim a conversa. A gente tentou outros caminhos, e houve recusa de pessoas 
que podiam nos ajudar, e sempre davam contra, era Odorico Tavares. Pierre 
Verger nós não conversamos porque sabíamos que ele iria dar sumariamente 
contra, outros jornalistas também, porque na Bahia, é engraçado, viu? Porque 
na Bahia jornalistas, escritores, gente de cultura, gente que está habituada 
com todos os dramas e problemas do mundo, do dia-a-dia, da pobreza e da 
miséria do crime, eles respeitam o negócio, e acreditam no negócio, então não 
foi muito fácil até aparecer o Gervásio Batista e o motorista Sessenta... porque 
o Sessenta era acostumado a levar turista para ver os rituais públicos...
A editoração da revista O Cruzeiro era “formatada” no calor do mo-
mento quando todos os grandes assuntos eram discutidos na sala da 
paginação, e todos observavam e davam palpites, pois não era uma grande 
equipe, e assim aqueles que estavam na redação nesse momento partici-
pavam das escolhas em relação ao que deveria ser destacado, qual imagem 
deveria vir em página dupla ou em página inteira. As duplas saíam para 
fazer uma reportagem e voltavam com cinco ou seis sobre assuntos que 
encontravam pelo caminho, havia autonomia, pois não existia uma chefi a 
de reportagem. Quem mais encaminhava decisões de pauta eram Accioly 
Netto e o próprio Leão Gondim, responsável pela revista e primo de 
Chateaubriand, o dono da revista.
O Cruzeiro naquele tempo não tinha editoria, não tinha chefe de reportagem, 
não tinha pauteiro, não tinha nada disso que hoje em dia tem. Os repórteres 
em si eram donos das suas idéias, e quando eles partiam para uma reportagem, 
eles traziam às vezes cinco ou seis, que iam surgindo no meio do caminho, 
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na viagemeles iam fazendo... essa daí, nosso destino era uma reportagem 
sobre pesca da baleia, aí paramos na Bahia, atrás um pouco dessa coisa toda, 
e ver da possibilidade de se fazer alguma coisa, né? Tanto é que depois nós 
fomos fazer a reportagem das baleias [...].
Assim, o título da reportagem da Bahia foi decidido. O título inicial 
proposto por Arlindo era “Os deuses sanguinários da Bahia” e acabou 
virando “As noivas dos deuses sanguinários”, numa troca de idéias entre 
Arlindo e o baiano Herberto Sales. Houve uma grande euforia com a 
publicação, considerada um grande furo espetacular de reportagem, com 
destaque fora da normalidade editorial, em um momento em que a revista 
se encontrava em seu auge. 
José Medeiros3
Medeiros teve, muito cedo, uma vivência no universo da fotografi a, 
estando envolvido desde a infância com a prática de seu pai, fotógrafo 
amador; ganhou uma câmara de um parente aos 11 anos de idade. Modi-
fi cando-a com lentes de óculos, fazia reproduções de imagens de artistas 
de cinema para vendê-las. Seu pai vendeu-lhe a própria câmara com a 
qual fotografava a família, numa espécie de fi nanciamento: Medeiros teria 
de pagar-lhe com trabalho de fotografi as de eleitores para um político 
do Piauí, seu estado natal, onde nasceu em 1921.
Medeiros mudou-se com a família para o Rio de Janeiro em 1939 e 
tornou-se funcionário público, mas continuou fazendo fotografi as, agora 
retratos de artistas de teatro e do rádio. Começou como fotógrafo na re-
vista Tabu e na revista Rio, realizando trabalhos freelancer. Nessa ocasião, 
em 1946, conheceu Jean Mazon, que estava montando a equipe da revista 
O Cruzeiro, e somente um pequeno grupo operava a revista. Medeiros foi 
então um dos primeiros fotógrafos da revolução jornalística, apoiada em 
imagens, realizada pela O Cruzeiro, com infl uência direta das revistas Life e 
Paris Match; era uma espécie de espelho dos mais importantes magazines 
da época, mas teria uma roupagem própria, ao encontro de um Brasil 
distante, regionalista, por um lado, e nacionalista, como principal veículo 
3 Baseado no depoimento de José Medeiros para Nadja Peregrino e Ângela Magalhães, José 
Medeiros — 50 anos de fotografi a. Rio de Janeiro: Funarte, 1986.
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formador da opinião pública da época nos temas brasileiros. Logo outros 
fotógrafos e jornalistas foram incorporados à equipe da revista, além de 
Jean Mazon e David Nasser: nomes como Luciano Carneiro, Luis Carlos 
Barreto, Indalécio Wanderley, José Leal, e depois Flávio Damm. Havia 
um glamour de pertencer à revista, e onde estivessem eram procurados 
pela população como “gente famosa”. 
Medeiros mantinha uma relação umbilical com a imagem desde a 
infância, como vimos, e assinava revistas internacionais de fotografi a: 
Modern Photography, Popular Photography, Animal Photography, Look e a 
Life. Acentua que teve uma forte infl uência de fotógrafos como Walker 
Evans, Paul Strand, Berenice Abbot, Eugene Smith e Henri Cartier-
Bresson. Medeiros estava em sintonia com a nata da fotografi a interna-
cional, principalmente com aqueles que trabalhavam um novo olhar do 
fotojornalismo: fotógrafos autorais. Como era um fotógrafo de ação, na 
tradição da street photography, que procura suas imagens nos locais dos 
acontecimentos, diferentemente da escola de Jean Mazon, que prepara 
a luz com todos posando4, Medeiros achava sua câmara Rolleifl ex, equi-
pamento ofi cial da revista, muito inapropriada para suas viagens e ações 
mais ágeis. Assim, começou a usar uma Leica 35 mm, menor, mais leve e 
fl exível, mas a reação da direção foi de proibir-lhe o uso. Medeiros conti-
nuou a usar o formato 35 mm, porém entregava suas cópias no formato 
quadrado, como na Rolleifl ex, e suas fotos eram elogiadas e publicadas, 
sem perceberem diferença. Jean Mazon criou um estilo formal e clássico 
de iluminação, que será muito copiado, preparando uma imagem para 
uma pauta já defi nida anteriormente. Entretanto, quebrando a lógica da 
imagem posada, Mazon fez imagens memoráveis dos índios xavantes 
atacando com fl echas o avião no qual estava, em reportagem publicada em 
1944, com repercussão internacional, abrindo o campo para a fotografi a 
instantânea, o “momento decisivo” na revista. Medeiros irá contrapor à 
tradição de uma fotografi a formal sua visão de autoria fotojornalística 
para a qual também terá, como forte ponto de apoio e seguindo a mesma 
proposta, as imagens enviadas por Pierre Verger da Bahia. 
Medeiros saiu da revista depois de perder o interesse em trabalhar na 
edição internacional de O Cruzeiro, para a qual foi designado, e porque, 
4 No início da carreira na revista O Cruzeiro, Medeiros foi infl uenciado pelo estilo de Jean Mazon 
e fazia suas fotografi as utilizando muitas luzes e cenas montadas. 
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na ocasião da morte de um colega (Luciano Carneiro) em um desastre de 
avião, a preocupação da direção era com um provável cheque que Luciano 
Carneiro trazia para o Rio, vindo de Brasília. Depois disso, Medeiros irá 
ter uma signifi cativa participação no cinema nacional, sendo seu primeiro 
trabalho a fotografi a do fi lme A falecida, de Leon Hirszman, com Fer-
nanda Montenegro como atriz principal. Uma série de fi lmes conta com 
sua luz brasileira, trabalhando com os principais diretores de cinema no 
Brasil: A opinião pública (Arnaldo Jabor,1967), Vai trabalhar, vagabundo! 
(Hugo Carvana,1973), A rainha diaba (Antônio Carlos Fontoura, 1973), 
Xica da Silva (Carlos Diegues, 1976), Aleluia, Gretchen, República dos 
guaranis, Guerra do Brasil (Sylvio Back, 1976, 1978, 1986), Morte e vida 
severina (Zelito Viana, 1977). Como diretor, faz quatro fi lmes de curta-
metragem e um longa, Parceiros da aventura (1979). 
A história pessoal de José Medeiros na revista O Cruzeiro colocou-o 
estrategicamente no lugar certo, na hora certa. Como os acontecimentos 
decorrentes da publicação da Paris Match foram acirrados no mês de julho, 
Medeiros estava perto da Bahia para tentar contrapor a “visão brasileira” 
do candomblé que a revista O Cruzeiro queria, e era ele o fotógrafo com o 
perfi l mais adequado para tal. A conjunção dos fatores levou-o à Bahia e 
o embate editorial com a Paris Match tornou-se um desafi o pessoal, con-
forme nos disse em 1988. Queria ele mostrar o “verdadeiro candomblé”, e 
não o “candomblé para turista” de Clouzot. Assim, Medeiros recebe a carta 
de Leão Gondim, em tom desafi ador e de muito mistério, cobrando-lhe, 
dessa maneira, uma atitude de desafi o pessoal, profi ssional e de cunho 
nacionalista, elevando-o à condição de um fotógrafo singular que pode-
ria contrapor seu olhar brasileiro à visão estrangeira sobre o candomblé. 
Assumindo então uma atitude de enfrentar o tenso mundo religioso do 
candomblé da Bahia pós-reportagem de Clouzot, Medeiros leva consigo 
seu parceiro Arlindo Silva para um terreiro da periferia, longe dos terreiros 
tradicionais, e produzem a matéria “As noivas dos deuses sanguinários”, 
considerada como exemplo do fotojornalismo brasileiro. 
Da reportagem para o livro, a redenção de Medeiros
A passagem da reportagem “As noivas dos deuses sanguinários”, pu-
blicada em 15 de setembro de 1951, para o livro Candomblé, em 1957, 
transformou o fotojornalismo sensacionalista em uma documentação 
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fotoetnográfi ca singular. A reportagem foi publicada com 38 fotografi as, 
proposta da reportagem ilustrada, clássica da revista O Cruzeiro, que era 
fazer com que o olhar do leitor navegasse sobre um volume muito grande 
de imagens. A diagramação da revista propiciava esse olhar narrativo de 
imagem a imagem, na qual as legendas reforçariam um contexto imagético 
preferencial. Nadja Peregrino5faz uma análise da diagramação da revista 
O Cruzeiro, utilizando como exemplo a própria reportagem em questão. 
Para essa autora, a narrativa na revista é organizada como uma crônica 
visual, tendo as fotografi as como sua matéria-prima, na fusão do trabalho 
do fotógrafo com as outras informações gráfi cas.
O seqüenciamento fotográfi co é intercalado com certas intensidades 
visuais pontuais. A disposição das imagens em página inteira acontece 
em momentos fortes da seqüência, como a primeira e a última imagem. 
Muitas vezes uma fotografi a editada em página inteira apresenta em 
destaque uma outra imagem menor sobreposta, criando tais intensidades 
pontuais dentro da narrativa; são pulsões de ruptura da linearidade e 
funcionam como pontos de passagem para o plano do imaginário do 
leitor; escapam, portanto, de uma cadeia sintagmática, própria da fotor-
reportagem, colocando o olhar em situação ativa. A riqueza da diagra-
mação torna a leitura visual atrativa pela não-repetitividade de proce-
dimentos, surpreendendo o leitor a cada página. A clássica seqüência 
de quatro imagens em uma mesma página, com cada uma ocupando um 
quarto do espaço, é repetida na página ao lado, tornando a dupla página 
um dos momentos mais fortes da narrativa. Um pequeno detalhe impos-
to pela diagramação nesse momento denuncia a intencionalidade sen-
sacionalista da reportagem. O fi nal de uma frase de uma simples le genda 
colocada em maiúsculas e em negrito escapa da parte inferior de uma 
das imagens e continua na imagem ao lado, acentuando o caráter sensa-
cionalista já explicitado no próprio título da matéria: “Sacrifício a Ya-
manjá. As degolas tiveram início às duas e meia da madrugada, prolon-
gando-se até às quatro e meia. Esse ritual sangrento não é porém [grifos 
nossos] UM ÍNDICE DE CRUELDADE. As divindades das religiões fetichistas 
africanas banqueteiam-se com sangue. E o sangue lhes é oferecido assim 
[...]”. Ao passar de uma página a outra e não de uma legenda a outra, o 
5 Ver Nadja Peregrino, O Cruzeiro — A revolução da fotorreportagem. Rio de Janeiro: Dazibao, 
1991.
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leitor relaciona imediatamente o destaque citado com o título colocado 
no alto e à esquerda da página dupla, “O sacrifício de aves e animais”, 
descontextualizando o próprio texto de Arlindo Silva e conduzindo a 
uma leitura equivocada do sentido da frase. 
O texto incorre em expressões que adensam a dramaticidade do even-
to religioso, da mesma forma que em Roger Bastide, em outras vezes 
acentua o caráter sensacionalista, mas sem comprometer no conjunto o 
grau de detalhamento da cerimônia. Considerando a falta de familia ridade 
de Arlindo Silva com o candomblé e os procedimentos ritualísticos e 
com a linguagem própria do culto, associada ao pouco tempo que esti-
veram dentro do terreiro e ao fato de o texto não ter sido trabalhado 
posteriormente para publicação, podemos dizer, à parte sua dramati-
cidades e alguns exageros lingüísticos, que o texto tem qualidades muitos 
superiores ao da Paris Match. Clouzot prende-se a explicações psicana-
líticas e muitas de suas passagens são preconceituosas e pejorativas, prin-
cipalmente quando se refere a sua empregada doméstica, “seu objeto de 
estudo próximo”, como portadora de uma natureza animalesca. Tal não 
acontece com o texto de Arlindo Silva, que enobrece o ritual como uma 
tradição africana no Brasil: 
Hoje os negros são livres e fazem soar apenas os seus atabaques ritualísticos 
[...]. De repente, entre os espectadores, uma jovem negra é acometida de 
movimentos convulsivos. A mãe-de-santo, suprema dignidade do rito, corre 
a ampará-la. É uma negra alta, de cabeça grisalha, que chegou ao posto 
em virtude dos seus conhecimentos do ritual e da pureza de sua linhagem 
africana.
Por quatro vezes o texto assinala o caráter “bárbaro” do ritual, no senti-
do de uma cerimônia “selvagem e primitiva”, como é enfatizado na intro-
dução à reportagem: “E é esta reportagem, que ora publicamos, realizada 
pelos dois únicos jornalistas brasileiros que até hoje assistiram às práticas 
secretas da religião negra professada na Bahia, que vem revelar, ao mundo 
civilizado, a estranha história das noivas dos deuses sanguinários”. Esta-
vam, então, os repórteres, como mensageiros da civilização, criando uma 
ponte com o mundo “estranho e sanguinário de uma cerimônia bárbara”. 
E conseguiram tal feito porque ocorria “[...] a popularidade e o prestígio 
de O Cruzeiro em todas as camadas sociais”. Clouzot e a revista Paris 
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Match em nenhum momento são citados no texto, seria uma associação 
implícita para os leitores privilegiados que acompanharam o caso. 
Foram publicadas 62 fotografi as no livro Candomblé, de 1957, das quais 
apenas 23 são as mesmas das 38 publicadas na reportagem de O Cruzeiro 
do dia 15 de setembro de 1951, ou seja, 39 fotografi as são inéditas, o que 
demonstra que a documentação feita por Medeiros era muito mais rica do 
que a edição apresentada na revista. Medeiros é o autor do livro e, assim, 
fez uma edição própria ao seu olhar, diferentemente da reportagem, na 
qual muitos fatores infl uenciaram a edição das imagens. 
Logo na introdução do livro, Medeiros cita os estudos de Nina Ro-
drigues e de Arthur Ramos como as primeiras pesquisas científi cas do 
candomblé como religião, mas diz que eles não “conseguiram desvendar 
os rituais secretos da iniciação das fi lhas-de-santo”. Ao demonstrar o 
conhecimento de tais trabalhos, Medeiros quer diferenciar e descolar a 
edição do livro da reportagem. Cita ainda o clássico livro de Édison Car-
neiro, Candomblé da Bahia, e afi rma haver neste somente uma passagem 
rá pida sobre o assunto e acentua o fato de o próprio autor não ter presen-
ciado tais cerimônias: “Confessou-me ele, aliás, que, durante os seus oito 
anos de freqüência aos candomblés de sua terra, nunca lhe foi permitido 
assistir a nenhum dos rituais secretos a que só fi guras importantes da 
própria seita é dado presenciar”. Medeiros cita que o material editado no 
livro é acrescido de outras imagens colhidas posteriormente, mas em todo 
o conjunto nunca são explicitados datas, nomes e eventos nos quais tais 
imagens foram realizadas, comprometendo uma etnografi a fotográfi ca. 
O texto que acompanha as imagens é meramente descritivo, de muita 
superfi cialidade, sem adjetivações e dramaticidades como os termos usa-
dos na reportagem. O texto aparece como um enxugamento do relato de 
Arlindo Silva, mas com muito menos detalhes. Entretanto, o conjunto 
fotográfi co e a nova edição das imagens tornam a dinâmica da leitura 
diferente da reportagem, pois não existe uma diagramação voltada para 
a ilustração jornalística, e as imagens passam a ter autonomia. As foto-
grafi as colhidas em outros candomblés intercalam-se com as imagens da 
iniciação no terreiro de Mãe Riso. São imagens de festas públicas e prin-
cipalmente de representações de orixás com suas vestes, adornos e ins-
trumentos que lhes são próprios e os identifi cam. As imagens dos orixás 
são quase todas posadas e feitas com luz natural, em ambiente externo, 
contrastando com as imagens da iniciação realizadas em ambiente inter-
no sem iluminação e sensibilizadas com luz artifi cial. Medeiros tenta 
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 139
mos trar algumas diferenças ao incorporar imagens de candomblé de cabo-
clo, principalmente quanto às suas vestes e na relação com o indígena 
brasileiro, mas o faz com muita superfi cialidade, não deixando ao leitor 
ambigüidades em relação ao ritual fotografado de tradição angola. Entre 
as imagens colhidas por Medeiros, e que fazem uma tenta tiva de contex-
tualização do ritual de iniciação como uma cerimônia mais longa doque 
sua documentação, uma se destaca: é a foto na qual Joana de Egum foi 
reconhecida por várias pessoas que viram o livro, no tradicio nal presente 
que ela fazia a Iemanjá. Tal imagem não tem relação com a cerimônia de 
iniciação e muito menos com o terreiro de Mãe Riso. Da mesma forma, 
uma fotografi a de um pai-de-santo ornamentado com colares e adornos 
em posição de jogar os búzios para fazer adivinhação é descontextuali-
zada das imagens e não pertence à rede de Riso. Até mesmo o telhado 
de um terreiro que aparece para ressaltar Ossãe não é do terreiro de Riso, 
que seria coberto de palha, conforme sua irmã Leleta. 
Ao não ter os elementos contextualizadores das imagens, ao não no-
mear as pessoas fotografadas, ao não identifi car locais, datas e situações, 
Medeiros faz por enfraquecer seu material original, pois tenta criar con-
textos falsos para as imagens originais realizadas em 1951 no terreiro 
de Mãe Riso da Plataforma. Entretanto, a força das imagens e a sua 
singularidade permitem que elas tenham autonomia estética, além de 
constituírem uma documentação descritiva, tornando o conjunto fo-
tográfi co da iniciação das três iaôs um marco nas relações entre mídia, 
antropologia e imagem. Riso tinha consigo um exemplar do livro e não 
um exemplar da revista, talvez por perceber algumas dessas diferenças 
e por não querer levar consigo a carga negativa que a reportagem lhe 
impôs, ausente na edição do livro. Medeiros, de certa forma, redimiu-se 
ao publicar o livro.
A reportagem de O Cruzeiro
AS NOIVAS DOS DEUSES
SANGUINÁRIOS
Dois repórteres de “O Cruzeiro” desvendam mistérios do mundo ritualístico 
e bárbaro dos candomblés da Bahia — A iniciação das “fi lhas-de-santo” — Ma-
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140 IMAGENS DO SAGRADO
nifestação de uma divindade feminina — Cenas de um cerimonial secreto em 
toda a sua grandeza primitiva.
Texto de Arlindo Silva
Fotos de José Medeiros
Abrimos espaço para uma reportagem que se destina à mais ampla reper-
cussão dentro e fora do país. Ao entregá-la ao público, está certo o O Cruzeiro 
de que se trata não só de uma grande realização jornalística, mas também de 
uma documentação fotográfi ca inédita e tanto quanto possível completa sobre a 
mais impressionante prática fetichista dos negros baianos: a iniciação das “fi lhas-
de-santo”. Não é difícil, pois, avaliar as enormes difi culdades que os repórteres 
encontraram no cumprimento de sua audaciosa missão, levados que foram a 
infringir uma severa norma sagrada que restringe às pessoas iniciadas a graça 
de assistir aos cerimoniais secretos dos candomblés. Durante quatro semanas, 
os repórteres permaneceram na Cidade de Salvador, entrando em contato com 
os mais destacados chefes das agremiações negras da Bahia. Tudo, porém, só 
corria bem até o momento em que se tocava no assunto principal da reporta-
gem: a iniciação das “fi lhas-de-santo”. Isso era o bastante para que os pais e 
mães-de-santo se tornassem esquivos, enchendo-se de sombria e temerosa 
desconfi ança. Uma força, entretanto, atuava em favor de Arlindo Silva e José 
Medeiros: a popularidade e o prestígio de O Cruzeiro em todas as camadas 
sociais. Um dia, quando já estavam quase desfeitas todas as esperanças, chegou 
a esta redação um lacônico telegrama: “Seguiremos amanhã com a reportagem 
no bolso”. E é esta reportagem, que ora publicamos, realizada pelos dois únicos 
jornalistas brasileiros que até hoje assistiram às práticas secretas da religião negra 
professada na Bahia, que vem revelar, ao mundo civilizado, a estranha história 
das noivas dos deuses sanguinários.
É noite na Cidade da Bahia. O cais está deserto, as luzes das ruas cintilam 
ao longe. A cidade dorme no seu mundo de contrastes. Vem, dos arredores, o 
rumor surdo dos atabaques. Agora, que emudeceram na noite os sinos das igrejas 
centenárias, uma força misteriosa se desencadeia sobre a cidade mais religiosa 
do Brasil. São negros baianos que invocam os seus deuses. Estão reunidos num 
local afastado, em plena mata, onde construíram o pavilhão sagrado a que dão o 
nome de barracão. Das paredes, tapadas com folhas de palmeiras, pendem ins-
crições numa mistura de português e nagô, e o teto é ornamentado com fl âmulas 
vermelhas, azuis e amarelas. Três negros continuam a fazer soar os atabaques. À 
esquerda, sobre um estrado, estão colocadas as cadeiras dos sacerdotes. Em volta 
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 141
da coluna central do barracão, as “fi lhas-de-santo” ou dançarinas cerimoniais 
começam a dançar. Os atabaques entram num ritmo acelerado e vibrante. São 
tambores de madeira, medindo cada um mais ou menos meio metro de diâmetro, 
e formando um conjunto de três. O maior deles é o ilu e tem quase dois metros 
de altura. Ao médio chamam rumpi e o menor tem nome de lé. Os negros batem 
com as mãos sobre o couro esticado, mas os sons mais fortes são obtidos por meio 
de baquetas. Na noite do candomblé já não se ouve o batá-cotó, o tambor guer-
reiro das insurreições de escravos. Hoje os negros são livres e fazem soar apenas 
os seus atabaques ritualísticos. O rumor cresce dentro da noite, ensurdecedor, 
anunciando os deuses que vão chegar. Outros instrumentos menores compõem 
a orquestra bárbara, o bitonal agogô, o piano-de-cuia, que é uma grande cabaça 
contendo pedrinhas e ornamentada com búzios importados da África, o caxixi 
e o xaque-xaque, este último um instrumento oco de metal, contendo seixos 
nas extremidades, e que produz, ao ser agitado, o ruído que lhe dá o nome. O 
barracão é mal iluminado. Na noite quente, espalha-se no ar o cheiro de plantas 
aromáticas e excitantes. A atmosfera do barracão é densa e abafada. Em volta, 
toda uma assistência de fi éis se comprime para ver dançar as “fi lhas-de-santo”. 
O bater ritmado dos tambores sagrados, o calor sufocante, o aroma das plantas 
exóticas, a fi sionomia impassível das imagens nos seus altares iluminados com 
velas, tudo isso concorre para envolver a assistência numa onda de expectativa 
depressiva. A tensão chega ao auge. De repente, entre os espectadores, uma 
jovem negra é acometida de movimentos convulsivos. A mãe-de-santo, suprema 
dignidade do rito, corre a ampará-la. É uma negra alta, de cabeça grisalha, que 
chegou ao posto em virtude dos seus conhecimentos do ritual e da pureza de 
sua linhagem africana. Logo em seguida, outra mulher entra em transe e se atira 
ao chão. Nesse momento, os atabaques aceleram o ritmo, como se um frenesi 
se apoderasse dos tocadores. A assistência, extasiada, vê sucessivamente mais 
três mulheres “caírem no santo”. Elas se destacam da massa de espectadores e, 
correndo para o centro do “terreiro”, param, de súbito, contraem fi rmemente os 
músculos, fecham os olhos, emitem sons desarticulados, esbracejam, dançam, 
batem com os pés, rodopiam à luz das velas, sob a coação mágica dos tambores 
sagrados. A mãe-de-santo já não pode socorrer a todas. Vem, em seu auxílio, outra 
dignidade do rito, a jibonam ou mãe-pequena, cuja função principal é ajudar às 
dançarinas durante a execução das obrigações rituais. Estamos assistindo, nesse 
instante, à “chegada” dos orixás ou deuses negros do culto gegê-nagô da Bahia. 
Os ogans, pessoas credenciadas junto aos candomblés, mantém os espectadores 
afastados do local das danças. Uma das mulheres não resiste e se deixa vencer 
pela fadiga. O seu orixá é violento e a tortura, desferindo sobre ela como que 
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142 IMAGENS DO SAGRADO
consecutivos golpes de um chicote invisível. Ela tem o rosto coberto de suor, 
os punhos cerrados, e seu corpo estrebucha no chão. Em meio ao rumor dos 
atabaques, ouve-se, então, o seu grito de angústia: — Me dê água! É crença, 
entre os fetichistas, de que um gole deágua pode impedir que a divindade negra 
entre no corpo. Essa mulher, com certeza, não está em condições de “receber o 
santo”. As outras, porém, continuam a dançar. O ritmo dos atabaques é cada vez 
mais frenético, e os tocadores trazem estampada no rosto uma incontida alegria, 
porque os deuses estão, afi nal, se manifestando. Entre os circunstantes, ouvem-se 
expressões de entusiasmo quando alguém identifi ca, no corpo convulso de uma 
das mulheres que dançam, a presença de Ogum, o poderoso deus da guerra. O 
reconhecimento da divindade, porém, é feito pela mãe-de-santo. Agora a sua voz 
se eleva, dentro do barracão, cantando um salmo sagrado. De acordo com o orixá 
invocado, varia o toque dos atabaques. Uma das mulheres descreve uma volta 
com o corpo, outra tem as mãos unidas atrás das costas, outra subitamente se 
deita e, diante dos tambores, o corpo apoiado nas mãos e nos pés, toca a cabeça 
no chão coberto de areia. Todas elas, tendo recebido espontaneamente os orixás, 
serão iniciadas como “fi lhas-de-santo”: os deuses lhes concederam essa graça. 
Em volta, e mantendo sempre os espectadores afastados do local das danças, os 
ogans se conservam atentos. São estivadores e vendedores ambulantes, gente do 
cais e das ruas da Bahia. Ouve-se, ao ritmo dos atabaques, às vezes monótono e 
grave, um acompanhamento vocal constituído de frases curtas — sobrevivências 
de cantigas trazidas no bojo dos navios negreiros. A mãe-de-santo está satisfeita: 
o seu terreiro foi honrado com a manifestação de vários orixás que querem ser 
“feitos” ali, e é necessário preparar os novos instrumentos de comunicação entre 
as divindades e os homens — as “fi lhas-de-santo”. Para isso, terá que obter o 
consentimento das respectivas famílias, embora ela saiba que ninguém ousará 
contrariar a vontade dos deuses. A mulher que, depois da “visitação” do orixá, 
fugir à iniciação do culto, por livre vontade ou por pressão dos parentes, atrairá 
sobre si a ira do santo que nela se manifestou. Oxum a castigará com terríveis 
dores no ventre. Omolu, o deus da bexiga e da peste, cobrirá de lepra o corpo 
daquela que se recusar a servi-lo. Ogum a levará à loucura. No candomblé, todos 
os deuses sabem castigar e ferir. De repente, a um sinal do agogô, os atabaques 
de novo retumbam no pavilhão sagrado. Ao redor da mãe-de-santo, as mulhe-
res se debatem e retomam a dança com os mesmos movimentos convulsivos. 
Ouvem-se gemidos trêmulos, latidos como os de um cachorro, gritos agudos e 
desarticulados. Todo o barracão estremece. São três novas eleitas dos deuses que 
surgem na noite negra da Bahia.
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 143
OS MISTÉRIOS DA “CAMARINHA”
Para sagrar-se “fi lha-de-santo”, a iniciante, ou iaô, tem que se submeter a um 
período de provações e sacrifícios, preparando-se para a missão de hospedeira das 
divindades. Enclausuram-na numa pequena cela a que chamam camarinha, onde 
ela permanece pelo espaço de dezesseis dias, antes de tomar parte na primeira 
cerimônia. Voltando à camarinha, isolada de todo convívio, a iaô é internada por 
um período que pode variar de seis meses a um ano. Aprende, então, os rituais 
do culto, os cânticos sagrados e rudimentos de uma das línguas africanas: o nagô, 
o jejê, o ijexá, o queto, o egbá ou o musurumi. É submetida a uma alimentação 
especial e a banhos aromáticos ao ar livre, preparados com folhas que são colo-
cadas dentro do vaso pertencente ao santo. Durante o noviciado, a iaô se abstém 
completamente de relações sexuais, sendo de notar que muitas delas são casadas. 
Sua alimentação consiste de mingau de milho e de folhas. Por cama, lhe dão 
uma esteira. Dentro da camarinha, que não tem janelas, a escuridão é total. Ali só 
podem entrar a mãe-de-santo e a “mãe-pequena”, sua auxiliar. Antes, porém, tem 
que “pedir licença”, o que fazem batendo palmas e dizendo: — Iaô onipaô.
AS NOIVAS DOS DEUSES SANGUINÁRIOS
Geralmente, durante o período de internamento na camarinha, as iaôs se 
acham possuídas por “espíritos” inferiores, de índole infantil, a que dão o nome 
de erês. Por esse motivo, ali se encontram vários brinquedos para distração dos 
travessos “espíritos”: carrinhos de lata, pedrinhas coloridas, pincéis, tintas, lápis 
de cor. Essa a razão pela qual as paredes da camarinha estão sempre cobertas de 
garatujas, de desenhos idênticos aos que as crianças costumam fazer. De vez em 
quando, os erês se tornam tão insuportáveis nas suas traquinagens, que precisam 
ser castigados para se acomodarem. Então a mãe-de-santo vai à camarinha e, com 
uma palmatória, espanca a iaô portadora do erê, acalmando assim o irriquieto 
“espírito”. Não raro, em vez de bater com a palmatória, a mãe-de-santo esfrega 
no corpo da iaô uma folha de urtiga a que chamam de cansanção. O “espírito”, 
porém, é por demais travesso, e por vezes a iaô, impelida por ele, arromba a 
murros a porta da camarinha, indo brincar ao ar livre. Para prevenir tais fugas, 
a mãe-de-santo amarra xaraôs, ou chocalhos, nos tornozelos da iaô, podendo 
assim localizá-la a distância. É necessário que as iaôs permaneçam encerradas 
na camarinha, cumprindo rigorosamente o noviciado, e para isso a mãe-de-santo 
se mantém vigilante. Por fi m, desde que a iniciante se revele digna do seu santo, 
as camarinhas se abrem para o mais secreto dos cerimoniais fetichistas.
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144 IMAGENS DO SAGRADO
AS “FILHASDESANTO”
Uma nova noite envolve a Bahia bárbara e mística dos candomblés. Em 
companhia da mãe-de-santo e de sua auxiliar, entramos na camarinha que vai 
ser abandonada hoje. Mal nos pressentem, as iaôs se levantam das esteiras com 
grande alarido. Estão possuídas pelos erês. Uma delas avança na nossa direção, 
fazendo gestos confusos, e, por fi m, agarra as nossas mãos para beijar. É uma 
jovem negra de traços harmoniosos, tendo, em volta do pescoço, um colar de 
búzios africanos. A outra se agita no fundo da camarinha mal iluminada e, como 
se nos tomasse por dignidade do rito a ser celebrado dentro em pouco, nos pede 
a bênção. A outra, a terceira, reintegrada no mundo infantil pela atuação do erê, 
justamente a que está mais possuída, estende a mão e nos pede uma moeda de 
tostão. De repente, todas três se entregam a grande algazarra, mas logo a mãe-
de-santo, fazendo soar o adjá, uma pequena sineta, afasta os “espíritos” infantis 
que as perseguem. Tudo é rápido como num passe de mágica. À luz da única 
vela que alumia o cômodo, vemos as três negras caírem em transe ao toque do 
instrumento sagrado.
�
Ia ter início a primeira fase do cerimonial secreto. Ajoelhando-se diante do 
altar, a mãe-de-santo murmurou uma prece em língua africana. A sua auxiliar 
alumiava o altar com a vela, e a luz incidia sobre as cabeças tosquiadas das três 
negras sentadas à nossa frente. No santuário, viam-se os fetiches dos orixás: um 
arco e fl echa, uma frigideira de barro, uma concha do mar e piaçava com búzios. 
De repente, a mãe-de-santo se ergueu e os seus olhos se dirigiram para as iaôs 
que nós observávamos. Num gesto fi rme e decidido, abriu uma navalha e enca-
minhou-se para a primeira delas, a que ia ser “feita” em Oxóssi, o deus da caça. 
A “mãe-pequena”, como se obedecesse a uma ordem secreta, trouxe a vela para 
mais perto. Nesse momento, a mãe-de-santo fez correr a navalha sobre a cabeça 
da iniciante, sentada em uma cadeira. Um ruído áspero, de metal raspando couro, 
indicava o começo da epilação. A cabeça da negra tinha movimentos bruscos sob 
a ação da navalha. Um doce canto nagô, que a mãe-de-santo começou a entoar, 
veio, porém, transfi gurar a cerimônia bárbara:
Indé bunecô, indé bunecô
Catualá junsun tira mokunã
Indé bunecô.
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 O CRUZEIRO E JOSÉMEDEIROS 145
Do lado de fora, as “fi lhas-de-santo” respondiam em voz baixa, batendo 
palmas. Um leve toque de atabaque as acompanhava. Eram vozes litúrgicas que 
se elevavam na noite, enquanto a navalha, no interior da camarinha, ia deixando 
lisa como um ovo a cabeça da iaô. As outras duas permaneciam sentadas, imóveis, 
sobre a esteira, com as mãos no quadril direito, como se estivessem sentindo uma 
dor. Para amolecer o cabelo que raspava, a mãe-de-santo esfregava na cabeça da 
iaô uma mecha de palha da Costa embebida em espuma de sabão também da 
Costa africana. Assim que a cabeça da “fi lha” de Oxóssi fi cou completamente 
lisa, a cadeira foi ocupada pela “fi lha de Omolu”, o deus da varíola e da peste. 
Mais uma vez, a mãe-de-santo recitou uma prece diante do altar, e, em seguida, 
iniciou a nova epilação. Assistimos a um cerimonial em tudo parecido com o 
primeiro, menos no canto ritualístico com que a mãe-de-santo fazia acompanhar 
a raspagem da cabeça da iaô. Para Omolu o canto era diferente:
Orixá ma bé
Todimá beberéré
Jacolô undó ma bé...
Do lado de fora, como da vez anterior, as “fi lhas-de-santo” respondiam em 
voz baixa, batendo palmas. E o mesmo leve toque de atabaque as acompanhava. 
Finda a epilação, a “fi lha” de Omolu foi substituída na cadeira pela última das iaôs. 
Esta ia ser “feita” em Iemanjá, a rainha do mar. Tudo se repetiu como das outras 
vezes, variando apenas o canto. Antigamente, disse-nos mais tarde a mãe-de-santo, 
eram raspadas todas as partes pilosas do corpo da iaô. Hoje, porém, a epilação se 
restringe à cabeça. Este trabalho, sob as nossas vistas, durou aproximadamente 
hora e meia. De repente, imaginamos que uma nova cerimônia se ia iniciar. Ras-
pada a cabeça da fi lha de Iemanjá, a mãe-de-santo a levou para a esteira, trazendo 
de volta à cadeira a “fi lha” de Oxóssi. À luz de vela, a cabeça da iaô brilhava. Em 
seguida, observamos que a mãe-de-santo tornava a empunhar a navalha. Que iria 
ela mais raspar? O aço da navalha reluzia na mão da sacerdotiza negra. Vimo-la, 
então, apoderar-se do braço direito da iaô e, desferindo uma sucessão de golpes 
rápidos, fazer na carne moça da iniciante sete profundas incisões. A iaô, porém, se 
mantinha imóvel, não contraía um só músculo. Tinha a fi sionomia extática. Sob 
as nossas vistas, o sangue grosso afl orava à pele e, depois de mais duas incisões 
em forma de cruz, acima das sete primeiras, foi com difi culdade que pudemos 
controlar os nervos: o braço da iaô estava completamente banhado em sangue. 
Rápida, a mãe-de-santo tomou de um pires onde havia uma pasta feita de ervas 
sagradas misturadas com óleo, e com ela untou todos os cortes. A fl agelação, 
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146 IMAGENS DO SAGRADO
porém, ía continuar: ainda faltava o braço esquerdo. O mais impressionante, 
entretanto, é que não parou aí: a navalha continuou o seu trabalho nas costas 
da iaô, mais ou menos na altura da omoplata esquerda. Dessa região passou ao 
peito e, por fi m, empunhando sempre a navalha ensangüentada, a mãe-de-santo 
fez mais duas incisões bem no centro da cabeça da iaô, em forma de cruz — a 
navalha cortando num rangido o couro cabeludo.
Já então chamava a iaô de “santo”: — Abra a boca — mandou. — Bota a 
língua pra fora.
E a língua foi coberta com o pó de ervas sagradas. Com a língua para fora, 
a iaô era um instrumento passivo do seu “santo”. Foi quando a mãe-de-santo 
apanhou uma garrafa de cachaça com uma cobra coral dentro. Pondo uma dose 
num copo, fez com que a iaô bebesse e, bebendo, engolisse ao mesmo tempo o 
pó que lhe dera. Como a raspagem da cabeça, o ritual da fl agelação foi repetido 
com as outras duas iaôs, sempre na cadeira. Durante mais de uma hora, assistimos 
a esse dilacerar de carnes ali na camarinha. A navalha não parava. O cheiro de 
sangue se misturava com o cheiro de suor, as “fi lhas-de-santo” entoavam lá fora os 
seus cânticos sacros, e o atabaque era um gemido rouco dentro da noite. A mãe-
de-santo revelava minúcia nas suas incisões. A navalha feria e o sangue brotava, 
quente, palpitando de vida. Por fi m, a última incisão foi feita, e as três iaôs se 
prostraram sobre as esteiras em atitude de oração. Víamos, diante de nós, aqueles 
três corpos humanos retalhados e ofegantes, e não entendíamos uma só palavra 
da prece que arrancavam de dentro de si como roncos. De repente, a mãe-de-santo 
agitou por três vezes uma toalha branca, e de novo os erês se apossaram das três 
mulheres, cessando a atuação dos “santos”. O cerimonial servira para “fechar o 
corpo” das iaôs, livrando-as do mal, e agora a porta da camarinha se cerraria até 
à madrugada, quando a cerimônia da “iniciação” deveria continuar. Em silêncio, 
deixamos o recinto em companhia da mãe-de-santo e da “mãe-pequena”. Lá fora, 
o atabaque já não soava. Era mais de meia-noite.
SANGUE NO ALTAR DOS DEUSES
Uma onda de ruídos vem quebrar o silêncio que envolve o terreiro. Ouvem-se 
grunhidos de porcos e berros de bode. Cantam galos e galinhas cacarejam. São os 
animais que vão ser sacrifi cados dentro em poucos minutos, em holocausto aos 
deuses negros da Bahia. Aproximamo-nos do cercado e contamos: dois bodes, um 
porco, quatro galinhas, quatro galos, três patos, três cocás ou galinhas-d’angola. 
De repente, vem juntar-se a esses ruídos o bater ritmado de um atabaque. É 
que a mãe-de-santo já anunciou que está na hora da matança. Ao ouvir o som 
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 147
do atabaque, os que se achavam dormindo se põem de pé, inclusive as três iaôs 
recolhidas à camarinha. São quase três horas da madrugada. O atabaque conti-
nua a bater, chamando as “fi lhas-de-santo”. Elas não tardam a se reunir à mãe, 
e todas se dirigem em seguida para a camarinha. Ao chegarem ali, um grande 
pano branco, do tamanho de um lençol, é aberto à guisa de pálio. A porta da 
camarinha se descerra. Surgem então, lentas, uma atrás da outra, as iaôs, e se 
colocam sob o pálio. O cortejo desfi la num ritmo processional. Algumas tochas 
brilham na escuridão, clareando o caminho. Pendem dos pescoços das mulheres 
longos colares de búzios vindos da África. Dentro em pouco, o cortejo chega à 
porta de uma espécie de capela, que é o santuário negro ou peji. Os atabaques, 
indispensáveis em todas as cerimônias, soam gravemente. No interior do peji, 
porém, só penetram a mãe-de-santo, a “mãe-pequena” e as três iniciantes. O 
pálio é recolhido e fi cam do lado de fora as “fi lhas-de-santo” e os tocadores de 
atabaques. Contudo, para auxílio do trabalho da matança, é ainda permitida a 
entrada de dois ogans no santuário.
Diante do altar ornamentado com as insígnias e os fetiches dos orixás, as 
iaôs se sentam. Em seguida, a mãe-de-santo fez soar o adjá e os “santos” baixam, 
entrando na posse de suas “fi lhas”. Trazem o primeiro animal a ser sacrifi cado. É 
um pequeno porco. Auxiliada pela “mãe-pequena” e pelos ogans, a mãe-de-santo 
ergue o animal sobre a cabeça da “fi lha de Oxóssi” e, de um só golpe, corta-lhe a 
garganta. O porco entra em movimentos desesperados, fazendo espirrar sangue 
por toda parte. A iaô, porém, recebe na cabeça raspada a maior quantidade desse 
sangue. Quando o animal entra em agonia, a mãe-de-santo o conduz para junto 
do altar, deixando cair o resto do sangue na tigela de Oxóssi. Depois decepa a 
cabeça do animal sacrifi cado, corta-lhe os pés e os órgãos genitais, depositando 
também essas partes na tigela do santo. Depois trazem uma galinha. E a mãe-de-
santo procede da mesma maneira. Do peji, enquanto lá fora as “fi lhas-de-santo” 
cantam, partem gritos de dor dos animais imolados. Agora a mãe-de-santo entoa 
o hino sagrado em língua queto:
Ô Sanji bate la sauji
Ô Sanji atororô...
E as “fi lhas-de-santo” respondem em coro, acompanhadas por um leve toque 
de atabaque.em Salvador, Bahia, muitas vezes arriscando-se na tentativa de tirar 
fotos, que na época eram proibidas. Certa vez conseguiu documentar um 
ritual de iniciação das fi lhas-de-santo no terreiro do Gantois, com fotos 
impressionantes das mulheres de cabeça raspada e marcadas de sangue, que 
foram publicadas com grande sucesso em O Cruzeiro. (Accioly Netto, 1998, 
p. 120, grifo nosso)
No catálogo da exposição “José Medeiros”, Instituto Itaú Cultural, 
1997, com curadoria de Rubens Fernandes Júnior, uma das fotos reite-
radas vezes publicada depois da reportagem em O Cruzeiro em 1951 
aparece com a seguinte legenda: “Candomblé — Iniciação de fi lha-de-
santo, Salvador, 1957”. A confusão com datas nesse caso deve-se às duas 
publicações: da reportagem e do livro. Esse mesmo erro aparece na edi-
ção comemorativa dos 50 anos da Editora Abril, em 2000, com o livro 
A revista no Brasil, com a publicação de uma das fotos com os seguintes 
dizeres: “[...] O Cruzeiro — revista em que outro mestre, José Medeiros, 
publicou em 1957 um notável ensaio sobre o candomblé na Bahia”. Pa-
rece que todos insistem em datar as imagens pela data da edição do livro 
e não pela data original da reportagem. Mesmo a mais cuidadosa publi-
cação sobre Medeiros, com um depoimento elucidador de sua trajetória, 
José Medeiros — 50 anos de fotografi a, que acompanhava uma exposição 
retrospectiva na Funarte-RJ, em 1987, insiste na data de 1957. Nadja 
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22 IMAGENS DO SAGRADO
Peregrino, que fez a curadoria dessa exposição e do catálogo, juntamen-
te com Ângela Magalhães, publica alguns anos depois o livro O Cruzei-
ro — A revolução da fotorreportagem, em 1991, em que analisa, agora di-
retamente na fonte, a reportagem “As noivas dos deuses sanguinários”, 
creditando a data correta das fotografi as e publicando uma reprodução 
de uma página da revista. Sua análise é formal e prende-se somente ao 
aspecto da diagramação, não abordando o conteúdo da reportagem ou a 
análise das imagens. Não se sabe quem são as pessoas fotografadas, como 
a reportagem foi feita, como Medeiros conseguiu fazer as imagens, ou 
suas motivações. Reforça-se aqui o desconhecimento relativo a informa-
ções sobre o conjunto de imagens publicado no livro e na revista por 
parte de uma pessoa que também esteve muito próxima de Medeiros . A 
mim, que perseguia essa história, parecia que nunca chegaria a entrar no 
mundo mágico e religioso fotografado por Medeiros; as imagens e a 
própria reportagem tangiam-se de uma aura intransponível. 
Os remissivos erros em questões banais de datas facilmente pesquisá-
veis acompanhados por falsas informações, como a de Accioly Netto, são 
parte de um grande equívoco em relação à publicação da reportagem e 
do livro, do qual são cúmplices o mundo jornalístico, próximo e distante 
de José Medeiros, que nunca estabeleceu uma relação analítica com a 
reportagem para discutir as conseqüências éticas de invasão do universo 
religioso, como também o meio religioso dos cultos afro-brasileiros, que 
fomentou uma série de versões sobre o caso. Esse grande equívoco dura 
mais de 50 anos!
Luiz Maklouf Carvalho, no seu livro Cobras criadas — David Nasser 
e O Cruzeiro, traz um extenso volume de informações sobre a revis-
ta, dedicando apenas um parágrafo para a reportagem, e nos relata de 
 maneira mais próxima dos acontecimentos a matéria de José Me deiros 
e Arlindo Silva: “[...] uma impressionante reportagem sobre a iniciação 
ritualística das fi lhas-de-santo em um terreiro da Bahia — ‘As noivas 
dos deuses sanguinários’ — de 19 de setembro de 1951. Medeiros foto-
grafou a raspagem da cabeça das iaôs e o batismo com o sangue dos 
animais — fotos depois reproduzidas no livro Candomblé. Arlindo conta 
que a mãe-de-santo foi perseguida por ter permitido o acesso dos repór-
teres ao ritual secreto” (Carvalho, 2001, p. 236). Pela primeira vez aparece 
nos escritos sobre a reportagem, mesmo que somente como um dado e 
50 anos, portanto, depois da publicação da reportagem, um relato sobre 
as conseqüências impostas à Mãe Riso da Plataforma, que nunca teve 
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 INTRODUÇÃO 23
seu nome mencionado nas publicações. Para todos os protagonistas, esse 
anonimato imposto por José Medeiros e por Arlindo Silva nunca foi inte-
resse de investigação, nem tampouco todas as decorrências da publicação. 
Maklouf somente erra na data da revista, compreensível para o volume 
de dados de seu trabalho e que não compromete as informações precisas 
sobre a reportagem, mas novamente a importância sobre a reportagem 
passa despercebida.
No meio antropológico, o acontecimento único de uma reportagem 
dessa importância ter acontecido, e naquele momento, simplesmente foi 
ignorado e desprezado como uma possibilidade de estudar as relações da 
fotografi a com o mundo religioso. Segundo Medeiros, a publicação das 
imagens que mostravam cenas de sacrifício de animais, cenas internas 
da reclusão e detalhes do processo ritualístico causou muita polêmica no 
meio do candomblé na Bahia. Ainda, segundo ele, devido à reportagem, as 
iaôs não tiveram sua iniciação reconhecida e assim fi caram marginalizadas 
dentro da religião, com conseqüências graves para elas, uma suicidou-se 
anos depois e outra foi internada em um hospital psiquiátrico. Essas in-
formações ele obteve quando esteve outras vezes em Salvador, de pessoas 
que encontrava e que tinham relações com o mundo religioso. Medeiros 
hospedava-se com nome falso para que não fosse identifi cado como o 
fotógrafo que fez as fotografi as d’O Cruzeiro, disse-me que tinha medo de 
ebó. Segundo ele, a mãe-de-santo teria sido assassinada um ano depois, 
mas não sabia as causas do fato. Esses dados foram sendo desmontados 
no decorrer da pesquisa, assim como muitas versões locais, em Salvador, 
e que repercutiram e foram alimentados no meio religioso sobre a fi gura 
de Mãe Riso da Plataforma. 
O impacto em Salvador
Uma série de publicações nos jornais antecedeu a chegada da revista 
em Salvador e produziu um impacto muito maior do que imaginávamos 
no começo da pesquisa. O jornal A Tarde, de Salvador, fez publicar no 
mesmo dia da capa da revista uma chamada de primeira página (um boxe 
de dimensões consideráveis), no alto, à esquerda, anunciando a reportagem 
e a chegada nos próximos dias dessa edição na cidade: “Ritual Secreto 
do Candomblé. Iniciação de Filhas-de-santo na Bahia. Hoje em todas as 
bancas, chegado via aérea, o novo número da Revista O Cruzeiro”.
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24 IMAGENS DO SAGRADO
Tal chamada se repetiu 
também no jornal Diário de 
Notícias, pertencente aos 
Diários Associados, com 
boxe anunciando a chegada 
da revista por cinco dias 
consecutivos, quatro deles 
na primeira página, com os 
dizeres: “Hoje em todas as 
bancas, chegado, por via aé-
rea, o novo nú mero da re-
vista ‘O Cruzeiro’ — com a 
sensacional reportagem de 
José Medeiros e Arlindo Silva 
sobre a Iniciação das ‘Fi-
lhas-de-santo’, na Bahia — 
em todas as bancas ao preço 
comum de quatro cruzei-
ros”. No dia 14 de setembro 
de 1951, um dia antes da 
data de capa da revista, o 
jornal publicou uma das 
fotografi as da reportagem, 
criando uma expectativa 
ainda mais tensa sobre o 
conteúdo da matéria. A fo-
tografi a publicada na con-
tracapa do jornal mostra 
uma cena muito forte a um 
olhar leigo, do sacrifício de um animal na cabeça de uma iaô, e a chama-
da do boxe em destaque é agressivamente apelativa: “O Deus tem sede 
de sangue”, e segue uma parte do texto de Arlindo Silva contextualizan-
do a imagem, trecho literal da longa descrição publicada na revista. Pela 
primeira vez, um jornal publicava uma fotografi a de uma iniciação no 
candomblé, o que demonstra o forte impacto da chegada da revista,À medida que sacrifi ca cada novo animal, a mãe-de-santo canta 
para o coro responder do lado de fora. Um galo agora é sangrado, e um jato de 
líquido vermelho e quente vai cair sobre a cabeça raspada da iaô. O sacrifício do 
galo é acompanhado por uma variante do cântico anterior.
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148 IMAGENS DO SAGRADO
O pé pé bate o pé
Azazá atororô...
Como sempre, as “fi lhas-de-santo” respondem em coro e o atabaque soa de 
leve. Trazem, depois, uma galinha-d’angola. A mão da sacerdotisa negra, tão hábil 
em manejar a navalha, não o é menos ao vibrar a faca da matança sagrada. Basta 
um só golpe, e a galinha-d’angola estrebucha entre os dedos da “mãe-pequena”, 
fazendo jorrar sobre a yaô o seu sangue grosso. E vem o cântico especial:
Gindin atarará gingin
Oluandêêêêê...
E as “fi lhas-de-santo” mais uma vez respondem, secundadas pelo leve bater do 
atabaque. Diante da mãe-de-santo, a fi lha de Oxóssi tem a cabeça e os membros 
inundados de sangue. As penas da galinha-d’angola, atiradas sobre ela, aderem 
à pele como estranhos ornatos. Fica, assim, terminada a mantança para Oxóssi.
Agora é a vez de Iemanjá. A cerimônia começa com a matança de um bode. 
Por ser um animal de grande porte, dá muito trabalho mantê-lo erguido sobre 
a cabeça da iaô. A mãe-de-santo é auxiliada pela “mãe-pequena” e pelos ogans 
e, depois de muito lutar para conter o animal, pôde, enfi m, atravessar-lhe a 
garganta com a faca. A iaô recebe um verdadeiro banho de sangue — sangue 
abundante e rubro que lhe escorre pelos membros e forma uma poça no chão. 
Suspenso sobre a cabeça da iniciante, o bode berra, estrebucha violentamente. 
Apanhando no altar o vaso de oferendas de Iemanjá, a mãe-de-santo recolhe nele 
o resto do animal. Em seguida, secciona-lhe os pés, os órgãos genitais e a cabeça 
com grandes chifres. Sucessivamente, são sacrifi cados um galo, uma galinha, um 
pato e, fi nalmente, uma galinha-d’angola, cujas penas são também atiradas sobre 
o corpo coberto de sangue da segunda iaô.
O holocausto a Omolu vem por último. Um novo bode é imolado, e depois 
dele um galo, uma galinha, um pato, terminando o sacrifício igualmente com 
a cerimônia das penas de galinha-d’angola. Um cântico especial acompanha o 
último sacrifício;
Fala-éé bacunum
Fala-éé akikô...
Suando, as mãos ensangüentadas, a mãe-de-santo pousa fi nalmente a faca no 
chão. Estão terminadas as núpcias sangrentas das iaôs com os deuses negros dos 
candomblés da Bahia. À nossa frente, curvadas, exaustas, as novas “fi lhas-de-santo” 
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 149
constituem como que um grande, um imenso, um único coágulo de sangue no 
chão do santuário bárbaro. Finalmente, a um sinal da mãe-de-santo, elas são levadas 
a um cercado no fundo do quintal e despidas para a ablução ritualística, que é 
feita com água perfumada com ervas sagradas. Depois do banho, a roupa usada 
durante o batismo de sangue é dada para guardar e não lhe será mais devolvida. 
Essa mesma roupa, reunida a objetos do culto que lhe pertenciam, é atirada ao 
mar, depois de sua morte, para que as ondas levem tudo de volta à África.
ESCRAVAS DOS SANTOS
Uma nova cerimônia tem lugar à tardinha desse mesmo dia. Uma grande paz 
descera sobre o terreiro deserto, mas de repente os atabaques voltam a soar. A 
mãe-de-santo se dirige apressadamente para a camarinha, e mais uma vez permite 
que a acompanhemos, embora a cerimônia seja secreta. Ao entrarmos, vamos 
encontrar as três iaôs nas suas esteiras. Elas se mostram como que privadas de 
qualquer ação consciente. Embora o sol ainda brilhe lá fora, aqui no interior 
da camarinha estamos com uma vela acessa. Dos corpos das três mulheres se 
desprende um cheiro exótico e penetrante: não cessaram ainda os efeitos das 
ervas aromáticas do banho sagrado. Lá fora, os tambores batem vagarosamente. 
A mãe-de-santo, auxiliada sempre pela “mãe-pequena”, dá então início ao efum. 
Desta vez, não se trata de nenhuma cerimônia sangrenta. A mãe-de-santo pinta 
a cabeça das iniciantes, fazendo sobre elas vários círculos coloridos. As cores, 
como os cânticos sagrados de outras práticas, variam de acordo com o santo: 
para Iemanjá, branco; para Omolu, verde; e vermelho para Oxóssi. Também os pés 
são pintados, mas com outro critério, em vez de círculos são riscos compridos 
que obedecem à direção dos dedos. É uma cerimônia rápida e simples. Logo em 
seguida, a mãe-de-santo deixa de novo a camarinha, onde as iaôs permanecerão 
incomunicáveis durante mais algumas horas. Nessa noite, as iaôs, “feitas” fi lhas- 
de-santo, revelarão publicamente os nomes dos “santos” que as possuem. No dia 
seguinte, durante o banquete realizado especiamente para este fi m, comerão todas 
as partes dos animais recolhidas no vaso de oferendas na noite da matança: as 
cabeças, os pés e os órgãos genitais. As despesas feitas com a iniciação somam 
alguns milhares de cruzeiros. As que puderem pagar terão permissão para deixar 
o candomblé logo depois da “feitura” do santo. As outras fi carão trabalhando 
como escravas para a mãe-de-santo, até que tenham juntado dinheiro para sua 
alforria. Todas elas, porém, se tornarão para sempre escravas do “santo” que 
“baixou” sobre elas e lhes “entrou” no corpo. Esta é a lei do candomblé da Bahia 
e os deuses negros assim o querem.
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154 IMAGENS DO SAGRADO
Novamente Bastide
Não encontramos nenhuma manifestação, contra ou a favor, sobre a 
reportagem “As noivas dos deuses sanguinários”. Um silêncio sepulcral 
abateu-se nos jornais e revistas. Esperávamos, depois da fúria incontida 
contra o estrangeiro usurpador de nossa cultura, que ao menos os mesmos 
jornalistas e intelectuais se manifestassem como fi zeram com Clouzot. 
Alguns caminhos podem ser explicativos. Medeiros era amigo de todos 
eles, companheiro de trabalho de vários jornalistas, e uma pessoa muito 
amável, como todos assim se referiam a ele. Já tinha na época uma admi-
ração profi ssional de seus próprios pares. Junte-se a esse aspecto afetivo, 
de difícil resolução, a questão de colocar-se em oposição a um semanário 
nacional da importância de O Cruzeiro, com a força devastadora de seu 
dono, Assis Chateaubriand, e da rede dos Diários Associados. Todos si-
lenciaram, menos um, que não era brasileiro e pôde ter uma neutralidade 
em relação aos fatos.
Na pesquisa dos dois textos relacionados na obra de Roger Bastide, 
encontramos um terceiro artigo não mencionado e publicado pela mesma 
revista Anhembi, com o título “Uma reportagem infeliz”6. O artigo co-
meça com Bastide lembrando ter sido ele “o primeiro a protestar” contra 
a reportagem da Paris Match, e ainda acentua que na sua qualidade de 
conterrâneo devia lançar-se à frente dos próprios “amigos brasileiros” na 
denúncia do “[...] que havia de grave na publicação de certas fotografi as”. 
Bastide se refere acima às suas manifestações orais e escritas sobre as 
imagens de Clouzot publicadas na Paris Match, e diz que eles comete-
ram o mesmo erro de Clouzot, mas como eram brasileiros, Bastide diz 
que se calou esperando que os mesmos protestos irados contra a Paris 
Match viessem à tona: “Fiquei à espera do protesto dos que se haviam 
voltado contra Clouzot, a saber, os Cavalcanti, os Édison Carneiro e 
outros. Porém, passam-se os dias e este prolongado silêncio me assusta...” 
[reticências do autor].
Aludindoà existência de uma “moralidade jornalística”, coloca a re-
portagem de O Cruzeiro como um “crime” da mesma ordem da Paris 
Match. Diz que conhece José Medeiros e o acha encantador, e que ele 
não teria consciência das conseqüências da reportagem. Coloca-o dentro 
6 Anhembi, no 12, vol. IV. São Paulo, nov., 1951, pp. 563-4.
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 155
da lógica da busca obsessiva do furo jornalístico a qualquer preço. Ao 
inocentar Medeiros alegando uma ingenuidade no seu próprio âmago, o 
que a carta trazia claramente, ou seja, as difi culdades de obter as imagens 
e as conseqüências que trariam, permitiu a Bastide encontrar outros cul-
pados. Diz ele: “Não estou, pois, atacando Medeiros pessoalmente, mas 
a mentalidade jornalística que se criou na nossa época”. 
A fotografi a é vista por Bastide como uma mera ilustração de textos 
científi cos, e mesmo as imagens de rituais de iniciação, como é o caso de 
Clouzot e Medeiros, “nem sempre seriam condenáveis”, desde que fossem 
meramente ilustrativas de texto com cunho acadêmico e científi co e com 
circulação restrita para um publico “culto”. Então, Bastide desconhecia o 
trabalho de Margaret Mead e Gregory Bateson realizado na década de 
30 e publicado em 19427, pesquisa que encontra novos espaços enuncia-
tivos da fotografi a na pesquisa antropológica. Ao restringir a circulação 
de imagens do sagrado para um público considerado culto, encontramos 
o argumento para localizar a profanação do sagrado pelas fotografi as 
quando de sua circulação nos meios de comunicação de massa, portanto, 
fora de um contexto científi co autorizador das mesmas imagens e dentro 
do campo jornalístico, que nem é ético com seus retratados, pois, dife-
rente do pesquisador, o fotógrafo não precisa voltar constantemente para 
encontrar seus objetos de estudos. Ou seja, se a comunidade religiosa não 
tomar conhecimento das imagens e se elas não circularem na sociedade 
midiática, o segredo será preservado; a caixa preta do segredo é a falta de 
circulação das imagens. As fotografi as de Medeiros poderiam então estar 
dentro de um contexto científi co, o que as justifi caria, diz ele, mas, ao 
serem publicadas em um veículo para o grande público, adquirem “uma 
grande força malfazeja”. 
Para Bastide, a reportagem de O Cruzeiro não pode ser considerada 
etnografi a, mesmo que ele identifi que uma “simpatia humana” no texto 
de Arlindo Silva, o que coloca o artigo em posição superior ao livro de 
Clouzot; diz que não é um texto de especialista “pois contém contra-
sensos dos mais grosseiros”, e desse ponto de vista é inferior ao livro 
de Clouzot. Bastide identifi ca uma confusão na descrição do bori por 
Arlindo Silva, o qual afi rma que a cerimônia serve para “fechar o corpo”, 
quando se trata do contrário, ou seja, abri-lo para a descida do orixá, e 
7 Gregory Bateson e Margaret Mead, Balinese character — A photography analysis. Nova Iorque: 
Special Publications of the New York Academy of Sciences, 1942, vol. 2.
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156 IMAGENS DO SAGRADO
diz: “De um modo geral, a descrição da iniciação é muito incompleta e 
mal interpretada, seja por ignorância da mãe-de-santo que prestou as 
informações, seja pela astúcia, para despistar o repórter”. 
Entretanto, o texto de Arlindo Silva, considerado como mero texto 
jornalístico, longe dos rigores científi cos da boa descrição etnográfi ca, 
aparece como uma fonte importante em seu livro Candomblé da Ba-
hia — Rito nagô. Na análise do estado de erê, Bastide lança mão da 
descrição de Arlindo Silva: “Qual a peculiaridade desse estado, e que 
nova contribuição pode trazer à nossa pesquisa sobre a fi losofi a africa-
na? É preciso, naturalmente, antes de responder à segunda pergunta, dar 
uma descrição do estado de erê; para isso resumimos um artigo pouco 
conhecido de Arlindo Silva”. Segue uma longa descrição recortada do 
texto da reportagem ingênua e mal vista por ele no próprio artigo: “Ora, 
a reportagem de ‘Cruzeiro’ não entra no quadro da etnografi a”, como ele 
mesmo acentuou. 
Vamos encontrar uma saída metodológica para essa contradição em 
uma nota do mesmo livro. Nessa nota, relativa às saídas da iaô da ca-
marinha, quando lhe é feito um pequeno orifício no crânio: “A terceira 
saí da, depois do banho de sangue e da abertura, no alto do crânio, do 
caminho por onde passará daí por diante o orixá todas as vezes que quiser 
se manifestar, chama-se ‘dar o nome’” (Bastide, 2001, p. 54). Na nota, 
aparecem citados Clouzot e Medeiros. Em Clouzot, a nota remete-se 
à numera ção do livro e, em Medeiros, a uma reportagem com o título “A 
purifi cação do sangue”, com data de 15 de agosto de 1951. Tal reportagem 
de Medeiros não foi encontrada, pois inexiste uma revista O Cruzeiro com 
essa data e com esse título. Pesquisamos também na revista A Cigarra e 
não encontramos a reportagem citada por Bastide. O texto diz: 
As duas reportagens, efetuadas por pessoas que assistiram a cerimônias proi-
bidas, que não podem ser vistas nem fotografadas, são interessantes como 
documentos vivos. Mas infelizmente nada trazem de novo ao que já conhe-
cíamos por informações orais. Mesmo a abertura do orifício no crânio, de 
que Clouzot não fala, mas a respeito da qual Medeiros insiste, como se fosse 
algo inédito, já era conhecida. (Bastide, 2001, p. 271)
Novamente Bastide comete “ato falho” ao referir-se ao livro de Clou-
zot como reportagem, mas encontramos uma justifi cativa para o uso da 
descrição de erê de Arlindo Silva; a reportagem seria, então, um “docu-
mento vivo”.
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 O CRUZEIRO E JOSÉ MEDEIROS 157
Bastide pergunta se as censuras que foram feitas a Clouzot perderiam 
sua razão perante a reportagem de O Cruzeiro, e indica, por um lado, 
que a imagem do Brasil feita pelo e para o olhar estrangeiro pode ser 
prejudicial à imagem dos brasileiros no exterior, como no caso da Paris 
Match, e por outro lado, que a circulação de imagens de ritos sagrados no 
Brasil podem prejudicar diretamente os fi éis do candomblé. Faz aqui voz 
com a Federação dos Cultos Afro-Brasileiros, que denunciou Mãe Riso 
da Plataforma para a polícia e criou uma hostilidade com características 
agressivas e violentas contra ela em Salvador. Vê também prejuízos no 
uso das imagens fora do próprio contexto jornalístico por “inimigos do 
candomblé”, que poderiam usá-las como ferramenta para fechamento dos 
terreiros, ou seja, as imagens alimentariam uma hostilidade já existente 
contra a religião. Bastide extrapola: “Elas podem até tornar-se uma arma 
de guerra civil”. 
Novamente, quase ao fi nal do artigo, Bastide inocenta os produtores 
de imagens e joga a culpa de uma forma maniqueísta na mãe-de-santo 
que se deixou fotografar: “Faço questão de proclamar que os fotógrafos 
não são os principais responsáveis. A responsabilidade maior cabe ao 
candomblé que permitiu que se tirassem fotografi as dessa ordem”. Não 
sei se essa afi rmação livrou Medeiros de seus temores ao voltar à Bahia 
e ter de enfrentar os ebós que teriam sido preparados para ele. Entre-
tanto, o sociólogo francês atenua a responsabilidade dos candomblés 
ao ressaltar o fato de a maioria deles serem constituídos de pessoas 
provenientes das classes pobres da sociedade e assim necessitarem de 
dinheiro para suas cerimônias sempre muito custosas: “Eis o drama. É 
a conseqüência da multiplicação abusiva dos candomblés. Os antigos 
e os mais tradicionais são ricos, podem defender os seus segredos; mas 
os mais novos que, por enquanto, têm apenas uma clientela restrita são 
mais permeáveis às infl uências de desagregação moral, por falta de se-
gurança econômica”. O que ele quis dizer com “multiplicação abusiva”? 
Nem parece que o grande sociólogo desconhece a dinâmica própria do 
candomblé na qual não existeuma hierarquia burocrática que permite 
abrir, fechar ou restringir cerimônias, e essa riqueza cultural prolifera 
por toda a periferia de Salvador, longe das casas tradicionais. Coloca-se 
nesse ponto de vista uma dicotomia muito utilizada entre os detentores 
do saber dos terreiros mais antigos e os dos terreiros populares, sem 
tradição. Talvez até mesmo entre cidade alta e cidade baixa! Redes de 
candomblé que não se cruzam. 
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158 IMAGENS DO SAGRADO
No fi nal do artigo, Bastide vê uma “crise moral” abatendo-se sobre o 
candomblé em virtude das duas reportagens publicadas pela Paris Match 
e por O Cruzeiro. Essa “crise moral”, da qual as reportagens seriam teste-
munhas, segundo ele, abate-se também sobre as casas tradicionais? Afi nal 
não foram elas que permitiram as imagens. Então, por que distinguir a 
fonte do saber? E fi naliza dizendo literalmente que “A única instituição 
com autoridade para resolvê-la é a Federação das Seitas Afro-Brasileiras”. 
A Federação tomou as providências no caso de Mãe Riso da Plataforma, 
fez dela um caso de polícia! Mas, lembrando, Riso consultou seu orixá, 
Oxóssi, e foi por ele autorizada a deixar-se fotografar. Como bem sabia 
Roger Bastide, no candomblé os pais-de-santo e as mães-de-santo têm 
acesso direto às divindades e não precisam para isso de autorização de 
uma instituição burocrática como a Federação, nem mesmo de seus pares; 
o canal místico é único e singular, o que torna ainda mais fascinante esse 
mundo religioso. Quem então autoriza as fotografi as?
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 A FRICÇÃO RITUALÍSTICA 159
A FRICÇÃO RITUALÍSTICA
Os processos sociais nomeados como rituais de passagem (Van Gennep, 
1978; Turner, 1974; Leach, 1978) caracterizam uma zona marginal 
na qual os iniciados em uma religião e em inúmeras outras situações 
sociais, como acentua Van Gennep no próprio subtítulo de seu trabalho, 
fi cam isolados da marcação linear temporal da sociedade, vivendo um 
tempo mágico e um estado social diferenciado. Os ritos de passagem são 
marcados por cerimônias de separação (preliminares) e de agregação (pós-
liminares) que criam no seu interstício, muitas vezes de longa duração, 
um estado de liminaridade acentuado, principalmente nos casos de ritos 
de iniciação. As características da liminaridade às quais o neófi to está 
sujeito são: submissão, silêncio, ausência de sexualidade e anonímia. São 
entidades em transição, em passagem, não tendo lugar e posição, pois 
todos os atributos da ordem social são suspensos e as categorias e grupos 
sociais dissolvem-se na morte social da liminaridade.
Assim Turner refere-se a esse estado do evento social nos ritos de 
passagem: 
O neófi to na liminaridade deve ser uma tábula rasa, uma lousa em branco, na 
qual se inscreve o conhecimento e a sabedoria do grupo, nos aspectos perti-
nentes ao novo “status”. Os ordálios e humilhações, com freqüência de caráter 
grosseiramente fi siológico, a que os neófi tos são submetidos, representam em 
parte, a têmpera da essência deles, a fi m de prepará-los para enfrentar as novas 
responsabilidades e refreá-los de antemão, para não abusarem de seus novos 
privilégios. É preciso mostrar-lhes que, por si mesmos, são barro ou pó, simples 
matéria, cuja forma lhes é impressa pela sociedade. (Turner, 1974, p. 127)
Da mesma forma, utilizando os mesmos procedimentos conceituais, 
a fotografi a pode ser considerada como um ritual de passagem (Tomas, 
1982; 1983; 1988). Tomas parte da estrutura proposta por esses autores 
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160 IMAGENS DO SAGRADO
para encontrar similitudes no processo entre o ato fotográfi co em si, 
no momento único de sua indicialidade, e seus procedimentos técnicos 
no processamento da imagem como um ritual de passagem. De forma 
sintética, para Tomas, o rito de separação na cerimônia fotográfi ca é des-
prendimento da materialidade através dos processos óticos de inversão 
da realidade para um suporte bidimensional. A negatividade e a ausência 
de luz signifi cariam o momento da liminaridade, a imagem latente não 
processada quimicamente e seu processo de formação de uma imagem 
negativa da realidade. A agregação é a criação da condição de positivi-
dade da imagem e sua inserção no campo social. A morte simbólica por 
intermédio da redução ótica e pela espacialidade do suporte bidimensional 
transforma-se em “ponte de permanência” de uma cena ou de uma pessoa, 
ou seja, a ligação entre o fotógrafo e o espectador da imagem criando um 
“eterno presente”. Diz o autor:
O ritual fotográfi co concedeu presença na ausência do objeto fotográfi co; 
processou a imagem de luz e a transpôs quimicamente. O objeto é agora es-
tável e permanente como imagem na sociedade. O ritual fotográfi co funciona 
para marcar simbolicamente a morte do objeto pela sua transformação óptica 
e dimensional. Ademais, ele congela o objeto “não-estruturado” durante um 
período de isolamento ritual e sagrado e, fi nalmente, marca a reintrodução 
ou reencarnação do objeto na sociedade por meio de sua “reestruturação”, na 
forma de um novo estado fotográfi co da atemporalidade e da ilimitabilidade 
social e simbólica. (Tomas, 1982, p. 9)
A similitude entre os processos que envolvem um ritual de passagem 
na sua liminaridade e a imagem técnica da fotografi a, também marcada 
por um processo ritualizado que cria campos marginais com todas as 
características dos ritos de passagem, transfere o rompimento da linea-
ridade do tempo social (e entenda-se aqui o espaço do sagrado nesses 
rituais) para outra categoria liminar, agora no campo das imagens técni-
cas. A superposição das liminaridades justapõe a proibição da visão nas 
reclusões dos iniciados e na imagem latente da película. A existência de 
dois campos marginais, ou liminares, cria uma fricção ritualística en-
tre o sagrado contextualizado na cosmologia religiosa e os mecanismos 
ideo lógicos no processamento da imagem técnica, ou seja, a metáfora de 
Turner para a modelagem do barro pela matéria nuclear, a transformação 
do pó, aplica-se à modelagem da luz pelos grãos de prata, uma construção 
imagética social que lhes dá forma existencial além da primeira realidade. 
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 A FRICÇÃO RITUALÍSTICA 161
A morte social encontra aqui similitude na morte da primeira realidade, 
já que, prisioneira do recorte temporal e espacial do campo fotográfi co, 
ressurge na agregação como um conceito, uma imagem-conceito (Tacca, 
2001, pp. 123-32).
Ao trazer ao olhar leigo o campo elegido da magia ou do contato 
primordial com as divindades, o campo marginal da imagem fotográfi ca 
assume e superpõe sua liminaridade ao campo religioso, uma nova magia 
estabelece-se, alterando o conteúdo original do sagrado. Nas palavras de 
Flusser: 
A nova magia não visa modifi car o mundo lá fora, como faz a pré-história, 
mas os nossos conceitos em relação ao mundo. É magia de segunda ordem: 
feitiço abstrato. Tal diferença pode ser formulada da seguinte maneira: a 
magia pré-histórica ritualiza determinados modelos, mitos. A magia atual 
ritualiza outro tipo de modelo: programas. Mito não é elaborado no inte-
rior da transmissão, já que é elaborado por um “deus”. Programa é modelo 
elaborado no interior mesmo da transmissão, por “funcionários”. A nova 
magia é ritualização de programas, visando programar seus receptores para 
um comportamento mágico programático. (Flusser, 1985, p. 22)
Guardada na escuridão para preservar seu campo liminar, a ima gem 
latente não pode causar danos para o sagrado religioso, mantém-se invi-
sível na escuridão do sagrado fotográfi co; temos então o sagrado super-
posto; entretanto, ao dar-se a ver, e de forma pública, se rompe a estrutura 
própria do segundocampo liminar, expondo a liminaridade inicial, mas 
ainda somente para os olhos individualizados do fotógrafo ou de seu 
laboratorista, ou mesmo de algumas pessoas da redação. A publicação 
das imagens decreta a profanação do sagrado. Aqui nos aproximamos 
do que Van Gennep chamou de “rotação do sagrado”. A rotatividade do 
sagrado, ou, como diz Da Mata, a “relatividade do sagrado”. Perde-se a 
aura original do fechamento social da reclusão após se tornar imagem 
massifi cada, mas cria-se no deslocamento original do profano uma nova 
ordem sagrada, a ordem mágica e programática das imagens técnicas 
(Flusser, 1985). O sagrado desloca-se de seu sítio apreendido na câmara 
escura, guardiã dos segredos originais quando a imagem está ainda latente, 
para concretizar-se em imagens visíveis. No relativismo do campo religio-
so do candomblé, cristaliza-se a profanação. No documento etnográfi co 
único, uma nova ordenação do sagrado está presente no campo imagético; 
o fotógrafo torna-se feiticeiro ou, melhor dizendo, sacerdote de uma 
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162 IMAGENS DO SAGRADO
ordem superior da sociedade tecnológica, um embate de duas magias. O 
fotógrafo-feiticeiro extrapola a “lógica da falácia do bruxo” (Leach, 1978, 
pp. 37-40), pois, em vez de cometer o “erro” de transformar um símbolo 
metafórico em signo metonímico, estará epistemologicamente sempre 
dentro do campo da indicialidade, ou da existência por contigüidade física 
(Dubois, 1994, p. 94); ou ainda, o processo de construção da signifi cação 
do signo fotográfi co implica a superposição entre signifi cante e referente 
(Barthes, 1980, p. 18), mesmo que o operador seja simplesmente um mero 
“funcionário do programa” (Flusser, 1985, p. 22).
Aprofundando a liminaridade fotográfi ca, lembramos o que dissemos 
antes, ou seja, a técnica fotográfi ca manipulada por Medeiros propiciou 
uma exposição longa, com tempo indefi nido na posição B, que atua no 
tempo extenso do obturador aberto no toque do dedo e na velocidade 
intensa e rápida do fl ash para guardar a imagem latente em película e 
levá-la em liminaridade para outros espaços, o laboratório, e depois a 
visibilidade da publicação das imagens nos meios de comunicação. De 
outro lado, pelo campo ético-religioso, as imagens de Pierre Verger ainda 
adormecem na liminaridade do acervo e, lentamente, algumas escapam 
em processo de agregação com uma realidade muito distante na qual foi 
originado o ato fotográfi co do sagrado.
O deslocamento do profano no roteiro revista-livro permite voltar a 
Van Gennep e ao “deslocamento dos círculos mágicos”, os quais, conforme 
uma posição ou outra na sociedade, mudam o lugar do indivíduo ou de seu 
status: “Quem passa, no curso da vida, por estas alternativas encontra-se 
no momento dado, pelo próprio jogo das concepções e das classifi cações, 
girando sobre si mesmo e olhando para o sagrado em lugar de estar vol-
tado para o profano, ou inversamente” (Van Gennep, 1978, p. 32). 
O referente aderido à imagem fotográfi ca perde sua carga mítica ori-
ginal ao descontextualizar o evento religioso, para transformar-se em 
outra magia, uma magia contemporânea que não se propõe a modifi car 
o mundo, e sim nossos conceitos sobre o mundo (Flusser, 1985, p. 22), 
ou o que esse autor chama de magia de segunda ordem, e, com essa carga 
intencional, o sensacionalismo surge para os olhares maniqueístas da 
cultura na categorização de um primitivismo religioso visto pejorativa-
mente pelos valores estabelecidos do “bem”, e dessa forma o fotógrafo 
substitui com efi cácia o feiticeiro-xamã-pai-de-santo, criando uma nova 
ordem imagética e programática na sociedade de consumo de imagens 
na qualidade de mercadorias simbólicas.
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CANDOMBLÉ 
JOSÉ MEDEIROS
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RITUAL DE INICIAÇÃO NO CANDOMBLÉ POR JOSÉ MEDEIROS
A reportagem “As noivas dos deuses sanguinários”, na edição da revista O 
Cruzeiro do dia 15 de setembro de 1951, com texto de Arlindo Silva, 
publicou 37 fotografi as de José Medeiros, todas realizadas durante um 
ritual de iniciação de candomblé no Terreiro de Oxóssi, de Mãe Riso, 
no Bairro da Plataforma.
O livro Candomblé (Edições O Cruzeiro, 1957), organizado por José 
Medeiros, publicou 64 fotografi as do ritual de iniciação, dentre elas 25 
anteriormente presentes na reportagem da revista e outras fotografi as 
inéditas da cerimônia. As rápidas passagens no livro remetem ao texto 
publicado na edição da revista, fato que deixou Arlindo Silva muito 
chateado por não ter sido comunicado ou ao menos citado. Medeiros 
inseriu também muitas fotografi as não relacionadas ao ritual de iniciação 
fotografado no terreirode Mãe Riso da Plataforma, com o objetivo de 
tornar o livro mais ilustrado. 
Segundo o Instituto Moreira Salles, que detém o acervo de José Me-
deiros, foram encontrados somente 38 negativos em formato 6 cm x 6 cm, 
resultado do uso por Medeiros da câmera Rolleifl ex. Algumas fotografi as 
emblemáticas da reportagem e do livro infelizmente não fazem parte do 
acervo adquirido pelo Instituto. 
Para o portfólio aqui selecionado optamos por publicar 28 fotografi as 
a par tir dos negativos originais, indicando sua veiculação na revista e/ou 
no livro, incluindo uma foto inédita. As fotos aparecem sem cortes, o 
que não aconteceu com várias delas, as quais tiveram somente algum 
detalhe selecionado na ocasião das duas publicações dos anos 50. O en-
cadeamento das fotos busca a própria trajetória do olhar de Medeiros 
dentro da temporalidade do ritual de iniciação nos dois dias que passou 
no Terreiro de Mãe Riso da Plataforma, começando pela epilação das 
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iaôs, os subseqüentes sacrifícios aos orixás e a Festa do Nome, quando as 
iniciadas saem fi nalmente da camarinha para os olhares públicos.
Fotos publicadas na revista O Cruzeiro (15/9/1951): 2, 11, 17, 21, 28.
Fotos publicadas no livro Candomblé (1957): 1, 4, 6, 8, 10, 14, 16, 24, 
25, 27.
Fotos publicadas na revista e no livro: 3, 5, 7, 9, 12, 15, 18, 19, 22, 26.
Foto inédita: 13.
Legenda para a seqüência de fotos a seguir:
Ritual de iniciação no candomblé (Terreiro de Oxóssi, Mãe Riso da Plataforma), 
Salvador, Bahia, 1951.
Fotos de José Medeiros (acervo do Instituto Moreira Salles)
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Imagens do sagrado:
Entre Paris Match e O Cruzeiro
Fernando de Tacca
José Emílio Maiorino
Ricardo Lima
Eva Maria Maschio Morais
Ednilson Tristão
Juliana Bôa
Luis Dolhnikoff
Isabel Carballo
Silvia Helena P. C. Gonçalves
 
Vera Lúcia Wey
Berenice Abramo
Isabel Ferreira
Teresa Lucinda Ferreira de Andrade
Título
Autor 
Assistente técnico de direção
Coordenador editorial
Secretária editorial
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Preparação dos originais 
Revisão 
Projeto gráfico e design de capa
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Editoriais e Institucionais 
Assistência editorial
Editoração
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julho de 2009
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Fernando de Tacca
IMAGENS DO SAGRADO O livro trata do embate midiático de
imagens de candomblé realizadas na
cidade de Salvador (BA) publicadas
nas revistas e
em 1951. Importantes personagens
ligados às áreas de jornalismo, an-
tropologia, fotografia e cinema se
envolveram nos fatos, entre eles
José Medeiros, Henri-Georges
Clouzot, Roger Bastide, Alberto
Cavalcanti, Pierre Verger, Odorico
Tavares, entre outros. O fato impli-
cou forte polêmica no meio religioso
e entre a intelectualidade brasileira, e
teve conseqüências para a mãe-de-
santo Riso da Plataforma. A partir
de fontes documentais, pesquisa de
campo das memórias vivas, levanta-
mento de material iconográfico e bi-
bliografia original e inédita, a pesqui-
sa analisa o fato midiático do enfren-
tamento entre as duas revistas em
relação à documentação fotográfi-
ca do ritual de iniciação no candom-
blé dos vários pontos de vista de
seus atores.
O Cruzeiro Paris Match
Fernando de Tacca é fotógrafo,
doutor em antropologia pela USP e
professor livre-docente no Instituto
de Artes da Unicamp. Foi professor
visitante na Universidade de Estudos
Estrangeiros de Osaka, Japão (1995-
1997), e assumiu a cátedra de
estudos brasileiros na Universidade
de Buenos Aires (2004). Foi contem-
plado no I Concurso Marc Ferrez de
Fotografia (Funarte, 1984) e com a
Bolsa Vitae de Artes (2002). Em
2006 ganhou o Prêmio Pierre Verger
de Fotografia da Associação Bra-
sileira de Antropologia e o Prêmio de
Reconhecimento Acadêmico Zeferi-
no Vaz (Unicamp). Publicou o livro
e
inúmeros artigos sobre fotografia,
cinema e antropologia visual. Rea-
lizou várias exposições fotográficas
no Brasil e no exterior. É o criador e o
editor da revista .
A
imagética da Comissão Rondon
Studium
Imagens do sagrado — Entre Paris Match e O Cru-
zeiro
status
Milton Guran
nos traz uma significativa contribuição para
a construção de uma metodologia de trabalho que
alia técnicas de reportagem jornalística às melhores
práticas de pesquisa de campo da antropologia.
Partindo de um conflito de interesses e de disputas
jornalísticas que abrangeram tanto questões éticas
quanto comerciais, Fernando de Tacca colocou na
boca de cena, com de atores principais, per-
sonagens que até então funcionavam apenas como
objetos de curiosidade. De seres exóticos, esses per-
sonagens e, por meio deles, o próprio culto passaram
a sujeitos e interlocutores graças às entrevistas e,
sobretudo, à leitura acurada dasimagens publicadas.
IM
AGENS
DO
SAGRADO
Fernando
de
Tacca
Editora da Unicamp Imprensa Oficial
788570 607478pois 
outros dois veículos de comunicação de massa prepararam e acentuaram 
o conteúdo da reportagem. Reforçando ainda mais a reportagem, nesse 
mesmo dia (14/9/1951) o jornal O Estado da Bahia também publicou em 
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 INTRODUÇÃO 25
primeira página um boxe 
exatamente igual aos pu-
blicados pelo Diário de 
Notícias. Assim, todos os 
principais jornais de Sal-
vador anunciaram a che-
gada da revista para que 
nenhum leitor passasse 
despercebido e incólume 
pela revista O Cruzeiro. 
Diz o texto do jornal 
Diário de Notícias do dia 
14 de setembro de 1951, 
acompanhado da fotogra-
fi a de sacrifício de animais 
retratado por José Medei-
ros com o título apelativo 
envolvendo divindades 
africanas e sua “sede de 
sangue”: 
Esta fotografi a é uma das muitas que ilustram, de maneira sensacional e 
inédita, a reportagem que traz o último número de “O Cruzeiro”, já à venda 
nesta capital. Refere-se às cerimônias da iniciação da fi lhas-de-santo em toda 
a sua crueza espetacular e primitiva. Em resumo, trata-se de um autêntico e 
audacioso “furo” jornalístico.
O repórter-fotográfi co José Medeiros e o repórter Arlindo Silva foram os 
autores da sensacional façanha. Durante longas semanas, insistiram, até con-
seguir o objetivo. 
Eis um dos trechos da impressionante história:
Como a raspagem da cabeça, o ritual de fl agelação foi repetido com as outras 
duas “iaôs”, sempre na cadeira. Durante mais de uma hora, assistimos a esse 
dilacerar de carnes ali na “camarinha”. A navalha não parava. O cheiro de 
sangue se misturava com o cheiro de suor, as “fi lhas-de-santo” entoavam lá 
fora os seus cânticos sacros, e o atabaque era um gemido rouco dentro da 
noite. A “mãe-de-santo” revelava mi núcia em suas incisões. A navalha feria 
e o sangue brotava, quente, palpitando de vida. Por fi m, a última incisão foi 
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26 IMAGENS DO SAGRADO
feita, e as três iaôs se prostraram sobre as esteiras em atitude de oração. 
Víamos, diante de nós aqueles 3 corpos humanos retalhados e ofegantes, e 
não entendíamos uma só palavra da prece que arrancavam de dentro de si 
como roncos. De repente, a “mãe-de-santo” agitou por três vezes uma toalha 
branca, e de novo os “erês” se apossaram das três mulheres, cessando a atua-
ção dos “santos”. O cerimonial servira para “fechar o corpo” das “iaôs”, li-
vrando-as do mal, e agora a porta da “camarinha” se cerraria até a madruga-
da, quando a cerimônia da “iniciação” deveria conti nuar. Em silêncio, 
deixamos o recinto em companhia da “mãe-de-santo” e da “mãe-pequena”. 
Lá fora, o atabaque já não soava. Era mais de meia-noite.
A importância e o impacto da reportagem da revista O Cruzeiro no 
meio religioso do candomblé baiano podem ser compreendidos também 
pelo anúncio que a Federação Baiana de Cultos Afro-Brasileiros fez pu-
blicar no dia 22 de novembro de 1951, no jornal A Tarde, quase dois meses 
depois, confi rmando uma temporalidade expressiva desse impacto: 
A Federação Bahiana de Culto Afro-Brasileiro tem a grata satisfação de 
convidar todos os terreiros, os simpatizantes do culto, a imprensa e o povo, 
em geral, para assistirem à assembléia geral extraordinária, a realizar-se no 
Domingo, 25 do corrente, às 14:00 horas, 1o andar, defronte à entrada do 
Cinema Liceu, a fi m de especialmente julgar conveniente as publicações que 
foram feitas nas revistas “Paris Match” e “O Cruzeiro”, a respeito do culto 
africano na Bahia.
Surpreendentemente, pela primeira vez, desde minha conversa com 
José Medeiros em 1988, quando ele citou que a motivação para a repor-
tagem surgiu após ter visto uma publicação estrangeira sobre candomblé, 
pude encontrar um elo perdido das informações na Paris Match. Ime-
diatamente, contatei amigos na França e consegui um exemplar ainda 
em estoque nos arquivos da Paris Match, datado de 12 de maio de 1951, 
que mostrava uma reportagem de Henri-Georges Clouzot na Bahia. A 
reportagem intitulada “Les possédées de Bahia” (As possuídas da Bahia) 
tornou-se então o encontro com a motivação fotográfi ca responsável 
pela ida de José Medeiros para a Bahia e com o empenho desafi ador em 
relação a uma importante publicação estrangeira. A publicação na qual a 
Federação Baiana de Cultos Afro-Brasileiros clama por uma “audiência 
pública” demonstra ainda mais que nesse período existiu uma grande 
polêmica animada pelos jornais baianos sobre a documentação e a pu-
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 INTRODUÇÃO 27
blicação de imagens de candomblé. Recortes de jornais encontrados nos 
arquivos de Pierre Verger mostram que essa acirrada discussão pública se 
deu também em torno da Paris Match, e revela principalmente o fato de 
que o famoso fotógrafo e etnólogo estava muito bem informado do que 
acontecia, apesar de manter-se em silêncio público sobre os acontecimen-
tos. Mais à frente irei deter-me em Pierre Verger, como um contraponto 
imagético e ético, e também na análise da revista Paris Match.
Seis anos então depois da publicação da reportagem de 1951, a mesma 
editora da revista O Cruzeiro publicou o livro Candomblé, em 1957, com 
todas as fotografi as veiculadas na revista, com um acréscimo considerável 
de mais algumas escolhidas por Medeiros, totalizando 60 imagens, 22 
fotografi as a mais. A nova forma de publicação colocou as mesmas ima-
gens em outro formato e em outra valorização. Se na revista o artifício 
jornalístico era o sensacionalismo para atingir um formato popular direto 
e ofensivo à religião, no livro, como indica o próprio título, as imagens 
passaram a ser um material etnográfi co precioso e único.
O material fotográfi co coletado por José Medeiros transforma-se de 
uma primeira publicação marcada por um fotojornalismo sensacionalista 
em um documento etnográfi co na apresentação gráfi ca e nas marcações 
das legendas no formato livro. Meu objetivo nesta pesquisa é, inicial-
mente, discutir as mudanças de signifi cação do material exposto acima, 
aprofundando a análise das narrativas nos meios impressos em que fo-
ram publicadas. Na primeira versão temos uma profanação do espaço 
do sagrado, permitido somente para os iniciados, ao torná-lo visível ao 
olhar, um olhar leigo massifi cado pela importância da revista O Cruzeiro 
na opinião pública da época. Na segunda versão, temos as mesmas ima-
gens sem o tratamento sensacionalista, mas com uma abordagem que 
transparece uma aparente neutralidade na explicitação visual do ritual, 
transformando-as em documento etnográfi co ou “científi co”, coroando-
as com uma nova aura para o sagrado profanado. No segundo momento, 
apresentamos detalhadamente o foco de tensão e revolta de um senti-
mento nacional posterior à publicação da revista Paris Match, criando um 
campo propício para a revista O Cruzeiro dar sua resposta. Em seguida, 
percorro o território espacial e cultural no qual José Medeiros e Arlindo 
Silva estiveram, na periferia de Salvador, para encontrar os resquícios 
memoriais dos personagens fotografados, principalmente de Mãe Riso 
da Plataforma. Pierre Verger surge em seguida como um contracampo 
a esse exercício ético do fazer jornalístico e documental sobre minorias 
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28 IMAGENS DO SAGRADO
étnicas. O deslocamento contextual encontra a gênese da fotografi a como 
realidades múltiplas, permitindo, dessa forma, signifi cações diferenciadas, 
sagradas ou profanas, conformando o que expomos conceitualmente como 
fricção ritualística, em capítulo teórico fi nal.
Os formatos de apresentação de material etnográfi co nos meios de 
comunicação de massa e suas conseqüências com a invasão do olhar leigo, 
voyeur e massifi cado, muitas vezes preconceituosoe induzido pela mídia 
em relação às cerimônias e rituais tradicionais de culturas locais não 
globalizadas, produzem signifi cações descontextualizadas, muitas vezes 
pejorativas e elevadas ao campo do exótico e da humilhação. Entretan-
to, as mesmas imagens de cunho sensacionalista veiculadas por mídias 
populares, quando descoladas do contexto jornalístico, reencontram seu 
referente vivifi cado no seu intrínseco valor etnográfi co: porém as conse-
qüências desastrosas da primeira publicação se mantêm. 
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 29
ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS
ENTRE SALVADOR, SÃO PAULO E NILÓPOLIS
Casa de Jorlando1
Micênio Carlos Lopes dos Santos, antropólogo e iniciado no can-
domblé, fi lho de Olga do Alaketo, esteve presente nesta pesquisa desde 
seu início. Mais do que um assistente de pesquisa nessa etapa da Bahia, 
Micênio sempre foi um partícipe, e mesmo um parceiro com o qual 
troquei diuturnamente observações, análises, estratégias e caminhos. Sua 
1 Jorlando de Obaluaê, Bairro do Uruguai, Salvador (BA).
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30 IMAGENS DO SAGRADO
presença justifi ca-se pela sua inserção religiosa, sua formação antropo-
lógica e também por ter sido por seu intermédio que tive a primeira 
oportunidade de ver essas imagens em 1983, e por sua sempre estimulante 
sugestão de que eu fi zesse esta pesquisa. Nossa estada foi um reencontro 
pessoal e profi ssional, dois amigos, compadres e antropólogos em campo, 
mesmo nos momentos de lazer nas praias de Salvador ou comendo um 
acarajé pela noite no Rio Vermelho, as conversas eram os acontecimentos 
do dia, as relações possíveis com as versões ou ainda as expectativas do 
outro dia. 
Em nossas conversas por telefone, eu sempre reiterava o nome de 
Riso da Plataforma, e em um dos nossos momentos de diálogo, logo no 
início de nossa estada em Salvador, Micênio, estranhando, pergunta-me: 
“Placafor ou Plataforma?”. Existe um bairro em Salvador conhecido por 
ter tido no passado uma grande placa da Ford que se tornou referência 
espacial, e com o tempo passou a ser denominado Placafor. Micênio 
pensava que Riso era de Placafor e não da Plataforma, pequenos ruídos 
de comunicação, que podem mudar tudo. Imediatamente ele se lembrou 
de seu amigo pai-de-santo Jorlando de Obaluaê do Bairro do Uruguai. 
Jorlando viajou muito para Brasília e para o Pará, onde era convidado 
para rituais e cerimônias importantes do candomblé, e ainda o é. Como 
teve muita inserção no Bairro da Plataforma, achamos que seria a pessoa 
ideal para começarmos a pesquisa na Bahia, principalmente para tentar 
chegar diretamente às fontes primárias de informação, ou seja, pessoas 
que tiveram contato com Mãe Riso, antes de tentar outras pessoas, como 
a Federação Baiana de Cultos Afro-Brasileiros, que será tema de uma 
visita especial depois de uma série de pesquisas, para exatamente checar 
possíveis fontes fi dedignas. Decidi não procurar os antropólogos baia-
nos, pois nada foi encontrado em seus escritos sobre o caso Mãe Riso, 
demonstrando uma omissão em relação a esse fato ou mesmo uma forma 
de interdito; assim não considerei necessária essa investigação, pois, como 
afi rmei, nada consta nos estudos antropológicos, em parte pelo tabu em 
relação ao tema, em parte pelo fato de a área de antropologia e imagem 
começar a desenvolver-se no Brasil efetivamente a partir da década de 
80, afi rmando-se como área da antropologia e da comunicação na década 
de 90. A decisão de partir para o encontro memorial de pessoas íntimas 
ou fotografadas por Medeiros foi uma opção muito feliz para a pesquisa, 
encontramos uma rede viva das relações de Mãe Riso.
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 31
Depois de contato telefônico com Jorlando, marcamos um dia para 
visitá-lo, e, ao telefone, quando citei que era amigo de Micênio, tudo 
fi cou muito mais fácil, principalmente quando este assumiu o telefone-
ma. Fomos muito bem recebidos, principalmente porque Micênio já o 
conhecia de Brasília, como também conhecia sua trajetória dentro do 
candomblé. Assim, muito da conversa inicial entre eles foi relembrar 
casos e atualizar informações sobre pessoas conhecidas do candomblé, 
inclusive fi lhos-de-santo iniciados por Jorlando, muitos renegados por 
ele. Fiquei sem saber do que falavam, de quem, quando, e ainda me era 
difícil entender o próprio Jorlando, pela maneira rápida de falar e também 
pelo uso do vocabulário do candomblé, que não é minha área de estudo. 
Vi-me rodeado por muitos termos específi cos e situações importantes 
que entravam pela primeira vez em minha vida por intermédio da energia 
de um encontro solidário e amistoso entre Micênio e Jorlando: desde o 
início o grau de afetividade entre eles era muito intenso. 
Minha intenção era tentar refazer e compreender as várias versões 
dessa história da revista O Cruzeiro e de Mãe Riso, das relações entre o 
sagrado e o profano, quando esses campos foram interpolados pela fo-
tografi a. Tive a oportunidade de ver logo na minha chegada, no terreiro 
de Jorlando, um iaô na reclusão, situação que não poderia acontecer pois 
não sou um iniciado, mas como a casa estava em reforma para a come-
moração dos 45 anos de iniciação de Jorlando, chegamos exatamente 
quando ainda ocorriam reformas no quarto de reclusão e o iniciado estava 
em um outro cômodo isolado dentro da casa, elegido como a camarinha 
temporária. Micênio cumprimentou-o de forma tradicional, sendo cor-
respondido. Mais tarde, Jorlando confessou-nos em voz baixa, depois de 
várias cervejas festivas do encontro, que iria passar a casa para esse novo 
iniciado e que ninguém sabia ainda dessa sua decisão, e que suas fi lhas 
e fi lhos-de-santo iriam fi car desgostosos, e que haveria muito polêmica 
sobre isso em Salvador, segundo ele. Ele não deu uma explicação para 
essa escolha, mas disse que seria melhor assim, com um recém-iniciado, 
para não causar problemas com os mais velhos.
Logo em seguida fomos apresentados às pessoas que moravam na casa 
e a freqüentavam, entre eles dois surdos-mudos que foram iniciados por 
Jorlando. Viviam aí em virtude das atividades do terreiro, provavelmente 
não teriam teto e comida fora dali. Moravam 18 pessoas no terreiro, 
que era construído verticalmente. Na entrada do terreiro fi cava o salão 
amplo das festas e, em seguida, no fundo, alguns quartos de santo e a 
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32 IMAGENS DO SAGRADO
camarinha. No primeiro andar estavam a grande cozinha do terreiro e os 
quartos dos moradores; no segundo andar, fi cava a parte de uso privativo 
do casal, onde também existia uma cozinha mais familiar e os quartos do 
casal e dos dois fi lhos. Jorlando é casado há dez anos com Mercia, bem 
mais nova que ele, e com a qual tem dois fi lhos pequenos. Disse-me ele 
que tinha 11 fi lhos, na Bahia e no Pará, tendo que sustentar também sua 
ex-mulher que mora em frente, com seus três fi lhos. No último andar 
fi cavam os assentamentos dos santos. Portanto, a tradicional arquitetura 
dos terreiros da Bahia, com amplos espaços para as casas dos santos, 
algumas árvores sagradas e ervas, revelava-se opositiva com o terreiro de 
Jorlando. A conversa, que se estendeu das 11 até as 18 horas, foi regada 
a cerveja e muita música tocando em volume alto no aparelho de som, 
e as músicas eram todas nacionais, variando do pagode ao samba, com 
inserções de músicas românticas e de raiz.
Depois da longa fase de conversas entre Micênio e Jorlando, pudemos 
entrar na temática e mostrei as fotos da revista para ele. Aparentemente 
ele não as tinha visto antes, porque tinha somente 3 anos na ocasião 
(nasceu em 1949). Mas com a presença de uma senhora quefreqüen-
tava sua casa conseguiu relembrar-se de fi lhas de Mãe Riso que ainda 
estavam vivas. Como Jorlando teve terreiro na Plataforma durante anos 
e foi, segundo ele, um dos fundadores do bairro, disse que conhecia todo 
o povo do candomblé da Plataforma, e que iria fazer contatos para que 
pudéssemos fazer uma visita direcionada na Plataforma. Foi combinada 
uma visita à Plataforma dois dias depois, para que ele pudesse ultimar es-
ses preparativos. Somente depois de algum tempo percebi que as cervejas 
eram bancadas por Micênio, que a toda hora dava um jeito de colocar 10 
reais na mão de Jorlando para que ele as mandasse comprar. No meio da 
conversa e do convite sempre insistente para que Micênio participasse 
das comemorações de seus 45 anos de candomblé, que seria no dia 17 de 
agosto, este deixou escapar que ajudaria na festa e perguntou o que ele 
queria, e logo recebeu de volta a proposta de bancar os bichos que seriam 
sacrifi cados para Xangô (disse ele: “então me dá a comida de Xangô”), 
orixá de Micênio, e também orixá patrono da casa, o que, comecei a per-
ceber, deveria fi car muito caro. Micênio não esperava tal proposta e não 
pôde recusar-se a essa ajuda, e isso me pareceu também uma espécie de 
pagamento-troca pela ajuda que ele nos iria dar para localizar as pessoas 
ligadas à Mãe Riso que ainda viviam na Plataforma. O dinheiro serviu 
para comprar a comida de Xangô: um carneiro, cinco galos, um “coquem” 
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 33
(galinha d’angola), dois patos e dois pombos. Conversando depois com 
Micênio, ele concordou que poderia estar correta a minha versão e que eu 
mesmo deveria passar para Jorlando esse montante. De qualquer forma, 
eu iria ajudá-lo, pois talvez ele fi casse dois dias inteiros conosco, perdendo 
clientes que o procuravam para consultas, e cada dia ausente do terreiro 
signifi ca menos entrada de suprimentos. 
Quando perguntei a Jorlando se eu poderia fotografar todo o processo 
de iniciação no seu terreiro, fui surpreendido com sua resposta positiva, 
e pareceu-me claro que tudo dependeria de um acordo fi nanceiro, em 
relação aos custos de um ritual. Acho que a situação aparenta ser a mesma 
vivenciada por José Medeiros, que não conseguiu ou não teve chances de 
propor isso nas casas tradicionais: pareceu-me que eu poderia conseguir 
fazer as fotografi as em uma casa não-tradicional; fi quei fortemente com 
essa impressão, mas não era minha intenção no momento desta pesquisa, 
quem sabe em outra ocasião. Em todo caso, eu queria saber como seria 
uma proposta nesse sentido nos dias de hoje.
Casa de Jane, fi lha de Perrucha2
Chegamos à casa do babalorixá Jorlando, no Ilê Axé de Ajusin, como 
combinado, por volta das 10 horas da manhã. Ele estava atendendo uma 
2 Waldemira Oliveira Barroso (Perrucha); Janíldece Barroso da Silva ( Jane, fi lha de Perrucha).
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34 IMAGENS DO SAGRADO
pessoa e fazendo consulta, o que nos atrasou por uma hora. Segundo ele, 
iríamos na casa de uma fi lha-de-santo que fez cabeça com ele, pois ela 
mora na Plataforma há muito tempo e deveria saber algo sobre a histó-
ria de Mãe Riso. Chegamos à casa de Vicélia, mas ela não estava, e um 
sobrinho seu saiu pro curando-a. Depois de certo tempo, 40 minutos, ela 
chegou e logo Jorlando perguntou pelo assunto e ela disse que Perrucha 
havia falecido há pouco tempo. Micênio e eu entreolhamo-nos, ainda 
não sabíamos quem era Perrucha, e com a conversa a identifi camos como 
uma das três iaôs fotografadas, o que nos deixou muito ansiosos para 
irmos à casa de uma de suas fi lhas de sangue. O bairro, Terezinha do 
Rio Sena, fi ca próximo de Plataforma, já quase área rural, ou nos limites 
da cidade. No caminho, Vicélia falou que a fi lha de Perrucha tinha a re-
vista O Cruzeiro na qual saíra a reportagem de Riso, e a fala era de uma 
 naturalidade muito grande, com certa intimidade com o assunto, parecia 
que a história de 50 anos atrás ainda estava presente na vida daquelas 
pessoas. Depois de entrarmos em um beco de 30 metros, que se origina 
na rua principal do bairro, passando por vielas de terra onde não entram 
carros, chegamos, e Vicélia foi logo chamando por Jane ( Janíldece Bar-
roso da Silva, 37 anos), fi lha de Perrucha (Walde mira Oliveira Barroso). 
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 35
Jane recebeu-nos um pouco assustada, mas com a presença de Vicélia, 
sua conhecida, e de Jorlando, que ela não conhecia pessoalmente mas 
 sabia que era pai-de-santo respeitado na região, fi cou mais à vontade. 
Logo lhe foi colocado que procurávamos por in formações sobre Mãe 
Riso e sobre sua mãe, Perrucha. Ela buscou a revista O Cruzeiro guar dada 
durante 50 anos e mostrou-nos, indicando quais das fotografi as eram de 
sua mãe. A revista foi guardada por sua mãe durante 50 anos, com todo 
o cuidado, e era considerada uma preciosidade revelada a pouquíssimas 
pessoas. Fiquei emocionado, pois, apesar de ter tido outras ocasiões para 
ver a revista, somente tinha em meu poder uma cópia xerox enviada pelo 
setor de pesquisa da Biblioteca Nacional. Era a primeira vez que meu 
olhar tinha acesso direto à revista e nas mãos da fi lha de uma das iaôs 
fotografadas! Mesmo tendo outras duas oportunidades de ver a revista 
no Museu da Comunicação Hipólito da Costa, em Porto Alegre, e na 
Biblioteca Pública dos Barris, em Salvador, o destino fez com que esse 
exemplar especial fosse o primeiro a se mostrar aos meus olhos.
As imagens de Perrucha foram sendo identifi cadas. Waldemira Oli-
veira Barroso, nascida no dia 13 de julho de 1936, portanto com 15 anos 
na época das fotos, era uma das imagens mais divulgadas do trabalho de 
José Medeiros. Em seguida, mostrei-lhe o livro publicado em 1957. Em 
clima de muita emoção, ela chorou ao saber da dimensão que haviam 
tomado aquelas imagens, para ela tudo ainda era relacionado somente à 
reportagem de 1951. Mostrei-lhe um folder publicado por ocasião de uma 
exposição de José Medeiros no Itaú Cultural e ela disse que a imagem 
era de outra iaô e não de sua mãe. 
Perrucha teve seis fi lhos, cinco mulheres e um homem. Ficamos sa-
bendo que morrera somente há oito meses e ainda era para a fi lha um 
momento forte de lembranças, a qual acentuou ter tido, no dia anterior, 
uma recordação muito marcada de sua mãe, sentindo sua presença. Na 
conversa, outras informações foram aparecendo, entre elas a de que sua 
mãe se tornou mãe-de-santo e as outras duas iaôs tinham falecido, uma 
logo depois da reportagem, e outra depois de se tornar alcoólatra e ser 
ajudada muito tempo por sua mãe, Perrucha. Assim, caía a versão de que 
teriam sido execradas e de que não tinham tido a iniciação reconhecida, 
para não falar do testemunho de que morreram de morte natural sem 
terem sido internadas em manicômio. 
As muitas versões do caso caíram no campo do imaginário popular 
pela fonte fi dedigna de informações. Como eu havia previsto, revelou-se 
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36 IMAGENS DO SAGRADO
a importância de ter procurado as pessoas que tinham de alguma forma 
participado do fato, e de ter agido com precisão ao não procurar outras 
fontes em Salvador antes de ir direto a essas pessoas. As versões que 
haviam sido construídas nesses 50 anos podem, de certa forma, ser enten-
didas como criações populares e talvez até mesmo ter sido incentivadas 
pelos adeptos do candomblé para justifi car possíveis punições atribuídas 
magicamente ao evento. A versão de assassinato de Riso também não se 
sustentou, pois fi camos sabendo que seu terreiro teria sido “destruído” 
em virtude da publicação das fotos e ela “teria fugido” para o Rio de 
Janeiro, provavelmente para a região da Baixada Fluminense,segundo 
informações do meio religioso.
Algumas fontes mencionaram que ela voltava de vez em quando para 
Salvador, mas teríamos de checar essas informações, uma delas, vinda de 
Jorlando, de que ela tinha “tirado a mão” com o mesmo pai-de-santo que 
ele (“tirar a mão” é um ritual que se cumpre depois da morte da pessoa, 
mãe-de-santo ou pai-de-santo, que raspou a cabeça). 
Jane, preocupada e tensa, perguntou-nos se iríamos “falar mal de sua 
mãe”. Havia ainda uma lembrança das provações e provocações que Riso 
e suas iaôs passaram depois da publicação da revista, como também de 
pessoas que tiveram participação na feitura das imagens. Jane infor mou-
nos que uma irmã de sangue de Riso ainda estava viva, e marcamos uma 
visita para depois do almoço. Tentei fotografar Jane com a revista O Cru-
zeiro nas mãos, mas ela disse que não estava “preparada” para as fotos e 
que eu poderia fazê-lo pela tarde, ela lavava roupas quando chegamos, e 
tinha um turbante muito colorido e bonito na cabeça.
Logo em seguida Jane trouxe-nos um álbum familiar. Uma sobrinha 
de Perrucha recortara todas as imagens de uma revista O Cruzeiro em 
que aparecia a tia e fez uma espécie de álbum de recordações, com o tí-
tulo “Lembrança de minha Epilação, editada da Revista O Cruzeiro, de 
setembro de 1951”, descontextualizando dessa forma a reportagem e re-
signifi cando as imagens no âmbito familiar. Surpreendentemente aparece 
no fi nal do álbum seu reconhecimento religioso pela Federação Baiana 
de Cultos Afro-Brasileiros, com sua fi cha de inscrição e sua carteirinha 
de associada. A migração das imagens publicadas, recortadas e deslocadas 
para o âmbito familiar, introduzia uma aproximação memorialista com 
o evento religioso em si, como o próprio título do álbum sugeria, e sem 
colocá-lo à parte do contexto midiático, pois as imagens mantinham o 
padrão gráfi co de uma publicação e o título fazia referência à revista. 
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38 IMAGENS DO SAGRADO
Portanto, nesse momento, a epilação de Perrucha aparecia como uma 
recordação familiar de um evento midiático, mas sem as referências sen-
sacionalistas do título da reportagem.
Jane também nos mostrou fotografi as de sua mãe vestida de mãe-de-
santo em vários eventos religiosos. Essa reconstrução da história de uma 
das iaôs é muito importante para compreendermos histórias pessoais 
ligadas diretamente às imagens publicadas, e acredito que surpreenderá 
o meio religioso do candomblé, pois, apesar de toda a polêmica sobre 
as imagens e as várias versões superpostas sobre estas, Perrucha conti-
nuou imersa no mundo religioso do candomblé, sendo mãe-de-santo 
reconhecida no bairro até 2002, quando morreu. O candomblé popular 
tem uma dinâmica muito própria e cria redes de relação duradouras que 
muitas vezes não são atingíveis pelas organizações religiosas e mesmo 
pelos estudiosos. 
O babalorixá Jorlando, em certo momento, perguntou-lhe se tinha 
telefone e ela tristemente disse que fora “cortado” por falta de paga mento. 
Ele perguntou o valor e pediu-lhe para buscar as contas atrasadas, e quan-
do ela lhe entregou, imediatamente, ele disse que tudo já estava resolvido 
(senti que eu teria de pagar as contas atrasadas dela!!). Com certa ênfase 
na afi rmativa de que tudo estava resolvido, essa questão elevou-se para 
o plano mágico e ele, Jorlando, soube muito bem conduzi-la para esse 
plano, e, como eu previa, assumi a dívida dela, já em “dívida” com Jorlando, 
mas agora seria ela que passaria a estar em dívida com ele. Na saída, co-
mentei com Jorlando que não gostaria que acontecesse dessa forma, e ele 
calmamente me passou as contas e disse que tudo estava normal. Como 
estávamos atrapalhando as atividades cotidianas de Jane, combinamos 
de voltar depois do almoço para que ela nos acompanhasse até a casa de 
Leleta (Angioleta Silva dos Santos), irmã de Riso.
Fomos para o terreiro de Jorlando, um pouco distante, no Bairro do 
Uruguai, para almoçarmos, e ali nos esperava um verdadeiro banquete: 
bode assado, caruru, galinha de xinxim e arroz. Tivemos lugar à mesa no 
terceiro andar, uma mesa farta, enquanto Jorlando servia os pratos para 
todas as pessoas de sua casa, uma a uma, para que a divisão fosse equânime. 
Nós fomos privilegiados com uma mesa especial, acompanhada sempre 
de muita cerveja; e, para não fazer desfeita, eu bebia, mas com moderação 
pois ainda tinha trabalho pela tarde.
Por volta das 15h30, fomos nos encontrar com Jane, que estava arru-
mada com roupas de passeio, maquiada etc. Fomos para a casa de Leleta, 
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não muito longe, e enquanto íamos caminhando ela cumprimentava a 
todos, parecia que conhecia muitas pessoas na rua, o que nos credenciava 
a entrar nas vielas sem sermos incomodados ou chamar muito a atenção. 
É surpreendente que, depois de tantos anos da reportagem, a rede de 
relações continuava forte e as pessoas dessa rede sabiam umas das outras. 
A chegada à casa de Leleta foi como a visita à casa de Jane, com intimi-
dade, pois ela foi logo entrando e chamando pelas pessoas. Chamando 
Leleta por “tia Leleta”, pois era irmã de Riso, mãe-de-santo de sua mãe 
Perrucha, entrou sem cerimônias pela casa afora, subindo escadas que 
iam para uma casa de fundos, grande e espaçosa. 
Fomos bem recebidos, iniciamos a conversa já com a perspectiva de 
voltarmos outro dia, pois estávamos atrapalhando um pouco o cotidiano 
da casa, era hora de uma sopa do jantar, e uma criança interrompia muito 
nossa conversa. Mas algumas informações já fl uíam, como a confi rmação 
de uma “quebra” do terreiro de Mãe Riso, com a chegada de viatura poli-
cial para prendê-la; ainda não obtivemos a fonte dessa denúncia, porém 
pareceu-nos conseqüência da reportagem, e Leleta fez questão de afi rmar 
que Riso se recusou a entrar na viatura policial. Disse que não se lembrava 
de algumas coisas e que tinha uma fi lha natural morando perto de São 
Paulo, que tinha sido raspada por Riso, no Rio. Obtive então pela primeira 
vez, depois de quase 20 anos atrás de informações, o nome completo de 
Riso: Risolina Eleonita da Silva.
Leleta confi rmou a saída de Riso para o Rio de Janeiro, e o fato de 
que ela vivera por muitos anos e mantivera um terreiro em Nilópolis. E 
ainda que sua fi lha, Loura, tinha mais informações sobre Riso, inclusive 
com recortes de jornal por ocasião de sua morte. Percebi que a pesquisa 
sobre a vida de Riso depois de sua saída de Salvador seria, necessaria-
mente, por intermédio dessa sua sobrinha. Como estava tarde, combina-
mos de voltar com calma, por sugestão de uma fi lha de Leleta presente. 
Depois do almoço, sem a presença da criança, poderíamos ter uma con-
versa mais longa. Combinamos com Jane para que estivesse junto, pois 
entendia que sua presença iria ajudar e muito nas lembranças dos detalhes, 
já que, mesmo que Jane ainda não tivesse nascido quando da publicação 
das fotografi as (nasceu 14 anos depois), alguns detalhes ainda estavam 
presentes em sua memória, mantendo viva essa história, no seu caso com 
uma ressignifi cação das imagens. 
Leleta mostrou-nos em que direção se localizava o terreiro que fora de 
Mãe Riso, agora um supermercado. Para completar a mística da pesquisa, 
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fomos convidados por Jane para beber cerveja em um novo bar, aberto 
naqueles dias, e, ao chegarmos, perguntei a Jane: “Onde fi cava o terreiro de 
Riso?”. Jane apontou para a nossa frente, estávamos exatamente diante do 
lugar onde fi cara o terreiro, agora ocupado por um grande supermercado, 
“Bom-Preçoda Plataforma”, o que foi um motivo para comemorarmos 
o andamento da pesquisa. Combinamos de voltar à casa de Leleta então 
no dia 15 de julho, segunda. Levei meu laptop e um scanner para copiar 
toda a documentação e as fotografi as relevantes para a pesquisa.
Mariinha, mãe-pequena do barco das três iaôs
Tomamos a decisão de ir ao encontro de Mariinha, Maria José dos 
Santos, que foi a mãe-pequena3 do barco das três iaôs; ela e Leleta eram 
as duas únicas testemunhas vivas do que aconteceu com a chegada do 
fotógrafo José Medeiros e do jornalista Arlindo Silva e das conseqüên-
cias imediatas da publicação da reportagem. Mariinha era a pessoa mais 
próxima de Riso devido a seu cargo no terreiro de Riso, e eu acreditava 
que ela saberia muitos detalhes. 
Fomos recebidos com atenção na casa de dona Mariinha, principal-
mente pela presença de Jane, que se tornou uma informante preciosa e 
não se cansava de estar conosco, partilhando de nossas expectativas, e 
também ela obtendo assim novas informações sobre o caso. Como Jane 
mantém um contato estreito com todos da casa, demonstrando que a 
rede estabelecida na época ainda é muito forte e relevante, nossa entrada 
foi tranqüila, e dona Mariinha, sentada na sala, recebeu-nos com muita 
atenção, mas, como havia dito Jane, ela convertera-se à Igreja Assembléia 
de Deus há dois anos, depois de 63 anos de cabeça raspada, e isso pode-
ria difi cultar que ela falasse do passado de candomblé. De idade muito 
avançada, disse-nos que não enxergava bem sentada, o que nos impos-
sibilitou de mostrar as imagens e assim tentar obter uma resposta emo-
cional no contato visual com as imagens da revista O Cruzeiro. Sentimos 
logo no início que a conversa teria interditos motivados pela nova con-
cepção de vida religiosa adotada por Mariinha, pois disse ela que esse 
3 Mãe-pequena ou pai-pequeno são pessoas muito próximas da mãe-de-santo que cuidam das 
iaôs quando elas estão na reclusão, levando comida, ajudando nos banhos e nas trocas de roupas, 
entre outras atividades cerimoniais.
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assunto era esquecido e a conversão a fez esquecer esse passado. Entre-
tanto, depois de alguma conversa, trouxe-nos sua carteira de fi liação à 
Federação Baiana de Cultos Afro-Brasileiros, onde consta que seu nome 
é Maria José dos Santos, nascida em 18 de julho de 1918, portanto com 
84 anos; seu terreiro chamava-se Oiá de Umzambe, nação Angola, situa-
do à rua R. Gervásio Cerqueira, 75, Itacaranha, Salvador, Bahia, matrí-
cula 099. Pudemos notar que a carteira da Federação estava guardada 
embaixo do colchão de seu quarto, onde dorme. Mesmo estando fre-
qüentando uma religião que faz as pessoas abandonarem o passado, ela 
mantinha uma relação forte com o candomblé por meio de uma for ma-
lidade concreta. Essa janela com o passado, guardado, escondido, preser-
vado, na proximidade de seu corpo, na sua intimidade mais protegida, 
abriu-se para algumas recordações. 
Apesar dos interditos religiosos, de um lado a difi culdade de falar sobre 
esse passado ainda presente na rede que se estabeleceu a partir de Mãe 
Riso e a recém-conversão de outro, algumas informações fl uíram.
Disse ela que o terreiro não fora quebrado e que houvera uma inti-
midação da polícia para ela ir à delegacia, confi rmando a versão de Le-
leta, e Mariinha disse que não acontecera nada com Riso, pois havia um 
tenente, de nome Edmundo, que freqüentava sua casa e intercedera por 
ela. Não fi camos sabendo de onde veio a intimidação nem o porquê, mas 
é claro que suspeitamos que fosse decorrência da reportagem. Mesmo 
dizendo que não houvera o quebra-quebra no terreiro de Riso, acentuou 
que Riso era hostilizada na rua, rodeada por mulheres portando navalhas, 
e por pessoas ligadas ao candomblé, inclusive com ameaça de morte, 
todos dizendo que houve muito ebó dos mais variados pais-de-santo e 
mães-de-santo de Salvador.
Disse ainda que Riso fora enganada por José Medeiros, pois não sabia 
que ele iria publicar as fotos nem que iriam fotografar tudo, evidenciando 
uma contradição no seu depoimento, pois Medeiros só poderia fazer as 
fotos com o consentimento de Riso, e Mariinha, como mãe-pequena, 
havia acompanhado tudo de muito perto, como podemos constatar no 
texto de Arlindo Silva, o que demonstra ainda alguma interdição ou 
preservação da imagem, dela e de Riso, talvez um pacto de silêncio.
Afi rmou que Riso não recebeu dinheiro para deixar fazer as fotos, 
numa tentativa de preservar a si e Riso, pois Medeiros afi rmou para mim, 
taxativamente, que houve um tipo de pagamento, e essa afi rmação de 
Medeiros não lhe traria nenhuma vantagem, ao contrário, demonstrou 
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 ENCONTRO COM MEMÓRIAS E HISTÓRIAS RECONTADAS 43
sinceridade no depoimento. Não que Mariinha tenha sido insincera, mas 
poderia estar preservando a imagem das duas, pois houve muito boato 
sobre um “enriquecimento” de Riso depois da publicação da repor tagem. 
Afi rmou também que Riso não saiu corrida de Salvador, mas por con-
vite de uma fi lha-de-santo, chamada Berenice, que morava no Rio de 
Janeiro.
A entrevista foi muito entrecortada pelos motivos religiosos de sua 
conversão, e acreditava que poderíamos ainda ter uma conversa provei-
tosa, pois não lhe tinha apresentado as imagens do livro, nas quais ela 
aparece. Procurei em outra ocasião tentar nova conversa com Mariinha, 
mas ela não qui nos receber, mandando dizer que não queria mais falar 
sobre candomblé.
Apesar de todos os interditos e silêncios de Mariinha, suas infor-
mações davam mais corpo para encontrarmos o campo próprio dos acon-
tecimentos, longe das versões de uma atitude politicamente correta ou 
mesmo religiosa, de penalizações, esquecimento e renegação de Riso. 
Nova visita à casa de Jane 
Em seguida à visita à casa de Mariinha, fomos para a casa de Jane e 
copiamos o álbum preparado a partir da revista O Cruzeiro, destacan-
do a sua mãe. Jane apresentou-nos também cinco álbuns pequenos de 
recordações de festas de sua mãe, e escolhemos dez fotos dessas festas 
e rituais, as quais digitalizamos com as referências devidas: “Obrigação 
de Obaluaê e Iansã”, “Festa do caboclo”, “Confi rmação de equede”, e o 
“Último candomblé”, um mês antes de ela morrer, uma obrigação de três 
anos de Oxum de um fi lho-de-santo de Perrucha.
Passados dois dias, voltei a telefonar para Marilene (Loura), fi lha 
de Leleta, para ter uma resposta sobre nossa entrevista com sua mãe e 
ela. Mesmo sendo cordial, pediu-me para ligar em outro número e falar 
com um certo doutor Paulo, e não fi cou claro qual seria a relação dessa 
pessoa com Marilene, se era um cliente ligado a seu terreiro, seu patrão 
ou vizinho. Liguei imediatamente e conversei com doutor Paulo, que 
se apresentou como advogado e amigo da família, e disse-me que eram 
pessoas simples e ele se dispusera a saber melhor o que queríamos. A 
conversa fl uiu bem e ele pareceu-me convencido de nossas intenções e 
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disse que ligaria para Marilene. Liguei duas vezes para Marilene e não 
obtive a autorização para entrevistar sua mãe. 
Durante a espera da confi rmação do depoimento de Leleta em Salva-
dor, almoçamos com Jane na feira São Joaquim e combinamos “um feijão” 
baiano em sua casa. Como ela está desempregada, dei-lhe R$ 20,00 para 
fazer as compras, que me pareceu uma feira para além do feijão; devido 
a sua disposição em comprar ingredientes, saiu com uma sacola cheia e 
pesada de carnes (o feijão servido dias depois estava delicioso); combi-
namos também uma conversa nesse dia com ela e sua irmã conhecida 
por Mosquito, apelido que teve desde o nascimento, por ter sido muito 
pequena. Essa conversa com Mosquito acabou não acontecendo.
Visita à Federação Baiana dos Cultos Afro-Brasileiros4
A Federação

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