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32 III. FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR Tradicionalmente, os músculos são classificados de acordo com sua anatomia (estriado vs liso) ou de acordo com sua inervação. Assim, os músculos voluntários, sob controle consciente, são diferenciados dos músculos involuntários, sob controle do sistema nervoso autonômico. Entretanto, as propriedades das células musculares são facilmente entendidas em termos dos seus desempenhos funcionais. A distinção básica nessa classificação está entre células musculares ligadas ao esqueleto e aquelas localizadas nas paredes dos órgãos ocos. Células musculares ligadas ao esqueleto são estriadas e estão sob controle voluntário, funcionando independentemente. As células musculares dos órgãos ocos não funcionam independentemente, estão ligadas mecanicamente, em série, como elos de uma corrente e suas células suportam a mesma força e contraem uniformemente. Existem três tipos de tecidos musculares: liso, esquelético e cardíaco. Para compreender a função muscular, é preciso primeiro examinar a organização estrutural do músculo. 3.1 ESTRUTURA DO MÚSCULO O músculo é organizado em compartimentos, ou seja, os ventres musculares, que são envolvidos por fáscias. Revestindo a parte externa do músculo existe o epimísio, que tem um papel vital na transferência da tensão muscular para o osso. Cada músculo pode conter milhares de fibras musculares. Os feixes de fibras musculares são chamados fascículos e cada fascículo é recoberto por uma bainha conectiva denominada perimísio. O tecido conectivo no perimísio e epimísio dão ao músculo muito de sua capacidade de alongamento e retorno ao comprimento no repouso normal. As fibras musculares são cobertas por uma bainha muito fina que leva os capilares e nervos que nutrem e inervam cada fibra, o endomísio. O endomísio também serve como isolante para a atividade neurológica dentro do músculo. Fig. 33: Estrutura do músculo esquelético Fonte: HALL, Susan. Biomecânica Básica, 2005 33 Fig. 34: microestrutura do músculo esquelético (Powers & Howley) Fig. 35: Organização da fibra muscular (HALL, Susan, 2005). Cada músculo é constituído por inúmeras fibras, que variam de 10 a 80 micrômetros de diâmetro. Cada uma dessas fibras é constituída por subunidades menores. Cada fibra se estende por todo o comprimento do músculo. Sarcolema: é a membrana celular que envolve a fibra muscular. Consiste em uma membrana celular verdadeira, denominada membrana plasmática, e em um revestimento externo, constituído por fina camada de material polissacarídeo que contém inúmeras e finas fibrilas colágenas. Abaixo desta está o sarcoplasma, citoplasma da célula muscular onde estão diversas organelas e proteínas celulares. Sarcoplasma: as miofibrilas estão mergulhadas na matriz intracelular denominada sarcoplasma. Contém grande quantidade de potássio, magnésio, fosfato, enzimas protéicas e grande quantidade de mitocôndrias. O Retículo Sarcoplasmático é existente no sarcoplasma, com organização especial, extremamente importante na contração muscular. 34 Miofibrilas: cada fibra contém várias centenas a vários milhares de miofibrilas. Cada miofibrila é composta por filamentos que percorrem todo o comprimento do músculo: filamentos espessos formados pela miosina e filamentos finos compostos, sobretudo pela actina (demonstradas na figura 36). Filamentos Espessos: compreendem uma proteína de elevado peso molecular, que é a miosina, com seis cadeias polipeptídicas, incluindo um par de cadeias pesadas e dois pares de cadeias leves. A maior parte da cadeia pesada tem uma estrutura em -hélice, na qual as duas cadeias enovelam-se ao redor uma da outra, formando a cauda da molécula. As quatro cadeias leves e a extremidade N-terminal de cada cadeia pesada formam as cabeças globulares. Nas cabeças há um local de ligação para a actina, que é necessária para a formação das pontes cruzadas, e um local que liga e hidrolisa o ATP (miosina ATPase). Filamentos delgados: são compostos por 3 proteínas: a actina, tropomiosina e troponina. A actina é uma proteína globular, e nessa forma é chamada de actina G. Nos filamentos finos, a actina G é polimerizada em dois cordões torcidos numa estrutura em - hélice, formando a actina filamentosa, chamada actina F. A actina tem locais de ligação para a miosina. Quando o músculo está em repouso, esses locais estão cobertos pela tropomiosina, de modo que a actina e a miosina não podem interagir. Fig. 36: Estrutura dos filamentos espessos (miosina) e finos (actina) A tropomiosina é uma proteína filamentosa que corre com a fenda de cada filamento torcido de actina. Em repouso, sua função é bloquear os locais de ligação da actina para a miosina. Se a contração ocorrer, a tropomiosina move-se, de modo que a actina eamiosina possam interagir. A troponina é um complexo de 3 proteínas globulares (troponina T, troponina I e troponina C) localizado em intervalos regulares ao longo dos filamentos de tropomiosina. A troponina T (T de tropomiosina) une o complexo de troponina à tropomiosina. A troponina I (I de inibição), juntamente com a tropomiosina, inibe a interação da actina por cobrir o local de ligação entre ambas. A troponina C (C de Ca2+) é uma proteína que liga Ca2+ e desempenha um papel fundamental no início da contração. Quando a concentração intracelular de Ca2+ aumenta, este liga-se à troponina C, produzindo uma alteração conformacional no complexo de troponina, que move a troponina permitindo a ligação da actina à miosina. Os filamentos de actina e miosina se interdigitam parcialmente, dando o aspecto de bandas claras e escuras. As regiões claras contêm apenas filamentos de actina e são denominadas bandas I, pois são isotrópicas à luz. As regiões escuras contêm filamentos de miosina, assim como as extremidades dos filamentos de actina, onde se superpõem aos de miosina e são denominadas bandas A, pois são anisotrópicas à luz. Os conjuntos de filamentos originam o 35 padrão de bandas, evidente nos músculos esqueléticos, e que dá origem à classificação como músculo estriado. As extremidades dos filamentos de actina fixam-se ao disco Z. A partir deste disco, esses filamentos se estendem em ambas as direções para se entrelaçar com os filamentos de miosina. A porção da miofibrila localizada entre dois discos Z é denominada sarcômero. Sarcômero: é a unidade básica contrátil da miofibrila, situando-se entre os discos Z. Cada sarcômero contém uma banda A ampla no centro e metade de duas bandas I do outro lado da banda A. A zona vazia está localizada no centro de cada sarcômero. Não existem filamentos finos nessa zona; assim, não pode haver sobreposição dos filamentos finos e espessos ou formação de pontes cruzadas nessa região. A linha M divide a zona vazia em duas partes iguais; ela contém proteínas que ligam as porções centrais dos filamentos grossos umas as outras. Proteínas do citoesqueleto: estabelecem a arquitetura das miofibrilas, assegurando que os filamentos espessos e finos estejam alinhados de modo correto e a distâncias apropriadas em relação unas aos outros. As proteínas transversas do citoesqueleto unem os filamentos espessos e finos, formando uma “armação” para as miofibrilas e os sarcômeros unidos das miofibrilas adjacentes. Um sistema de filamentos intermediários mantém as miofibrilas juntas, lado a lado. O arranjo miofibrilar inteiro está ancorado à membrana celular por uma proteína que se liga à actina, chamada de distrofina. As proteínas longitudinais do citoesqueleto incluem duas grandes proteínas, chamadas de titina e nebulina. A titina, que está associada aos filamentos espessos, é uma proteína que se estende das linhas M aos discos Z. parte da molécula de titina passapelo filamento espesso; o restante da molécula, que é elástica está ancorada ao disco Z. Quando o comprimento do sarcômero varia, também varia a porção elástica da molécula de titina. A titina também auxilia a centralizar os filamentos espessos no sarcômero. A nebulina está associada aos filamentos finos. Uma única molécula de nebulina estende-se de uma extremidade à outra do filamento fino. A nebulina serve como uma “régua” molecular, ajustando o comprimento dos filamentos finos durante sua montagem. Fig. 37: Arranjo dos filamentos espessos e finos do músculo esquelético Túbulos transversos e retículo sarcoplasmático (RS): os túbulos transversos (T) são uma rede extensa da membrana citoplasmática muscular (sarcolema) que se invagina profundamente paradentro da fibra muscular. Os túbulos T são responsáveis por carrearem a despolarização dos PA na superfície celular do músculo para o interior da fibra. Fazem contato com as cisternas terminais do RS e contêm uma proteína sensível à voltagem, denominada de receptor de diidropiridina, cujo nome tem a ver com a droga que inibe. O RS é uma estrutura tubular interna, 36 que é o local de armazenamento e liberação de cálcio para o acoplamento excitação-contração. Como mencionado, as cisternas terminais do RS fazem contato com os túbulos T, num arranjo em tríade. O RS contém canal que libera Ca2+, chamado de receptor de rianodina (chamado assim em função de um alcalóide vegetal que abre esse canal de liberação). O Ca2+ acumula-se no RS pela ação da Ca2+-ATPase da membrana do RS. A Ca2+-ATPase bombeia cálcio do LIC da fibra muscular para o interior do RS, mantendo baixa concentração intracelular desse íon, quando a fibra muscular está em repouso. Dentro do RS o Ca2+ está ligado à calseqüestrina, uma proteína que liga Ca2+ com uma capacidade de ligação muito alta. Essa proteína, por ligar Ca2+, ajuda a manter uma concentração baixa de Ca2+ livre dentro do RS, portanto reduzindo o trabalho da bomba de Ca2+. Assim, uma grande quantidade de Ca2+ na forma ligada pode ser armazenada dentro do RS, enquanto a concentração de Ca2+ livre do RS permanece extremamente baixa. Fig. 38: Túbulos transversos e retículo sarcoplasmático do músculo esquelético. 3.2 MECANISMO DA CONTRAÇÃO MUSCULAR O mecanismo que traduz o PA muscular em produção de tensão é o acoplamento excitação- contração. A figura 39 mostra as relações temporais entre um PA na fibra muscular esquelética, o aumento subseqüente na concentração intracelular de Ca2+ livre que é liberado do RS e a contração da fibra muscular. O PA sempre precede a elevação na concentração intracelular de cálcio, que sempre precede a contração. Fig. 39: Seqüência temporal dos eventos do acoplamento excitação-contração no músculo esquelético 37 As etapas envolvidas no acoplamento excitação-contração são descritas a seguir: 1. Os potenciais de ação na membrana celular do músculo são propagados para os túbulos T através das correntes locais. Assim, os túbulos T são contínuos com a membrana no sarcolema e carreiam a despolarização da superfície para o interior da fibra muscular. 2. A despolarização dos túbulos T causa uma alteração conformacional no seu receptor de diidrotropina sensível à voltagem. Essa alteração abre os canais liberadores de Ca2+ (receptores de rianodina) no retículo sarcoplasmático contíguo. 3. Quando esses canais liberadores de Ca2+ se abrem, o íon é liberado de seu local de armazenamento no RS para o LIC da fibra muscular, resultando numa concentração aumentada intracelular de Ca2+. Em repouso, a concentração intracelular de Ca2+ livre é menor que 10-7M. Após sua liberação do RS, a concentração intracelular de Ca2+ livre aumenta para níveis entre 10-7 e 10-6M. 4. O Ca2+ liga-se à troponina C nos filamentos finos, causando uma alteração conformacional no complexo de troponina. A troponina C pode ligar até quatro íons Ca2+ por molécula de proteína. Devido a esta ligação ser cooperativa, cada Ca2+ ligado aumenta a afinidade da troponina C para o Ca2+ seguinte. Assim, mesmo um pequeno aumento na concentração de Ca2+ aumenta a probabilidade de todos os locais de ligação serem ocupados, produzindo a alteração conformacional necessária no complexo de troponina. 5. A alteração conformacional na troponina faz a tropomiosina (que estava previamente bloqueando a interação entre a actina e a miosina) mover-se de modo que a ocorrência de ciclos de pontes cruzadas possa começar. Quando a tropomiosina é movida para longe, são expostos os locais de ligação para a miosina na actina que estavam previamente recobertos. 6. A ocorrência de ciclos de pontes cruzadas. Com o Ca2+ ligado à troponina C e a tropomiosina removida, as cabeças de miosina podem agora se ligar à actina, formando as chamadas pontes cruzadas. A formação dessas pontes está associada à hidrólise do ATP e à geração de força. A seqüência de eventos está descrita na figura 40. No começo do ciclo nenhum ATP está ligado à miosina, e esta está fortemente unida à actina em uma posição de “rigor”. A: No músculo que se contrai rapidamente, esse estado é muito curto. Contudo, na ausência de ATP esse estado é permanente (rigor mortis). B: A ligação do ATP a uma fenda na parte posterior da cabeça da miosina produz uma alteração conformacional da mesma, o que diminui sua afinidade para a actina. Assim, a miosina é liberada do local original de ligação para a actina. C: a fenda se fecha ao redor da molécula de ATP ligada, produzindo uma alteração conformacional posterior que faz a miosina ser deslocada em direção à extremidade positiva da actina. O ATP é hidrolisado em ADP + Pi, que permanecem ligados à miosina. D: a miosina se liga a um novo local na actina (em direção à extremidade positiva, constituindo a geração de força) cada ocorrência de ciclo de pontes cruzadas “percorre” a cabeça de miosina 10 nm ao longo do filamento de actina. E: o ADP é liberado e a miosina retorna ao seu estado original sem nenhum nucleotídeo ligado. Os ciclos de pontes cruzadas continuam, com a miosina “se movendo” em direção à extremidade positiva do filamento de actina, enquanto o Ca2+ está ligado à troponina C. 7. O relaxamento ocorre quando o Ca2+ é reacumulado no RS pela Ca2+-ATPase de sua membrana. Quando a concentração intracelular de Ca2+ diminui para menos de 10-7M há Ca2+ insuficiente para ligar-se3 à troponina C. quando o Ca2+ é liberado da troponina C, a tropomiosina retorna à sua posição de repouso, onde ela bloqueia o local de ligação para a miosina na actina. Enquanto a concentração intracelular de o Ca2+ for baixa, não poderão ocorrer os ciclos de pontes cruzadas e o músculo relaxará. 38 Fig. 40: Ciclo das Pontes Cruzadas no músculo esquelético. 39 3.3 MECANISMO DO TÉTANO Um único PA resulta na liberação de uma quantidade fixa de Ca2+ do retículo sarcoplasmático que produz uma única contração. A contração termina (ocorre relaxamento) quando o retículo sarcoplasmático reacumula esse Ca2+. Contudo, se o músculo é estimulado repetitivamente, não há tempo suficiente para o retículo sarcoplasmático reacumular o Ca2+ e a concentração do íon nunca retorna aos níveis normais que existem durante o relaxamento. Ao contrário, o nível de concentração intracelular de Ca2+ permanece alto, resultando numa ligação continuada do íon à troponina C e na ocorrência continuada de ciclos de pontes cruzadas. Nesse estado, há uma contração mantida chamada tétano, e não exatamente uma única contração. Fig. 41: Mecanismo do tétano 3.4 RELAÇÃO TENSÃO-COMPRIMENTO A relação tensão-comprimento refere-se ao efeito do comprimento da fibra muscular com a quantidade de tensão desenvolvida pela mesma. A quantidade de tensão é determinada para um músculo que experimentauma contração isométrica, na qual lhe é permitido desenvolver tensão em um comprimento desenvolver tensão em um comprimento pré-fixado (pré-carga), mas não lhe é permitido encurtar. As seguintes medidas podem ser feitas como função de um comprimento pré- fixado (pré-carga). Tensão passiva: é a tensão desenvolvida por simplesmente contrair o músculo em diferentes comprimentos (pense numa cinta de borracha que é estirada progressivamente para comprimentos maiores). Tensão total: é a tensão desenvolvida quando um músculo é estimulado a contrair-se em diferentes pré-cargas. É a soma da tensão ativa desenvolvida pelos elementos contráteis dos sarcômeros e a tensão passiva provocada pelo estiramento do músculo. Tensão ativa: é determinada pela subtração da tensão passiva da tensão local. Ela representa a força ativa desenvolvida quando um músculo contrai. A relação incomum entre a tensão ativa e o comprimento muscular é a relação tensão- comprimento, e pode ser explicada pelos mecanismos envolvidos na ocorrência do ciclo de pontes cruzadas. A tensão ativa desenvolvida é proporcional ao número de pontes cruzadas que ciclam. Portanto, a tensão ativa é máxima quando há sobreposição máxima entre os filamentos espessos e finos e pontes cruzadas máximas possíveis. Quando o músculo é estirado a comprimentos maiores, o número de pontes cruzadas é reduzido e a tensão ativa também. De igual modo, quando o comprimento muscular diminui, os filamentos finos colidem uns com os outros no centro do sarcômero, reduzindo o número de pontes cruzadas possíveis e reduzindo também a tensão ativa. 40 Fig. 42: Relação Tensão-Comprimento 3.5 RELAÇÃO VELOCIDADE-FORÇA A relação velocidade-força descreve a velocidade de encurtamento quando a força contra a qual o músculo se contrai, a pós-carga, varia. Ao contrário, essa relação é determinada permitindo-se ao músculo contrair. A força, e não o comprimento é fixado; e, portanto, ela é chamada de contração isotônica. A velocidade de encurtamento reflete a velocidade da ocorrência de formação de pontes cruzadas. A velocidade de encurtamento será máxima (Vmáx) quando a pós-carga no músculo for nula. Quando a pós-carga sobre o músculo aumentar, a velocidade diminuirá, pois as pontes cruzadas podem ciclar menos rapidamente contra a resistência mais elevada. Quando a pós-carga aumenta para níveis muito elevados, a velocidade de encurtamento é reduzida para zero. O efeito da pós-carga na velocidade de encurtamento pode ser demonstrado por fixar-se o músculo em um dado tamanho (pré-carga) e a seguir medir-se a velocidade de encurtamento nos vários níveis de pós-carga. Fig. 43: Relação Velocidade-Força 41 3.6 MÚSCULO LISO O músculo liso não possui estriações, o que o distingue dos músculos esquelético e cardíaco. No músculo liso não há estriações porque os filamentos espessos e finos, mesmo presentes, não são organizados em sarcômeros. O músculo liso é encontrado nas paredes dos órgãos ocos, como o aparelho gastrointestinal, a bexiga e o útero, assim como na vasculatura, vias aéreas, ureteres, bronquíolos e músculos do olho. O músculo liso deve desenvolver força (ou encurtar) para permitir a motilidade ou alterar as dimensões de um órgão. Entretanto, na ausência do esqueleto, também deve ser capaz de contrações econômicas e contínuas, ou tônicas, para manterás dimensões dos órgãos contra as cargas impostas. Muitas tentativas têm sido feitas para classificar o músculo liso de acordo com suas características específicas (estrutura, eletrofisiologia, inervação), porém ele é bastante variável para permitir generalizações rigorosas. Uma diferença funcional útil é que, no músculo dos órgãos, as células musculares lisas se contraem de forma rítmica ou intermitente, ou são ininterruptamente ativas (Sistema gastrointestinal e urogenital). As células das paredes destes órgãos formam o músculo liso fásico. Ao contrário, os músculos lisos localizados nos esfíncteres das extremidades desses órgãos estão sempre contraídos, como o músculo das paredes dos vasos sangüíneos e vias aéreas. Essas células formam o músculo liso tônico. Os músculos lisos fásicos se contraem em reposta aos potenciais de ação que se propagam de uma célula a outra. Ao contrário, o tônus (ativação parcial contínua) não está associado aos potencias de ação, embora seja proporcional ao potencial de membrana. Ambos os tipos de contração são baseados nos mecanismos moleculares comuns de contração e seu controle, e todo o músculo liso parece ser capaz de comportamento fásico e tônico. Tipo de Músculo Liso São classificados em multiunitários ou unitários, dependendo de as células serem ou não eletricamente acopladas. Um terceiro tipo, uma combinação de músculos lisos unitários e multiunitários, é encontrado no músculo liso vascular. Músculo Liso Unitário: o termo “unitário” não significa fibras musculares únicas. Pelo contrário, significa toda a massa de centenas a milhares de fibras musculares lisas que se contraem juntas, como uma só unidade. Estão agregadas em lâminas ou feixes, e suas membranas celulares aderem umas às outras em múltiplos pontos, de forma que a força gerada em uma só fibra muscular pode ser transmitida para a próxima. O músculo liso unitário possui gap junctions entre as células, o que permite o espalhamento rápido da atividade elétrica através do órgão, seguido por uma contração coordenada. É conhecido também como músculo liso sincicial, por causa de suas interconexões sinciciais entre as fibras ou músculo liso visceral, por estar presente na maioria das vísceras do organismo. É encontrado no aparelho gastrointestinal, bexiga, útero e ureter. Músculo Liso Multiunitário: é constituído por fibras musculares lisas distintas. Cada fibra opera independentemente das outras e, com freqüência, é inervada por uma só terminação nervosa. O músculo liso multiunitário tem pouco ou nenhum acoplamento entre as células. Além disso, as superfícies externas dessas fibras, como as das fibras musculares esqueléticas, são cobertas por fina camada de substância semelhante à membrana basal, uma mistura de delicadas fibrilas de colágeno e de glicoproteínas que ajuda a isolar as fibras umas das outras. A característica mais importante deste tipo de fibra é que cada uma pode contrair-se independentemente das outras, e seu controle é exercido, principalmente, por sinais neurais. Isso contrasta com o músculo unitário que é ativado por meio de estímulos não-neurais. As fibras multiunitárias só raramente exibem contrações espontâneas. É encontrado nos músculos ciliar do olho, da íris, da membrana nictitante, que cobrem os olhos e canal deferente. Suas fibras são densamente inervadas por fibras pós-ganglionares dos sistemas nervosos parassimpático e simpático, e são essas inervações que regulam a função. 42 Fig. 44: Tipos de músculos lisos Estrutura Celular do Músculo Liso As células musculares lisas formam camadas ao redor dos órgãos ocos. A estrutura mais simples é a tubular, encontrada nos vasos sangüíneos ou vias aéreas. Na maioria dos vasos, as células estão arranjadas circunferencialmente, de modo que a contração reduz o diâmetro do tubo, aumentando a resistência ao fluxo ou ar. No trato gastrointestinal a estrutura é mais complexa, cujo papel é misturar e impulsionar o conteúdo, apresentando camadas circular e longitudinal. Nas paredes de estruturas saculares (bexiga e reto), a estrutura muscular lisa permite que o órgão aumente de tamanho com o acúmulo de urina ou fezes, sob baixa de pressão. O arranjo variado de células contribui para sua capacidade de reduzir o volume interno quase até zero, durante a micção ou defecação. Os componentes estruturais que permitem ao músculo liso manter ou alteraros volumes dos órgãos ocos incluem: proteínas contráteis e reguladoras, sistemas de transmissão de força (citoesqueleto e ligações entre células e a matriz extracelular) e sistemas de membranas que transformam os sinais extracelulares em alterações da concentração de Ca2+ mioplasmático. Os contatos especializados que existem entre as células musculares lisas existem para duas funções: ligação mecânica e comunicação. Ao contrário das células esqueléticas, as lisas estão conectadas umas com as outras, arranjadas em série, sendo ativadas simultaneamente e no mesmo grau. Essa conexão é estabelecida pelas gap junctions (junções abertas). As junções abertas permitem a passagem da corrente diretamente e também a comunicação química, deixando passar substâncias de baixo peso molecular. Cada célula muscular lisa apresenta um núcleo único, localizado centralmente. São afiladas nas extremidades e quando contraem tornam-se totalmente distorcidas, como resultado das forças exercidas sobre a célula pelas junções com outras células ou com a matriz extracelular, e as secções transversas dessas células geralmente são muito irregulares. Não apresentam túbulos T. No entanto, o sarcolema tem fileiras longitudinais de pequenas invaginações saculares, chamadas de cavéolas, que aumentam a proporção superfície-volume das células, mas sem função conhecida. O sarcolema circunda os miofilamentos das células musculares lisas. Durante a ativação, o cálcio se difunde para a célula através de canais no sarcolema e o líquido extracelular contém estoque importante de Ca2+ para a regulação da contração. O músculo liso tem um retículo sarcoplasmático que mantém um estoque de Ca2+ intracelular, que pode ser mobilizado quando os neurotransmissores excitantes, hormônios ou drogas se ligam a receptores no sarcolema. 43 As células musculares lisas apresentam um RE rugoso e aparelho de Golgi, localizados centralmente em cada extremidade do núcleo. As mitocôndrias são suficientes para a fosforilação oxidativa gerar o ATP consumido durante a contração. Os filamentos grossos e delgados das células musculares lisas são longos e densamente agrupados. No músculo liso, nem todo o citoesqueleto e os filamentos contráteis estão em alinhamento uniforme transverso, e as estriações estão ausentes. A ausência de estriações não implica ausência de organização. Citoesqueleto: atua como pontos de ligação para os filamentos delgados e permite a transmissão de força para as extremidades da célula. O aparelho contrátil não está organizado em miofibrilas e os discos Z estão ausentes, que são substituídos pelos corpos densos elipsoidais, no mioplasma, e as áreas densas, que formam faixas ao longo do sarcolema. Os filamentos intermediários unem os corpos e as áreas densas à trama do citoesqueleto. Miofilamentos: O músculo liso contém filamentos de actina e de miosina, com características químicas semelhantes às dos filamentos do músculo esquelético. Os filamentos finos têm a mesma estrutura e composição da actina e da tropomiosina, como no músculo esquelético. Não contém o complexo normal de troponina e nem a nebulina, que é necessário para o controle da contração do músculo esquelético, o que torna diferente o mecanismo para o controle da contração. Contém duas proteínas não encontradas no músculo estriado: caldesmona e calponina. Os papéis exatos dessas proteínas são desconhecidos, mas parece não ser fundamentais para o ciclo das pontes cruzadas. A quantidade de actina e tropomiosina é o dobro do músculo estriado. Os filamentos delgados se organizam da mesma forma que no músculo estriado, porém o conteúdo de miosina é somente um quarto do conteúdo do músculo estriado. Fig. 45: Organização do músculo liso Mecanismo Contrátil no Músculo Liso A actina e miosina interagem da mesma maneira que no músculo esquelético. Além disso, o processo contrátil é ativado pelos íons Ca2+, e o trifosfato de adenosina (ATP) também é degradado a fim de proporcionar energia necessária para a contração. 44 Os mecanismos do acoplamento excitação-contração no músculo liso diferem daquele no músculo esquelético. No músculo liso, a interação da actina com a miosina é controlada pela ligação do Ca2+ a uma outra proteína, a calmodulina. Por sua vez, o complexo Ca2+-calmodulina regula a cinase das cadeias leves da miosina, que regula o ciclo de pontes cruzadas. Etapas do Acoplamento Excitação-Contração As etapas são ilustradas na figura abaixo. Fig. 46: Mecanismo de contração do músculo liso 1. Os PA ocorrem na membrana celular do músculo liso. A despolarização do PA abre os canais de Ca2+ dependentes de voltagem no sarcolema. Com isso, o íon flui para dentro da célula de acordo com seu gradiente de concentração, causando aumento da concentração intracelular de Ca2+. 2. Dois mecanismos adicionais proporcionam o aumento do Ca2+ intracelular: canais de Ca2+ ativados por ligante e canais de liberação de Ca2+ ativados pelo inositol 1,4,5-trifosfato (IP3). Os primeiros (sarcolema) podem ser abertos por vários hormônios e neurotransmissores, permitindo a entrada adicional de Ca2+ a partir do LEC. Os segundos, na membrana do RS, podem 45 ser abertos por hormônios e neurotransmissores. Qualquer um desses mecanismos pode aumentar a concentração intracelular de Ca2+ causada pela despolarização. 3. A elevação na concentração intracelular de Ca2+ permite ligar-se à calmodulina. Igual à troponina C do músculo esquelético, a calmodulina liga quatro íons Ca2+ de um modo cooperativo. O complexo Ca2+-calmodulina se liga e ativa a cinase das cadeias leves da miosina. 4. Quando ativada, essa cinase fosforila a miosina. Quando a miosina é fosforilada ela se liga à actina para formar pontes cruzadas, produzindo a contração. Quando a miosina está no estado fosforilado as pontes cruzadas podem se formar e se romper, repetidamente. Uma molécula de ATP é consumida em cada ciclo de pontes cruzadas. A quantidade de tensão gerada é diretamente proporcional ao número de pontes cruzadas formadas, que é, por sua vez, proporcional à concentração intracelular de Ca2+. 5. Quando diminui a concentração intracelular de Ca2+, a miosina é desfosforilada pela fosfatase das cadeias leves da miosina. No estado desfosforilado a miosina ainda pode interagir com a actina, mas as uniões são chamadas de pontes trancadas e não de pontes cruzadas. Essas pontes trancadas não se despegam ou se despegam de maneira lenta; assim, elas mantêm o nível tônico de tensão no músculo liso com pouco consumo de ATP. 6. O relaxamento ocorre quando o RS reacumula Ca2+, por meio da Ca2+-ATPase, e diminui a concentração intracelular de Ca2+ abaixo do nível necessário para formar os complexos Ca2+- calmodulina. Mecanismos que aumentam a concentração intracelular de Ca2+ no músculo liso Os três mecanismos envolvidos na entrada de Ca2+ no músculo liso são descritos a seguir: Os canais de Ca2+ dependentes de voltagem: são os canais de Ca2+ no sarcolema que se abrem quando o PA despolariza a membrana celular. Assim, os PA na membrana do músculo liso causam a abertura dos canais de Ca2+ dependentes de voltagem, permitindo ao íon fluir para dentro da célula de acordo com o seu gradiente eletroquímico. Os canais de Ca2+ dependentes de ligando: são presentes no sarcolema. Eles não são regulados pelas alterações no potencial de membrana, mas por eventos mediados por receptor. Vários hormônios e neurotransmissores interagem com os receptores específicos no sarcolema, que estão acoplados por meio de uma proteína que liga GTP (proteína G) aos canais de Ca2+. Quando o canal é aberto, os íons Ca2+ fluem para dentro da célula, de acordo com o seu gradiente eletroquímico. Os canais de Ca2+ do retículo endoplasmático ativados por IP3: tambémsão abertos por hormônios e neurotransmissores. O processo começa na membrana citoplasmática, mas a fonte de Ca2+ é o RS e não o LIC. Hormônios ou neurotransmissores interagem com receptores específicos no sarcolema (norepinefrina com os receptores ). Esses receptores estão acoplados, por meio de uma proteína G, à fosfolipase C. a fosfolipase C catalisa a hidrólise do fosfatidilinositol 4,5-difosfato (PIP2) em IP3 e diacilglicerol (DAG). A seguir, o IP3 difunde-se para o RS, onde abre os canais de liberação de Ca2+. Quando esses canais se abrem, o Ca2+ flui de seu local de armazenamento no RS para o LIC.
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