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Página 1 de 32 Página 2 de 32 DIREITOS HUMANOS Volume I TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS 1. Introdução; 2. Conceito de Direitos Humanos; 3. Terminologia; 4. Estruturas das normas de Direitos Humanos: princípios e regras. 5. Fundamentação dos Direitos Humanos; 6. Classificação e rol dos direitos humanos; 7. Características dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Página 3 de 32 I – TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS 1. Introdução: “Gênero Humano” É correto dizer que os Direitos Humanos sempre existiram? A resposta necessariamente está relacionada a algo que pode ser denominado “gênero humano”. Para possibilitar a compreensão é necessário inicialmente percorrer alguns conceitos como os de “Ética”, de Direitos Humanos e Tolerância. 1.1. Ética, Moral, Universalismo e relativismo. A discussão sobre Ética se inicia na Grécia Antiga quando os estudiosos e filósofos perceberam que a vida é finita. Se a vida é finita, qual é a melhor forma de viver a vida? A partir de tais reflexões se inicia a discussão sobre os “modelos de existência” (sinônimo de ética). Assim, para viver melhor, adotar a ética seria adotar um determinado modelo de existência que varia conforme o objetivo que se busca alcançar. Para que esse objetivo fosse alcançado se fazia necessário a sujeição do indivíduo a dois elementos: um “saber” e um “sacrifício”, este último denominado “ascese”. Surge aí o conceito de moral, o julgamento dos atos à luz do saber específico. Assim, o indivíduo deveria fazer um julgamento de suas condutas à luz do saber que se sujeitava, se seu comportamento fosse adequado à orientação filosófica proposta, o sujeito possuía então uma conduta moral. A moral seria assim o julgamento da conduta à luz do estatuto, do saber, a que o indivíduo se sujeitou para atingir um modelo de existência. Imoral seria as conduta que violava tal saber relacionado a um determinado modelo de existência, afastando o agente que as viola, do perfil ético buscado ou exigido. Dessa forma, a noção de Ética e de Mora lpode ser esquematizada a partir da seguinte forma, a partir da orientação teórica de Edson Passetti na obra “´Ética dos amigos: invenções libertárias da vida”; ÉTICA (MODELO DE EXISTÊNCIA) = SABER + SACRIFÍCIO = RESULTADO QUE SE ALMEJA. MORAL: JULGAMENTO DA CONDUTA À LUZ DO SABER. DO ADVOGADO (MODELO DE EXISTÊNCIA DO ADVOGADO) = SABER (CÓDIGO DE ÉTICA DO ADVOGADO) + SACRIFÍCIO (OBSERVAR OS DEVERES DO ADVOGADO) = RESULTADO (ADVOGADO ÉTICO). ÉTICA CRISTÃ (MODELO DE EXISTÊNCIA DO CRISTÃO)= SABER (BÍBLIA) +SACRIFÍCIO (NÃO INCORRER NOS PECADOS) - RESULTADO (CONVERSÃO, INSERÇÃO NO REINO DE DEUS, APÓS A MORTE). Já a Dignidade é valor que integra os Direitos Humanos excessivamente caro à sua conceituação e compreensão, uma vez que os Direitos Humanos são o conjunto de normas e princípios que conduzem a um tratamento DIGNO. Sobre a Dignidade, seu significado variou com o tempo e momento histórico, e mesmo, trata-se de uma concepção pessoal de cada um: o que é digno para uma pessoa pode não ser para outra. Neste sentido, discute- se se existe algo que é UNIVERSAL (o que é indispensável para uma pessoa é para todos) ou se tudo é RELATIVO, ou seja, depende do ponto de vista de cada um. A partir desse momento já é possível dizer que os Direitos Humanos remontam à antiguidade, pois, no Página 4 de 32 decorrer dos períodos históricos determinadas pessoas possuíam sim um tratamento digno. Contudo, deve ser analisada a Ética (modelo de existência) que orientou o perfil do que se entende por “direitos humanos” em cada época. Como se verá, nos diferentes momentos, houve tratamento digno para alguns, e intolerância para outros, surgindo desde a antiguidade, discussão da existência de um Direito que regeria não somente os indivíduos ligados por “laços comuns”, como por exemplo, o fato de ser oriundo de uma mesma cidade, de um mesmo grupo social ou religião, mas um Direito Universal que fosse independente face às distinções e que fosse algo inerente ao gênero humano. Neste sentido, seria um “Direito natural”,“universal”, que todo individuo tivesse acesso somente pelo fato de ser humano, ou seja, absoluto, que não poderia ser relativizado que concedesse a todos, tratamento digno apesar das diferenças. 1.2 Ética dos Direitos humanos em diferentes momentos históricos 1.2.1 Grécia Na Grécia antiga, a ética dos Direitos humanos compreendia o modelo do cidadão. Somente possuía tratamento digno, aquele que fosse participante das atividades da pólis, como políticos, pessoas ricas, sacerdotes, que eram os que participavam efetivamente das decisões nas cidades-estados gregas. Neste sentido, o contingente da população, alvo de discriminação, eram os pobres, escravos, os trabalhadores, mulheres e estrangeiros. Estes eram alvo da intolerância, não tendo acesso ao tratamento digno, pois não participavam da vida da Pólis. Apesar de haver essa intolerância com esse contingente, segundo o exemplo de FÁBIO KONDER COMPARATTO, Aristóteles em sua obra “Retórica” (1368 b, 8-10), em relação ao estrangeiro mencionou a existência de “leis particulares” e “leis comuns”. As primeiras seriam aquelas que cada cidade adota para si e que vão regulamentar as condutas dos indivíduos que habitam um espaço comum(uma cidade, um país) e, as segundas, seriam aquelas que embora não escritas, são admitidas em todo o mundo se aplicando ao Estrangeiro independente do local. Seguindo raciocínio semelhante (de que existem Direitos Universais) Cícero em Roma, a partir do pensamento estóico, mencionou que haveria um “direito natural” que regia não somente a vida familiar e pública, mas também relações entre cidadãos e estrangeiros. De acordo com o pensamento esposado por Cícero (em “De officius”): “Dizer que se deve respeitar os concidadãos, mas não os estrangeiros [...] é destruir a sociedade comum do gênero humano”. Trata-se do que se denominou à época de communishumani generis societas”. Relatos históricos atestam, inclusive, que houve a organização de uma magistratura (corporação de juízes), onde o praetorperegrinus era uma espécie de juiz incumbido de dirigir processos em que uma das partes seriampessoas estrangeiras. Tal prática foi repetida no período Imperial pelos iurisprudentes, que admitiam a existência de um Direito Natural, a par do direito próprio de cada povo. A partir da discussão sobre a existência de um direito que a todos se aplicasse pelo fato de todos tratarem-se de seres humanos, o que seria um Direito Universal, foi Gaio (na obra “Institutas I, 1”) que nomeou esse “Direito Página 5 de 32 Natural” (por ser algo natural do homem, que o acompanha desde o nascimento) de ius gentium, o “direito das gentes”, que pertence a todos pelo fato de que todos “são gente”. Contudo apesar de tais contribuições, sabe-se que tanto na Grécia quanto em Roma, se admitiu a escravidão oficialmente, mostrando que o direito comum a todos não se estendia àqueles que tinham decaído da “condição humana” em razão da escravidão ou classe social baixa. Ou seja, a intolerância tinha como alvo aqueles que não eram considerados “gente” ou “humanos” ou pertencentes ao gênero humano. 1.2.2 Idade Média (cristianismo). Posteriormente na Idade Média, a cidadania (o direito de participar da vida pública) deixou de ser um laço de base política e passou a ser um laço de base religiosa. Neste caso, possuíam tratamento digno a realeza, os sacerdotes, os nobres(guerreiros), os barões. À época a intolerância se dava contra aqueles que não se adequavam ao modelo de existência cristã, à ética cristã, como os escravos, mulheres, que muitas vezes foram apontadas como bruxas, e os infiéis (que eram adeptos a outra religião) que eram tidos como “hereges” que muitas vezes eram torturados e assassinados em praça pública. Neste caso, os estrangeiros, considerados infiéis (por não congregar da mesma religião) eram também alvo da intolerância, não tendo acesso ao tratamento digno. Na doutrina do religioso Tomás de Aquino (em “Suma Teológica), no Século XI, é possível verificar que este foi o critério de distinção entre os que eram cidadãos e os não cidadãos, ou seja, distinção entre os que iam participar ou não da vida da cidade, ter tratamento digno e acesso aos direitos. Nesse caso, aquele que não fosse “cristão” era considerado um herege (traidor do cristianismo), e era punido com a excomunhão (era expulso). Dessa forma, da leitura de sua obras, sabe-se que Tomás de Aquino nem cogitava uma convivência com os islamitas, pois estes eram inimigos do gênero humano; Percebe-se que apesar de toda a teorização sobre um Direito Universal que alcançaria a todos e era natural ao homem somente pelo fato de ser homem não alcançava nem o escravo, nem o herege. Pode-se dizer assim, que para alguns havia “direitos humanos”, contudo esses indivíduos que se encontravam nas condições acima mencionadas, simplesmente não eram considerados humano. No início da Idade Moderna, Século XVII, com o surgimento do “cristianismo protestante” ocorreram muitas guerras que ensangüentaram toda a Europa e se davam “em nome de Deus”. Assim, conforme FABIO KONDER COMPARATTO, o sentido etimológico da expressão religião acabou por perder o sentido, já que a mesma, mais dissociava do que ligava o “gênero humano”. Após tais guerras, no decorrer da Idade Moderna, percebendo a dissociação criada pela Religião, HUGO GRÓCIO, em suas teorizações, ressuscitou o “velho direito natural” sustentando que a segurança – e não a fé religiosa – era o verdadeiro fundamento da paz entre os povos. obrigado a ser cristão). Aqueles que tivessem outra religião não poderiam professá-la Página 6 de 32 publicamente, devendo fazê-lo em seu âmbito privado (escondido ou dentro de sua casa). Assim, o preço da paz, do tratamento digno, e dos direitos humanos passa a ser a convenção entre Estados, sendo que quem não fosse nacional de um país não reconhecido pelos demais não possuía direito nenhum, afastando-se mais uma vez da concepção de “Direito Natural” etrazendo a noção de um Direito puramente convencional (convencionado entre os Estados). 1.2.3 Transição Idade Média e Renascimento: nascimento dos direitos humanos modernos e tolerância moderna. Com o Tratado de Vestefália (1648), que proibiu a “guerra dos Trinta anos”, a religião continua sendo uma questão de ordem pública, mas restrita a profissão de fé do Monarca Monarca (ou seja, o Rei era obrigado a ser cristão). Aqueles que tivessem outra religião não poderiam professá-la publicamente, devendo fazê-lo em seu âmbito privado (escondido ou dentro de sua casa). Assim, o preço da paz, do tratamento digno, e dos direitos humanos passa a ser a convenção entre Estados, sendo que quem não fosse nacional de um país não reconhecido pelos demais não possuía direito nenhum, afastando-se mais uma vez da concepção de “Direito Natural” etrazendo a noção de um Direito puramente convencional (convencionado entre os Estados). Surge assim esse sistema convencional de Direitos Humanos, em que o acesso a estes direitos pelo indivíduo, o status de cidadão dependia de convenções entre o Estado de que esse indivíduo precedia e o Estado que este visitava Com a transição do Mercantilismo para o Capitalismo (orientações da economia), as orientações políticas sofrem uma transição do Sistema monárquico para o Liberalismo. Com isso, conforme demonstram inúmeros pensadores - mas com maior maestria Michel Foucault – o sistema mercantilista retira suas riquezas da aglomeração de bens, enquanto o capitalismo enriquece a partir da exploração do trabalho humano, e desta forma, neste momento se necessita da proteção ao homem que deve ser normal, dócil e saudável, para trabalhar nas fábrica. Com isso surgem novas verdades argumentadas principalmente nas obras dos contratualistas: Kant, Voltaire, Locke, Rousseau, Stuart Mill, Bentham. Todas os autores em questão ajudaram a produzir a noção de direitos humanos no período do início da modernidade, da revolução industrial e do liberalismo. Todos pregavam que os direitos humanos deveriam ser universais exigindo que o Estado respeitasse as hoje chamadas “garantias fundamentais de 1ª geração”, pois há época essa era a noção de Dignidade, a verdade da época. Os Direitos Humanos modernos são os que são orientados pela ética universal, ou seja a de que os direitos humanos são para todos, e para isso é necessária a tolerância. A noção de Direitos Humanos modernos é chamada no campo da política e das ciências sociais de “tolerância moderna” por que a essência de nova proposta exige a “tolerância” esteve Página 7 de 32 presente no livro “Tratado da Tolerância” de Voltaire. No livro em questão ensina-se que a tolerância é a capacidade de conviver com alguém que não se gosta, não se aprecia, mas que se respeita e para isso se preserva seus direitos naturais por se tratar de uma pessoa, propondo as extinções dos castigos corporais e cruéis, momento do nascimento da prisão. Para Voltaire educar pela tolerância é educar pela punição em tribunais estatais com as garantias processuais. A crítica à tal proposta é conduzida por William Godwin, no sentido que educar não é punir, não se educa pelo medo da punição mas mediante argumentos inteligentes. A proposta da tolerância moderna em Voltaire 1é o projeto de sociedade moderna que está aí até hoje, que foi projetado pela ONU para o mundo todo, uma orientação que foi garantida mundialmente pelo chamado sistema estatutário. 1.2.4.Advento Sistema Estatutário de Proteção dos Direitos Humanos (Internacionalização dos Direitos Humanos) a partir da criação da ONU. No período da Segunda Guerra Mundial, a humanidade estremeceu com a intolerância dos Nazistas direcionada aqueles que não o fossem, aos judeus, aos homo afetivos, aos ciganos e especialmente os afrodescendentes. Dessa forma, com a morte de milhões, ao final da guerra surge a ONU que propõe um novo sistema de proteção, não mais 1 Texto complementar 1. convencionado entre Estados, mas estatutário, de observância obrigatória por toda a comunidade política. Assim, quase um século depois, o paradigma dos Direitos humanos Universais é confirmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, em que se menciona: “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo”. Dessa forma, se afirmou que acima dos critérios de qualificação do indivíduo comostatus de cidadão de um Estado, está a condição de “pessoa humana” dispensando qualquer outra qualificação de raça, gênero, nacionalidade ou religião trazendo o que pode ser denominado de ética universal dos Direitos humanos, direitos humanos universais ou tolerância moderna. Atualmente, abandona-se assim o mencionado sistema convencional (Estados definem os indivíduos que terão acesso a direitos humanos) pelo princípio estatutário, em que se dá a transição de um sistema pautada na soberania dos Estados,para um sistema em que a soberania pertence à humanidade. Assim pode-se dizer que haviam alguns Tratados Internacionais que versavam sobre os Direitos Humanos e dignidade anteriores à ONU, como as Convenções de Genebra, a Convenção de Haia, a Liga das Nações, a OIT (Organização Internacional do Trabalho), mas estes, são considerados precedentes da Página 8 de 32 Internacionalização, que de fato, somente irá ocorrer com a criação da ONU. 1.2.5 Noções de Dignidade Nos Direitos Humanos modernos se tem a clássica noção de dignidade: algo inerente ao ser humano. Essa noção surge primeiramente com Kant: para o autor se trata de algo inerente às pessoas. Segundo ele, tudo tem um valor, algo que pode ser substituído por um equivalente. Menos as pessoas. As pessoas são um fim em si mesmo e portanto não possuem valor mas dignidade. São um fim e não um meio. Neste sentido argumentam autores mais recentes como Perez Luno e Wolfgang Sarlet, de que se trata de uma qualidade humana que distingue os seres humanos dos demais seres. Surge assim a visão de que o núcleo da dignidade é a preservação do mínimo existencial, um conjunto de garantias mínimas essenciais à sobre vivência humana adequada. Atualmente André de Carvalho Ramos destaca quatro usos da Dignidade: 1) Fundamentação na criação jurisprudencial de novos direitos (eficácia positiva); 2) Formatação da criação adequada da interpretação de direitos específicos; 3) Criação de limites ao Estado (eficácia negativo); 4) Formação do juízo de ponderação. Além dessas visões recentes há também a de Aluísio Iunes que inovou sobre a discussão acerca do significado de “dignidade”. Considerando que nenhuma das posições traduz o significado de dignidade como algo absoluto e universal para todas as pessoas, pois o que é digno para alguns pode não o ser para outros, surge um autor que amplia noções sobre a discussão do significado de dignidade quando fala sobre a missão da Defensoria Pública enquanto instituição. Para Aluísio Iunes2, dignidade não é um valor em si, mas sim, a principal forma de “proteção da pessoa”, sendo a proteção, a essência real dos direitos humanos e não a dignidade. O autor propõe que toda pessoa possui um centro íntimo em que não se sente vulnerável. Quanto mais distante do centro íntimo mais vulnerável fica. A metáfora do pássaro e seu ninho é utilizada pelo autor: cada vez mais longe do ninho, mais vulnerável uma pessoa está. Essa solução se adéqua perfeitamente às necessidades atuais (pós modernas): encerrar uma noção que abranja as múltiplas identidades, considerando o mundo plural e fragmentado do século XXI. Assim, por exemplo, quando uma criança fala em público, a repercussão do que foi falado a coloca em estado de vulnerabilidade. Diferente seria se fosse um jornalista ou pessoa pública falando sobre o mesmo assunto. 2 Texto complementar 2. Página 9 de 32 2. Conceito de Direitos Humanos PÉRES LUNO estabelece uma construção didática que permite analisar o conceito de Direitos Humanos mediante 3 critérios: 1) Definição Tautológica ou lógica; 2) Definição formal; 3) Finalista ou teleológica; A primeira definição (muito criticada) consiste em definir os Direitos Humanos como os direitos que pertencem aos seres humanos, pois como diz o nome, pelo fato de serem “seres humanos” e não outras espécies. A segunda, denominada “formal”, não trabalha o conteúdo do conceito, mas sim, funda-se no regime jurídico especial em que se insere essa espécie de Direitos, sendo assim os direitos humanos, os direitos indispensáveis, indisponíveis. A terceira (considerada a melhor) enfoca a finalidade de tais direitos para conceituá-los e os considera, portanto, como o conjunto de normas essenciais para o desenvolvimento digno de toda pessoa humana. Sendo assim, seriam aquelas normas que buscam estabelecer um tratamento digno aos seres humanos concedendo-lhes o acesso aos bens jurídicos indispensáveis e cidadania. 2.1. Outros Conceitos Para DALMO DE ABREU DALLARI, são “[...] direitos fundamentais, pois sem eles, a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de desenvolver-se e participar plenamente da vida”. Para PECES BARBA são “[...] faculdades que o Direito atribui a pessoas e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades relativas à vida, liberdade, igualdade e participação política ou social ou de qualquer outro aspecto fundamental”. Para PERES LUNO, que enfoca a evolução histórica dos direitos humanos para conceitua-los como “[...] conjunto de faculdades ou instituições que em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdades humanas que devem ser reconhecidas pelos ordenamentos positivos dos Estados”. Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, consiste em “conjunto mínimo de direitos necessários para assegurar uma vida do ser humano baseada na liberdade, igualdade e na dignidade”. 2.2. Conceito de Direito Internacional dos Direitos Humanos ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS conceitua Direito Internacional dos Direitos Humanos como o “[...] conjunto de direitos e faculdades que garantem a dignidade da pessoa humana e se beneficiam de garantias internacionais institucionalizadas”. Para VILLÁN DURÁN, o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um “[...] sistema de princípios e normas que regula a cooperação internacional entre os Estados e cujo objetivo é a promoção do respeito aos Direitos Humanos e liberdades fundamentais Página 10 de 32 universalmente reconhecidas, assim como o estabelecimento de mecanismos de garantia e proteção de tais direitos”. O marco inicial do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos é a Carta de São Francisco, o tratado internacional que criou a ONU editada em 1945, logo após o fim da 2ª Guerra Mundial, que em seu preâmbulo manifestou o objetivo de “consagrar a vontade internacional de proteção dos Direitos Humanos”, embora tenham existido outros documentos importantes como os que buscaram o fim da escravidão, convenções de paz como a Convenção de Haia, respeito à dignidade na Guerra como Convenção de Genebra, o respeito aos Direitos do trabalhador pela criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho). 3. Terminologia Tanto na doutrina quanto no direito positivo(nas normas tanto nacionais quanto internacionais) se percebe a ampla utilização de diversos termos para e expressões para traduzir o conceito dos chamados “direitos humanos”. Estão entre as mais citadas, “Direitos fundamentais”, “liberdades públicas”, “direitos da pessoa humana”, “direitos do homem”, “direitos da pessoa”, “direitos individuais”, “direitos fundamentais da pessoa humana”, “direitos públicos subjetivos” e finalmente “direitos humanos”. No ordenamento jurídico brasileiro, a própria Constituição faz diferentes utilizações: Art. 4º , II – Direitos humanos. Título II – Direitos fundamentais. Art.5º, XLI -Direitos e liberdades fundamentais. Art. 17 – Direitos fundamentais da pessoa humana. Art. 34 – “direitos da pessoa humana”. Art. 60 – Direitos e garantias individuais. ADCT, Art. 7º - “Direitos Humanos”. No direito Internacional isso também ocorre: Declaração Americana dos Direitos e deveres dos homens (preâmbulo) –Direitos naturais, Direito do Homem e Direitos essenciais dos Homens. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos – Direitos do Homem, Direitos Fundamentais dos homens e Direitos e liberdades fundamentais dos homens. Carta da Organização das Nações Unidas – Direitos humanos; Liberdades fundamentais. Considerandoessa ausência de precisão terminológica, PERES LUNO menciona que trata- se de um “paradigma de equivocidade” que pode conduzir a uma dificuldade na determinação do objeto de estudo. Assim, se pergunta: Afinal um texto legal que menciona “direitos humanos básicos” pode ter o mesmo tratamento jurídico de um que use o termo “direitos humanos”?Em alguns casos sim. Página 11 de 32 O surgimento de tantas terminologias está intrinsecamente ligado ao fato de que no decorrer da evolução do conceito, a denominação de tais direitos foi sendo alterada. Ou seja, com o passar dos anos, a proteção dos direitos humanos foi se ampliando, no sentido de alcançar a tutela de novos direitos essenciais (ia aumentando a amplitude da proteção de determinado direito e conseqüentemente a terminologia foi mudando). Abaixo se menciona as críticas apontadas por RAMOS a cada uma dessas terminologias para que se alcance a mais exata: 3.1. Direitos Naturais Essa denominação foi muito utilizada pelos jusnaturalistas que os consideravam como inerentes à natureza do homem. Contudo tal visão é considerada ULTRAPASSADA em razão de que pela historiciedade entende-se que são direitos conquistados gradualmente frente ao Estado e não algo “natural”. Assim é importante compreender que o Direito é sempre uma ficção, uma criação humana, ou seja, não é algo natural, mas algo construído, convencionado. 3.2.Direitos do homem Trata da mesma inspiração jusnaturalista de proteção de determinados direitos do indivíduo, no momento histórico de sua afirmação frente ao Estado autocrático europeu nas revoluções liberais. Assim, se aplica a mesma crítica referenciada ao termo “direitos naturais”. Além disso, há quem critique o caráter sexista do termo, que não contempla a mulher. 3.3.Direitos Individuais Apesar de haver grande utilização do termo, este contempla somente a proteção de uma parcela de bens tutelados pelos direitos humanos, os chamados “Direitos de primeira geração ou dimensão” (vida, liberdade, igualdade, propriedade). Como se verá, atualmente discute-se até a 5ª geração ou dimensão dos direitos. Dessa forma, chamar a totalidade dos direitos humanos de direitos individuais é inadequado, pois não contempla a proteção de todos os bens considerados atualmente indispensáveis para que se tenha uma vida digna. 3.4. Liberdades Públicas De uso freqüente na doutrina francesa, está voltado para a participação e liberdade política, mas é criticado por não englobar os direitos econômicos e sociais (de 2ª geração).Existem assim, para JORGE MIRANDA, uma exclusão das prerrogativas do plano econômico e social do Estado. 3.5. Direitos Públicos subjetivos. Criado pela Escola Alemã de Direito Público do Século XIX, tem um nítido caráter de “direito contra o Estado”. Por ser um direito que limita a ação do Estado, se entende que ignora a transição do Estado Gendarme, que é aquele que não realiza intervenções para o Estado Social (Wellfare State) ou Estado de bem estar social que tem como principal característica a intervenção na sociedade. Além disso, considerando que os direitos humanos podem regular relações entre particulares (eficácia horizontal) a expressão acaba por deixar de ter maior utilização. Página 12 de 32 3.6.DIREITOS HUMANOS X DIREITOS FUNDAMENTAIS Existe uma corrente doutrinária que entende que Direitos humanos é expressão voltada para Tratados Internacionais sobre a Matéria, enquanto que “direitos fundamentais” é expressão utilizada pelo ordenamento pátrio. Essa é a visão INGO WOLFGANG SARLET e também de Constitucionalistas como GILMAR MENDES. Apesar da visão da doutrina acima mencionada, conforme explica outro doutrinador pátrio de referência, PAULO BONAVIDES, trata-se de uma questão de tradição. Segundo o autor, o termo Direitos Humanos é mais utilizado na América e em países latinos, ao passo que a expressão Direitos Fundamentais é mais utilizada na Europa e países da Europa Ocidental. Neste sentido menciona que existe uma Convenção européia denominada Convenção dos Direitos Fundamentais, sendo que se trata de um documento internacional. Para exemplificar, pode-se mencionar que recentemente foi criada a “Carta dos Direitos fundamentais da União Européia” que é um declaração internacional de Direitos dos países integrantes da União européia e mesmo assim, utilizou-se o termo “direitos fundamentais”. RAMOS não é adepto a diferenciação adotada por MENDES, JORGE MIRANDA e INGO WOLFGANG SARLET. JORGE MIRANDA leciona que utilização do termo “Direitos humanos” tem o condão de tornar mais transparente a atinência desses direitos ao individuo e em detrimento da visão que esse direitos pertencem ao Estado ou organização internacional. Por outro lado, uma outra crítica, é a de que a expressão é redundante porque somente o ser humano pode ser titular de Direitos. Contudo, apesar das considerações críticas, o termo é bem prestigiado por propor que é um direito que cabe a todo aquele que tem a condição humana, independente de desigualdades, sendo assim um “direito de todos”. 3.7. Direitos humanos fundamentais e Direitos fundamentais dos homens Como se mencionou, já se observa a utilização dessa expressão, que é uma mistura de direitos humanos e direitos fundamentais, que neutraliza a discussão acima. 4. Estruturas das normas de Direitos Humanos: princípios e regras. Para ALEXY, a estrutura do ordenamento jurídico é divido em regras e princípios. Segundo RAMOS, “As regras correspondem a enunciados jurídicos tradicionais, nos quais se engloba um pressuposto fático e uma conseqüência jurídica”. Por exemplo: Aquele que mata outrem será preso em flagrante. Já os princípios são “mandamentos de otimização de um determinado valor ou bem jurídico, ordenando que esse bem jurídico seja realizado na maior medida do possível”. Dentro da estrutura de princípio está a NORMA. Exemplo: Página 13 de 32 “todos tem direito a um processo com duração razoável” – como se percebe, não há pressuposto de fato, nem conseqüência jurídica. 4.1. Momento da aplicação As regras se diferenciam dos princípios não somente no enunciando, mas no momento da aplicação. As regras são aplicadas a partir da técnica da subsunção que consiste em determinar se o caso concreto ajusta-se ou não ao pressuposto fático do enunciado jurídico. Caso a resposta seja positiva, aplica-se a conseqüência jurídica sendo conhecida como a regra do “tudo ou nada”. Já os princípios são aplicados mediante a técnica da ponderação, em que não se acata a regra do “tudo ou nada” da subsunção (ou se ajusta ou não se ajusta ao pressuposto fático), mas responde à lógica do “mais ou menos”, ou seja, perante o caso concreto, no conflito entre princípios (qual princípio será aplicado) prevalecerá o princípio que mais se aproximar do bem jurídico que se busca aperfeiçoar ou que é a base da validade do sistema (No Brasil estão presentes no artigo 1º, Incisos). Assim, há a busca por uma maior otimização (aperfeiçoamento) do valor ou bem jurídico nele contido, nas medidas da possibilidade do caso concreto. Os Direitos humanos são majoritariamente formados por princípios, contudo existem regras de direitos humanos como a “exigência de ordem judicial ou flagrante delito para que alguém seja preso”. Segundo ALEXY, a diferenciação das normas de Direitos Humanos em princípios e regras é importante para o estudo da disciplina, uma vez que é necessário compreender como é desempenhado o papel dos Direitos Humanos em um ordenamento. 5. Fundamentação dos Direitos Humanos Neste momento, o objeto do estudo é a análise das principais teorias que historicamentebuscaram explicar o fundamento dos Direitos Humanos, ou seja, a discussão que busca saber qual foi o motivo determinante para a existência de tais Direitos. Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, as fundamentações dos Direitos humanos são as “[...] razões que legitimam e motivam o reconhecimento dos Direitos Humanos”. 5.1. Negacionistas NOBBERTO BOBBIOé uma grande referência da Teoria “Negacionista” que entende que não há fundamento absoluto dos Direitos Humanos, não sendo possívelapontar um motivo específico que o legitima e que promova o reconhecimento. Na visão do jurista, essa tarefa de apontar um fundamento absoluto dos Direitos Humanos, trata-se de uma tarefa impossível, pelo que apresenta motivos: 1) Há divergência até na definição do que seria o conjunto de direitos humanos. Aqui o aspecto abordado pelo filósofo é o seguinte: considerando que o conceito de direitos humanos é todo conjunto de regras que conduzem ao tratamento e reconhecimento da existência digna do ser humano, pode-se dizer que houve Direitos Humanos na Grécia antiga, em Roma e mesmo, no período da Idade Média. Contudo, Página 14 de 32 como se sabe esse tratamento não era destinado a todos. Como se viu, é possível assim fazer um recorte, no sentido de que, a partir do Século XVIII, com a revolução burguesa (seja na França ou nos EUA) e a Modernidade é que surgem os direitos humanos universais, ou seja, quando esse tratamento digno passa a ter como alvo, todas as pessoas, independente de distinções com etnia, raça, credo, classe social, etc. Assim, dependendo do autor, há divergência na definição do que seria o conjunto dos Direitos Humanos. 1) BOBBIO afirma que os Direitos Humanos constituem uma classe de direitos variável, conforme nos mostra a evolução de seu rol. Para Bobbio é possível verificar que com o passar dos tempos houve ampliação do rol dos Direitos Humanos, sendo absolutamente possível que um Direito que não é considerado como integrante do rol dos Direitos Humanos possa no futuro passar a ser ou mesmo, deixe de ser. Logo é impossível fundamentar Direitos Humanos de modo unívoco, pois cada contexto histórico possuiria sua própria fundamentação. 2) Os Direitos Humanos constituem uma categoria heterogênea, possuindo pretensões muitas vezes conflitantes a exigir muitas vezes a ponderação. Neste sentido, para BOBBIO, apresentar um fundamento absoluto de Direitos Humanos poderia configurar um pretexto para petrifica-los, ou seja, impedir a evolução dos mesmos. 3) Seriam esses Direitos fundados em meros juízos de valor Tal afirmação baseia-se no seguinte raciocínio: os valores dependem de convicção pessoal, ou seja, o que é justo para alguns pode não ser para outros; o que é digno para alguns pode não ser para outros; e ainda, o que é moral para alguns pode ser imoral para outros. Ou seja, sendo baseados em juízos de valores, que mudam conforme a época, como se viu no exemplo das Polis gregas, do período da Igreja, do Estado absolutista e mesmo no Estado de Direito, é impossível apontar um motivo, um fundamento absoluto para o surgimento dos Direitos Humanos. 4) Os Direitos Humanos foram conquistas históricas em face da arbitrariedade dos detentores de poder. Contudo a importância de analisar a fundamentação dos Direitos Humanos nos dias de hoje, é justamente, a análise da relação direitos humanos e direito positivado pelo Estado, o que se torna mais importante ainda, quando há ausência explícita do reconhecimento de algum desses direitos pelo Estado. 5.2. Jusnaturalistas Reconhecida a importância das análises, adentra- se a correntes ideológicas que apontam um fundamento para os Direitos Humanos. Neste sentido, para a corrente jusnaturalista, o fundamento dos direitos humanos é a própria natureza do homem, ou seja, são direitos anteriores mesmo ao surgimento do Estado, que acompanha o homem desde o seu surgimento. Página 15 de 32 Um dos mais antigos registros sobre o assunto está na obra de Sófocles, “Antígona3”. Assim existiriam normas anteriores e superiores em relação ao Direito estatal posto. Em sua obra, ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, faz análise de duas correntes do Jusnaturalismo: (A)Direito Natural de inspiração divina. A grande referência dessa visão são os estudos de responsabilidade do teólogo SÃO TOMÁS DE AQUINO. Para este, “[...] a lexhumana deve obedecer a lexnaturalis, que era fruto da razão divina, mas perceptível pelos homens”. Assim, pode-se dizer que o fundamento dos Direitos humanos seria a natureza dos homens, e o que há de natural, “comum” entre os homens é o fato de que todos são “filhos de Deus”. (B)Direito Natural moderno ou da “razão humana”. Tendo como precursor HUGO GRÓCIO, apontado como um dos fundadores do Direito Internacional moderno, sustentou no decorrer do Século XVI, a existência de um conjunto de “normas ideais” que são frutos da “razão humana”. Assim esse Direito Natural seria revelado pela própria razão e por isso, o direito dos legisladores humanos encontrava como obstáculo, a lei imutável e eterna que é a razão. Pode-se observar assim, que a corrente Jusnaturalista propõe que existe um direito preexistente ao Direito produzido pelo homem que ou é oriundo de Deus, ou é oriundo da razão. Os 3 Texto complementar 3. Direitos Humanos seriam assim os equivalentes atuais dos Direitos Naturais. (C)Iluminismo de LOCKE e ROSSEAU Os iluministas retornam a discussão dos Direitos Naturais e a utilização doJusnaturalismo como fundamento dos Direitos Humanos. Isso fica claro em suas perspectivas no sentido de que há supremacia do indivíduo em relação ao Estado, que deve observar um Contrato social focado na realização dos direitos do Homem. Na transição do século XVII para XVIII surgem documentos como a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, que estabeleceu em um de seus dispositivos que “[...] a finalidade de toda associação política é a conservação dos Direitos Naturais imprescritíveis”. Para essa corrente iluminista os direitos humanos são direitos atemporais e inerentes a qualidade de homem de seus titulares. Nesse período era comum tais teóricos afirmarem que o homem “nasce livre e igual em dignidade”. Apesar de sua influência sentida até nos documentos atuais sobre Direitos Humanos o jusnaturalismo sofre de falta de comprovação no que pertine à afirmação de que tratam-se de Direitos INERENTES aos homens. Mais uma vez a crítica que se faz é que a “natureza” do homem, ou seja, a compreensão do que seja natural ao homem, foi passível de mudança com a passar dos períodos históricos. ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS enuncia 3 exemplos de previsões jurídicas relacionada ao destino dos bens e riquezas daqueles que falecem: Página 16 de 32 1) Retorno dos bens à comunidade; demonstra o ser humano solidário com seus iguais que fazem parte da mesma comunidade. 2) Transmissão de pai para filho; Demonstra um instinto do ser humano de preocupar-se como a prole. 3) Livre disposição do proprietário em testamento: Mostra a natureza do ser humano livre e autônomo, capaz de dispor de seus bens. Como se vê, todas as três alternativas são compatíveis com a natureza humana. Dessa forma conclui-se que:A História mostra que os direitos humanos são direitos conquistados, não são naturais. Mais relacionados àS relações de troca e concessões entre governantes e governados nos diversos períodos históricos, sendo até possível que um direito consagrado seja posteriormente retirado dos catálogos dos Direitos Protegidos. Como exemplo, o fato de que o Direito de Propriedade,contemplado na Declaração Universal dos Direitos Humanos não foi contemplado no Pacto Internacional dos Econômicos Sociais e Culturais da ONU. 5.3. Positivistas O surgimento de um novo formato de Estado no período da revolução francesa levou a consolidação de uma nova organização do poder estatal a partir de ordenamentos jurídicos e criação de Constituições escritas. Nesse sentido se deu a adoção dos preceitos da Escola positivista que desenvolveu ao longo do Século XIX e XX traduzindo a idéia de um ordenamento jurídico criado de modo coerente por meio de uma pirâmide de hierarquia das leis. Assim as constituições passam a estar no topo da hierarquia das leis, e os direitos humanos passam a ser positivados nessas Constituições. Dessa forma, conforme indica ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, para a Escola positivista, o fundamento dos Direitos humanos seria a existência de uma lei positiva, em que o pressuposto de validade estaria em sua edição conforme as regras de uma Constituição. A justificativa dos Direitos Humanos passa a ser a validade formal: a justificação desses direitos está na vontade da lei e a vontade da lei é que fundamenta a preservação e reconhecimento dos Direitos Humanos. Contudo esse fundamento se enfraquece quando a lei é omissa ou contrária a dignidade da pessoa humana. O exemplo Nazista demonstra a fraqueza dessa visão positivista do fundamento dos Direitos Humanos. Nesse sentido explica FÁBIO KONDER COMPARATTO: “É justamente aí que se põe de forma aguda, a questão do fundamento dos Direitos humanos pois sua validade deve se assentar em algo mais profundo e permanente que a ordenação estatal, ainda que se baseie em uma Constituição”. Nesse sentido, a preocupação é que o regime de direitos humanos fique sujeito aos interesses políticos de um determinado modelo de Estado. Como se sabe, no Nazismo todo o abuso, discriminação e intolerância contra os judeus, negros, homo afetivos e ciganos, estava previsto em normas jurídicas, que inclusive previam a condenação e mesmo, a execução daqueles que desrespeitassem tais normas, não havendo Página 17 de 32 previsão de Direitos Humanos para esses indivíduos. Sabe-se também, mediante a obra Hannah Arendt (1906-1975), teórica política alemã, em seu livro "Eichmann em Jerusalém: informe sobre a banalização do mal”, que no julgamento de Eichmann, importante autoridade da Alemanha nazista, este ao ser questionado sobre o mal que tinha promovido, autorizando por vezes a execução dos inimigos do nazismo, respondeu que estava simplesmente cumprindo as normas, a legalidade e, que se não cumprisse seria sancionado. A partir desse exemplo é possível perceber o enfraquecimento do paradigma positivista do Direito, o paradigma do deontológico da norma posta. Dessa forma é completamente temerário fundamentar o reconhecimento dos Direitos Humanos na lei, no positivismo. 5.4. Fundamentação moral ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS menciona o conceito de DWORKIN dos “Direitos Morais” que seriam o conjunto de direitos subjetivos originados diretamente de valores (contidos em princípios) independentemente de regras positivas. A partir desse conceito, entra em discussão a equivalência dos Direitos humanos como Direitos morais que não tem sua “validade condicionada a uma norma positiva mas sim aos valores morais da coletividade humana”. A inserção da moralidade no ordenamento se daria por meio de princípios jurídicos, mesmo que não positivados. DWORKIN menciona os chamados hard cases em que os interpretes debatem termos de direitos e obrigações jurídicas, a partir da análise de padrões que não funcionam como regras propriamente ditas, mas como princípios. O princípio serve para direcionar o interprete em determinada direção quando do conflito das normas jurídicas. Pode-se dizer que os direitos morais são mais que exigências éticas do jusnaturalismo, pois são títulos “na acepção de pretensão que permitem exercer direitos”. Segundo a transcrição de ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, Para CARLOS NINO, “a diferença entre o jusnaturalismo clássico e esse novo positivismo é que se determina o Direito não somente pelas fontes formais, mas também em sua aplicação”. Dessa forma, a fundamentação moral seria esse novo fundamento dos Direitos Humanos que estaria na reconciliação dos valores éticos morais do jusnaturalismo clássico com o positivismo jurídico, no sentido que agora, o princípio que contém tais valores passa a ser positivado, na forma de princípios, um novo positivismo, um pós-positivismo, em que a validade da norma está condicionada à observância dos valores de justiça e de dignidade da pessoa humana, que os constitucionalista denominam de Neoconstitucionalismo, verdadeira axiologia positiva. Página 18 de 32 6. Classificação do rol de Direitos Humanos Em 1979, em uma Conferência Internacional de Direitos Humanos no Instituto Internacional dos Direitos do Homem em Estrasburgo, um jurista francês chamado KAREL VASAK, classificou os Direitos Humanos em três gerações cada uma como características próprias, a partir de uma análise histórica, jurídica e social que denominou de Teoria das Gerações dos Direitos Humanos. É relevante ressaltar que PAULO BONAVIDES, jurista brasileiro propõe o uso da expressão “dimensão” ao invés de “geração” pelo fato de que o surgimento de uma geração aniquila a geração anterior, quando o que acontece, no caso dos Direitos Humanos, é que o posterior surgimento de outras espécies de Direitos Humanos não impede ou aniquila os anteriores, e sim, há uma ampliação do rol e uma relação harmônica. Já o termo “dimensão” induz à compreensão de que há uma interação entre os direitos que fazem parte do rol e não uma aniquilação. Neste sentido FLÁVIA PIOVESAN entende tratar-se realmente de uma interação entre os direitos e exemplifica com a propriedade e a necessidade do exercício de uma função social o que demonstra a interação da primeira e segunda geração. Mediante tal classificação, o jurista em questão aponta o surgimento de espécies de Direitos humanos, a partir do contexto histórico, social, cultural e econômico percorrendo necessariamente a análise da transição dos modelos estatais. 6.1.Direitos de 1ª geração (dimensão) ou Direitos Civis e Políticos ou Direitos da Personalidade ou Direitos de Liberdade. Contextualização: O antigo regime. No período do absolutismo, as garantias de direitos humanos estavam pautadas em tradições e costumes do passado que asseguravam o tratamento digno apenas para algumas classes privilegiadas, sendo que a grande maioria da população não era possuidora de direitos básicos como a vida, a integridade física e a liberdade (em todas as suas variantes), igualdade, a segurança jurídica e o direito a julgamento por um tribunal imparcial, podendo-se dizer que não eram “sujeitos de direito”. Nesse sentido, o povo não possuía direito à vida e integridade física, pois a qualquer momento, se fosse vontade do Estado (soberano), independente de um julgamento imparcial, um indivíduo poderia ser condenado a uma pena de morte em praça pública, prática que ficou conhecida como “suplícios”, ou mesmo, se não perdesse sua vida, poderia ser submetida a castigos cruéis que maculavam a integridade física. Neste sentido uma pessoa poderia ser gravemente machucada e perder algum membro como braço e perna, e ainda, homens e mulheres não possuíam os mesmos direitos. Já o direito de propriedade também não existia, pois a qualquer momento essa poderia ser usurpada por um oficial do Estado ou mesmo, um Página 19 de 32 bando de ladrões. O ambiente não era propício para os negócios,pois não havia segurança jurídica e muitas vezes, contratos não eram cumpridose tributos abusivos eram cobrados junto aos comerciantes. Não havia liberdade em nenhum de seus aspectos, como locomoção, opinião ou crença, havendo escravismo, a censura que não permitia a livre manifestação, opiniões divergentes em relação à opinião dos governantes, nem propagaçãomediante meios de comunicação. Quem não observasse a religião do governante poderia ser queimado vivo e sabe-se ainda da prática constante de queima de livros. Todas essas práticas estavam intrinsecamente ligadas à questão econômica. Nesse período, tratava-se do mercantilismo, em que o Estado buscava enriquecer a partir da aquisição de bens e valores, como ouro, madeira e especiarias, além da progressiva aquisição de propriedades seja o governo da realeza, seja o governo da igreja. Para que o mercantilismo funcionasse, não era necessário preservar, cuidar das pessoas, pois a riqueza do sistema não se baseava na exploração do trabalho das pessoas e conceder a elas direitos ou não era algo irrelevante. Como não se concedia direitos, o perigo de revoltas era muito grande e portanto, em razão dessa falta de controle, como se verifica da leitura de “vigiar e punir”, obra de Michel Foucault, era necessário governar as pessoas pelo medo, mostrar exemplos, o que inspirava a prática das execuções em praça pública. 6.1.2.Revolução burguesa Com a queda da nobreza e ascensão da burguesia como classe hegemônica mediante revoluções ocorridas em todo o mundo, os novos governantes se deparam com um “rebanho” (povo governado) completamente desordenado e descontrolado, pois ao passo que havia muita ilegalidade, seja do povo, seja das classes que se juntavam para burlar algum interesse do Estado (por vezes classes ricas apoiavam classes mais baixas para burlar alguma lei que consideram abuso estatal) seja dos próprios governantes (reis que confiscavam bens das pessoas) a implementação de um novo paradigma econômico, o capitalismo, era algo impossível. Se fez necessário organizara “casa” e criar umasociedade pautada na legalidade. Para organizar a “casa”, a fórmula escolhida foi o Direito, mas diferente do que se fazia antes (uso de normas costumeiras) sendo que agora, a utilização do Direito baseava-se na utilização de normas positivadas, o uso da lei e da legalidade, seria a única forma de implementar o capitalismo. Nesse momento com a intenção de desenvolver o industrialismo, as pessoas passam a ser importantes, pois o sistema ia se basear na exploração do trabalho assalariado. Outro aspecto, como se sabe, é que sendo o capitalismo um sistema pautado no lucro, um grande comerciante não poderia lucrar se no momento em que seus empregados roubassem estoque, não houvesse como promover responsabilização civil ou penal. Considerando esses dois aspectos, se afigurou como necessário a criação de normas de direito, e ainda, a concessão Página 20 de 32 da condição de “sujeito de direito” às pessoas,o que facilitava o controle. Além disso, para instalar o capitalismo, sendo necessário ter trabalhadores nas fábricas, estes deveria haver pessoas “vivas” nas fábricas, com condições de trabalho (possuir integridade) além de que deveria haver uma massa de consumidores. Foi assim que se afastou o escravismo, as penas capitais, as torturas, a intolerância religiosa, os privilégios para somente uma parcela da população. Houve a criação de tribunais com juízes imparciais e também o surgimento dos meios de comunicação. 6.1.3.Modelo de Estado: Surgiu o Estado Liberal, “burguês”, “Gendarme” ou simplesmente “Estado de Direito”. Pode-se dizer que esse modelo de Estado era o inverso do Estado absolutista, pois não buscava de forma “absoluta” o enriquecimento, não buscava governar tudo e sim, se preocupar com o cumprimento da lei e não intervir na vida e liberdade das pessoas, ou seja, não intervir em seus direitos individuais. Assim, diz-se que é o Estado de prestações negativas ou não interventivo, pois tem obrigação de “não fazer”, não intervir na vida, liberdade e propriedade das pessoas. 6.1.4.Foco: Individualismo. Esses direito são também chamados de Direitos da personalidade, pois são fundamentais para o desenvolvimento da personalidade. 6.1.5.Espécies - Vida; - Integridade física; - Propriedade; -Liberdade (locomoção, expressão, religião, comércio); - Igualdade formal. Obs. Nessa espécie, todos são iguais perante a lei que não diferencia nem pessoas desiguais. - Intimidade/imagem; - segurança jurídica; ‘ - Devido processo legal; - Direitos políticos; 6.1.6.Marcos documentais 1)Declaração de Direitos da Virginia (EUA 1776) 2)Declaração de Independência (EUA 1776) 3) Constituição dos EUA (1787) 4) Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão (França 1789). 6.2. Direitos de segunda geração (dimensão) ou Direitos Sociais ou Direitos da Igualdade substancial. 6.2.1. Contextualização: a decepção com a mão invisível. Após um século do surgimento e consolidação da proposta do Iluminismo em todo mundo, do Estado liberal de prestações negativas, dos direitos e garantias de 1ª geração, não ocorreu a esperada igualdade social e de renda. Essa previsão foi de autoria de Adam Smith, o economista que teorizou sobre a “mão invisível”. Página 21 de 32 A partir dessa visão haveria uma estabilização social e de renda, pois o capitalismo se “auto compensaria”. Contudo com a explosão demográfica, e mesmo, na prática isso seria impossível pois, o capitalismo é um sistema econômico pautado na concorrência, ou seja, desigualdade. Dessa forma, as desigualdades se tornaram gritantes em vários âmbitos, como por exemplo: no acesso à quase todas as oportunidades como educação, saúde, moradia, lazer, saneamento e no trabalho (entre empregado e empregador). Ideologicamente falando, a grande teoria que fundamentou o surgimento dos direitos de segunda geração foi o socialismo, que surge como crítica ao capitalismo e indicava a falta de justiça social em relação à distribuição de renda. Os principais teorizadores do movimento era líderes sindicais pertencente à classe do “proletariado”, ou seja, a massa de trabalhadores e operários das grandes empresas. Esses líderes, em sua maioria eram russos ou franceses. Pode-se mencionar os nomes de Marx, Engels, Lenin, Trotsky na dita corrente “comunista”, uma vez que estes almejavam a consolidação do “comunismo” que propunha um Estado onde houvesse socialização dos meios de produção, ou seja, todos teriam acesso à produção dos bens de consumo e não somente os empresários. Contudo, os mesmos entendiam que o Estado não deveria ser abolido. Quando o golpe ocorreu na Rússia, o que se viu foi uma inversão de posições, e por isso, o movimento foi vulgarmente denominado de “ditadura do proletariado”. Por outro lado, alguns socialistas buscaram outro rumo: Proudhon, Bakunin, Godwin buscavam o socialismo, mas com a extinção do Estado, sendo que a sociedade é que iria se auto organizar, o poder seria social e não estatal. Em razão disso, receberam a alcunha de Anarquistas. Deixando o historicismo de lado, é possível dizer que havia alguns interesses em jogo além da vontade de justiça social. Segundo Eros Grau, em seu livro “Direito Econômico na Constituição de 1988”, o autor menciona que essa melhora na vida das pessoas foi uma necessidade do industrialismo, pois, os trabalhadores não tinham educação, formação, saúde necessária para trabalhar e as epidemias e os problemas decorrentes dessas condições impediam a criação de médias e previsões sobre custos com certa segurança estatística,pois de uma hora para outra poderia haver a perda de todo o corpo de trabalho. Michel Foucault, em o “nascimento da biopolítica” explica o surgimento desse “poder sobre a vida”, ou seja, essa forma de investimento nas pessoas, uma vez que o sistema está pautado na exploração da vida das pessoas. Se as riquezas são criadas por um rebanho, é melhor investir na saúde desse rebanho para que este seja mais lucrativo. 6.2.2.Modelo de Estado: Estado social, Estado dirigente, Estado de bem-estar social, Wellfare State, Estado interventivo.Com a decepção com relação aos efeitos do capitalismo, surge uma grande desigualdade social e de renda. Assim esse modelo estatal busca trazer justiça social alterando os papeis do modelo anterior, Página 22 de 32 passando a ser de prestações positivas. Ou seja, este Estado deverá ter obrigações de fazer, fazer escolas públicas, saúde pública, moradias gratuitas, lazer público, intervir nas relações de trabalho, mediante normas e legislação trabalhista, inclusive autorizando a fiscalização. A principal função é de intervenção na economia, para assegurar a igualdade. Ou seja, se no modelo anterior, o Estado deixa um espaço livre para o comércio, este modelo social intervém na economia, assumindo em alguns casos, o próprio papel de prestar o serviço. Em razão dessa orientação, no fim do século XX, houve uma crítica a esse modelo, pois o Estado cresceu demais e não se manteve em superávit, se tornou deficitário e muito burocrático, assumindo a exploração de quase todos os serviços e não os prestando de forma correta como, por exemplo, na educação, saúde, telefonia, água, energia elétrica, petróleo, etc. Posteriormente surge o neoliberalismo, que esvazia o Estado, trazendo o surgimento das agências estatais, em que o papel do Estado passa a de ser regulador e não prestador das atividades econômicas mediante os serviços. 6.2.3.Foco: justiça social. Todos as prestações estão relacionadas à busca da justiça social. Espécies de Direitos - Educação pública; - Saúde Pública; - Lazer público (praças públicas); - Moradias públicas; - Direitos trabalhistas; - Previdência e assistência social. 6.2.4.Marcos documentais 6.3. Direitos de terceira geração (dimensão) ou direitos da solidariedade, comunidade ou fraternidade. 6.3.1. Contextualização: Segundo ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, a terceira geração dos Direitos é composta de direitos relacionados ao âmbito coletivo, seja de uma vizinhança, de um grupo de pessoas, de uma comunidade ou mesmo, da humanidade. Enfim, o critério para distingui-lo dos demais é simplesmente o fato de que são transindividuais, ou seja, superam o indivíduo. Em âmbito interno dos Estados, são denominados de Direitos difusos e coletivos. IMPORTANTE: Muitas vezes acontece o equívoco do aluno em pensar que os direitos de 2ª geração são chamados de “direitos sociais” por serem direitos coletivos, mas na verdade possuem essa alcunha por serem direitos que buscam a justiça social, sendo os de 3ª geração, os verdadeiros direitos da coletividade. Estão relacionados com a descoberta do homem vinculado ao planeta terra, com recursos finitos, divisão desigual de riquezas, círculos viciosos e ameaças concretas à espécie humana. 6.3.2.Foco: A coletividade, a humanidade. Modelo de Estado: O modelo de Estado que se busca é o Estado ligado à comunidade Página 23 de 32 internacional, que abre mão de parte de sua soberania para observar regras internacionais. Diz- se também que há a pretensão de criar, neste sentido, uma nova ordem mundial em que haja um único governo. 6.3.3.Espécies - direito ao desenvolvimento; (principalmente reivindicado pelo países subdesenvolvidos) - direito à paz; - direito à autodeterminação; - direito ao meio ambiente equilibrado; - Reivindicação sobre o desarmamento; - Reconhecimento do fundo dos oceanos como patrimônio comum da humanidade; - Tombamento de patrimônios internacionais; 6.4. Direitos de 4ª geração (dimensão) ou da Globalização ou da globalização política ou da cidadania. 6.4.1.Contextualização: O neoliberalismo político caminha silenciosamente para o predomínio e garantia de um status quo, sem qualquer referência a valores. Isso ocorre porque o neoliberalismo está preocupado em implementar uma “ordem de mercado”. Ou seja, o Direito perde a função de ser o fundamento de validade ou legitimidade de alguma atividade, sendo substituído pelo mercado. Assim, se alguma atividade é lucrativa para o mercado, as discussões sobre dignidade e valores vai por terra, entrando em jogo, a utilização do direito enquanto regra do jogo e não como fundamento de validade. Exemplo: teóricos neoliberais postulam acerca da liberação das drogas (uma vez que é um grande mercado) propondo somente que o tal seja regulamentado pelo Direito. Não há discussão sobre dignidade do “viciado” ou saúde pública. 6.4.2.Foco: busca-se assim uma globalização política em que todos os países deveriam se organizar na forma de uma democracia direta, possível graças ao avanço tecnológico, aumentando a possibilidade de cidadania, ao pluralismo, à participação democrática. Assim, segundo PAULO BONAVIDES: “Já na democracia globalizada. O Homem configura a presença moral da cidadania. Ele é a constante axiológica, o centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do sistema. Nessa democracia, a fiscalização da constitucionalidade daqueles direitos enunciados – direitos, conforme vimos, de quatro dimensões distintas, - será obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional suprema”. 6.4.3. Espécies de Direitos - direito à democracia; - direito à informação; - direito ao pluralismo; -democracia direta globalizada e que tecnologicamente permite a Cidadania fiscalizadora das violações e materialização objetiva e axiológica das dimensões anteriores. Página 24 de 32 6.5. Direito à paz A quinta geração dos direitos humanos engloba somente a paz, já mencionada na 3ª geração, mas que agora toma um lugar central em razão dos novos tratados sobre a paz cada vez mais comuns frente aos constantes conflitos que ocorrem pelo globo. 7. Características dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. A análise das características dos Direitos Humanos na ordem internacional é relevante pois além de demonstrar o atual estágio de desenvolvimento da proteção dos direitos humanos na esfera internacional interessa ao jurista brasileiro, pois sendo o Brasil signatário de dezenas de tratados de direitos humanos essas características passam a ser de utilização no âmbito interno. Assim, se analisa cada uma dessas características: 7.1.Superioridade Normativa No Direito Interno, as normas que contemplam Direitos Humanos são, em geral, de estatura constitucional , o que as coloca em posição de superioridade hierárquica em relação as demais normas. Nesse sentido, os Direitos individuais são inclusive cláusulas pétreas, imutáveis, não podendo ser abolidas nem pelo poder constituinte derivado. Já no Direito Internacional, a posição de supremacia das normas de direitos humanos é fruto da existência de sociedade descentralizada e paritária que é a sociedade internacional. Segundo CARRILLO SALCEDO, a sociedade internacional é “[...] uma sociedade paritária e descentralizada relativamente não orgânica em que o destinatário da norma se confunde com o legislador e que o acordo passa a ser a principal fonte de normas”. Assim, como o conceito de sociedade internacional é recente, ou seja, basicamente surge no pós-guerra, essanoção de hierarquia de normas no Direito Internacional também é recente. Contudo, atualmente se discute o conceito de normas imperativas internacionais (normas cogentes) ou jus cogens que não podem ser derrogadas em razão de que são valores fundamentais da sociedade internacional, que somente podem ser derrogadas por normas de mesmo status, mesma dignidade. Dessa forma, as normas cogentes de Direito Internacional são aquelas que contêm valores considerados essenciais para a comunidade internacional prevalecendo quando em choque com outras normas de Direito Internacional. O jus cogensentão vem a ser o conjunto de normas internacionais insuscetíveis de serem derrogadas, abolidas, afastadas por outra norma que não seja também jus cogens também chamado de Direito Internacional imperativo. Analisando historicamente, o jus cogens surge na doutrina alemã como uma crítica ao voluntarismo no Direito Internacional, ou seja, o sistema convencional entre os Estados. A crítica se baseava no Direito Natural, que seria um limite Página 25 de 32 à vontade dos Estados, entendendo HEFNER que os tratados que desrespeitassem a moral da época eram nulos. Posteriormente, foi o jurista alemão VERDROSS um dos primeiros a sustentar a tese de um jus cogens desvinculado do Direito Natural e vinculado ao fato de que são expressão de valores considerados fundamentais pela comunidade internacional. Assim, para que fique claro: o Direito Internacional é composto de normas dispositivas, que são as não imperativas e que os Estados não são obrigados a seguir e as normas imperativas, que são aquelas em que este é obrigado a seguir em razão de que são normas que toda a comunidade internacional reconhece como fundamentais. A crítica relativa à teorização do jus cogens partiu de doutrinadores como SCHWARZENBERGER, se deu no sentido de que qualquer Estado pode então estar livre para caracterizar qualquer norma de Direito Internacional como jus cogens, ou pelo contrário para opor-se, por tratar-se de um conceito aberto. FRANCISCO REZEK, juiz brasileiro da Corte Internacional de Justiça se opõe ao conceito de jus cogens em por considerar o “consentimento” a base dos acordos em Direito Internacional. Contudo, o conceito de jus cogenscontinuou a ser desenvolvido, considerando o contexto mundial de risco à humanidade baseado nos recentes acontecimentos do Século XX como o apartheid, a Segunda Guerra Mundial e os desastres ambientais. Nesse sentido, a importância do jus cogens é a prevenção de mundiais da existência e consolidação de regimes de injustiça e discriminação como no período da colonização e apartheid à revelia do consenso mundial de dignidade ou mesmo, catástrofes mundiais que conduzam à extinção da humanidade. Neste sentido, ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS menciona que na década de 70, o homem se viu preso no planeta terra. A existência das normas internacionais imperativas foram reconhecidas pela Corte Internacional de Justiça em 1951 quando da interpretação das normas de Direitos Humanos contidas na Convenção de Prevenção e Repressão no crime de Genocídio. Tais interpretações não foram vinculantes mas influenciaram a criação da Convenção de Viena sobre o direito dos Tratados elaborada pela Comissão de Direito Internacional da ONU, que em seu art. 53 menciona expressamente o conceito de jus cogens, e indica ser nulo o Tratado que conflita com normas dessa espécie. Em razão da Convenção ter sido omissa sobre o rol de direitos que são considerados jus cogens, essa é a discussão que se faz hodiernamente: quais direitos humanos são considerados Jus cogens. Como se reconhece o caráter de jus cogens de uma norma internacional? Não existem tratados que estabelecem o rol de Direitos humanos internacionalmente imperativos, e dessa forma, restou ao costume internacional Página 26 de 32 esse reconhecimento de determinado direito por ser valor fundamental à comunidade internacional. Nesse sentido a Comissão de Direito Internacional da ONU deve reunir os Estados representativos de todas as tendências políticas e econômicas do mundo. Assim para que haja esse reconhecimento não é necessária uma unanimidade ou maioria, mas sim, que os principais blocos políticos e econômicos e existentes se manifestem a favor do reconhecimento. Sendo essa a forma de produção da norma imperativa é necessário saber quais normas de direitos humanos são reconhecidas. Nesse sentido o interprete deve buscar a análise de outras fontes de Direito Internacional como decisões judiciais e recomendações de instituições internacionais especializadas que não são normas mais ajudam a explicar o alcance das normas. A partir dessas decisões é possível levantar o seguinte rol: 1) Direitos de 1ª geração; (Comissão Internacional de Direito Internacional – ONU); 2) Normas internacionais de Direito Humanitário (Convenção de Viena, art. 60); 3) Vida, Integridade física, liberdade (Estatuto de Roma que criou o TPI, assinado por aproximadamente 161 Estados); 4) Proibição da Tortura (Tribunal Penal Internacional para Iugoslávia); 5) Proibição de desaparecimento forçado; 7.2. Universalidade Segundo PECES BARBA, a universalidade dos Direitos Humanos pode ser discutida a partir de 3 critérios: Titularidade – os direitos humanos pertencem a todos independente de raça, etnia, opção política, religiosa, afetiva, nacionalidade, entre outros. Temporal – Os direitos humanos são direitos universais pois sempre pertenceram aos seres humanos em todas as épocas, pelo simples fato de serem seres humanos. Cultural – São universais pois devem permear todas as culturas, por todas as partes do globo, apesar das diferenças históricas e contextuais. Abaixo será abordado o plano da titularidade; Titularidade dos Direitos Humanos A universalidade da titularidade dos Direitos Humanos remonta períodos históricos remotos como por exemplo a Grécia antiga e em Roma, momento em que Gaio, jurista romano do Século XII propõe o Ius Gentium, que seria o Direito pertencente a “todas as gentes”, somente pelo fato de serem pessoas humanas trazendo a idéia de “direito natural”. Mais a frente, se retorna a essa discussão com Hugo Grócio, Hobbes, Rosseau eLocke. O Direito natural também esteve presente, no século XVIII, na Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, na França e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, no século XX. Contudo, o momento mais recente, e Página 27 de 32 diga-se de passagem, importante, do reconhecimento da universalidade dos Direitos Humanos foi certamente a Convenção de Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, 1993. A Convenção contou com a participação de mais de 180 Estados, situação em que mais de oitocentas organizações não governamentais foram credenciadas como “observadoras oficiais” e mais de duas mil encontram-se no “Fórum das ONG´s”, com a participação de mais de 10 mil indivíduos conhecedores do tema. Como resultado, a criação de uma Declaração (que reconheceu a universalidade em seu parágrafo 5º como inerente a todos os direitos humanos) e um Programa de ação para a promoção dos Direitos Humanos. Apesar de ser essa a intenção da ONU, a proposta encara ainda muitas represálias, por parte de determinados países, em razão de que seus costumes históricos e culturais vão de encontro à dignidade universal da ONU. Tais países alegam que em razão de tais laços culturais se trataria de uma margem de apreciação, que para alguns se trata de uma máscara para o exercício do relativismo. São exemplos: 1. A clitoridectomia (mutilação da genitália feminina) defendida por alguns comotradição cultural de países regido pela religião mulçumana, mas que para os direitos humanos universais, trata-se de uma violação a dignidade e integridade física da mulher. 2. Punições exacerbadas: penas de morte no Texas, entidade federativa nos EUA; Assim questiona-se: São os direitos humanos universais? Tratam-se os Direitos humanos universais de um discurso ocidental orientado por um imperialismo estadunidense ou mesmo, dos países capitalistas? A universalização não seria uma ameaça a diversidade cultural? Os direitos humanos universais não violam o multiculturalismo? Objeções ao universalismo dos Direitos Humanos Visão antropocêntrica do mundo - Raimundo PANNIKAR defende que as culturas contrárias ao universalismo são aquelas que possuem uma visão cosmoteológica do mundo e não antropológica. Ou seja, se Deus é o centro, é a vontade de Deus, prevista em livros sagrado é que deve ser realizada. Expressão disfarçada do imperialismo- POLLIS e SCHWAB defendem que apesar da aprovação da Declaração Universal de Direitos Humanos sem qualquer voto em sentido contrário, houve oito abstenções (Bielorússia, Tchecoslosváquia, Polônia, União Soviética, Ucrânia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul). Além disso, menciona-se que muitas das potências que assinaram a declaração possuíam colônias principalmente na Ásia e na Africa. Países assinam convenções em razão da política externa–Para KAU WA MUTUA, vários Estados aderem a instrumentos internacionais para fins de política externa, sem implementar direitos humanos no cotidiano de Página 28 de 32 seus povos. Exemplo: A ditadura sanguinária criada por Mobutu no Zaire, aderiu à várias convenções internacionais. As potências utilizam o universalismo para alcançar fins econômicos e geopolíticos– Muitos países no cenário mundial se mostram incoerentes omitindo-se, em alguns casos na defesa dos Direitos Humanos, como por exemplo, quando os EUA realizou embargo à CUBA alegando que o overno local comunista havia realizado maciça violação de direitos humanos ao passo que apoiavam a China comunista. A cultura asiática tem como centro a comunidade e não o individualismo – Para NIARA SUDARKASA, na Ásia existe uma complexa relação do indivíduo com sua comunidade, o que inclui as noções de respeito, responsabilidade, auto restrição e reciprocidade, não havendo correspondência com a noção de Direito da cultura ocidental. A favor do Universalismo Justificativas culturais estão baseadas no totalitarismo-Para THAROOR, a aceitação de justificativas “culturais” conduz a condutas violatórias dos Direitos Humanos, carregando forte assento totalitário , pois representa a coerção daqueles que embora membros da comunidade não se identificam mais com seus valores. O universalismo permite a livre comunhão pois proporcionar a cada indivíduo a opção - em distanciar-se ou em aproximar da sociedade. Considerando o paradigma dos Direitos Humanos universais não interessa a opção abstrata de cada um em relação à comunidade, mas sim a coerente imposição da liberdade política e jurídica. A utilização geopolítica pode ser utilizada em qualquer tema de Direito Internacional – sobre a afirmação de que a utilização do discurso universalista é máscara para interesses econômicos e a utilização muitas vezes não condiz com uma aplicação em âmbito interno pode ocorrer em qualquer tema de direito internacional como comprova a experiência e, Direito Internacional, como em matéria de Direito dos Tratados. Assim tal crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, e sim , sobre a comunidade internacional. Diga-se que inclusive, é no setor do Direito Internacional dos Direitos Humanos é que surgem mecanismo judiciais e quase judiciais para inibir esse doublestandart. 7.3. Indivisibilidade A indivisibilidade determina que todos os direitos humanos devem ter a mesma proteção jurídica pois são essenciais para a vida humana. Pode-se dizer que a indivisibilidade teve seu reconhecimento na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e, mais recentemente, na Primeira Convenção Mundial dos Direitos Humanos em 1968 da ONU, no Teerã. Posteriormente em 1993, em Viena, tal característica foi confirmada como um dos principais atributos dos Direitos Humanos, na Segunda Conferência Mundial. É oportuno dizer que em 1966, no âmbito da ONU, foram criados dois pactos internacionais: “dos Direitos Civis e Página 29 de 32 Políticos” e “dos Direitos econômicos, sociais e culturais” em que o primeiro não mencionou direitos de segunda geração e vice-versa, tendo havido países que só assinaram um dos pactos, e nessa oportunidade isso representava que o paíssó se responsabilizada em cumprir direitos humanos de forma fracionada. Contudo, isso somente ocorreu pelo fato de que há época, estava em vigência, a Guerra Fria, em que os mundo estava dividido em dois blocos – capitalista e comunista – e a intenção de criar dois pactos buscou garantir, de alguma forma, a proteção de direitos humanos, mesmo de forma fracionada. 7.4. Interdependência Também adotada pela Conferência Internacional em 1993, caminha em conjunto com a indivisibilidade. Trata-se da mútua dependência entre os Direitos Humanos protegidos, pois o conteúdo de um dos direitos pode se vincular ao conteúdo de outro, demonstrando interação e complementariedade. Exemplo: Liberdade de expressão e de informação, Liberdade de locomoção e garantia de Habeas corpus. Nesse sentido, aduz ALEXANDRE DE MORAES, que os direitos humanos não devem ser interpretados separadamente, mas de forma conjunta, com finalidade de alcance de fins previstos pelo legislador. 7.5. Indisponibilidade A indisponibilidade implica no reconhecimento de sua total irrenunciabilidade ou de que a renunciabilidade do titular só pode ser manifestada sobre controle. Tal atributo vincula-se às escolhas sociais daquilo que deve merecer proteção especial, evitando-se que seja dilapidada com anuência do titular. Antes da internacionalização dos direitos humanos, a doutrina e a jurisprudência inseriam os casos de limitação da liberdade de disposição de direitos pelo titular como cláusula geral de violação de ordem pública, da moral e bons costumes, ou requisitos do negócio jurídico, como a licitude do objeto que também não poderia contrariar a ordem pública, a moral e os bons costumes. A ordem pública é o conjunto de princípios tidos como fundamentais e integrantes do sistema jurídico, sendo o reflexo da filosofia sócio- política e jurídica de toda a legislação que representa a moral básica de uma nação. A ordem pública limita a disponibilidade dos direitos considerando os seguintes critérios: a) Qualidade especial do titular: crianças, adolescentes, incapazes. b) Objeto: bens fora do comércio. c) Relações jurídico-institucionais; casamento, família, etc.. Com a consagração da dignidade da pessoa humanal, prevista constitucionalmente como valor supremo, o ser humano passa não poder se despir de sua condição humana passando a ser um objeto. Um importante precedente a prática do arremesso do anão. Na França, se ofertava em uma casa noturna tal atividade, o que foi proibido Página 30 de 32 no momento em que a prefeitura de Paris fazendo uma vistoria interditou a boite sob o fundamento de defesa da ordem pública. O anão insatisfeito procurou o comitê de direitos humanos, órgão previsto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e na oportunidade, alegou que utilizava equipamentos de proteção, que o trabalho era livre. Contudo o pedido foi arquivado com base na dignidade da
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