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URBANISMO: EVOLUÇÃO DO CONCEITO Autores: SILVA, C. N.; MOTA, A.M.C.R.; MEDEIROS, M. A. R.; PAIVA,I. E. P.; LOURENÇO, R. R. S.; RIBEIRO, D. M. S.; PALMA, A. J. R.; PALMA, J. A. B.; VIEIRA, J. D. P.; SILVA, J. A. G.; MARQUES, L. C. N.; BASTOS, M. A.; BRITO, M. A.; BRITO, P. L.; SANTOS, P. A. M. e-mail: Cristiane Neres Silva neressilva@ig.com.br Instituição: Universidade Federal da Bahia (UFBA) / Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana (MEAU). Resumo O presente trabalho é um documento construído coletivamente por alunos do Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana (UFBA). O objetivo deste trabalho é contribuir na discussão do conceito de urbanismo, provocando-se pelo questionamento se Urbanismo é ou não Ciência com a finalidade de apresentar um conceito construído. Atualmente, na visão da cultura ocidental, tem-se o pensamento preconcebido de que o objeto de trabalho do urbanismo é apenas a cidade. Entretanto, esta idéia não é completa levando-se a buscar outras referências sobre o conceito de urbanismo e o seu objeto de estudo. Através de reflexões e de fragmentos de pensamentos de alguns importantes cientistas e pensadores sobre ciência e urbanismo, resulta o entendimento de que urbanismo é um tema que se constitui em ponto de interseção de várias ciências e cujo estudo requer, obrigatoriamente, uma metodologia científica. Porém, é importante lembrar que nesta interseção das várias ciências, a relação entre sociedade e espaço tende a ser influenciada pela intervenção dos detentores do poder. Neste contexto, decidiu-se conceituar urbanismo como o estudo transdisciplinar das interações que ocorrem entre sociedade e espaço, dentro dos limites geográficos que definem um território como urbano. Palavras-chave: 1.Urbanismo 2.Sociedade 3.Cidade 4.Homem 5.Ciência. Abstract The present work is a document collectively made by the Ufba Urban Engineering Master Course students. The aim of this work is to contribute in the discussion of urbanism concept, provoking by questioning whether urbanism is a science or not, with the objective of presenting a final concept. Nowadays from the western culture point of view there is a preconceived thought that the target of urbanism work is just the city. Therefore this idea is not complete driving us to search for other references on the urbanism concept and its study goals. Through reflections and fragments of thoughts of some important scientists and philosophers about the urbanism science we come to an understanding that this matter is a theme that constitutes an intersection point of several sciences and that therefore such study requires a scientific methodology. Thus it is important to remember that in the several sciences intersection point the relation between society and space is likely to suffer the influence of those who detain the power. In this context we decided to conceptualise urbanism as a trans disciplinary study of the interactions that occur between society and space, within geographic boundaries that define the urban territory. Key words: 1.Urbanism 2.Society 3.City 4.Man 5.Science. 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho é um documento construído coletivamente por alunos da Universidade Federal da Bahia do Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana - , Escola Politécnica (EPUFBA). O objetivo deste trabalho é contribuir na discussão do conceito de urbanismo, Página 1 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 provocando-se pelo questionamento se Urbanismo é ou não Ciência com a finalidade de apresentar um conceito construído coletivamente. 2. METODOLOGIA Com a finalidade de construir um conceito coletivo sobre urbanismo, optou-se por uma definição conjunta de um “esqueleto” do documento e distribuição dos itens definidos para três grupos de pesquisa pré determinados. Cada grupo desenvolveu seu próprio documento recebendo contribuições dos outros grupos, fechando um ciclo de informações, que reunidas, foram discutidas e debatidas para compilação e elaboração do documento final. Os trabalhos de pesquisa executados, seguiram a seguinte ordenação para desenvolvimento do conceito coletivo: 1. Evolução do Urbanismo 2. Objeto do Urbanismo 3. Urbanismo é Ciência? 4. O conceito construído (conclusão) 3. URBANISMO: EVOLUÇÃO DO CONCEITO 3.1 Evolução do Urbanismo Antônio Gonçalves (1991), coloca que falar sobre a evolução do conceito de urbanismo é entender as particularidades da forma de relação entre os elementos espaço e sociedade e os aspectos econômicos, políticos, tecnológicos, culturais, geográficos e científicos presentes nesta relação. Partindo desses pressupostos é que tentou-se entender a evolução do urbanismo, fruto das transformações das civilizações, dentro da análise temporal, no sentido da verificação das diferenças essenciais entre cada época. De acordo com Fernando Goitia (1953), as primeiras civilizações da era histórica, passadas as fases obscuras da pré-história e da proto-história, aparecem nos vales férteis dos rios Nilo, Tigre, Eufrates e Indo. Nestes ergueram-se uma série de grandes impérios, que lutavam entre si para alcançar a supremacia política, ao mesmo tempo em que eram destruídos por outros que os substituíam, deixando a todos alguma contribuição no curso evolutivo do mundo civilizado, restando apenas os gigantescos monumentos religiosos e fúnebres, ou quando muito alguns palácios de monarcas divinizados. Página 2 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 No Egito antigo, encontram-se restos interessantes de um grupo de habitações construído para alojar os trabalhadores que haviam de erguer a pirâmide de Sesóstris II (1897-1879 a c.). É a cidade de Illahun, talvez o exemplo mais antigo que conhecemos de organização habitacional. Suas características eram bastante regulares, segundo um traçado geométrico que reunia as pequenas habitações em blocos retangulares, separados por ruas muito estreitas que serviam de vias de acesso às diversas células e ao mesmo tempo de canais para escoamento das águas da chuva e dos despejos. Na Mesopotâmia, também, aparecem uma série de cidades, nas margens dos rios Tigre e Eufrates, com destaque para as suas fortificações. Segundo Jean Harouel (1998), os primórdios do Urbanismo surgem na Grécia antiga, sendo a cidade (polis) caracterizada como um conjunto de cidadãos associados pelo caráter moral, político e religioso, diferente do conceito de “vila” dentro do contexto rural, identificada pela dispersão de suas habitações e idéias políticas de formação (synoecismes), independentes de qualquer idéia urbana. Desta forma a cidade se pauta na idéia religiosa e política. No século VII, o grego Hipócrates foi o primeiro que encarou a cidade de maneira concreta, estudando os efeitos do ambiente urbano sobre seus habitantes, tanto no aspecto físico como moral (sítio, localização, natureza do solo, regime de ventos...). Harouel (1998) destaca que, no final do século VII, Platão expôs as Crítias e as Leis que comandavam os princípios da instalação material de uma cidade ideal, examinado o sítio dentro das ocorrências quanto a salubridade, as vantagens econômicas e também quanto ao clima psicológico e moral, desaconselhando sítios marítimos, fixando em 5.040 habitantes como ideal, preconizando a criação de uma acrópole com seus principais santuários e as habitações dos guerreiros. Uma importante idéia desse pensador grego é a de que a cidadenão possua pontos fortificados pois a sua presença somente debilitaria a coragem dos cidadãos. O culto religioso comum à divindade da polis constitui-se como fundamento de solidariedade entre os membros da comunidade civil. Os outros elementos são ligados à natureza defensiva e a submissão do grupo, à vontade coletiva expressa por leis. Aristóteles (Século IV), torna-se o grande teórico do urbanismo grego quando aconselha a escolha do sítio, não somente salubre, mas que permita um abastecimento fácil, tirando partido tanto do mar como do campo. Em sítios onde a água natural não é muito abundante, ele recomenda a separação da mesma para a potabilidade e para o uso comum. Sugere ainda a especialização de duas praças bem distintas: uma reservada à Página 3 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 vida pública e outra para as atividades comerciais. Jean Harouel (1998), nos relata que o urbanismo romano se desenvolveu por mais de um milênio, desde a primitiva Roma até as prestigiosas realizações urbanas do final da República e do Império. Os seus princípios se inserem no rito de fundação das cidades, constituindo-se do caráter sagrado, tomado de empréstimo aos etruscos. Era constituído de quatro fases: a primeira era um agouro destinado a se assegurar de que os deuses não se opunham à sua criação; a segunda, o orientatio, com a determinação de dois eixos, com duas ruas principais, cruzadas em ângulo reto; a terceira, o decumanus, orientação leste-oeste e o cardo, orientação norte-sul. Assim a nova cidade se integrava à ordem geral do universo, à limitatio, onde o fundador traçava com um arado um suco na terra que ele interrompe nos locais previstos para as portas; finalmente, a consagração aos deuses Júpiter, Juno e Minerva, tríade capitolina que protegia a cidade. O planejamento da cidade romana consistia num traçado ortogonal, com muralhas de delimitação, ruas pavimentadas, mercados para encontros e reuniões públicas, praça principal com área de lazer, teatros, circos além de termas e suas habitações: donus, casas particulares e insule, edifícios coletivos. O regime administrativo e o político eram constituídos de repartições competentes de limpeza pública e das construções junto às águas. A legislação urbanística se fundamentava na Lei das doze tábuas, onde dentre outros aspectos técnicos, destacam-se à necessidade de se manter uma distância de dois pés e meio (1,5 metro) da propriedade vizinha, o ambitus, destinado a frear a propagação de incêndio, fazendo também, o papel de rua. Com a valorização do solo urbano, esse sistema é abandonado e surge germinado, paries communis. Após o incêndio de Roma (Nero), a distância passou a três metros, permanecendo ainda os muros germinados, mesmo contrapondo a legislação imperial. Nesse contexto, destaca-se a limitação da altura das edificações, o alinhamento e recuo que antes avançavam sobre a via pública e por fim, as leis coloniais que proibiam a demolição de imóveis sem autorização prévia para a especulação. O fórum, criado pelo Imperador Augusto, era limitado quanto à cessão. Para a construção de edifícios públicos, o prefeito não podia providenciar diretamente a demolição para aquelas superiores à quantia de 50 libras de prata, neste caso a ordem de demolição seria do imperador. Segundo Fernando Goitia (1953), a cidade, na Idade Medieval, aparece como uma cidade murada, podendo esse fator, puramente físico e acidental, tratar-se na verdade de um fenômeno condicionador de um maior alcance, através do qual houve a necessidade de se organizar um sistema de contribuições voluntárias para fazer face às obras prementes de construção e conservação das muralhas, caracterizadas como fortalezas, Página 4 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 guarnecidas através da administração de propriedade imobiliária, nitidamente burguesa. Fazendo menção à era medieval européia, Jean Harouel (1998), identifica neste período um crescimento urbano durante o qual se forma a maioria das Aglomerações Modernas, enquanto que no Renascimento , as novas formações são menos numerosas. Na primeira vimos a preocupação com problemas concretos, sem espírito de sistema, com o sentido do relativo, não excluindo admiráveis êxitos estéticos. No segundo, o urbanismo não despreza questões de ordem prática, ele está sob a influência da Itália, sobretudo na busca pelo modelo de cidade ideal e na definição dos cânones de uma estética de valor universal. Na Alta Idade Média e desde o Baixo Império aconteceu um fenômeno na vida urbana, conseqüência da anarquia política e da crise econômica as quais se acrescentam as primeiras invasões bárbaras. Por causa da insegurança, os habitantes se recolhem atrás de estreitas muralhas elevadas de forma precipitada, provocando uma brusca contração do território urbano. Como exemplo pode-se citar a redução de 200 para 10 hectare ocorrida, em média, nas propriedades de Autum, havendo a predominância da vida rural pela aristocracia, enquanto que nas cidades, fechadas sobre si mesmas, a atividade econômica e social está em plena regressão. Nesse tempo de insegurança surge a Igreja como a salvadora da vida urbana. Cada cidade romana é na verdade a sede de um episcopado, servindo o bispo como defensor da cidade dentro principalmente do aspecto religioso: residência do bispo e dos funcionários do clero que o rodeiam, prevalecendo uma certa vida artesanal e mercantil. Passadas as desordens mais violentas, aglomerações se formam lentamente ao redor de monastérios estabelecidos fora dos muros sobre o túmulo de alguns personagens santos. Destaca-se nesta época, a Itália bizantina, com cidades bastante ativas, como Nápolis, Salermo e Veneza, esta última se transformando rapidamente numa potência marítima cuja prosperidade repousa no comércio de escravos. No final das invasões bárbaras houve um acentuado incremento urbano com a melhora das condições de segurança e o aperfeiçoamento das técnicas agrícolas, estimulado também, pela melhoria do estatuto jurídico de posse da propriedade por parte de seus habitantes. De acordo com Jean Harouel (1998), do ponto de vista evolutivo ocorre nestas cidades medievais a quebra dos quadriculados romanos, havendo uma irregularidade na formação das ruas, seguindo o desenvolvimento linear ao longo de uma estrada ou de um rio e pela atração por um núcleo urbano ou por um edifício imponente (castelo, monastério, igreja) que é progressivamente envolvido por construções novas com a formação de Página 5 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 aglomerações circulares. As intervenções da autoridade pública para a construção ou reforma se caracteriza por uma autorização prévia do proprietário sob a autorização do fiscal real, ou do clero, com o surgimento nas províncias, de um sistema de taxas estabelecidas. Mas, a eficácia desses esforços de ordenação pública de urbanismo é limitada, a rua medieval se transforma no prolongamento das casas que a cercam, significando que, mais do que uma via de comunicação, é um espaço onde se vive). Com o Renascimento, segundo Jean Harouel (1998), surge a gênese do urbanismo clássico, com o retorno ao espírito arquitetônico e urbanista platônico da cidade ideal. Contudo o humanista ainda permanece com raízes nas idéias medievais, como por exemplo, a da localização estrita dos trabalhos urbanos. Quanto às florestas, reestruturadas em função da caça e do prazer mundano o qual se misturam as damas da corte, as trilhas paralelas são sobrepostaspor estrelas onde se irradiam numerosos caminhos. Essas estrelas das florestas de caça são transportadas para a cidade e se transformam no modelo dos entroncamentos urbanos. Ainda segundo o mesmo autor (Jean Harouel, 1998), foi Alberti (século XV), inspirado na cultura antiga, que inseriu no contexto urbano a voluptas, segundo a qual, a cidade devia não somente ser cômoda mas também bela. Em seu tratado de urbanismo, De re aedificatoria, assim como em suas obras arquitetônicas, ele traduz as aspirações de sua época urbana nos moldes da antiguidade, aparecendo pela primeira vez a idéia de que a estrutura de um edifício ou de uma cidade pode depender de um conjunto de considerações racionais que possuem sua lógica própria. Filarete, o inventor de traçados urbanos revolucionários, com tratados de arquitetura, o Sforzinda (condotero François Sforza), concebeu o plano radial e concêntrico para a cidade ideal. Seu desenho tem uma forma de estrela de oito pontas, portando um polígono de 16 lados, com 16 ruas radiadas que convergem para a praça central onde está edificado o palácio do soberano, acrescentando-se a este conjunto praças secundárias e uma grande rua formando um anel. A idéia de Filarete é retomada e adaptada por Francesco de Giogio Marini, artista e engenheiro de Siena. No seu tratado ele admite o plano como dependente do sítio civil e militar, adaptado ao terreno sobre uma colina, quadriculada para uma cidade plana estabelecida ao lado de um rio. Mas a cidade ideal é um octógono regular que possui no centro uma praça octogonal de onde irradiam oito ruas cortadas por vias circulares concêntricas ao seu traçado. Página 6 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 Os arquitetos italianos do século XVI, alunos de Bramante, Fra Giocondo e Cesariano, elaboram um projeto de cidade ideal circular com duas muralhas, com ruas radiadas e no centro, um grande monumento redondo, com valor estético relevante, para o qual poderão convergir os olhares da cidade. Na segunda metade do século, os arquitetos Vasari e Scamozzi, procuram combinar esse princípio de centralidade com o retorno aos traçados ortogonais. As ruas se cortam em ângulos retos e a praça central possui a forma de um quadrado ou de um retângulo. No início do século XVI, a utopia de Thomas More, caracteriza-se como uma “modelagem espacial” de uma realidade futura desejada, num modelo de organização do espaço suscetível de ser realizado, tendo a capacidade de formar o mundo natural instaurando espaços que antes não existiam. Torna-se necessário insistir sobre a padronização do espaço construído, urbano e rural. Suas cidades são edificadas sobre o mesmo plano e oferecem o mesmo aspecto, de valor universal cuja reprodução é desejável em todo lugar e em qualquer época. More atribui ao seu modelo espacial uma virtude terapêutica, assegurando a passagem de sociedades existentes não muito corrompidas a sociedades virtuosas. Nos séculos XVII e XVIII, encontra-se uma nova fase da evolução do urbanismo, essencialmente dominado pela influência francesa, que substitui a italiana. As preocupações de ordem prática, quanto a limitação do número de habitantes por cidade (Paris com 500 mil habitantes) e a legislação real, que, contudo, não são respeitadas, havendo um crescimento de novas moradias ao longo das estradas que partem de uma cidade para outra. No interior das cidades existe a liberdade do modelo da escolha do tipo da moradia (mansões); nos subúrbios, só são autorizadas construções de casas baixas e com frente para as ruas já existentes, delimitando a extensão longitudinal das vias de comunicação. As motivações do poder baseiam-se numa análise dos perigos do gigantismo urbano. São evocadas às dificuldades de abastecimento e o aumento de preço das mercadorias, o distanciamento dos diversos bairros que impedem as facilidades de comunicação. Encontra-se aí, o processo da grande cidade moderna. Aparecem nesta época as exigências de salubridade: a circulação do ar, fluido vital, tem que ser assegurada pelo alargamento das ruas e limitação das alturas das casas; a existência dos jardins, que são destruídos pelas novas construções, dando lugar a limitados jardins públicos e particulares; a higienização urbana: pavimentação das ruas, criação de um sistema de esgotos; atividades poluidoras tais como os matadouros, Página 7 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 curtumes e fundições de gordura; as prisões e hospitais, os quais eram também considerados pelos administradores e higienistas como insalubres e outras edificações tais como câmaras municipais, palácios de justiça, hotéis, mercados e igrejas. O abastecimento de água se torna crítico: os processos de adução e a construção dos reservatórios multiplicaram-se nas cidades. Surge a necessidade de bombas hidráulicas. Na França o engenheiro de pontes e açudes, Perronet, propõe um sistema de aquedutos que permite captar as águas dos rios. Em Paris, os irmãos Perrier, em 1777, recebem o privilégio de exclusividade de abastecimento por bombas a vapor, por 15 anos. A idéia de captação fluvial triunfa no início do século XIX. Segundo Pedro Vasconselos (1999) entre 1810 e 1869, o contexto urbano sofre a influência remota da independência americana (1776), da revolução industrial iniciada em 1760, da hegemonia da economia inglesa, das transformações tecnológicas, com o surgimento de duas novas classes sociais: operária e patronal, com o nascimento da Sociologia e da primeira cadeira de Geografia em Sorbonne, com documentários em forma de enciclopédias sobre várias cidades do mundo, “Geografias Universais”, em especial o destaque para o estudo realizado por Alexander Von Humbolt sobre a cidade do México. Além deste grandioso estudo podemos citar outras similares nas quais seus autores deram importantes contribuições para a evolução do Urbanismo moderno: • Robert Owen realizou experiências na construção de cidades isoladas para operários, considerando que os mesmos eram ignorantes e deviam ser educados isoladamente, em pequenos núcleos urbanos distantes do centro; • Charles Fourier propôs a existência dos “falestérios”, ou edifícios destinados à falange, mais tarde, Victor Considerant, aprimorou a proposta de Fourier, adotando a mesma como solução para a cidade do Texas; • Etienne Cabert, advogado e deputado, organizou nos Estados Unidos um modelo de cidade ideal, caracterizada por uma uniformidade extrema; • Karl Marx em conjunto com Friedrich Engels, socialistas revolucionários, iniciaram o processo de formulação quanto à concepção materialista da história. Trabalharam em escala regional destacando as relações entre cidade e campo. Tiveram a preocupação de tratar a questão urbana, sobretudo a partir da crítica das condições habitacionais dos trabalhadores, colocando a impossibilidade de resolução das questões urbanas dentro do quadro do capitalismo; Página 8 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 • Ildefonso Cerda Y Sunyer, arquiteto e engenheiro, foi o autor da proposta do Plano de Extensão de Barcelona ( 1857), escreveu, em 1867, a Teoria Geral da Urbanização, sendo considerado o inventor da palavra Urbanismo e seu primeiro teórico. Segundo Vasconcelos (1999), entre 1870 e 1913, considerada a segunda fase da Revolução Industrial, houve a difusão da industrialização na Europa Ocidental, América do Norte e Japão, resultandocomo conseqüência na segunda expansão colonial, tendo no processo histórico as teorias revolucionárias de Freud e Einstein. Dentro desse período destacam-se as contribuições de: • Friedrich Ratzel, considerado um dos mais importantes geógrafos alemães, elaborou um dos primeiros textos sobre as cidades norte-americanas. Para ele a cidade seria um adensamento contínuo de pessoas e habitações humanas que ocupam uma considerável área do solo e que está localizada no centro das maiores linhas de tráfego; • Petr Kropotkin na sua visão anarquista da sociedade, faz uma abordagem global do Urbanismo, dentro dos ideais dos “socialistas utópicos” ; • Anotine Vacher autor da primeira monografia urbana, colocando as características geográficas regionais como evidências do desenvolvimento econômico das cidades; • Raoul Blanchard foi o responsável pela quebra da idéia de que os fatores de localização e origem das cidades são determinantes para o seu desenvolvimento; • Ragon Molde realizou estudos sobre o processo do gigantismo urbano tanto da repercussão em nossa época como dos aspectos negativos da megalópolis: caráter inviável da grande cidade, problemas de circulação e de abastecimento, esgotamento nervoso dos habitantes, poluição e outros problemas. Na Inglaterra, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, as autoridades britânicas tomam plena consciência dos inconvenientes que representa a concentração num espaço limitado de uma grande parte da população e da infra-estrutura industrial do país, surgindo como solução a política de descentralização apoiada na criação de cidades novas – “O Plano da Grande Londres”, elaborado por Sir Patrick Abercrombie, estabeleceu um cinturão verde ao redor da aglomeração existente prevendo a criação de oito cidades novas a aproximadamente 40 quilômetros da capital. Após a Segunda Guerra, no terceiro mundo, se repete de maneira colossal o gigantismo urbano: São Paulo, Lima e Cidade do México triplicam a sua população. Página 9 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 De tudo que foi visto neste tópico, pode-se concluir que a evolução do urbanismo está diretamente relacionada com o conceito e evolução das cidades. No próximo tópico deste documento, há uma dedicação especial na atenção às diversas possibilidades conceituais de cidades, na tentativa da obtenção de respostas à questão: Qual o objeto do urbanismo ? 4. OBJETO DO URBANISMO Após leitura e discussão de várias vertentes e concepções sobre possibilidades do objeto do urbanismo, optou-se em selecionar algumas citações. Na busca pelo objeto e função do urbanismo deve-se partir com o olhar focado nas contribuições das discussões de profissionais preocupados com a qualidade ambiental. Dessa forma, os conceitos buscados pressupõem o entendimento do homem como elemento da Natureza, sujeito a leis inerentes à sua condição de espécie animal. O ser humano compartilha com as outras espécies animais as funções de proteção, adaptação, otimização e evolução, e como espécie mais inteligente do planeta transpõe estas questões agregando a elas mais eficiência, complexidade e novos valores. As questões econômicas, religiosas e de segurança podem ser consideradas como principais funções modeladoras do habitat humano. Acrescentando-se como condicionantes na formação desses espaços os aspectos políticos, geográficos, sociais e culturais. No atual contexto em que se vive, início do século XXI, sob a cultura ocidental, como meros cidadãos latino americanos, brasileiros ou mesmo como cientistas e estudiosos tem-se o pensamento preconcebido quase unânime de que o objeto de trabalho do urbanista é apenas a cidade. Entretanto, acredita-se que esta idéia não seja completa o que nos leva a buscar outras referências sobre o que se julga ser o objeto de estudo do urbanismo. Segundo AURÉLIO (1975), a cidade aparecia definida como “complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional não agrícola, i.e., dedicada a atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural; urb. Bras. Sede do município independentemente do número de seus habitantes”. Esta definição reflete o entendimento adotado pelas normas técnicas brasileiras da ABNT. Para SANTOS (1992) a cidade é vista como um enorme espaço banal, o mais significativo dos lugares onde todos os capitais, todos os trabalhos, todas as técnicas e formas de organização podem se instalar, conviver e prosperar. Assim, a cidade é um Página 10 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 lugar de mobilidade e encontros, enquanto, espaço seria afinal a paisagem mais a vida que a anima. O que o leva a creditar que a cidade é o espaço onde os fracos podem subsistir. Entende-se por espaço: Espaço = paisagem + vida; Espaço = paisagem + pessoas; ESPAÇO = RELAÇÕES INTERPESSOAIS NO AMBIENTE. Uma visão emoldurada pelas péssimas condições das habitações na periferia urbana de Salvador. A vegetação ainda predomina em algumas áreas periféricas. O desenho de espaço está muito ligado a concepção de vida, a solução de problemas em função do bem-estar social e individual. AUZELLE (1971), descreve da seguinte maneira esta causalidade aparentemente invisível entre ideologia de classe e morfologia espacial: “O espaço é político e ideológico e uma representação literalmente povoada da ideologia. Existe uma ideologia do espaço. Por quê? Porque este espaço, que parece homogêneo, que parece dado de um bloco em sua objetividade, em sua forma pura, tal como o constatamos é um produto social”. E arremata dizendo: “E isso devido à existência de grupos particulares que se apropriam do espaço para administrá-lo e explorá-lo”(AUZELLE, 1971) É interessante citar o ADORNO (Revista Tema,2002) quando este conceitua o urbano como território de hierarquias, diferenças e desigualdades, mas também um campo de novas possibilidades, conflitos e negociações, de conquistas e de invenção de estilos e novas perspectivas de vida. Verifica-se, portanto, que a cidade é muito mais que um simples conjunto de elementos sendo de fato um complexo conjunto de relações que se estabelece entre esses elementos. Gonçalves (1990) considera que o objeto de análise do urbanismo é o estudo das interações que ocorrem na relação sociedade-espaço. Entretanto, voltando aos pressupostos adotados de homem como elemento da natureza, segundo MUNFORD(1998), para se encontrarmos respostas sobre as cidades não se pode deter-se na análise das estruturas permanentes, nos aspectos físicos. Deve- Página 11 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 se buscar os conhecimentos arqueológicos, seguir as trilhas da história, partindo das mais complexas estruturas e funções urbanas existentes para seus componentes originários. A evolução da maneira de viver junto dos seres humanos pode ser expressa com uma relação de palavras cuja inspiração foi dada por Munford (1998) e enriquecida com contribuição coletiva dos autores. A seguir: Monte de pedras Caverna Esconderijo Acampamento Aldeia Aglomerado Santuário Povoado Vila CIDADE Periferia (como extensão da cidade) Subúrbio (como extensão da cidade) Região metropolitana Megametrópolis Dessa forma, as cidades podem ser analisadas em dois contextos: a) o contexto espacial,onde num determinado período, as manifestações estruturais feitas pelos homens e mulheres que convivem socialmente compartilhando o espaço com a natureza, é o objeto de estudo, e b) o contexto temporal, onde o estudo de uma formação espacial específica exige o resgate dos movimentos, na historia, que determinam sua estrutura, desde os índios e colonizadores portugueses, até o futuro desejado. A geração atual, vivência um momento de grande transformação na forma como se relaciona com o espaço. Quatro momentos são importantes neste relacionamento: I. Inicialmente os homens retiravam do meio ambiente o que necessitavam, isto durou até o século XVII; Página 12 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 II. Com a revolução industrial e a mecanização do meio, o homem passa a interferir diretamente no espaço fazendo surgir as grandes cidades; III. O terceiro momento surge na década de 50 com a sofisticação da ciência e das técnicas, o meio técnico-científico; IV. E, finalmente, chega-se ao momento em que vivemos, chamado de técnico- científico-informacional onde o passo é a inclusão da informação, o que interfere significativamente na lógica das cidades. Detalhando esta periodização, encontrou-se diferentes conceitos para cidade, que em síntese podem ser verificados e analisados nos dois próximos parágrafos: No mundo antigo, por exemplo, a cidade já foi conceituada apenas como um aglomerado das famílias e tribos. Por meio do sedentarismo seu aparecimento delineou uma nova relação homem/natureza: onde poder fixar-se significava garantir o domínio permanente de um território. Isso desencadeou a necessidade da geração de uma organização da vida social e gestão da produção coletiva, também, como uma gestão política. Sob o aspecto estrutural, as cidades ao se desenvolverem passaram a se organizar não só como um aglomerado de pessoas em relação ao espaço ocupado, mas também, em função do mercado, gerando um tipo de estrutura urbana que redefine a organização do seu espaço interno e todo espaço circundante, atraindo para si grandes populações. Em contra partida toda essa reestruturação gera um novo conflito: a luta pelo espaço urbano. Esta reestruturação espacial, introduzida pela necessidade da segregação na cidade possui bases econômicas e políticas para sustentá-la, estando diretamente ligadas à mercantilização ou monetarização dos bens necessários para a produção da vida cotidiana”. ( Rolkin, 1994) Obviamente, este é o grande foco do trabalho urbanista na atualidade, as cidades contemporâneas são as mais importantes e populosas formas de habitat humano. É imprescindível, portanto, estudar também os fluxos dessas cidades que seguem em ritmo cada vez mais acelerado, diferentemente da cidade antiga que era cercada por muralhas onde o cidadão era apenas o morador da cidade. As relações do homem com a cidade também se alteram e na cidade contemporânea o cidadão não é só, apenas, aquele que mora na cidade, mas como também, aquele que tem o direito de participar das decisões políticas contribuindo para o desenvolvimento da mesma. A gestão participativa, define uma nova prática urbanística através da qual devemos atuar. Página 13 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 Finalmente, considerou-se que o objeto de estudo do urbanismo extrapola os conceitos de cidade encontrados na maior parte da literatura pesquisada. Ele deve envolver, o conjunto de relações que se estruturam entre grupos que vivem juntos para buscar a satisfação das suas necessidades, buscar a convivência harmônica para uma melhor qualidade de vida, priorizando os interesses comuns, para enfim atingir, como sugere SANTOS (1992) o ideal de civilização embasado na comunhão, compaixão, solidariedade e emotividade. Dentro dessa lógica: “As cidades modernas buscam resgatar a construção de um espaço democrático onde o cidadão participa das decisões políticas no sentido de tornar os núcleos mais seguros, funcionais, higiênicos e estéticos. O problema é adequá-lo às características da vida comunitária urbana de uma cultura. Não há soluções urbanísticas universais que satisfaçam a todas as exigências culturais. A criatividade urbanística deve ser um produto cultural com o selo de autenticidade”. (MOREIRA NETO, 1977) Diante da autenticidade do espaço urbano e de sua diversidade de elementos, físicos ou sociais, pode-se voltar ao entendimento de que fazemos parte de um ecossistema natural global, alterado por nós, mas com lógicas próprias, possíveis de serem aperfeiçoadas em benefício comum, como sugere SANTOS (1992), utilizando-se a relação espaço/tempo para a construção de um método de análise. Mas se é possível, segundo Santos (1992), construir um método, pode-se então considerar o urbanismo uma ciência? 5. URBANISMO É CIÊNCIA ? Afirma Demo (1964): “sobre o que seja ciência há tantos acordos, quantas polêmicas, o que, desde logo, revela ser a dúvida parte central da ciência. Não que ela seja propriamente duvidosa, mas é impossível fazer ciência sem polêmica”. Diante do afirmado por Demo (1964) tem-se, de saída, uma pálida idéia dos tortuosos caminhos a percorrer na tentativa de responder com um simples sim ou um não à provocação suscitada pela indagação contida no título deste item. Procurando, primeiro, desvencilhar um pouco mais, alguns “acordos” sobre o que é ciência, o grupo deparou-se com diferentes abordagens dessa questão. Por exemplo, ainda segundo Demo (1964), é mais fácil reconhecer o que não tem status de ciência, como o conhecimento derivado do dito senso comum (por ser ingênuo, acrítico) e a Página 14 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 chamada ideologia (por ser justificadora). Para este autor, a marca diferencial da ciência é o questionamento sistemático, e, assim sendo, é no “processo de elaboração argumentada, teórico e prático, mais do que produtos, pontos de partida e pontos de chegada” que reconhecemos um saber como científico. Para Babbie (1999), “é difícil especificar exatamente o que é ciência”, porém “toda ciência pretende entender o mundo ao redor” e suas características são ser lógica, determinística, geral, parcimoniosa, específica, empiricamente verificável, intersubjetiva e aberta a modificações. Após discussão de cada uma destas características, o autor reconhece que “não há diferença mágica entre atividades científicas e não científicas” e acrescenta: “faz mais sentido falar de atividades mais ou menos científicas do que dicotomizar entre atividades científicas e não científicas”. Segundo Vargas (1994), ciência é primordialmente uma atividade humana; mas é também um saber. A ciência é a conjugação da “via teórica” à “via prática”. Portanto, não se pode falar de ciência sem antes procurar saber o que é teoria. Sendo esta entendida como um esquema ou modelo lógico; isto é, um sistema logicamente organizado de proposições que, partindo quer de enunciados sobre fatos observados, quer de algo que se intui, desenvolve-se em raciocínios finalizando a descrição, a explicação ou a compreensão. Em Köche (1984), encontrou-se que “ ...o conhecimento científico... surge não apenas da necessidade de encontrar soluções para problemas de ordem prática da vida diária, característica esta do conhecimento ordinário, mas do desejo de fornecer explicações sistemáticas que possam sertestadas e criticadas através de provas empíricas”. Eco (1991), considera que “um estudo é científico quando responde aos seguintes requisitos: a) trata de um objeto reconhecível e definido de tal maneira que seja reconhecível igualmente pelos outros; b) o estudo deve dizer do objeto algo que ainda não foi dito; c) deve ser útil aos demais estudos sobre o mesmo objeto; d) deve fornecer elementos para a verificação e a contestação das hipóteses apresentadas e, portanto, para uma continuidade pública”. Popper (1972), ao tratar da lógica da ciência, criticando o método da lógica indutiva, defende que “a tarefa da lógica da pesquisa científica, ou da lógica do conhecimento, é, proporcionar uma análise lógica desse procedimento, ou seja, analisar o método das ciências empíricas”. E, afirma: “o trabalho do cientista consiste em elaborar teorias e pô-las à prova”, sendo que “o estágio inicial, o ato de conceber ou inventar uma teoria, parece-me não reclamar análise lógica, nem ser dela suscetível. A questão de saber como uma idéia Página 15 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 nova ocorre ao homem – trate-se de um tema musical, de um conflito dramático ou de uma teoria científica – pode revestir-se de grande interesse para a psicologia empírica, mas não interessa à análise lógica do conhecimento científico. Esta última diz respeito não a questões de fato (o quid facti? de Kant), mas apenas a questões de justificação ou validade (o quid júris? de Kant)”. Como vê-se, ao se discutir o que é ciência, na verdade, a sua negação, ou o que não deve ser reconhecido como ciência, é o que estabelece algumas linhas de referência para esboçar os limites deste pantanoso território epistemológico. O conceito de ciência, do que é científico, afirma-se, muito mais pelos métodos de pesquisa utilizados que simplesmente pelo objeto do estudo. Assim, métodos empíricos são científicos, segundo POPPER(1972), quando “assegurem a possibilidade de submeter a prova os enunciados científicos, o que equivale a dizer a possibilidade de aferir sua falseabilidade”. Buscando informações sobre os métodos que devem ser seguidos em estudos que visam desvelar/decodificar tais interações, encontrou-se formulações teóricas que abrangem diversos campos da ciência. Vejamos, a seguir, algumas delas. Como um dos cânones do urbanismo moderno, Le Corbusier (1969), defendia o estabelecimento de uma verdadeira “doutrina coerente da construção e dos seus prolongamentos, cujos benefícios possam ser alargados a todo o país/cidades e campos – e que responda às quatro funções: habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito, circular”. Resultaria esta doutrina, sobre Arquitetura e Urbanismo, de uma associação de profissionais de várias áreas do conhecimento que “de longe ou de perto, se ligam ao setor da construção”. Esses técnicos devem ser “personalidades detentoras duma ciência suficiente e ao abrigo das paixões desencadeadas por razões de ordem egoísta ou política”. Portanto, Le Corbusier propunha uma abordagem científica para a questão urbana, como se depreende, de sua ênfase, ao pregar: “uma tal doutrina não poderia ser uma emanação pessoal. O tempo foi ultrapassado por ela: cento e vinte anos revolucionários deram oportunidade à criação de hipóteses e à sua verificação. As invenções dos investigadores afrontaram a crítica local e, de etapa em etapa, o julgamento universal, de tal modo que o que foi considerado propósito inquietante se tornou hábito espalhado por toda à parte”. É interessante verificar que, ao chamar de “doutrina” Le Corbusier, sem dúvida, expressava seu entendimento das limitações da palavra urbanismo que, com o passar do tempo, não daria conta do corpus de tal doutrina: “os dois termos urbanismo e ruralismo implicam uma dualidade, manifestando dois acontecimentos separados; a tendência para a Página 16 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 unidade conduzir-nos-á, pois, à busca dum terceiro termo, aglutinador dos dois primeiros, e susceptível de qualificar esta unidade dos trabalhadores - os da indústria e os da agricultura -, cuja necessidade é hoje tão fortemente sentida”. SANTOS (1979), após discutir e defender a adoção da categoria Formação Econômica e Social, elaborada por Marx e Engels, na formação de uma teoria (científica) do espaço, conclui: “como pudemos esquecer por tanto tempo esta inseparabilidade das realidades e das noções de sociedade e de espaço inerentes à categoria da formação social? Só o atraso teórico conhecido por essas duas noções pode explicar que não se tenha procurado reuni-las num conceito único. Não se pode falar de uma lei separada da evolução das formações espaciais. De fato, é de formações sócio-espaciais que se trata”. Apenas para acrescentar mais uma provocação nesta reflexão sobre urbanismo, cita-se, novamente, o próprio SANTOS (1988), quando defende, ao tratar das relações espaço e sociedade, a necessidade de se compreender a geografia “pensada de dentro”, como uma filosofia da própria geografia, resultante e “pensada a partir do espaço”. Seria, então, pertinente falar em filosofia do urbanismo? Toda a argumentação de Milton Santos em defesa da filosofia da geografia, permanece perfeitamente pertinente se trocarmos as palavras geografia por urbanismo, geográficas por urbanísticas. Senão vejamos: “desde porém, que a natureza é uma natureza humanizada, a explicação não é física, mas social. A geografia (o urbanismo?) deixa de ser uma parte da física, uma filosofia da natureza, para ser uma filosofia das técnicas. As técnicas são aqui consideradas como o conjunto de meios de toda espécie de que o homem dispõe, em um dado momento, e dentro de uma organização social, econômica e política, para modificar a natureza, seja a natureza virgem, seja a natureza já alterada pelas gerações anteriores”. Após evidenciar a importância da noção de totalidade na base dessa filosofia da geografia, Santos afirma: “o conteúdo corporificado, já transformado em existência, é a sociedade já distribuída dentro das formas geográficas (urbanísticas?), a sociedade que se tornou espaço. A fenomenologia do espírito de Hegel seria assim a transmutação da sociedade total em espaço total. Este é um movimento permanente e por intermédio deste processo infinito é que a sociedade e espaço evoluem”. Arremata ainda SANTOS (1992): “as preocupações filosóficas se impõem também ao pensamento geográfico (urbanístico?) se considerarmos a ciência como uma área particular do saber precipuamente interessada pelo homem e pelo seu futuro, se, como cientistas e como cidadãos, desejamos contribuir para a implantação de uma ordem social mais justa que restaure as relações harmoniosas entre o homem e a Natureza e crie entre os homens relações sociais mais humanas”. Página 17 de 20Universidade Federal da Bahia – MEAU 31/3/2007file://D:\trabalhos\37.htm Enciclopédia Biosfera, N.01, 2005 ISSN 1809-0583 Por outro lado ao pesquisarmos o que é urbanismo encontramos, hoje, como um conceito, em princípio universalmente aceito: “É o estudo das relações entre determinada sociedade (cultura, tradição, poder, história,...) e o espaço que a abriga (ruas, construções, limitações geográficas,...), bem como das formas de sua organização e intervenção sobre elas com determinado objetivo” (GONÇALVES,1990, p. 18). 6. CONCLUSÃO De todas estas reflexões a partir de fragmentos de pensamento de alguns importantes cientistas e pensadores, sobre ciência e urbanismo, acreditamos que resulta o entendimento deque urbanismo é um tema que se constitui em ponto de interseção (“cidade entroncamento?”) de várias ciências e cujo estudo requer, obrigatoriamente, uma metodologia científica. Porém, é importante lembrarmos que nesta interseção das várias ciências, a relação entre sociedade e espaço tende a ser influenciada pela intervenção dos detentores do poder. Ademais, em um momento histórico em que assistimos e participarmos das derrubadas de “muros” entre campos de ciência, por que nos preocuparmos em enxergar ou construir muros em torno do conhecimento que nos possibilite solucionar problemas vividos (ou previsíveis) pela sociedade nos espaços chamados urbanos? Não seria ir de encontro à ciência? Neste contexto decidimos conceituar urbanismo como o estudo transdisciplinar das interações que ocorrem entre sociedade e espaço, dentro dos limites geográficos que definem um território como urbano. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: referências bibliográficas. Rio de Janeiro, 2000. 22p. AZEVEDO, I. B. O prazer da produção científica; diretrizes para a elaboração de trabalhos científicos. 8, ed. 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