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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO ANÁLISE E EXPRESSÃO TEXTUAL Prof.ª Auristela Crisanto da Cunha TEXTO E HIPERTEXTO KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2006. (…) Levando em conta a concepção de texto atualmente adotada pela Linguística Textual, isto é, que todo texto constitui uma proposta de sentidos múltiplos e não de um único sentido, e que todo texto é plurilinear na sua construção, poder-se-ia afirmar que – pelo menos do ponto de vista da recepção – todo texto é um hipertexto. Pensemos, inicialmente, nos textos acadêmicos, povoados de referências, citações, notas de rodapé ou de final de capítulo. Temos aqui um hipertexto, em que as chamadas para as notas ou as referências feitas no corpo do trabalho funcionam com links. O leitor poderá, por exemplo, ler o texto de maneira contínua e só consultar as notas após essa leitura; consultar apenas as que mais lhe interessam ou mesmo não ler nenhuma. Poderá, também, interromper sua leitura a cada chamada e integrar o conteúdo da nota à leitura que está fazendo, Ao encontrar uma referência, quer no texto, quer na nota, poderá encontrar outras referências, que o levem a outros textos, e assim por diante. A diferença com relação ao hipertexto eletrônico está apenas no suporte e na forma e rapidez do acessamento. Passemos, agora, ao gênero reportagem. O corpo de reportagem é, normalmente, circundado de boxes explicativos, aos quais o texto de fundo remete. Além dos boxes, há gráficos, tabelas, fotos, ilustrações. O sentido não é construído somente com base no texto central, mas pela combinação de todos esses recursos: portanto, pode-se, perfeitamente, falar, nesse caso, da presença de uma multissemiose. No caso da notícia jornalística, mormente em se tratando de fato de grande relevância nacional ou internacional, o noticiário propriamente dito é complementado por editoriais, matérias opinativas e outras que, conforme mostra Van Dijk (1985), apresentam informações de background, historiam o fato, falam das perspectivas – otimistas ou pessimistas – que a partir dele se abrem, apresentam uma rápida biografia dos principais personagens envolvidos, reações verbais de figuras importantes e/ou especialistas/analistas diante do fato. Normalmente, o leitor que quiser ter uma visão completa do que realmente está acontecendo terá de incorporar num só modelo de situação todas essas informações, opiniões e atitudes, para, então, construir a sua interpretação do fato. O mesmo vale para livros didáticos, revistas de divulgação científica e, em graus diversos, para outros gêneros textuais, aí incluídos os já muito citados dicionários e enciclopédias. Reflitamos, agora, sobre a compreensão de leitura, de modo geral. Admitindo como certo que não existem textos – escritos ou orais – totalmente explícitos, e que o texto se constitui de um conjunto de pistas destinadas a orientar o leitor na construção do sentido; e , mais ainda, que para relizar tal construção, ele terá de preencher lacunas, formular hipóteses, testá-las, encontrar hipóteses alternativas em caso de “desencontros” entre o dito e o não-dito (mismatches, cf. Dascal & Weizman, 1987; Weizman & Dascal, 1991), tudo isso por meio de inferenciamentos que exigem a mobilização de seus conhecimentos prévios de todos os tipos, dos conhecimentos pressupostos como partilhados, do conhecimento da situação comunicativa, do gênero textual e de suas exigências, a compreensão terá de dar-se de forma não-linear, como têm evidenciado, entre muitos outros, Marcuschi e Koch, em vários de seus trabalhos. Admite-se hoje, também, que os objetos de discurso são dinâmicos, ou seja, uma vez introduzidos, podem ser modificados, desativados, reativados, transformados, recategorizados, constituindo-se ou reconstruindo-se, assim, o sentido, no curso da progressão textual, como postula Mondada (1994: 64): O objetivo de discurso caracteriza-se pelo fato de construir progressivamente uma configuração, enriquecendo-se com novos aspectos e propriedades, suprimindo aspectos anteriores ou ignorando outros possíveis, que ele pode associar com outros objetos ao integrar-se em novas configurações, bem como de articular-se em partes suscetíveis de se autonomizarem por sua vez em novos objetos. O Objeto se completa discursivamente. Tudo o que ficou aqui exposto revela que, na construção do sentido, há um constante movimento em variadas direções, bem como o recurso ininterrupto a diversas fontes de informação, textuais ou extratextuais. Verifica-se que a compreensão não se dá de maneira linear e sequencial, como se pensava antigamente, o que vem a constituir um argumento a mais para afirmar que todo texto é um hipertexto. Conceituação de hipertexto O hipertexto constitui um suporte linguístico-semiótico hoje intensamente utilizado para estabelecer interações virtuais desterritorializadas. Segundo a maioria dos autores, o termo designa uma escritura não-sequencial e não-linear, que se ramifica e permite ao leitor virtual o acessamento praticamente ilimitado de outros textos, a partir de escolhas locais e sucessivas em tempo real. Trata- se, pois, como afirma Marcuschi (1991: 1), de um processo de leitura/escrita multilineareizado, multissequencial e não determinado, realizado em um novo espaço – o ciberespaço. O hipertexto é também uma forma de estruturação textual que faz do leitor, simultaneamente, um co-autor do texto, oferecendo-lhe a possibilidade de opção entre caminhos diversificados, de modo a permitir diferentes níveis de desenvolvimento e aprofundamento de um tema. No hipertexto, contudo, tais possibilidades se abrem a partir de elementos específicos nele presentes, que se encontram interconectados, embora não necessariamente correlacionados – os hiperlinks. Trata-se de elos que vinculam mútua e infinitamente pessoas e instituições, enredando-as em uma teia virtual de saberes com alcance planetário e a qualquer hora do dia (Xavier, 2002). Eles permitem ao leitor realizar livremente desvios, fugas, saltos instantâneos para outros locais virtuais da rede, de forma prática, cômoda e econômica. Como diz Xavier, “a distância de um indivíduo a outro, de uma ideia a outra, passa a ser medida por céleres clicks-de-mouse sobre estas inteligentes engenhocas digitais”. Características Entre as principais características que têm sido apresentadas para o hipertexto encontram-se as seguintes: 1. não-linearidade (geralmente considerada a característica central); 2. volatilidade, devida à própria natureza (virtual) do suporte; 3. especialidade topográfica, por se tratar de um espaço de escritura/leitura sem limites definidos, não-hierárquico, nem tópico; 4. fragmentariedade, visto que não possui um centro regulador imanente; 5. multissemiose, por viabilizar a absorção de diferentes aportes sígnicos e sensoriais numa mesma superfície de leitura (palavras, ícones, efeitos sonoros, diagramas, tabelas tridimensionais); 6. interatividade, devido à relação contínua do leitor com múltiplos autores praticamente em superposição em tempo real; 7. iteratividade, em decorrência de sua natureza intrinsecamente polifônica e intertextual; 8. descentração, em virtude de um deslocamento indefinido de tópicos, embora não se trate, é claro, de um agregado aleatório de fragmentos textuais. Os hiperlinks Uma das principais inovações do texto eletrônicos são, justamente, os hiperlinks, dispositivos técnicos-informáticos que permitem efetivar ágeis deslocamentos de navegação on-line, bem como realizar remissões que possibilitam acessos virtuais do leitor a outros hipertextos de alguma formacorrelacionados. Os hiperlinks, que podem ser fixos (aqueles que têm um espaço estável e constante no site) ou móveis (os que flutuam no site, variando a sua aparição conforme a conveniência do enunciador), exercem no texto diversas funções, dentre as quais gostaria de ressaltar aqui as funções dêitica, coesiva e cognitiva. …
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