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infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei no
9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
Produção editorial/Capa: Equipe Editora dos Editores
Criação do Livro Interativo®: Simão Rzezinski
Conversão para ePub: Cumbuca Studio
Este livro foi criteriosamente selecionado e aprovado por um Editor cien��co da área em que
se inclui. A Editora dos Editores assume o compromisso de delegar a decisão da publicação de
seus livros a professores e formadores de opinião com notório saber em suas respec�vas
áreas de atuação pro�ssional e acadêmica, sem a interferência de seus controladores e
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pro�ssional.
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Para as amigas
Anna Maria Azevedo
Ilona V. Patrícia Lopes
Maria de Fá�ma F. Teixeira
Maria da Glória Novak
Eu não sou o dono da verdade, mas
acho que a humanidade se divide
em duas partes: os que concordam
comigo e os equivocados.
Ariano Suassuna
Dicionário (Im)perfeito:
Filósofo – artesão de conceitos.
Poeta – artesão de sonhos.
Ar�sta – artesão de beleza.
Cien�sta – artesão de teorias.
Assiste-se, nas úl�mas décadas, a
uma tenta�va de reagrupar
disciplinas que, produzem
conhecimentos sob a rubrica de
“ciências cogni�vas”. Cada vez mais
os processos cogni�vos vêm sendo
estudados de modo transdisciplinar
por experts em informá�ca,
psicologia cogni�va, linguís�ca,
inteligência ar��cial, neurociências,
antropologia, matemá�ca, �loso�a,
sociologia, teoria dos sistemas,
lógica...
O saber não pode �car
enclausurado nas camisas de força
dos modelos, dos sistemas ou das
ideologias.
PREFÁCIO NECESSÁRIO
Conta-se que, em �ns do século XIX, num país do Oriente, a viagem
da capital à fronteira levava nada menos do que 30 dias, e ainda por
cima em lombo de camelo. E sucedeu que um engenheiro britânico ali
residente, em nome do progresso resolveu remediar a coisa.
En�m, concluiu ele, após uma audiência com o respec�vo Xá ou
coisa que o valha, construindo-se a estrada de ferro de que o país tanto
necessita, a viagem até a fronteira poderá ser feita em um só dia.
Mas, objetou o velho monarca, que o ouvira com uma paciência
verdadeiramente oriental – o que é que a gente vai fazer dos 29 dias
que sobram?!
Esta historieta exemplar e saborosa é contada pelo poeta Mário
Quintana, em seu livro “Da Preguiça como Método de Trabalho”
(Editora Globo, Rio de Janeiro, 1987) e ilustra a corrida tecnológica do
século XX.
Estamos vivendo num mundo tecnologizado e em mutação rápida,
em que se exige das pessoas e�cácia, rapidez e racionalidade.
Ingressamos na era digital com a entronização da máquina, que tem a
velocidade como sua marca registrada. Estabelece-se um paradoxo:
quanto mais tecnologia é incorporada mais o homem tem que correr
para cumprir suas tarefas. Até para desfrutar o lazer, estamos com
pressa! Esta sociedade da e�ciência e dos prazos fatais é uma fábrica de
neuró�cos. Sua receita é: seja e�ciente ou pereça. Mas não temos a
velocidade das máquinas, espécie de paradigma da civilização
contemporânea, de sorte que processamos as informações e conceitos
de modo lento, o que é próprio de um organismo biológico.
O que é tecnologia? Muitos idiomas dispõem de duas palavras –
técnica e tecnologia – com signi�cados assemelhados. Técnica, para
nossos propósitos, é a habilidade para executar algo munido de uma
ferramenta ou instrumento. Enquanto entende-se por tecnologia a
técnica que emprega conhecimento cien��co. Por exemplo, dis�ngue-se
a técnica da costureira da tecnologia da indústria da confecção.
E a ciência? Qual o seu papel? É perseguir o conhecimento. O
conhecimento cien��co é uma conquista recente da humanidade: tem
pouco mais de 300 anos e surgiu no século XVII com a revolução
galileana. A par�r daí fez avanços enormes e virou mito, tornando-se o
conhecimento hegemônico do século XX. A segmentação do
conhecimento cien��co proporcionou o aparecimento do expert
(microcul�ssimo/macroignorante) com seus efeitos posi�vos e seus
efeitos nega�vos. Cada cien�sta atua no seu nicho e perde a perspec�va
de um saber integrado (transdisciplinar), o que determina uma perda do
quadro de referências. Essa fragmentação do saber teve como
consequência uma babelização do conhecimento. Por outro lado, a
ciência não pode ser encarada apenas como produto de uma
racionalidade cien��ca. A ciência também é produto de uma história,
não somente cien��ca, mas também polí�ca e cultural. É ilusório pensar
a ciência apenas como um desvendamento. Se ela pode dialogar com a
natureza é por meio da cultura que lhe dá forma, reveste a ciência e,
assim, possibilita tal diálogo.
O casamento da ciência com a técnica, �ra a ciência do seu estágio
amadorista. Ela se pro�ssionaliza e se torna a tecnociência. E, no �nal
do século XX, a sociedade se acostumou a ver na tecnociência a fonte
das respostas universais – uma espécie de gazua mágica que teria o
poder de abrir as portas do futuro. A ciência, aliada à tecnologia, seria
uma espécie de solução redentora para a humanidade e a escatologia
cien��ca da sociedade do conforto, da abundância, da jus�ça, da saúde
e da felicidade passou a imperar. Essa fascinação pela tecnociência pode
descambar para uma tentação totalitária e alimentar a ideologia de um
mundo hipertecnológico. É preciso considerar que a tecnologia
moderna não pode ser reduzida ao papel de mera ferramenta. O
homem-alavanca caminhou celeremente em direção ao homem-digital.
Os obje�vos da tecnociência são ambiciosos: comandar a natureza,
modi�car a biologia, criar a vida, manipular a sociedade... e isso tudo
não é feito impunemente. Tem um preço.
Entretanto a satanização da tecnologia não passa de um
comportamento simplório, não existe máquina-anjo e/ou máquina-
demônio. Esse maniqueísmo não se sustenta, pois seria condenar o
navio porque além de transportar cargas e/ou passageiros, ele pode
naufragar; a eletricidade, que nos dá conforto, pela eletrocussão de
pessoas; o avião, que encurta distâncias, pelos desastres aéreos. Isto
signi�ca que um simples canivete pode descascar uma laranja ou furar
os olhos de uma pessoa. Embora não se possa considerar a tecnologia
como uma espécie de gênio do mal e os homens de ciência como uma
espécie de Dr. Silvana, é inegável que as técnicas são como o gênio que
saiu da garrafa e ninguém controla a ação de certas tecnologias, pois
elas se capilarizam e se in�ltram em todos os ramos de a�vidade.
Muitos avanços tecnológicos comportam duas vertentes: os aspectos
bené�cos e os efeitos indesejáveis. Como dis�nguir os projetos
tecnológicos que devem ser implementados daqueles é�ca e
socialmente inaceitáveis. É pra�camente impossível no mundo de hoje
ter esse feeling. Muitos polí�cos e homens de ciência compreendem
mal as relações entre a tecnociência e a sociedade. O projeto
Manha�an (bomba atômica) ilustra bem este fato.
A tecnologia é neutra? É preciso desmis��car o conceito de
neutralidade da técnica, e que depende apenas de o homem fazer dela
bom ou mau uso. Além dos aspectos polí�cos e econômicos da questão,
parece que a tecnologia acaba se desgarrando do controle do governo e
da sociedade e se torna autônoma. No século XX, Jacques Ellul era de
opinião que a técnica está acima do bem e do mal, sendo dotada
portanto de autonomia. De tal sorte que não são os organismos sociais
que determinam as técnicas, mas sim as técnicas é que determinam os
organismos sociais. A técnica acaba sendo o juiz do que é moral, criando
assim uma nova moralidade e até uma nova civilização. Nesta matéria é
obrigatória a citação do �lósofo Cornelius Castoriadis: “Uma das
grandesme
parece que a telemedicina pode ser uma ferramenta extraordinária para
o médico que pra�ca medicina no chamado Brasil Profundo. Este �po
de ato médico (à distância) pode ser bené�co nas enfermidades que
podem ser monitoradas através de protocolos (é a chamada “Medicina
baseada em evidências”)
Cérebro e inteligência arti�cial
O cérebro é a úl�ma fronteira do conhecimento da civilização do
Sapiens. E quais serão os desdobramentos com os avanços da IA? Aqui
eu vou pegar carona no livro “O Futuro da Mente” do �sico nipo-
americano Michio Kaku (Editora Rocco, 2015). Para redigir o livro ele
entrevistou 211 cien�stas (neurocien�stas, cien�stas da computação,
especialistas em IA).
Ele começa a�rmando que graças a computadores avançados e
aparelhos modernos de varredura cerebral, o que era �cção cien��ca
está se tornando realidade. Tecnologias antes consideradas
impensáveis, como gravar memórias, �lmar sonhos, movimentar braços
e pernas ar��ciais com o comando da mente num tetraplégico, apagar e
reprogramar a memória de um rato em laboratório, a aprendizagem das
máquinas (deep learning machine) ... já estão acontecendo do ponto de
vista experimental.
O neurocien�sta brasileiro Miguel Nicolelis (chefe do setor de
Neuroengenharia da Duke University e um dos entrevistados) é pioneiro
na pesquisa da interface cérebro-máquina. Ele realizou uma experiência
muito elegante demonstrando que um macaco, portando um chip no
cérebro (conectado ao computador e à internet) e andando numa
esteira rolante na Carolina do Norte (E.U.A.) é capaz de controlar os
movimentos de um robô do outro lado do mundo (Kyoto-Japão).
Nicolelis trabalha também com exoesqueleto – que é um robô adaptado
ao corpo de um paraplégico ou tetraplégico e que através de um
comando da mente é capaz de deambular. Durante a Copa do Mundo
de 2014, no Brasil, ele fez uma demonstração com um paraplégico na
cerimônia de abertura do evento. Nicolelis prevê o dia em que pessoas
do mundo inteiro poderão estar conectadas sem digitar, sem usar o
mouse e sem precisar deslizar o dedo na tela ou mesmo a voz. Seria
uma espécie de Mentenet.
Evolução da comunicação
A propósito dos meios de comunicação na era digital, vale a pena
fazer um �ash-back e analisar a evolução da comunicação nas
sociedades humanas. Na Alta An�guidade (10 mil anos a.C.) a
comunicação entre os seres era somente oral (boca-a-boca). Os mais
velhos transmi�am aos mais jovens as suas experiências, as lendas, os
mitos... Esse �po de comunicação era precário porque não �cava
registrado nos bancos de memória para as próximas gerações. Naquela
época, o homem primi�vo era impotente diante da natureza (ele era um
ser contempla�vo) – era o mundo cosmocêntrico. Os sumérios, por
volta de 3.000 anos a.C., começaram a gravar na pedra (argila)
informações relevantes para a população – era a escrita cuneiforme. A
escrita é uma tecnologia de comunicação, que permite a perenização da
informação. Depois apareceu no an�go Egito a escrita hieroglí�ca ,
traduzida em pinturas ou símbolos. Na Idade Média os monges copistas
compilavam nos papiros o conhecimento do mundo. Era um saber de
igreja, que �nha origem nos mosteiros. É o mundo teocêntrico. No
Renascimento, com a invenção da prensa pelo alemão Gutenberg, o
conhecimento saiu dos mosteiros e dos castelos, se humanizou e se
disseminou pelo mundo civilizado. A bem da verdade, Gutenberg foi o
segundo no mundo a usar a impressão por �pos móveis, por volta de
1439, após o chinês Bi Sheng no ano de 1040 ter usado a prensa móvel.
Gutenberg é considerado o inventor dos �pos móveis de chumbo
fundido, mais duradouros e resistentes dos que os fabricados em
madeira, e portanto reu�lizáveis que conferiram uma enorme
versa�lidade ao processo de elaboração de livros e outros trabalhos
impressos e permi�ram a sua massi�cação. Na época o homem se
colocou no lugar de Deus (ou como parceiro de Deus), é o mundo
antropocêntrico. Esta revolução deu origem ao Iluminismo, cujo
obje�vo é submeter as verdades tradicionais a uma razão humana
liberada e analí�ca. No mundo contemporâneo, a comunicação se faz
através da mul�mídia (verbal, radiofônica, mídia impressa, televisiva,
internet, redes sociais); e agora se fala na mentenet planetária, na qual
todos os sen�dos, emoções, lembranças e pensamentos serão
compar�lhados em escala global. A técnica colocou na mão do usuário
um minicomputador e a avalanche de informação proporcionada pelas
redes sociais pode provocar uma cacofonia na cabeça do receptor. Eu
explico: o excesso de informação não permite ao receptor uma re�exão
crí�ca e isso não transforma as informações em saberes ar�culados. A
ênfase do mundo digital na velocidade pode inibir a re�exão. A
percepção humana perde o caráter pessoal e as pessoas se tornam
dados e dados passam a imperar.
Mas a realidade é esta: nós vivemos numa civilização tecnocêntrica e
nós somos tecnodependentes.
Estamos entrando na era das neuropróteses (Braingate) e cada vez
mais eletrodos são implantados no cérebro para a�ngir áreas alvo-
diferentes e com obje�vos diversos: o indivíduo, portando os eletrodos,
poderá ser es�mulado para a�ngir o prazer ou para suprimir a tristeza ,
para diminuir o ape�te com a �nalidade de perder peso, para se manter
em vigília por períodos prolongados, para suprimir movimentos
involuntários anormais... Aqui se impõe equacionar os aspectos é�cos,
legais e �losó�cos destes procedimentos, levando-se em conta que o
cérebro é um órgão nobre que lida com as nossas emoções, as funções
cogni�vas e o nosso comportamento. De sorte que intervir nesse
santuário, de modo indiscriminado, embute riscos – porque cada
cérebro é único, é editado num único exemplar e não tem segunda
edição. É preciso considerar também que o cérebro é o órgão mais
complexo do universo e as suas múl�plas funções e disfunções não
estão ainda inteiramente elucidadas. O computador é previsível, o
cérebro não!
Era da singularidade?
Estamos ingressando também na sociedade da “internet das coisas”
, o que equivale dizer que não são só as pessoas que estão conectadas,
mas os objetos também começam a se conectar uns com os outros.
Dentro de pouco tempo, a internet estará conectando carros com
edi�cios, com roupas, com computadores... tudo estará emi�ndo
informações. A sigla em inglês para essa tecnologia digital é IoT (Internet
of things). Imagine o leitor: numa fábrica, as máquinas conversando
uma com as outras. Ou então, um de�ciente �sico – cadeirante e
tetraplégico – quando entra na sua cozinha acende a luz e aciona a
cafeteira que conversa com a torradeira, tudo isso sem a ajuda de
ninguém. Segundo Ethevaldo Siqueira: “De forma simpli�cada, podemos
a�rmar que a IoT é uma rede de objetos �sicos (veículos, prédios e
outros dotados de tecnologia embarcada, sensores e conexão com a
rede) capaz de coletar e transmi�r dados. A evolução do conceito de IoT
tem sido consequência direta da convergência de várias tecnologias,
entre as quais a análise em tempo real, o aprendizado da máquina, os
sensores de commodi�e, os sistemas embarcados, as redes de sensores
sem �o, os sistemas de controle, a automação (incluindo a automação
residencial e de construção) e outras que contribuem para viabilizar
essa espécie de internet da integração. Um dos elementos que
viabilizam a capacidade de comunicação dos objetos são as e�quetas
inteligentes, ou disposi�vos de iden��cação por rádio-frequência, ou
RFID (radio frequency iden��ca�on device). O exemplo mais banal de
u�lização desses disposi�vos de comunicação entre objetos o leitor
conhece, ao cruzar o posto de pedágio automá�co: a cancela lê os
dados do circuito RFID no para-brisa do carro e debita a tarifa na conta
do usuário.”
A conec�vidade móvel de quinta geração (5G) deve virar realidade
em 2020. E promete alimentar em escala comercial disposi�vos móveis
(celulares, tablets...) casas inteligentes – com geladeira, fogão, alarmes
de segurança interconectados – frotas de veículos autônomos,
automação de fábricas inteiras, cidades inteligentes. Tudo deverá
conversarentre si, em tempo real, sem cabos e sem interruptores (Celso
Ming – O Estado de S.Paulo, 09/07/2019). O sistema 5G é um salto
tecnológico que vai abolir o uso de cabos e vai proporcionar transmissão
de canais pela internet via celular. Esse avanço vai impactar o mercado
da TV por assinatura, que deve despencar.
Hawking, no seu livro “Breves Respostas Para Grandes Questões”,
nos informa como o matemá�co Irving Good percebeu em 1965, que
máquinas com inteligência sobrehumana poderiam repe�damente
aperfeiçoar o próprio design, algo que o escritor de �cção cien��ca e
matemá�co chamou de Singularidade tecnológica”.
Singularidade tecnológica é a hipótese que relaciona o
desenvolvimento tecnológico desenfreado da superinteligência ar��cial
a mudanças irreversíveis na civilização humana. Segundo essa hipótese,
a “reação desenfreada” de um agente inteligente atualizável com
capacidade de autoaperfeiçoamento geraria cada vez mais rapidamente,
máquinas dotadas de uma superinteligência poderosa que,
qualita�vamente, ultrapassaria toda a inteligência humana.
Alguns entusiastas da IA, par�cularmente o cien�sta da computação
Ray Kurzweil, acreditam que a IA vai ultrapassar a inteligência humana.
Kurzweil denomina esse estágio da civilização da máquina como da “Era
da Singularidade”. Para que a singularidade tecnológica seja a�ngida é
necessário que a IA supere a inteligência humana. Em menos de 100
anos as máquinas a�ngirão a mesma habilidade do cérebro humano –
um tempo ín�mo se comparado ao tempo de evolução que a espécie
humana precisou para desenvolver sua Inteligência.
Além da Lei dos Retornos Acelerados*, ele aposta na revolução GNR
(gené�ca-nanotecnologia-robó�ca) para a consecução desse obje�vo.
Nanotecnologia é a manipulação da matéria em escala molecular e
atômica. Os nanorrobôs dispõem de braços e cortadores que agarram e
cortam as moléculas em vários átomos, que depois podem ser
rearranjados em outras moléculas. Os nanorrobôs são em essência
nanofábricas vivas. Eles podem criar quase todas as moléculas
conhecidas. O nanorrobô se autoreplica. A nanotecnologia é
considerada a mais importante tecnologia do mundo contemporâneo.
Ela pode avançar a ponto de construir átomo por átomo qualquer
organismo. Há quem acredite que no futuro será possível montar um
cérebro humano – ou um ser humano inteiro. Ela pode ser aplicada em
diferentes áreas: medicina, eletrônica, ciência da computação, �sica,
química e engenharia dos materiais. Nós já convivemos com a
nanotecnologia e a nanomedicina dá seus primeiros passos com a
obtenção de medicamentos através de nanotécnicas. Também, num
futuro incerto, será possível injetar nanorrobôs na veia para tratar
certas doenças (contra vírus, para atuar contra as células malignas nas
neoplasias e “nanorrobôs esfregões” para limpar as artérias). A
nanocirurgia será uma disciplina importante da medicina. Os
nanorrobôs serão excelentes cirurgiões. Equipes de milhões de
nanorrrobôs serão capazes de reestruturar ossos e músculos, destruir
formações indesejadas (por exemplo tumores), célula por célula, e
desbloquear artérias. Nanorrobôs serão mais precisos do que
instrumentos cirúrgicos convencionais e não deixarão cicatrizes...Os
nanorrobôs cirurgiões poderão, até mesmo, realizar cirurgia em
estruturas no interior das células (por exemplo reparar o DNA dentro do
núcleo).
A gené�ca cons�tui outro pilar da era da singularidade – que na
opinião de Ray Kurzweil será determinada pela revolução GNR. À
medida que aprendemos os códigos gené�cos e protéicos de nossa
biologia, conquistamos os meios de deter a doença e o envelhecimento.
Para isso é preciso saber lidar com a informação central da biologia, que
é o genoma. Com tecnologias gené�cas será possível controlar como os
genes se expressam e, até, de mudar os próprios genes. A expressão
gené�ca é controlada por pep�deos, moléculas formadas por
sequências de aminoácidos e cadeias curtas de RNA. Através da
manipulação do processo de expressão gené�ca será possível desa�var
a expressão de genes causadores de doenças e a�var genes desejáveis.
O sistema CRISPR é uma técnica que vem revolucionando a
Biotecnologia nos úl�mos anos. A CRISPR-Cas9, encontrada em genoma
de bactérias, se transformou em uma ferramenta da engenharia
gené�ca u�lizada para editar DNA humano. Sempre convenientemente
localizado perto dessas sequências de DNA está o gene que expressa a
enzima Cas9. Essa enzima tem a capacidade de cortar precisamente o
DNA e a sequência a ser editada em um genoma. Em 2015, cien�stas
u�lizaram essa técnica para provar que era possível suprimir os vírus de
HIV de células vivas de pacientes portadores. Também com a técnica
CRISPR é possível editar células imunes e fazer delas “caçadoras” de
células cancerosas. Portanto o tratamento do câncer poderá ser feito
com injeção de milhares de suas próprias células, gene�camente
modi�cadas no laboratório. Esse procedimento gené�co,é chamado
Terapia Celular, em que se altera no laboratório o DNA das células T de
defesa re�radas do próprio paciente. As células modi�cadas em
laboratório voltam para o corpo e favorecem uma reação imunológica
para combater a doença. Recentemente foi realizada pela primeira vez
na América La�na (em Ribeirão Preto) essa terapia – com sucesso –
(Técnica CAR-T) para tratar um linfoma não Hodgkin e não curável pelos
métodos terapêu�cos convencionais. Com a técnica CRISPR é possível
controlar genes a�vados ou desa�vados.
Acredita-se que a terapia gênica – ainda uma promessa – possa
decolar nas próximas décadas.
A clonagem terapêu�ca – não com o obje�vo de clonar seres
humanos inteiros – mas como ferramenta para criar órgãos humanos
(coração, rim, �gado) – usando para isso células reprodu�vas no estágio
pré-fetal. Essas células sofrem diferenciação e se tornam to�potentes,
podendo se transformar em diferentes tecidos (muscular, ósseo,
nervoso...). Como a diferenciação ocorre na fase pré-fetal, esse
procedimento não atropelaria a é�ca, embora essa opinião não seja um
consenso na comunidade cien��ca.
Ray Kurzweil & Terry Grossman abordam no livro “A Medicina da
Imortalidade”- como vencer a morte celular programada. Vou
reproduzir adiante a abordagem que consta no texto do livro: “A
clonagem terapêu�ca relaciona-se aos telômeros, que são �lamentos de
um código repe�do no �nal de cada �ta de DNA. Esses códigos
repe�dos são como um colar de contas, do qual uma ‘conta’ cai cada vez
que a célula sofre divisão. Isso limita o número de vezes que uma célula
pode se dividir – o chamado limite de Hay�ick. Quando essas ‘contas’ de
DNA acabam, a célula é programada para morrer. Recentemente,
descobriu-se que uma única enzima chamada telomerase pode
prolongar a extensão dos telômeros, superando, assim, o limite de
Hay�ick. Células reprodu�vas criam telomerase e são imortais. As
células cancerígenas também produzem telomerase, o que lhes permite
reproduzir-se inde�nidamente. A iden��cação dessa enzima traz
oportunidades importantes para manipular esse processo de prolongar
a longevidade de células saudáveis ou interromper a longevidade de
células patológicas, por exemplo, as cancerígenas”.
Em outro tópico do livro eles abordam a Engenharia de Células
Somá�cas Humanas – “Trata-se de uma abordagem mais promissora,
que evita completamente a controvérsia de usar células-tronco fetais.
Essas novas tecnologias, também denominadas transdiferenciação,
criam novos tecidos com o próprio DNA do paciente, ao converterem
um �po de célula (por exemplo, uma célula da pele) diretamente em
outra (por exemplo, uma célula das ilhotas pancreá�cas ou do coração),
sem o uso de células-tronco fetais. Há inovações recentes nesta área.
Cien�stas dos Estados Unidos e da Noruega converteram, com êxito,
células humanas da pele diretamente em células nervosas e do sistema
imunológico. Hematech, uma empresa de Biotecnologia, reprogramou
�broblastos a um estágio primordial, no qual possam ser conver�dos
em outros �pos de célula... Esse processo desenvolveria diretamente
um órgão com a cons�tuição gené�cado indivíduo, e o novo órgão teria
seus telômeros completamente alongados até a extensão original da
juventude, tornando o novo órgão jovem novamente. Isso signi�ca que
um homem de 80 anos de idade, poderia ter o coração subs�tuído pelo
mesmo que ele �nha quando estava com, digamos, 25”.
A robó�ca é o terceiro pilar da tríade GNR e ela já foi abordada no
subcapítulo “Tipos de Inteligência ar��cial”.
Para a�ngir a era da singularidade tecnológica é importante
decodi�car o cérebro. Com esse obje�vo vários projetos estão em
andamento no mundo: 1) Projeto Blue Brain: 2) Atlas gené�co do
cérebro; 3) Projeto Conectoma Humano. O projeto Blue Brain, em
desenvolvimento na Suiça , procura, através da engenharia reversa,
replicar no cérebro de silício a inteligência humana. O obje�vo da
engenharia reversa do cérebro é construir um cérebro ar��cial através
do uso de transistores que imitem o comportamento de redes neurais,
de sorte que haverá módulos computacionais funcionando como
neocórtex, hipocampo, tálamo e outras partes do cérebro. É uma
espécie de reconstrução digital de cérebros de roedores e,
eventualmente de humanos – através da engenharia reversa dos
circuitos cerebrais dos mamíferos. Este projeto pouco ou quase nada
tem avançado. O Atlas Allen do Cérebro procura inves�gar como o
cérebro foi formado através dos genes. É um projeto laborioso e de alta
complexidade, porque 82% de nossos genes se expressam no cérebro.
Este projeto foi �nanciado por um execu�vo bilionário da Microso�
(Paul Allen- recentemente falecido) e também pouco tem avançado.
Finalmente o Projeto Conectoma Humano , lançado nos E.U.A. [em
2009] e apoiado pelo governo do ex-presidente Barack Obama, tem
como obje�vo mapear as redes neurais. É um projeto ambicioso e
representa um esforço hercúleo, basta dizer que se um dia o cérebro for
digitalizado ele ocupará 1 trilhão de gigabytes de memória, enquanto o
projeto Genoma – que foi �nalizado no ano 2.003 – ocupa 3 gigabytes
de memória. Esses dados indicam a di�culdade gigantesca para
entender e decodi�car o cérebro, até mesmo porque alguns
pesquisadores entendem que qualquer conectoma está em um �uxo
con�nuo, à medida que conexões crescem e morrem. Cada cérebro tem
sua própria biogra�a e esses dados biográ�cos mudam a todo instante.
Outro aspecto complicador é que o cérebro é dotado do que se
denomina “energia escura”, que ainda é uma incógnita para os
neurocien�stas. Não obstante, alguns neurocien�stas e estudiosos da IA
a�rmam que dentro de pouco tempo será possível fazer download de
memórias ar��ciais, de expandir nossa inteligência através de smart
drugs e de terapias gênicas e vai chegar o dia em que poderemos gravar
todos os sinais que passam pelo hipocampo, tálamo e pelo resto do
sistema límbico, e fazer um registro con�ável. Então inserindo essas
informações no cérebro , poderemos experimentar a totalidade do que
outra pessoa já experimentou. Estas previsões me parecem ousadas e
ambiciosas e embutem muita futurologia, no es�lo �cção cien��ca.
Basta re�e�r sobre o relato a seguir. O �sico Michio Kaku durante sua
visita ao Japão teve a oportunidade de ver o desempenho de um dos
robôs mais avançados da Honda, chamado Asimo. É um robô
maravilhoso, do tamanho de um menino, que anda, corre, sobe escadas,
fala várias línguas e dança muito bem. Ele perguntou aos criadores do
robô qual era seu nível de inteligência comparando com a inteligência
biológica. Eles admi�ram que era a inteligência de um inseto. É preciso
ter os pés no chão e admi�r que as máquinas (IA) não elaboram ideias,
não julgam, não têm opinião; elas apenas executam tarefas para as
quais foram programadas. O ser humano não é um ser digital, mas sim
um ser conceitual (analógico). A IA não “aprende” conceitualmente, e
sim matema�camente, fazendo pequenos ajustes em seus algoritmos. O
lidar com conceitos es�mula o pensamento abstrato, o lidar com
objetos es�mula o pensamento concreto. E isso, por enquanto, faz toda
a diferença. Por outro lado, os seres humanos não são previsíveis como
os computadores e são dotados de cria�vidade – de sorte que eles não
funcionam como máquinas ou robôs.
Qual é o futuro do ser humano?
Entretanto a IA evolui rapidamente e faz avanços exponenciais no
mundo da 4.0 revolução industrial, de sorte que algumas questões,
colocadas a seguir, são per�nentes. O que acontecerá quando um robô
a�ngir a autoconsciência de sua inteligência superior? O que acontecerá
quando robôs es�verem construindo a geração seguinte de robôs,
tendo sua própria meta evolu�va? Como a compreensão e as ações
deles afetarão a evolução dos humanos? En�m como nós vamos
conviver com robôs superinteligentes? Para tentar responder a essas
questões vários cenários podem ser traçados: 1) Na civilização da
Machina sapiens o Homo sapiens será ex�nto. 2) O Homo sapiens se
fundirá com a Machina sapiens, cons�tuindo uma nova espécie. Alguns
especialistas de IA acreditam que lá adiante, num futuro longínquo, será
possível fazer um upload do cérebro humano para um robô. 3) Na
civilização da Machina sapiens, os seres humanos desempenharão uma
posição subalterna – uma espécie de animais domés�cos. 4) O Homo
sapiens con�nuará sendo hegemônico e a máquina subalterna. Alguns
argumentam: a Machina sapiens nunca será hegemônica, porque o
homem sempre terá o livre-arbítrio para desligá-la. Ledo engano. Na
sociedade digital somos tecnodependentes e desligar as máquinas seria
o caos. Hoje pra�camente tudo está informa�zado: o sistema �nanceiro,
o sistema de transportes, o sistema energé�co, o sistema de segurança,
o sistema produ�vo (tanto o industrial, como o agronegócio) e outros.
Nas palavras de Erich Fromm: “Ontem o homem corria o risco de ser
escravo, amanhã corre o risco de ser um robô.” A IA, a robó�ca, os
algoritmos gené�cos, a vida ar��cial, a internet das coisas, a
biotecnologia e o avanço das nanotecnologias tornam cada vez mais
impercep�veis as fronteiras entre a vida biológica e as máquinas!
Vejam a opinião de Stephen Hawking a propósito deste polêmico
tema: “ O advento da IA superinteligente seria a melhor ou a pior coisa
para a humanidade. O verdadeiro risco da IA não é sua maldade, mas
sua competência. Uma IA superinteligente será extremamente boa em
cumprir seus obje�vos; se esses obje�vos não es�verem alinhados com
os nossos estaremos encrencados. Adiante – ele con�nua – pioneiros da
tecnologia como Bill Gates, Steve Wosniak e Elon Musk par�lham de
minha preocupação , e uma cultura salutar de avaliação de riscos e
consciência das implicações sociais começa a criar raízes na comunidade
de IA. Em janeiro de 2015, Elon Musk, diversos especialistas em IA e eu
assinamos uma carta sobre o tema, reivindicando uma pesquisa séria
sobre seu impacto na sociedade. No passado, Elon Musk nos adver�u
que a inteligência ar��cial sobre-humana oferece bene�cios
incalculáveis, mas, se empregada descuidadamente, terá o efeito
oposto. Ele e eu somos partes do conselho consul�vo do ins�tuto
Future of Life, criado para minimizar os riscos de ex�nção da
humanidade e que elaborou o texto do documento...”
Então, vamos a�ngir a Era Pós-humana? Alguns neurocien�stas não
acreditam na possibilidade de fazer um upload do cérebro, porque isso
signi�caria incluir cada neurônio, cada conexão, cada átomo e essa
tarefa é inexequível, par�cularmente do ponto de vista funcional. E
relembro aqui ao leitor que a minha indagação, no poema de abertura
deste texto, é per�nente. E, agora – para onde? Homo incognitus!
O texto que você acabou de ler repercute apenas a ponta do iceberg.
A IA invade, cada vez mais, todas as esferas da a�vidade humana e a era
digital vai transformando o mundo de maneira rápida e radical. Quem
não se preparar e não se adaptar à essa nova sociedade “estará excluído
do mundo”. Mas essa transformação nem sempre é pací�ca, porque
quase toda disrupção é traumá�ca – são as dores de crescimento de um
novo paradigma. Muitos outros pontos polêmicos poderiam ter sido
equacionados: implicações é�cas, legais, �losó�cas, religiosas... e algunsserão abordados nos capítulos a seguir.
* Título inspirado em Leonard Mlodinow.
* O grafeno é um material de átomos de carbono que, por ser simplesmente o mais
�no e melhor condutor do mundo, é �do como grande avanço na área tecnológica.
Essa camada ligeiríssima de gra�te é ainda muito resistente, se levarmos em
consideração sua espessura (3 milhões de camadas de grafeno empilhadas têm a
altura de apenas um milímetro), sendo o grafeno 100 vezes mais forte que o aço.
* Essa decisão foi revogada aproximadamente 30 dias depois, em virtude do protesto
dos Conselhos Regionais de Medicina que sugeriam um debate mais amplo da matéria.
* Kurzweil em seu ensaio de 2001 “A Teoria das Mudanças Aceleradas” atribui à lei de
Moore um crescimento exponencial do progresso tecnológico.
*
Antes de mais nada, permitam-nos postular que os cien�stas de
computadores consigam desenvolver máquinas inteligentes que possam
fazer todas as coisas melhores que os seres humanos possam. Nesse
caso, presumivelmente todo o trabalho será feito por vastos e
altamente organizados sistemas de máquinas e nenhum esforço
humano será necessário. Qualquer um dos dois casos poderia ocorrer:
as máquinas poderiam ter a permissão de tomar todas as suas próprias
decisões sem supervisão humana, ou o controle humano sobre as
máquinas poderia ser conservado.
Se as máquinas �verem a permissão de tomar todas as suas próprias
decisões, não poderemos fazer nenhuma conjectura quanto aos
resultados, pois é impossível adivinhar como essas máquinas irão se
comportar. Só apontamos que o des�no da raça humana estaria à mercê
das máquinas. Poderiam argumentar que a raça humana jamais seria
tola o bastante para entregar todo o poder às máquinas. Mas não
estamos sugerindo nem que a raça humana entregasse voluntariamente
o poder para as máquinas nem que as máquinas tomassem o poder de
sua vontade. O que sugerimos é que a raça humana poderia facilmente
permi�r a si mesma escorregar para uma posição de tamanha
dependência das máquinas, que não teria escolha prá�ca senão aceitar
todas as decisões delas. À medida que a sociedade e os problemas que
ela enfrenta se tornarem cada vez mais complexos e as máquinas cada
vez mais inteligentes, as pessoas deixarão as máquinas tomarem mais
decisões por elas, simplesmente porque decisões tomadas por
máquinas trarão melhores resultados do que as tomadas pelo homem.
No futuro, podemos a�ngir um estágio em que os seres humanos serão
incapazes de tomá-las de modo inteligente. Nesse estágio, as máquinas
terão o controle efe�vo da situação. As pessoas não serão capazes
simplesmente de desligá-las porque estarão tão dependentes delas,
seria o equivalente ao suicídio.
Por outro lado, é possível que o controle humano sobre as máquinas
possa ser conservado. Nesse caso, o homem médio pode ter o controle
sobre certas máquinas par�culares de sua propriedade, como seu carro
ou o seu computador pessoal, mas o controle sobre grandes sistemas de
máquinas estará nas mãos de uma pequena elite – assim como já
acontece hoje, mas com duas diferenças. Devido ao aprimoramento das
técnicas, as elites terão maior controle sobre as massas; e, como o
trabalho humano não será mais necessário, as massas serão supér�uas,
um fardo inú�l para o sistema. Se a elite for impiedosa, poderá
simplesmente decidir exterminar a massa da humanidade. Se for
humanitária, poderá usar a propaganda polí�ca ou outras técnicas
psicológicas ou biológicas para reduzir a taxa de natalidade até que a
massa da humanidade seja ex�nta, deixando o mundo para a elite. Ou,
se a elite consis�r de liberais de coração mole, eles poderão decidir
desempenhar o papel de bons pastores para o resto da raça humana.
Eles cuidarão para que as necessidades �sicas de todos sejam
sa�sfeitas, que todas as crianças sejam educadas sob condições
higiênicas, psicologicamente, que todos tenham um hobby decente para
mantê-los ocupados, e que todos que possam �car insa�sfeitos sofram
um “tratamento” para curar seu “problema”. Naturalmente, a vida será
tão sem sen�do que as pessoas terão que sofrer um processo de
engenharia biológica ou psicológica para remover sua necessidade de
poder ou “sublimar” seu impulso de poder em algum hobby inofensivo.
Esses seres humanos engenheirados poderão ser felizes em uma
sociedade dessas, mas certamente não serão livres. Eles terão sido
reduzidos ao status de animais domés�cos.
Theodore Kaczynski
* O signatário deste manifesto é [nada mais, nada menos] o tristemente celebre
Unabomber, hoje um prisioneiro nos Estados Unidos da América. Kaczynski, um
matemá�co por formação, escritor e a�vista an�civilização, foi preso sob a acusação
de terrorismo e condenado à prisão perpétua por sua par�cipação em uma série de
atentados à bomba que mataram três pessoas e feriram outras 23, entre cien�stas,
engenheiros e execu�vos.
Ludita – Membro do grupo de operários ingleses que, no século XIX destruíram
máquinas industriais, temendo o desemprego. Por extensão - indivíduo que se opõe à
industrialização intensa ou a novas tecnologias. (Novo Aurélio - Século XXI, Nova
Fronteira, Rio de Janeiro, 1999).
Albert Einstein, que morreu em 1955, a�rmou no início dos anos 50 :
“Quando a tecnologia ultrapassar a intera�vidade humana, o mundo
terá uma geração de idiotas”. Palavras profé�cas, pois ele disse isso
quando a era do computador estava apenas começando. No século XXI,
a sociedade digital já é uma realidade, com todas as suas
consequências: efeitos bené�cos e efeitos indesejáveis. Nós somos
seres biológicos e, portanto, processamos as informações de modo
lento, enquanto as máquinas da era digital são extremamente rápidas
para processar informações. Entretanto nós processamos informações,
com espírito crí�co, no sen�do de que elas tornem-se conhecimento
ar�culado. As máquinas digitais ainda não a�ngiram esse estágio, o que
signi�ca que elas não elaboram ideias próprias, não emitem opinião,
não tem uma capacidade cria�va – em suma, elas não lidam com o
pensamento abstrato. O ser humano corre o risco de ser intoxicado pelo
excesso de tecnologia: uma espécie de organismo que age por es�mulo
e reação – um ser robo�zado (ou mime�zando o “comportamento de
um robô”).
O indivíduo hiperconectado, além de ser incapaz de reter uma
grande massa de informações, ele pode ser sobretudo incapaz de
pensar soluções cria�vas para problemas complexos. O usuário do
sistema recebe uma avalanche de informações de variadas fontes e não
tem tempo ú�l para re�e�r sobre elas e, por via de consequência, as
informações não adquirem status de conhecimento. Muitas pessoas são
hoje dependentes dessas novas tecnologias – são aquilo que os
franceses chamam Les drogués de la thecnologie. É necessário uma
“desintoxicação digital”. Elas caminham no espaço público (shoppings,
parques, calçadas...) e até atravessam uma passagem de pedestre na via
pública digitando – digitam até mesmo ao volante – algumas chegam,
até mesmo, a despertar no meio da noite para checar se há novas
mensagens no seu smartphone. Essas pessoas se forem privadas do seu
equipamento tecnológico podem desenvolver uma síndrome de
abs�nência. Esse quadro hoje tem um nome: nomofobia. Segundo
pesquisas de neurocien�stas esse quadro depende de
comprome�mento da química cerebral. Quando o usuário do
smartphone (geralmente um adolescente) é privado do seu uso, ele
apresenta um quadro semelhante à abs�nência de drogas como o álcool
(por exemplo), traduzido por ansiedade, sudorese, irritabilidade e
comportamento agressivo. Realmente existe essa dependência
tecnológica – que ocorre principalmente no adolescente e no adulto
jovem – entretanto a “digitomania” é muito mais abrangente e ocorre
em todas as faixas etárias. Essas novas tecnologias são ferramentas
extraordinárias e muito podem auxiliar o ser humano quando u�lizadas
com bom senso e equilíbrio. A internet, além de promover a
“democracia digital”, é instantânea, ubiquitária, de baixo custo e é
mundial, mas apresenta efeitos indesejáveis, e não são poucos. Primeiro
as fakes news – (falsasno�cias) promovendo uma cacofonia na cabeça
dos internautas, além de disseminar a intriga e o ódio nas redes sociais.
É lamentável que um meio de comunicação poderoso, como a internet,
sirva de veículo para turbinar as fakes news: tecnologicamente um
avanço, e�camente um retrocesso. Mas pode ainda ir além: são os
chamados crimes digitais (crime ciberné�co, cibercrime). En�m são
termos u�lizados para se referir a toda a�vidade onde um computador
[ou uma rede de computadores] é u�lizado como uma ferramenta de
ataque ou como meio para os mais variados crimes (disseminação de
vírus, distribuição de material pornográ�co – em especial infan�l -,
fraudes bancárias ou insulto a outra pessoa – de caráter discriminatório
ou ataque à honra, invasão da privacidade...), chantagem �nanceira
contra empresas... e até a famigerada cyber war (Veja o capítulo
Violência: Um tema revisitado da An�guidade à Idade Contemporânea).
O segundo aspecto é o seguinte: a internet retribalizou os usuários
deste meio de comunicação – eles permanecem no seu nicho e os
“diálogos” �cam restritos aos que pensam igual. As pessoas tendem a
acreditar apenas nas declarações que coincidem com as suas crenças. E
quando todos pensam igual é sinal de que ninguém pensa muito.
Terceiro, a internet é um “meio frio” de comunicação, porque falta o
olho no olho, a linguagem verbal (com suas diversas entonações)
acompanhada da linguagem gestual – em suma é uma comunicação que
carece de calor humano.
Por úl�mo a linguagem eletrônica, com seu es�lo contraído,
empobrece a troca de ideias. Existe uma certa confusão entre
conec�vidade e diálogo. As redes sociais nem sempre são as melhores
ferramentas para o debate em alto nível. Pode-se até a�rmar que a
comunicação digital, nas plataformas da internet, reduz questões
complexas a opções binárias. E o rígido “raciocínio binário” tem muitas
limitações. As redes sociais podem contribuir para empobrecer
culturalmente o indivíduo, além do que podem ser usadas com
�nalidades malévolas (difamação, calúnia, discriminação... en�m a
propagação das fake news).
O vício digital (cibervício) deve ser tratado, par�cularmente com
psicoterapia cogni�va e orientação familiar. Já para a “digitomania”, que
pode ocorrer nas faixas etárias mais avançadas, eu não tenho uma
receita – talvez um choque cultural desencadeado pela mul�mídia
(radiofônica, impressa, televisada, internet). Mas a cultura midiá�ca
também é muito pobre. Além do que é preciso considerar que é muito
di�cil modi�car comportamentos cristalizados – como convencer um ser
“telenovela- dependente” que é muito mais enriquecedor ler o texto de
“Grande Sertões e Veredas – de Guimarães Rosa do que ver na tela a
minissérie do romance. Atenção, “o olho que lê re�ete mais do que o
olho que vê”. A leitura promove a inteligência verbal das pessoas e ler
aumenta a capacidade de análise do cérebro e melhora as habilidades
linguís�cas. O mergulho no mundo do conhecimento, que no início
exige uma certa dose de transpiração, acaba se transformando numa
aventura fascinante. Imagine o leitor um mundo que boa parte das
pessoas fosse conhecimento-dependente – um mundo assim dos
drogués de connaissance. Concluo este capítulo com uma frase do
grande pensador, intelectual e escritor Umberto Eco: “A mídia social deu
voz ao idiota, que antes não �nha como vocalizar e agora tem”.
No dia 18/03/2018 um carro autônomo, o SUV Volvo – Modelo XC90
– de propriedade da Uber atropelou a americana Elaine Herzberg de 49
anos. A ciclista foi atropelada e morta numa rodovia em Tempe no
Arizona por um veículo sem motorista. Havia uma pessoa dentro do
veículo, para assumir o comando em situação de perigo. Entretanto a
tragédia aconteceu, estando o veículo a 60 quilômetros por hora, talvez
pela baixa iluminação da rodovia e também por uma manobra abrupta e
inesperada da ciclista.
Aí uma questão é�ca-legal se impõe: a quem cabe a
responsabilidade pelo sinistro: à empresa fabricante do veículo; ao
proprietário do mesmo; à tecnologia em sim mesma? Cabe uma
regulamentação da matéria em virtude dos desdobramentos do
imbróglio jurídico. Entretanto um aspecto cabe destacar: o número de
ví�mas fatais provocado pelos veículos dirigidos por motoristas
humanos é muito elevado. . Nos Estados Unidos morrem diariamente
110 pessoas em acidentes de trânsito. E a revista VEJA [que repercu�u
esta matéria no dia 28/03/2018] conclui a�rmando que no século XIX
uma lei Britânica – a Red Flag Law – exigia que todo carro �vesse à sua
frente uma pessoa carregando uma bandeira vermelha para avisar aos
transeuntes da perigosa máquina. É, talvez sejam as dores de
crescimento de uma nova tecnologia!
Em 1994 publiquei, pela editora Atheneu Cultural, um livro – O Nó
Do Mundo (Miniensaios quase cien��cos – quase �losó�cos) e no
capítulo “Rumo a uma sociedade psicocivilizada” eu procurei abordar a
manipulação do Homo sapiens. Vou reproduzir aqui parte do texto do
referido capítulo.
Nos dias de hoje, a manipulação do comportamento humano pode
ser feita por técnicas re�nadíssimas. É a chamada tecnologia
comportamental, que u�liza desde meios �sicos (lobotomia), até
químicos (psicofármacos), sem esquecer as técnicas psicológicas –
largamente empregadas pelos behavioristas (psicotecnologias). O papa
do behaviorismo, Burrhus Frederic Skinner, escreveu em 1948 o
romance Walden II* que descreve uma sociedade em que todos os atos
humanos são planejados e controlados por cien�stas através de técnicas
psicológicas. No modelo skinneriano, cada membro da sociedade será
dirigido e fará o esperado, sem que qualquer controle visível esteja
sendo exercido.
Que �po de homem devemos construir? Esta foi a questão colocada
pelo celebre neuro�siologista espanhol José Delgado. O �po de
indagação já pressupõe alguma forma de controle do comportamento,
no sen�do de evitar ou corrigir “desvios de conduta”. O obje�vo é
sinistro e não equaciona os efeitos adversos das técnicas
manipuladoras. Delgado imagina a construção de uma sociedade
psicocivilizada, através do controle do humor e do comportamento das
pessoas. A sua estratégia é traçada mediante a implantação de
eletrodos em certas áreas cerebrais e ele levou as es�mulações elétricas
do cérebro a uma extrema so�s�cação pelas técnicas de telecontrole.
Fabricou aparelhagem microminiaturizada para implantar no cérebro do
animal de experimentação, sendo o disposi�vo acionado por
telecomando. Como autên�co espanhol, fez uma impressionante
exibição tauromáquica: desceu à arena e provocou um enfurecido
touro, portador de um aparelho implantado e, quando o animal inves�a
, ele acionava um pequeno botão de rádio, procedimento su�ciente
para inibir a agressividade do touro , que estancava de pronto.
Também no homem estes eletrodos já têm sido implantados e no
terreno da especulação ou da �cção cien��ca numerosas possibilidades
têm sido aventadas: um indivíduo portando os eletrodos poderá se
autoes�mular para a�ngir o prazer ou para suprimir a tristeza, para
diminuir o ape�te com o obje�vo de perder peso, para se tornar
sexualmente potente ou para se manter em vigília por períodos
prolongados. Perspec�vas sombrias também têm sido imaginadas: com
indivíduos sendo telecomandados para propósitos agressivos (soldados
nos campos de batalha, por exemplo) ou a u�lização deste �po de
manipulação nos regimes totalitários para “corrigir comportamentos
desviantes”...
Eu inclui uma parte do texto deste capítulo de “O Nó do Mundo”
para demonstrar que procedimentos tecnológicos para o controle do
comportamento, tendo como alvo o cérebro, �veram início na década
de 1960 com os experimentos de Delgado. No mundo contemporâneo
nós ingressamos na era das neuropróteses, com a introdução de
técnicas re�nadas para o implante de eletrodos em áreas alvo do
cérebro. Também a es�mulação magné�ca transcraniana pode mudar
comportamentos e induzir a experiências mís�cas. A revolução
psicofarmacológica também deve ser considerada, porque
psicofármacos podem mudar comportamentos. Segundo os
psicofarmacologistas, pode-seatuar sobre o humor com os
an�depressivos, sobre a ansiedade com os ansiolí�cos e sobre as
alucinações com os neurolép�cos. Este úl�mo psicofármaco, também
chamado de tranquilizante maior, quando usado em altas doses – ao
provocar impregnação do cérebro – pode promover uma espécie de
lobotomia química. Na ex�nta União Sovié�ca, o governo usou e abusou
deste procedimento para silenciar os dissidentes polí�cos; o haloperidol
era a droga de escolha para quebrar o ímpeto dos dissidentes. De sorte
que normas é�cas têm que ser elaboradas para a regulamentação
destes �pos de procedimento. A disciplina de neuroé�ca, fundada no
século XXI (2006) , pode colaborar efe�vamente para a regulamentação
de matéria tão relevante na era digital. O grande desa�o é que há um
descompasso temporal entre o avanço rápido das tecnologias e a
morosidade na elaboração de normas legais para a aplicação ou não de
certos procedimentos.
Advertência ao leitor: a lobotomia é um procedimento não aceito
mais pela medicina contemporânea.
Ao concluir este capítulo é impera�vo abordar a doutrinação
ideológica no mundo contemporâneo. No debate polí�co fala-se muito
no “marxismo cultural” e muita polêmica envolve o conceito deste
termo. Para explicá-lo eu vou recorrer a Antonio Gramsci (a�vista
polí�co e um dos fundadores do Par�do Comunista Italiano). Gramsci
desenvolveu a Teoria da Hegemonia Cultural, cujo postulado básico é
que supremacia de um grupo social manifesta-se de dois modos: como
dominação e como in�uência intelectual e moral. Enquanto a
dominação é exercida por meio dos aparatos coerci�vos da polí�ca, a
in�uência (ou manipulação comportamental) é exercida por meio dos
aparatos hegemônicos da sociedade civil, como a Universidade e o
Sistema educacional técnico, a Igreja, os par�dos polí�cos, os sindicatos,
as mídias, o meio ar�s�co... Gramsci, através dos seus “Cadernos do
Cárcere”, fez racionalizações requintadas e eruditas e pode-se dizer por
meio de uma ditadura pedagógica elaborou uma Teoria da Hegemonia
Cultural. A teoria tem como meta reverter a equação da hegemonia
cultural do Mundo Ocidental e, para isso, ele focou os estudos dos
aspectos culturais da sociedade (a chamada “superestrutura” no
marxismo clássico). Deu par�cular importância aos chamados
“Intelectuais orgânicos”, que ele dis�nguia dos “intelectuais
tradicionais”. A hegemonia cultural deve ser perseguida pela ação dos
intelectuais orgânicos que atuam no meio universitário, nos veículos de
comunicação (radiodifusão, televisão, internet, mídia impressa) no meio
ar�s�co, nos sindicatos, nas en�dades religiosas...São os intelectuais
modernos, engajados na construção do socialismo. O dedo de
Maquiavel está nos escritos gramscianos: o que vale dizer “O Principe
Moderno” é o par�do revolucionário que baliza a ação dos intelectuais
orgânicos e que, além de ser a força motriz para a conquista do poder,
vai preservá-lo. Gramsci certa vez a�rmou: “Não ataquem os tanques,
não combatam os soldados, corrompam as mentes”. Ele redesenhou o
programa da esquerda como revolução cultural. Entretanto, o viés
totalitário é o mesmo do marxismo clássico – com o Par�do Comunista
no poder para todo o sempre. É a predes�nação revolucionária – uma
espécie de escatologia imamen�sta. Na minha opinião o intelectual
orgânico, que manipula mentes ainda imaturas, promove uma
verdadeira �rania do saber.
* Walden ou A Vida nos Bosques - é uma autobiogra�a do escritor transcendentalista
Henry David Thoreau. A obra é considerada, simultaneamente, como uma declaração
de independência pessoal, uma experiência social, uma viagem de descoberta
espiritual e um manual de autossu�ciência. Publicado em 1854, Walden é um
manifesto poé�co contra a civilização industrial, que então ganhava força nos Estados
Unidos. Este livro in�uenciou de tal maneira o psicólogo Skinner, que este escreveu em
homenagem ao mestre o livro Walden II. É bom esclarecer que os livros de Thoreau e
Skinner não tem nada a ver: eu diria, se situam em extremos opostos. Para saber mais
sobre o pensamento e a obra de Thoreau consultar o meu livro “As Lembranças que
não se Apagam” publicado pela editora Atheneu Cultura, São Paulo, 2009.
O �sico e escritor Michio Kaku, no livro “O Futuro da Mente” (Rocco,
Rio de Janeiro, 2015), relata um fato que causou perplexidade na
comunidade cien��ca. Vamos a ele. “No ano 2.000, uma controvérsia
feroz agitou a comunidade cien��ca internacional. Bill Joy, da área da
ciência da computação, escreveu um ar�go in�amado denunciando a
ameaça mortal representada pela tecnologia avançada. Num ar�go
publicado na revista Wired com o provoca�vo �tulo “Por que o futuro
não precisa de nós”, ele escreveu: “As tecnologias mais avançadas do
século XXI – robó�ca, engenharia gené�ca e nanotecnologia – ameaçam
tornar os humanos uma espécie em ex�nção”.
Joy descreveu uma distopia macabra, em que todas as nossas
tecnologias digitais conspiravam para destruir a civilização. E adver�u
que três de nossas principais criações se voltarão contra nós.
1. Um dia, os germes produzidos pela bioengenharia vão escapar do
laboratório e devastar o mundo. E eu acrescento, nesta época de
Pandemia provocada pelo novo coronavírus, que estamos vivendo,
uma hipótese aventada por um cien�sta francês foi o escape de um
vírus de um laboratório chinês que passou a infectar em Wurhan,
de maneira rápida, muitos habitantes da cidade. Há muita
especulação sobre a origem da Pandemia, mas esta hipótese de
falha da biossegurança não está de�ni�vamente descartada.
2. Um dia, os nanorrobôs podem enlouquecer e expelir grandes
quan�dades de ‘gosma cinzenta’ que as�xiarão todas a formas de
vida. Como esses nanorrobôs ‘digerem’ matéria comum para criar
novas formas de matéria, os defeituosos podem se descontrolar e
digerir boa parte da Terra.
3. Um dia, os robôs vão dominar e subs�tuir a humanidade. Ficarão
tão inteligentes que vão simplesmente descartar os humanos.
Seremos apenas uma nota de rodapé na história da civilização.”
Dessa visão apocalíp�ca de Bill Joy vou analisar mais extensamente a
nanotecnologia. O princípio básico da nanotecnologia é a construção de
estruturas e novos materiais a par�r dos átomos. É uma tecnologia
promissora, mas apenas dando seus primeiros passos. O pioneiro da
nanotecnologia foi o dr. Kim Eric Drexler, cien�sta norte-americano, ao
referir-se – na década de 1980 – à construção de máquinas em escala
molecular. O santo Graal da nanotecnologia drexleriana é o Montador
Universal, um disposi�vo capaz de [ com as instruções de um
programador] construir qualquer máquina concebível pela mente
humana. Drexler tem uma visão a longo prazo da nanotecnologia que
prevê o aparecimento de nano-disposi�vos de regeneração celular, que
poderão garan�r a regeneração dos tecidos e a imortalidade (!). O
Montador Molecular é uma máquina nanotecnológica de tamanho
bastante reduzido capaz de organizar átomos e moléculas de acordo
com instruções dadas. Esta capacidade de reprodução é uma das
grandes vantagens de um montador molecular e também é um de seus
grandes riscos. Um montador poderia se reproduzir
descontroladamente e ameaçar vidas humanas de forma semelhante a
epidemias. Um risco poderia ser a colonização de toda a terra por
montadores moleculares, ex�nguindo toda a vida no planeta. A
construção de um montador molecular ainda está longe de ser
materializada. Além disto, é di�cil modular o comportamento de objetos
complexos em escala nanométrica, que obedecem as leis quân�cas.
Embora Eric Drexler seja considerado por muitos o pai da
nanotecnologia, a sua abordagem – próxima da �cção cien��ca – é vista
com descon�ança por outros cien�stas mais interessados nos aspectos
prá�cos da nanotecnologia.
Outro possível efeito indesejável é a nanopoluição, que pode ser
gerada por nanomateriais ou durante a confecção destes. Este �po de
poluição, formada por nanopar�culas, pode ser muito perigoso –
porque essas nanopar�culas podem �utuar pelo ar, viajando por longas
distâncias. Em virtude do seu pequeno tamanho, os nanopoluentespodem entrar nas células de seres humanos, animais e plantas. Como a
maioria destes nanopoluentes não existe na natureza, as células
provavelmente não terão os meios apropriados de lidar com eles,
causando danos ainda não conhecidos. Estes nanopoluentes poderiam
também se acumular na cadeia alimentar como os metais pesados e o
DDT.
En�m, Bill Joy conclui: “Essa utopia tecnológica apela para ‘não vou
ter doenças, não vou morrer, vou enxergar melhor e ser mais inteligente
‘. Ao desvelar os segredos moleculares, gené�cos e neurais do cérebro,
não desumanizamos de certa forma a humanidade, reduzindo-a a um
monte de átomos, moléculas e neurônios?” E acrescenta Kaku:”Então,
por um lado, nosso lugar no universo parece diminuir se podemos ser
reduzidos, como robôs, a porcas e parafusos (biológicos). Somos apenas
wetware rodando um so�ware chamado mente, nada mais, nada
menos”. Wetware refere-se à ideia de um “computador biológico”.
Não deixam de ser per�nentes muitas das considerações de Bill Joy,
entretanto impedir o avanço da tecnociência ou decretar uma moratória
nos avanços tecnológicos é um apelo paté�co e absolutamente inú�l . A
era digital é uma realidade e seus avanços são inexoráveis. O que é
preciso fazer para uma coexistência pací�ca entre Homo sapiens e
Machina sapiens? Marcos regulatórios legais para controlar as novas
tecnologias; conceitos de é�ca adequados a uma sociedade digital
avançada; contramedidas para paralisar robôs que possam representar
ameaça aos humanos... Eu até me atrevo a fazer uma pergunta
(im)per�nente: “Será que na sociedade da Machina sapiens nós
a�ngiremos a Utopia do Ócio? Obje�vo desta utopia: o pleno
desemprego! Seria, a�nal, o gozo do ócio sem sen�mento de culpa!
Talvez um dia a humanidade a�nja o limiar da imortalidade através
do upload do cérebro humano para o robô. Talvez...
Concluindo, deixo ao leitor deste texto uma questão ins�gante – O
ser humano seria feliz vivendo num mundo absolutamente tecnológico?
(Veja adiante o capítulo: “Repensando o sen�do da vida na era digital”).
Eu decidi incluir aqui um texto que redigi em 1991 no meu livro “O
Cérebro e Suas Vertentes” com o �tulo “As Utopias Tecnotrônicas”. É
certo que 28 anos se passaram e o mundo e a tecnociência conheceram
profundas transformações, de sorte que alguns conceitos expendidos no
texto a seguir sofreram o desgaste do tempo. Acompanhem comigo:
“Previsões sinistras rondam o futuro do homem. A sua simbiose com
o computador (complexo homem-máquina) não será eterna. A
inteligência humana não se modi�ca senão mui lentamente, se é que
ela se modi�ca, enquanto o avanço do computador evolui a uma
velocidade absolutamente fantás�ca. A curva ascendente da IA não
conhece limites e, contrariamente ao cérebro humano, os
computadores não têm que sofrer a prova do nascimento. O homem, ao
nascer, percorre os mesmos caminhos que o ser que lhe deu origem,
enquanto o computador evolui a cada geração no sen�do de
aprimoramento de suas capacidades. A se manter o atual ritmo de
aprimoramento dessas máquinas, o século XXI verá o surgimento de
“cérebros” gigantescos, armazenando todos os conhecimentos da raça
humana. Con�rmada esta previsão, o homem será reduzido a um
estado subalterno no seu próprio planeta. A Terra já presenciou, na luta
pela sobrevivência, o sucesso dos mais aptos: os pequenos mamíferos,
com um cérebro proporcionalmente maior, sobreviveram, enquanto os
dinossauros foram ex�ntos. Será que cabe a nós o papel de dinossauro
na próxima etapa?
Que fazer para evitar a supremacia da IA? A resposta que se impõe é
a ina�vação dos computadores . Entretanto, no estágio atual de nossa
sociedade os computadores são preciosos auxiliares do homem e
pra�camente indispensáveis para a vida no planeta. Ina�var as
máquinas seria o equivalente ao suicídio. Uma das soluções
vislumbradas é união das forças do homem àquelas do computador,
para criar um cérebro com o saber do espírito humano e a potência da
máquina, da mesma maneira que o cérebro primi�vo dos rep�s e dos
primeiros mamíferos se combinaram para formar um cérebro superior.
A inteligência do homem ‘fer�lizando’ a máquina pode dar origem a
uma nova criatura com extraordinárias potencialidades evolu�vas. Não
seria um �m, mas apenas um começo. Eis como as coisas poderão se
passar. Na área da informá�ca começa-se a falar em bioeletrônica, uma
espécie de cruzamento da microeletrônica com a engenharia gené�ca.
O obje�vo é a construção do biochip, uma versão biológica do atual chip
de silício. A obtenção do biochip seria o primeiro passo para a
construção do computador biológico, cujo modelo é o cérebro humano.
A criação de uma molécula de DNA (genoma) seria a etapa inicial para
se chegar ao biocomputador e este genoma do biochip se reproduziria
quando injetado numa célula biológica, o que proporcionaria
informações necessárias para a operacionalidade deste �po de
computador. O rígido ‘raciocínio’ binário do computador convencional
seria subs�tuído por uma lógica frouxa (fuzzy logic) com respostas do
�po ‘ não sei’, ‘talvez’, ‘acho que’, ‘tenho dúvidas´ etc. A lógica do
computador convencional é linear (‘sim’ e ‘não’) e só responde a uma
linguagem de signos, criada especialmente para ele. O que vale dizer
obedece a uma lógica formal, balizada por algoritmos. Se efe�vamente
a tecnologia do século XXI construir o biocomputador nós vamos
transpor um limiar crí�co da vida biológica, através da ação da
biotecnologia e engenharia gené�ca reorientando a organização
ar��cial do sistema vivo. As consequências deste �po de criação são
imprevisíveis e ultrapassam todas as fronteiras do saber tecnológico
atual.
O cérebro e o computador se assemelham. Tanto um como outro
são encarados como “máquinas inteligentes”, funcionando graças a
pequenos impulsos elétricos transmi�dos por �os. No cérebro, os �os
são os axônios e dendritos das células (nervos); eles formam circuitos
que interligam as diferentes partes do órgão através de sinapses. Os
especialistas do cérebro têm recons�tuído pacientemente alguns desses
circuitos; eles começam a compreender como o cérebro funciona, como
aprende e onde estoca suas lembranças. Circuitos da memória, da vida
emocional e de outras funções cor�cais já são conhecidos.
Recentemente, pesquisadores implantaram uma prótese eletrônica na
parte posterior do cérebro de um ser humano [com grave de�ciência
visual] com a devolução parcial de sua visão. Estas descobertas, embora
modestas, apontam numa direção: os sábios, capazes de decifrar hoje
alguns sinais emi�dos pelo cérebro, poderão decifrar um número muito
maior no futuro. Talvez eles acabem por ler o espírito das pessoas.
Quando as neurociências es�verem evoluídas a esse ponto, um sábio
ousado poderá transferir o conteúdo do seu espírito às partes metálicas
de um computador. O espírito sendo a essência do ser, poder-se-á dizer
que este sábio terá entrado no computador, onde vai residir agora. Bem
protegido pelo computador, o cérebro humano estará en�m liberado da
carne mortal. Instalado no computador e ligado a câmaras,
instrumentos e aparelhos de controle, o cérebro poderá ver, sen�r e
reagir a es�mulos. A máquina é o seu corpo, ele é o espírito da
máquina. A união da máquina e do espírito (algo além do cérebro) vai
criar uma nova forma de existência, mais apropriada a uma vida futura.
In�mamente incorporada a parcelas de silício indestru�veis, esta forma
de vida poderá exis�r para sempre, não estando sujeita ao limitado ciclo
de vida e morte dos organismos biológicos. Será o único �po de vida
que poderá deixar o planeta-mãe para explorar o espaço interestelar. O
homem, tal qual nós conhecemos hoje, não poderá jamais empreender
travessia intergalác�ca, que durará no mínimo um milhão de anos. Mas
o cérebro ar��cial, lacrado no corpo de um robô, poderá empreender
essa tarefa e, assim, terá início uma civilização intergalác�ca.
PS: Delírio, Fantasia, Futurologia? Talvez, mas uma coisa é certa: o avanço da
inteligência ar��cial é exponencial e vai chegar o momento que ela ultrapassaráa
inteligência humana e aí, com a hegemonia da Machina sapiens, haverá
transformações radicais no planeta Terra. Será uma espécie de civilização Pan-Digital.
Eu não quero aqui ser mensageiro de um cenário catastró�co, do �po do evento que
ressuscitou os fantasmas do Golem, do Frankenstein e do Hal (o computador que
endoidou, do �lme “2001: Uma Odisséia no Espaço”), entretanto é preciso que a
humanidade se prepare para uma nova civilização. O que o futuro nos reserva: uma
utopia (sociedade do lazer e da abundância) ou uma distopia (hegemonia da Machina
sapiens e papel subalterno do Homo sapiens)?
A leitura deste texto [até aqui] deixa claro que nós vivemos numa
sociedade tecnocêntrica e tecnólogos deslumbrados negligenciam as
ciências humanas (as artes, a sociologia, a literatura, a antropologia, as
ciências comportamentais, a linguís�ca...). Para muitos especialistas em
IA estamos ingressando na civilização da Machina sapiens e num futuro,
não muito longínquo, o Homo sapiens poderá ser uma página virada da
história! De sorte que é muito oportuno o livro de Sco� Hartley – “O
Fuzzy e o Techie” – lançado no Brasil pela editora Bei em 2017. O autor
é formado em ciências polí�cas pela Universidade de Stanford e pós-
graduado pela Universidade de Columbia, trabalhou no Google, no
Facebook e escreve para publicações como o Financial Times, Forbes e o
Foreign Policy. Ao longo do texto do livro Hartley explica, dida�camente,
por que o saber não tecnológico será um grande diferencial na
formação das futuras gerações. Ele a�rma: “Os algoritmos inteligentes
não serão su�cientes para desenhar as sociedades inteligentes e
automa�zadas que estamos construindo”. Adiante ele nos conta que
ouviu pela primeira vez os termos “fuzzy” e “techie” quando era
graduando na Universidade de Stanford. Quem se formava em ciências
humanas e sociais era um fuzzy, e quem se formava em engenharia ou
ciência da computação era um techie. Grosso modo Fuzzy são as
ciências não-exatas e Techie são as ciências exatas. O vocábulo fuzzy
tem vários signi�cados em português: indis�nto, nebuloso, vago... Nós
lidamos, a maior parte do tempo, com dados vagos, imprecisos e até
contraditórios. E nessas situações a lógica formal não consegue desatar
certos nós. O matemá�co Zadeh elaborou a teoria de uma lógica difusa
ou nebulosa (fuzzy logic), que permite lidar com os dados vagos ou
imprecisos. As implementações da lógica difusa permitem que estados
indeterminados possam ser tratados por disposi�vos de controle. Desse
modo, é possível avaliar conceitos não-quan��cáveis. Alguns exemplos
prá�cos: avaliar a temperatura (quente, morna, fria); o sen�mento de
felicidade (radiante, feliz, apá�co, tristeza). O ABS é um sistema de
frenagem que evita que a roda bloqueie e entre em derrapagem
quando o pedal do freio é pisado fortemente, evitando a perda de
controle do veículo – principalmente em estradas escorregadias. Esse
sistema é composto por sensores que monitoram a rotação de cada
roda e a compara com a velocidade do veículo (o sistema é baseado na
lógica difusa ou fuzzy logic).
Hartley, baseando-se em pesquisas e em exemplos prá�cos, mostra
que esses dois campos do saber não são antagônicos, mas
complementares. Assim, os saberes das chamadas ciências humanas
(fuzzies) são fundamentais para o desenvolvimento tecnológico. É
preciso que haja uma in�midade de alcova entre as so� skills
(competências interpessoais) e as hard skills (competências técnicas).
Hartley aborda a importante interação de fuzzies e techies na
construção de carros autônomos. A fabricante de automóveis Nissan
recrutou Melissa Ce�in, PhD em antropologia, para avaliar seus designs
e liderar a pesquisa da empresa na interação homem-máquina no
Centro Técnico da Nissan. Atualmente, ela lidera uma equipe que
inves�ga as complexas maneiras pelas quais os carros autoguiados e os
seres humanos provavelmente irão interagir, e quais dessas
complexidades deverão ser abordadas para delinear como os carros
devem ser projetados e controlados. Os especialistas concordam que,
até o momento, muitas situações que os veículos autônomos podem
enfrentar estão além de sua capacidade de navegar de forma segura:
estradas inundadas, buracos grandes, obstáculos na pista e placas de
trânsito temporárias, como sinais de desvio . Lidar com ambientes
mistos homem-máquina é um dos mais di�ceis desa�os que os
construtores de automóveis autônomos enfrentam hoje, �naliza
Hartley.
Ex-presidente do Wooster College em Ohio e membro sênior do
Council of Independent Colleges, Georgia Nugent observou em um
ar�go para a Fast Company, “Why Top Tech CEOs Want Employees With
Liberal Arts Degrees” [Por que CEOs de empresas de tecnologia querem
funcionários com diplomas em artes liberais]. E ela conclui que com a
tecnologia evoluindo tão rápido e as necessidades das empresas se
deslocando de maneiras imprevisíveis, “é uma ironia terrível que no
momento em que o mundo se tornou mais complexo, estamos
incen�vando nossos jovens a serem altamente especializados em uma
única tarefa . Estamos cometendo um desserviço para nossos jovens,
dizendo-lhes que a vida é um caminho reto. As ciências humanas ainda
são relevantes porque preparam os alunos para serem �exíveis e
adaptáveis às circunstâncias em mudança”. E Hartley complementa :
“Em um mundo que muda cada vez mais rápido, a demanda por
agilidade intelectual, cria�vidade e curiosidade para explorar novos
terrenos é maior do que nunca”. Por outro lado, nunca é demais
lembrar, que o pensador francês Edgar Morin tem como núcleo duro de
sua teoria “ O pensamento complexo” a “transdisciplinaridade”.
Segundo ele, o avanço do conhecimento só é possível pela
transdisciplinaridade.
Embora a inovação técnica seja uma ferramenta importante no
mundo contemporâneo, o aprendizado da �loso�a é fundamental para
aprender a pensar e para desenvolver o pensamento crí�co. É preciso
desconstruir a dicotomia ciências humanas versus ciências exatas.
Hartley a�rma: “Os especialistas em tecnologia fornecem interfaces
cada vez mais intui�vas que tornam o uso de computadores tão fácil
que crianças de três anos de idade podem manejar um iPAD com
facilidade. Hoje muitos não-programadores podem treinar e instruir
computadores para executar tarefas que antes requeriam programação.
A impressora 3-D, até há pouco era uma espécie de �cção cien��ca,
hoje ela pode ser programada – por não especialistas – para criar
objetos domés�cos, roupas customizadas...”
Para ser prá�co eu quero ilustrar a importância do ser humano
mesmo no manuseio de equipamentos de alta complexidade
tecnológica. E para isso eu vou me valer de um exemplo dramá�co
citado por Hartley em seu texto. – Quando ambos os motores do Airbus
A320 pilotados pelo capitão Chesley B. Sully Sullenberger III falharam
logo após a decolagem do Aeroporto LaGuardia com o avião subindo 3
mil pés acima do Bronx, Sully aproveitou sua extensa experiência de voo
para pousar corajosamente a aeronave no rio Hudson, em Nova York.
Tendo sido um excelente piloto da força aérea que passou anos no
cockpit do pesado e supersônico caça F-4 Phantom, conhecia a teoria de
como diminuir a descida sem motor. Em apenas alguns segundos, ele
conseguiu avaliar a situação e tomar medidas decisivas. Ironicamente, o
feito extraordinariamente di�cil foi tornado ainda mais di�cil pelo
sistema automa�zado de controle de voo do avião. Como Sullenberger
explicou mais tarde, uma das caracterís�cas do sistema, que se des�na
a evitar o desastre, é a velocidade de voo baixa: “Independentemente
de quão forte o piloto puxa para trás o sides�ck, os computadores de
controle de voo não o permi�rão perder velocidade e elevação “, que é
exatamente o que ele teve de fazer para pousar no Hudson. Quando ele
tentou lançar o nariz do avião para diminuir sua velocidade sobre a
água, o computador reagiu quase até impossibilitá-lo. Há uma boa razão
para que, quando um voo a�nge uma turbulência sobre o Atlân�co
Norte, aqueles que estão a bordo esperem e rezem para que haja um
piloto experiente à frente,que possa se basear em conhecimentos
potencialmente mais amplos e abrangentes do que os designers do
sistema podem imaginar.”
Outra área que exige a presença de fuzzies é a programação de
robôs de grandes empresas (sistema bancário, empresas de telefonia...).
Por exemplo, o desa�o de ensinar máquinas a conversar. A linguagem
verbal do ser humano é extremamente diversi�cada e para simulá-la
num equipamento dotado de inteligência ar��cial é necessária a
contribuição de um linguista, cuja exper�se pode permi�r o diálogo da
máquina com o usuário.
Hartley cita a diretora do Ar��cial Intelligence Lab. de Stanford Fei-
Fei Li que a�rma: ”Nós [humanos] somos terríveis na computação com
grandes dados, mas somos ó�mos na abstração e na cria�vidade”.
Muitos outros exemplos poderiam ser citados, de sorte que é
importante a contribuição de antropólogos, sociólogos, psicólogos e
neurocien�stas em laboratórios de IA de ponta.
O homem até o século XVIII construía principalmente sistemas, a
par�r do século XIX passou a construir modelos. O modelo tem um
embasamento cien��co, o sistema um embasamento �losó�co. O
modelo é ú�l como ar��cio heurís�co. Em outras palavras, as analogias
são úteis desde que se reconheça que são apenas analogias. Quando se
pretende dar ao modelo uma conotação epistemológica, ele se torna
heré�co. Os modelos são cortados pelo �gurino da moda, isto é, nos
moldes do estágio cien��co-tecnológico vigente. Uma espécie de
zeitgeist. Um exemplo ilustra�vo deste comportamento é a tenta�va de
interpretar o funcionamento do cérebro humano de acordo com os
modelos cien��cos prevalentes em cada época. Assim, o cérebro passou
por um modelo hidráulico, dióptrico, frenológico, geológico,
embriológico e mecanotecnológico. Modernamente, na era da
informá�ca, este �po de modelização obtém seu embasamento na
ciência da computação. Como o modelo computacional clássico (digital)
é determinís�co e funciona através de algoritmos inteligentes (AI),
especialistas em inteligência ar��cial postulam que o cérebro humano
funciona balizado por conjuntos de algoritmos inteligentes. Nessa
perspec�va o ser humano seria um computador biológico. Uma espécie
de wetware*, rodando um so�ware chamado mente. Este enfoque
transforma os seres humanos em meros robôs, desprovidos de livre-
arbítrio. O método algorítmico (baseado na lógica formal) é
determinís�co, enquanto o .heurís�co (que não é só lógico) é mais solto
ou intui�vo. Um bom exemplo é o jogo de xadrez: o jogador que adota o
modelo algorítmico é obrigado a realizar em qualquer momento e para
cada posição das peças uma revisão exaus�va das possibilidades,
inclusive nas jogadas mais simples, enquanto o jogador com modelo
heurís�co revisará apenas as possibilidades que pareçam mais
convenientes nesse momento. Talvez o risco do úl�mo seja maior,
porém a inteligência humana está mais próxima deste segundo jogador.
O pensamento lógico como o não-lógico, exige buscas no interior da
nossa mente para ser operacionalizado. Naquelas situações de impasse,
nas quais parece que o raciocínio cai num buraco negro ou numa área
de penumbra, o mais acertado é deixá-lo ali e esperar que o
pensamento produ�vo pré-consciente encontre a solução do problema.
Essa “iluminação súbita” (insight, intuição) seguramente depende de
mecanismos mentais não-conscientes, cuja natureza desconhecemos.
Julgo que a arte de pensar deve recrutar todos os recursos da mente
(conscientes, pré-conscientes, inconscientes) e deve u�lizar todos os
planos (lógicos, pré-lógicos, não-lógicos) para encontrar soluções.
Por outro lado, o lógico, matemá�co, �sico e �lósofo da mente inglês
Roger Penrose ques�ona a computabilidade da mente, apoiado em
razões godelianas. De acordo com o matemá�co Kurt Gödel, um sistema
formalizado complexo (axioma�zado) não pode ser validado por si
mesmo. Isto signi�ca que um sistema lógico, de certa complexidade,
não consegue escapar de suas contradições ocultas (teorema da
incompletude). Um corolário do teorema de Gödel é que existem
proposições matemá�cas que não podem ser decididas por um
algoritmo – então, segundo Penrose as máquinas não podem fazer o
que os humanos podem, porque as máquinas só tem capacidade para
seguir um algoritmo. Nesta altura, para facilitar a vida do leitor, é
per�nente citar o imbróglio do paradoxo cretense: “O cretense
Epimênides certa feita a�rmou – Todos os cretenses são men�rosos e
criou um impasse”. Este impasse pode ocorrer nos paradoxos que
dependem do uso de conceitos cujo âmbito de referência inclui o
próprio conceito. Neste modelo cretense, a simples a�rma�va:” O que
eu estou dizendo não é verdade” coloca uma contradição intrínseca – se
a a�rma�va é verdadeira está demonstrada que é falsa; se é falsa,
devemos entender que contém uma verdade. Na opinião de Turing, as
máquinas são equivalentes aos sistemas formais quanto a seus
resultados, os computadores são igualmente subme�dos às restrições
de Gödel. Esta limitação intrínseca da capacidade das máquinas
signi�ca, em par�cular, que existem enunciados que a mente sabe
serem verdadeiros, mas que a máquina não pode prová-los. Entretanto
Turing antecipou este �po de objeção contra a IA em um ar�go (1950)
sobre as “máquinas pensantes”, replicando que a mente humana podia
muito bem ser objeto de limitações análogas. Analisando o problema,
Marcelo Gleiser a�rma no seu livro “A Ilha do Conhecimento” : “...Em
outras palavras, a mecanização do pensamento humano a par�r de uma
sequência �xa de regras lógicas é mera fantasia”.
Um modelo alterna�vo para explicar a mente (consciência) é
proposto por Stuart Hamero� (médico anestesiologista estadunidense)
e Roger Penrose em 1990. Chama-se “ Modelo de Penrose-Hamero� de
integração cerebral: materializando o computador quân�co”. Eles
postulam que a consciência pode nascer de fenômenos que ocorrem no
interior de tubos minúsculos (microtúbulos) feitos de proteína
(tubulina) que existem em células de um organismo vivo e que atuam
como um esqueleto (citoesqueleto) que permitem às células manterem
suas formas. Microtúbulos são estruturas biológicas, �po polímero,
existentes no interior das células e são formados por dímeros de
proteínas polarizadas chamadas tubulinas com formato globular que se
comportam como qubits ou bit quân�co.
A mecânica quân�ca estabelece que a matéria pode estar em mais
de um estado �sico ao mesmo tempo. Como no nível quân�co, estados
superimpostos são possíveis, Penrose e Hamero� propõem que a
consciência seria o resultado de processos quân�cos que ocorrem nas
tubulinas. Segundo eles, as tubulinas passam por trocas entre dois ou
mais estados, em questão de nanossegundos, devido à ação de forças
de atração fracas. É do conhecimento dos cien�stas que mudanças de
conformação das tubulinas podem promover processos clássicos de
informação, transmissão e aprendizagem em células especializadas.
Portanto, eles a�rmam que devido a estas mudanças , a qualquer hora
pode haver vários estados quân�cos e possibilidades, e quando uma
decisão é tomada ela é resultado do colapso de um [estado] que então
alcança a consciência. Esta teoria recebeu o nome de Redução Obje�va
Orquestrada.
Ao contrário da computação digital, que é determinista, a
computação quân�ca é indeterminista. Só é possível calcular a
probabilidade de ocorrer um evento por causa do princípio da incerteza
de Heisenberg.
Os argumentos que sustentam a tese de Penrose-Hamero�, foram
alvos de diversas crí�cas – por parte de especialistas em Lógica
Matemá�ca e em IA.
Há um certo viés reducionista nas ciências, isto é a tenta�va de
explicar o todo pela soma de suas partes – o todo é sempre maior que a
soma das partes. Um exemplo: os estados mentais transcendem o
�siológico, os estados �siológicos transcendem o molecular, os estados
moleculares transcendem o atômico, os estados atômicos transcendem
os subatômicos. Ocorre que no espaço quân�co os eventos se
caracterizam pela imprevisibilidade e a pergunta que se pode colocar é
a seguinte: Será que a tubulina pode gerar estados conscientessegundo
postula a teoria da Redução Obje�va Orquestrada?
Reproduzo aqui o que diz Michio Kaku no seu livro “O Futuro da
Mente”: “Se chegarem à conclusão de que o cérebro da engenharia
reversa não consegue reproduzir o comportamento humano, então os
cien�stas podem ser obrigados a admi�r que há forças imprevisíveis em
ação (isto é, efeitos quân�cos dentro do cérebro). Penrose argumenta
que dentro dos neurônios há minúsculas estruturas, chamadas
microtúbulos, onde reinam os processos quân�cos”.
Estamos atravessando uma era de verdadeira babelização do
conhecimento, com todas as implicações que esta situação pode
suscitar. E nesta torre de Babel faltam instrumentos para se conhecer o
conhecimento. Embora o homem seja, sob muitos aspectos, uma obra-
prima da natureza, ele certamente é imperfeito e é uma espécie de
sapiens-demens. Nada é mais triste, diz-se, do que ser homem e não
saber o que é o homem. É preciso que o homem procure, através da
decantação das experiências, dos ques�onamentos, da re�exão
metódica e da transdisciplinaridade, o conhecimento do mundo e de si
mesmo. Para isso é preciso resgatar um “saber reconciliado” que
compa�bilize a gnosis com a praxis, isto é, o saber com o fazer.
Veja o que diz Michael Shermer no seu livro “Cérebro & Crença”: “A
história da ciência está cheia de fantasias fracassadas de sedutores
projetos reducionistas para explicar o funcionamento da mente –
projetos que seguem cada vez mais nas pegadas ambiciosas da famosa
tenta�va de Descartes há cerca de quatro séculos, que supostamente
abriu caminho para o entendimento da consciência. Esses sonhos
cartesianos oferecem uma sensação de certeza, mas rapidamente
desmoronam diante das complexidades da biologia”.
O biólogo Lyall Watson assim se manifestou a respeito do cérebro:
“Se o cérebro fosse tão simples que pudéssemos compreendê-lo, nós
seriamos tão simples que não o conseguiríamos”.
E já que René Descartes foi o pioneiro no estudo do problema
mente-corpo, eu ouso colocar uma dúvida metódica (cartesiana) na
explicação quân�ca da geração da consciência. A consciência seria o
resultado de fenômenos quân�cos que ocorrem nas tubulinas?
* Wetware – remete à ideia de um “computador biológico” (uma espécie de cérebro
úmido - que além dos axônios e sinapses, exige para o seu funcionamento a presença
de neurotransmissores, neuro-hormônios, pep�deos...) A palavra wetware embute
wet, “molhado”, e ware su�xo das palavras so�ware e hardware.
“ Se o conjunto dos conhecimentos fosse uma
pessoa, seu nome seria cultura.
Dietrich Schwanitz
Cultura – conceito
Segundo o antropólogo Claude Lévi-Strauss, pertence ao universo da
cultura tudo o que o homem acrescenta à natureza, assim como tudo
que não é hereditário, mas aprendido pelo homem. De sorte que um rio
é natureza, um canal é cultura. A cultura teve origem, provavelmente,
quando o homem primi�vo (caçador-coletor) começou a fabricar
ferramentas e/ou deixar suas marcas com as pinturas ruprestes.
Assim, o processo de hominização se fez pela evolução biológica,
enquanto o processo de humanização se fez pela evolução cultural. Na
cultura con�uem e se cristalizam as a�vidades humanas, tanto as
obje�vas como as simbólicas, em suas múl�plas vertentes: a técnica, a
ciência, a �loso�a, a arte, a religião, a polí�ca, a história, a educação, o
mito etc. A cultura é construída pela mente e pelas mãos do homem. Na
moldura cultural, o homem aparece como um ser diferenciado em suas
múl�plas instâncias. No início, com o Homo faber – Homo sapiens,
houve um período da cultura que precedeu a escrita através da
comunicação boca a boca. Os mais idosos repassavam aos jovens as
lendas, os mitos, as suas experiências de vida... É a memória da tradição
oral. Não havia um banco de memórias para perenizar as informações e
o conhecimento. O ser humano era impotente diante da natureza. É a
visão cosmocêntrica do mundo. Mais tarde – 3.000 a. C – na Suméria
(an�ga região do Sul da Mesopotâmia) nasce a escrita cuneiforme,
através da impressão na argila de símbolos, que signi�cavam
informações relevantes para os habitantes do país. Aí nascia o primeiro
banco de memória. É a memória mineral, perenizada pela escrita
cuneiforme (gravada na argila). Logo depois, no an�go Egito, apareceu
uma escrita também simbólica – os hieróglifos que foram decodi�cados
por um estudioso de línguas, o francês Champollion. O professor de
Literatura Comparada da Universidade de Harvard Mar�n Puchner, no
seu livro “O mundo da escrita – como a literatura transformou a
civilização” postula como a literatura não apenas re�e�u os fatos, como
foi essencial para alterá-los. E, prossegue, “Foi apenas quando a
narração cruzou com a escrita que a literatura nasceu. O alfabeto,
papiro, o papel, o livro, impressão, e o hipertexto via internet
potencializaram-na de tal forma que foi capaz de revolucionar o
comportamento, a religião, a polí�ca, as artes e o conhecimento, A
ponto de o planeta ter-se transformado em um imenso livro”. E eu
acrescento: saber fazer a leitura do mundo é preciso.
Na Idade Média surgiu a memória vegetal pela contribuição dos
monges copistas – usando o papiro (ou o pergaminho – feito de pele de
cordeiro) eles compilavam “todo o saber” do mundo. Os copistas
gastavam anos no minucioso trabalho de reprodução manual. Era um
saber principalmente de Igreja – realizado nos claustros, nos mosteiros
e também nos castelos. Era o mundo teocêntrico.
Os chineses inventaram a técnica para imprimir com caracteres
móveis por volta de 1040. Gutenberg foi o segundo no mundo a usar a
impressão por �pos móveis no ano de 1439. Ele é considerado o
inventor dos �pos móveis de chumbo fundido, mais duradouros e
resistentes dos que fabricados em madeira, e portanto reu�lizáveis. Essa
prá�ca proporcionou uma enorme versa�lidade ao processo de
elaboração de livros e outros trabalhos impressos e permi�u a sua
massi�cação. Essa revolução ocorreu no Renascimento e possibilitou a
produção de livros em grande escala. O saber saiu dos claustros e dos
mosteiros e se humanizou. É o mundo antropocêntrico – o homem se
tornou parceiro de Deus. E esta é uma memória vegetal (impressa no
papel) aprimorada pela técnica.
O patrimônio cultural da humanidade é muito rico; entretanto a
cultura está sujeita aos ups and downs dos períodos históricos. A Grécia
teve a sua idade de ouro, quando a cultura helênica nos deu a �loso�a,
a arte, o teatro, a poesia, a polí�ca, a democracia ateniense, a dúvida
socrá�ca, o amor platônico, a lógica aristotélica, a enteléquia, o
labirinto, o complexo de Édipo, a geometria de Tales de Mileto, os
poemas de Homero, o teorema de Pitágoras, o insight de Arquimedes,
os deuses do Olimpo, en�m os fundamentos da cultura Ocidental. A
seguir �vemos a cultura do Império Romano, do mundo Árabe, do
Renascimento ...
A par�r do século XVIII, com o aparecimento do Iluminismo
(movimento �losó�co, polí�co, racionalista, liberal, humanista e
an�clerical...) e da primeira Revolução Industrial (priorizando a ciência –
que busca o conhecimento e a tecnologia – que busca a e�ciência) surge
a tecnociência, que vai transformar rapidamente o cenário mundial.
Hoje vivemos num mundo tecnocêntrico e pode-se desdobrar a cultura
em duas grandes vertentes: 1) A cultura das “�cas” – matemá�ca,
ciberné�ca, informá�ca, robó�ca... que vem avançando de modo
exponencial no mundo tecnocêntrico; 2) A cultura das “turas” –
arquitetura, escultura, literatura, pintura... que ainda mantém uma
importante tradição. A cultura das �cas depende do avanço da técnica,
enquanto a cultura das turas depende da cria�vidade ar�s�ca.
Entretanto esta classi�cação é ar��cial (pela rígida segmentação do
conhecimento) e não se sustenta num mundo globalizado, onde deve-se
perseguir a integração dos conhecimentos e não a sua
compar�mentação. Na Universidade de Stanford (Califórnia – E.U.A.)
nasceu a denominação de fuzzies a aqueles que se formam em ciências
humanas e sociais (antropologia, história, psicologia...) e techies a
aqueles que se formam em ciências exatasquestões para a sociedade moderna é a relação entre o saber e
o poder – mais exatamente, entre a potência constantemente crescente
da tecnociência e o impoder manifesto das cole�vidades humanas
contemporâneas. Há um poder da tecnociência (que é impoder quanto
ao essencial), poder anônimo em todos os sen�dos (não há centros de
poder), irresponsável e incontrolável, pois não-susce�vel de ser
atribuído a quem quer que seja e uma passividade absoluta dos
indivíduos e da sociedade. O tecnossaber é irresponsável”.
Tecnofobia? Não, os exemplos do não-controle da tecnologia podem
mul�plicar-se ad nauseam: indústria armamen�sta, responsável pela
produção de armas que ameaçam a sobrevivência da humanidade;
produção de agrotóxicos que envenenam nossos alimentos;
desmatamento indiscriminado e criminoso de �orestas afetando o meio
ambiente; incapacidade do estado tecnoburocrá�co de lidar com o lixo
químico e atômico que agride o meio ambiente; manipulação de
comportamentos por meios químicos, psicológicos e pelos meios de
comunicação; produção de disposi�vos eletrônicos que invadem a
privacidade dos cidadãos...
Nas sociedades pós-indústriais, o cidadão vem sendo transformado
num terminal de informação (é preciso esclarecer que informação não é
conhecimento, e que conhecimento não é sabedoria). E essa avalanche
de informação é absorvida, quase epidermicamente, sem re�exão
crí�ca e pode transformar o usuário num mero consumidor de trash
cultural. … No mundo contemporâneo fala-se até mesmo de um
“conhecimento perigoso.” Efe�vamente Po�er, em 1967, postulou o
conceito de conhecimento perigoso: aquele que se acumulou muito
mais rapidamente do que a sabedoria necessária para gerenciá-lo. E isso
pode acontecer par�cularmente com a aplicação das tecnologias
digitais.
As tecnologias gozam de má reputação em relação ao meio
ambiente. As pesquisas tecnocien��cas eram um exercício lúdico
aparentemente inocente. Inocência perdida em Hiroshima... Existem
tecnologias duras e as tecnologias suaves. E o mau gênio das primeiras
�ca explicitado nos chamados crimes ambientais: envenenamento do ar
e da água pela poluição, a transformação do planeta num imenso cesto
de lixo, o consumo acelerado de bens não-renováveis... Exemplos não
faltam: vazamento nas usinas nucleares, vazamento de óleo nos mares.
Sempre que se manipula a natureza para uma grande obra (construção
de uma grande hidrelétrica, por exemplo) nem sempre se dimensiona
corretamente o impacto ambiental. O prejuízo da natureza é sempre
subes�mado. Parece que os técnicos medem, os humanistas sentem! Os
tecnólogos argumentam que os efeitos indesejáveis da técnica serão
solucionados pelo emprego de mais tecnologia¸ uma espécie de
autocorreção do sistema. Isto atende à superoferta tecnológica. Mas
sempre que a tecnologia resolve um problema, ela cria outros não
equacionados pelos tecnólogos.
As tecnologias modernas não intervêm unicamente no plano das
ferramentas e das fontes de energia, através das quais o homem age
sobre a natureza, elas são também (em grande parte) tecnologias
sociais e de informação, através das quais os seres interagem entre si. A
técnica era encarada como um instrumento de libertação dos seres
humanos. Os anseios de saúde, longevidade, conforto material, lazer
marcam fortemente as tecnologias das revoluções pós-indústriais. A
tecnologização do co�diano está muito presente na sociedade
contemporânea.
Também a in�uência das tecnologias no modo de vida das pessoas é
evidente. Houve, nos países desenvolvidos um processo de urbanização
crescente, com a introdução de novas técnicas agrícolas (automação no
campo). Outro fenômeno é o inchaço das grandes cidades, com o
esvaziamento das cidades pequenas e de porte médio; muitas delas
transformaram-se em cidades dormitório. As megacidades são pólos de
atração porque nesses espaços urbanos a sobrevivência ainda é possível
pela obtenção de um emprego (ou subemprego) ou pela mendicância. A
megacidade é a Babel e Babel é a “guerra civil”, segundo Paulo Virilio.
Representa a violência, a poluição, a falta de solidariedade, o
desrespeito à cidadania... No processo de globalização, existem também
as cidades-mundo que funcionam como centros virtuais da economia
mundial, de sorte a promover uma desmaterialização da economia.
Nesse centros, às vezes, se decide a sorte da economia de outros países.
E como lidar com o ciberespaço? Entenda-se ciberespaço como uma
dimensão ou domínio virtual da realidade, cons�tuído por en�dades e
ações puramente informacionais. De um lado, nós temos territórios,
países, fronteiras – com raízes na história e na geogra�a. Do outro lado,
temos o verdadeiro no man´s land, sem legi�midade, sem soberania,
sem responsabilidade, como o ciberespaço. Este é por natureza
mul�nacional, transnacional, supranacional. Quanto mais as
comunidades virtuais se desenvolvem no ciberespaço (comunidades de
operadores �nanceiros, empresas virtuais deslocalizadas) mais os
guetos de exclusão se reforçam. É complicado, pois essas mudanças de
paradigmas civilizacionais embutem períodos de transição crí�cos para
a vida dos povos.
E a tecnoé�ca, ela existe? Em boa parte das situações ela é apenas
virtual! Nós sabemos que os avanços tecnológicos mul�plicam os meios
à disposição da humanidade, mas, com frequência, esses avanços
atropelam os meios e passam a ser �ns. Uma sociedade fundada
exclusivamente na competência dos experts (técnicos, tecnólogos,
cien�stas, especialistas e tu� quan�) e balizada pelo poder/impoder da
tecnociência é uma impostura ideológica.
Vivemos numa tecnossociedade, o que signi�ca que vivemos num
mundo em transformação rápida. A automação no campo (agronegócio)
e as sucessivas revoluções industriais, a Inteligência Ar��cial, os avanços
da gené�ca e da neurociência, o surgimento da nanotecnologia... têm
transformado a face do mundo nos úl�mos 60 anos. Isto tornou o
habitante deste planeta mais feliz, resolveu os problemas sociais,
preservou o meio ambiente?
Sem cair na espinafração demonológica ou na apologé�ca banal, vou
procurar analisar a sociedade digital de nossos dias, com seus efeitos
bené�cos e seus efeitos colaterais. É preciso fugir da tecnolatria, sem
cair na tecnofobia. Na opinião do pensador francês Edgar Morin, na era
da hegemonia da técnica, nós necessitamos de mundialistas, isto é,
maîtres à penser com uma visão de mundo.
Wilson Luiz Sanvito
PREÂMBULO EM FRASES
Construir uma frase de efeito é uma arte e ela pode surgir de uma
iluminação súbita (insight) ou de um laborioso processo de criação. O
arquiteto de ideias é capaz de embu�r numa frase curta um
pensamento profundo. A frase bem elaborada tem vida própria; ela
respira mesmo fora de um contexto. As frases deste preâmbulo tem
tudo a ver com a matéria do texto [ miolo] do livro.
Winston Churchill: “Impérios do futuro serão impérios da mente”.
Neil Postman: “As crianças quando entram na escola são pontos de
interrogação, quando saem são frases feitas”.
Leonard Mlodinow:”Deus é o conjunto de leis que rege a natureza”.
The Economist – 2013:”How Science goes wrong – Scien��c research
has changed the world. Now it needs to change itself”.
Anônimo: “Internet – o novo meio de comunicação promoveu um
avanço tecnológico e um retrocesso é�co”.
Oliver Wendell Holmes: “O conhecimento fala, a sabedoria escuta
Wilson L. Sanvito: “A vida é um produto químico que depende da
sociabilidade do carbono, dizem alguns; a vida depende da ditadura dos
genes, dizem outros. Equívocos! A vida não depende de reducionismos
bioquímicos e/ou gené�cos. A vida humana é subproduto da relação
genoma/meio ambiente”.
William Shakespeare: “A vida é uma simples sombra que passa...; é
uma história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que
nada signi�ca”. Macbeth
Lucien Blaga: “Após se ter descoberto que a vida não tem qualquer
sen�do, nada mais nos resta do que dar-lhe um sen�do”.
Arthur Schopenhauer:”Todos confundem os limites das suas próprias
visões com os limites do mundo”.
Marvin Minsky: “Os robôs herdarão a Terra? Sim,(ciência da computação,
matemá�ca...). A cooperação entre fuzzies e techies é fundamental para
as inovações no campo tecnológico (para mais detalhes veja o capítulo
VIII deste texto).
Com o aparecimento e o avanço da Inteligência Ar��cial o mundo
ingressou na era da cultura digital. As sociedades modernas são
policulturais. O conceito de cultura não se esgota mais nos postulados
antropológicos, ele tem desdobramentos. De sorte que ele é muito mais
abrangente e se encaixa num mosaico de culturas diferenciadas. Às
vezes é até di�cil estabelecer uma interface entre as culturas.
Hoje fala-se na cultura gastronômica, na cultura do corpo
(corpolatria), na cultura das grifes, na cultura do entretenimento, na
cultura das mídias...
No livro “Olá Consciência!” tem um trecho que vale a pena
reproduzir: “Se olharmos em nível micro somos genoma, um comboio
de genes que transporta nossas caracterís�cas biológicas – adenina,
�mina, citosina e guanina, as quatro bases que formam as combinações
do nosso DNA... Em nível macro, somos cultura e civilização...Não
seguimos sempre a mesma direção, não estamos programados para
uma só via. Pelo contrário, criamos e inovamos, e porque não estamos
completamente programados, temos de aprender”. A propósito desta
citação, podemos a�rmar que não nascemos prontos – o que vale dizer
que os bebês humanos nascem quase embriões e são inteiramente
dependentes. O recém-nascido apresenta alguns comportamentos
inatos: suga o seio da mãe [quando devidamente amparado], deglute e
apresenta alguns outros comportamentos automá�co-re�exos, sem
ainda um obje�vo claramente de�nido. Nas primeiras semanas de vida
os bebês dormem quase o tempo todo e só acordam quando estão com
fome, com dor ou algum outro desconforto. Durante o primeiro ano de
vida a criança tem que aprender a �xar o olhar, a sorrir, a apanhar um
objeto, a enga�nhar, a �car de pé, a andar e a falar e depois vem o
período da escolarização, com a importante aprendizagem da escrita.
Na escala zoológica, a maioria dos animais já nasce com um repertório
de comportamentos inatos, que lhes asseguram uma certa
independência. Por exemplo, o pequeno bezerro que acabou de nascer
já é capaz de andar (ainda que meio trôpego). Entretanto, embora os
animais nasçam pra�camente prontos, a sua capacidade de
aprendizagem, ao longo da vida, é muito reduzida. Talvez as espécies
predadoras aprendam, com os animais mais velhos, as estratégias para
capturar a presa. Nos primatas, par�cularmente os �lhotes de
chimpanzés, devem aprender com os mais velhos alguma a�vidade do
�po manipulatório (transportar água com folhas improvisadas, ou
colocar uma varinha nas térmitas para buscar alimento). Já o Homo
sapiens é essencialmente um animal neotênico (nasce incompleto) e de
desenvolvimento vagaroso. Esse vagaroso, explica Stephen Gould, é
essencial para que aprendamos. Somos seres culturais por excelência e
aprendemos durante toda a vida (para mais detalhes consultar meu
livro “A Aventura Humana em Miniensaios”).
Crise da cultura?
O mundo contemporâneo está impregnado pelo pensamento
ocidental – e a nossa cultura ignora a cultura pra�cada do outro lado do
mundo. Esta úl�ma é uma espécie de cultura exó�ca ou curiosidade
etnológica. Entretanto o fenômeno da globalização com a integração
dos mercados, dos acordos econômicos, das telecomunicações e a
facilidade das viagens intercon�nentais vem permi�ndo uma
aproximação dos diferentes �pos de cultura. No mundo atual é
impensável negligenciar culturas de países como a China, Japão, Coreia
do Sul, India... O que poderá acontecer é uma “globabelização” –
produzindo muito ruído na cabeça das pessoas – ou então uma
“macdonaldização” do mundo, provocada pela hegemonia da cultura
norte-americana. Essa espécie de “Cultura pós-moderna” promove uma
certa desorientação na cabeça do receptor. Aqui cabe uma citação de
Sêneca:”Nenhum vento é favorável para um marinheiro que não sabe
aonde ir”.
O conhecimento na era digital é cada vez mais segmentado e o
corolário desse fenômeno é uma pulverização da cultura. O exemplo da
cultura midiá�ca é emblemá�co – o “cardápio” é muito variado. Assim
nós temos a mídia impressa, a radiofônica, a televisiva, a internet com
as redes sociais (Cibercultura). A narra�va da imprensa é simpli�cadora
– até porque existe a compe�ção dos meios de comunicação – que tem
como público alvo pessoas de baixo nível educacional e muito pobre do
ponto de vista cultural.
Por outro lado, a sociedade, a economia, a cultura, a vida co�diana e
todas as esferas da a�vidade humana são remodeladas pelas novas
tecnologias da informação e da comunicação. E a “cultura das telas”
(cinema, televisão, computador, telefone móvel, internet, iPad...) é
impactante no mundo contemporâneo.
Mas a cultura das telas [e de outras tecnologias ] tem o seu lado
posi�vo, ao permi�r a transmissão de grandes eventos em tempo real,
como os Jogos Olímpicos, a Copa do Mundo, o Showbiz ... É a cultura do
entretenimento que se enriquece? Alguns querem ver aí a cultura do
Zapping, do fragmentário, da insigni�cância – transformando os seres
humanos numa espécie de rebanho.
Em nosso país, com taxas escandalosas de analfabe�smo pleno e de
analfabetos funcionais, o poder hipnó�co-encantatório da televisão é
espantoso. Principalmente a Rede Globo, que tem o monopólio de
audiência , mesmeriza milhões de telespectadores com suas
telenovelas. É a cultura do folhe�m eletrônico, quando o (a)
telespectador(a) se posta diante da tela toda noite durante quase um
ano. Uma semana após o seu término, a maioria não se lembra da
trama da novela e nem mesmo do seu �tulo. Um exemplo ilustra�vo foi
a minissérie Dom Casmurro de Machado de Assis – pra�camente nada
�cou nos bancos de memória do telespectador – entretanto o leitor de
Dom Casmurro costuma lembrar-se do essencial do livro. É simples
assim: “o olho que lê re�ete mais que o olho que vê”, porque o leitor
constrói – na sua imaginação – o ambiente, os personagens, a trama do
romance e o fundamental �ca estocado em seu banco de memórias.
Enquanto a cultura das telas tem seus efeitos indesejáveis: é efêmera e
quase nada acrescenta ao conhecimento.
Diferentes pensadores a�rmam que a internet cons�tui um risco
para os laços sociais, uma vez que no ciberespaço os indivíduos se
conectam permanentemente, mas se encontram cada vez menos. Na
era da internet, as pessoas levam uma vida abstrata e digitalizada em
vez de compar�lhar experiências. Vivem enclausuradas pelas novas
tecnologias... Falta o olho no olho, assim como a entonação na fala e a
linguagem gestual. O complexo “computador-internet” é um “meio frio”
de comunicação; falta o calor humano.
Segundo Lipovetsky e Serroy: “Enquanto o corpo deixa de ser
ancoradouro real da vida, organiza-se um universo descorpori�cado,
dessensualizado, desrrealizado : o das telas e dos contatos digitalizados .
O universo high-tech aparece, assim, como uma máquina de
dessocialização e de desencarnação dos prazeres que destrói o mundo
sensível bem como as relações humanas táteis”.
Cultura-mundo
Lipovetsky e Serroy postulam no livro Cultura-Mundo (2011) que o
mundo do futuro (Eu diria já presente) vai se organizar em função de
quatro polos estruturantes: 1) o hipercapitalismo; 2) a hipertecnologia;
3) o hiperindividualismo; 4) o hiperconsumo.
Esses polos estão determinando grandes transformações dos
costumes em escala planetária. Evidentemente essas transformações
têm seus efeitos bené�cos e seus efeitos indesejáveis.
O hipercapitalismo promove uma diminuição da pobreza, mas as
desigualdades sociais são ainda chocantes. Todos querem par�cipar do
banquete, dos bens de consumo, que o capitalismo gera, entretanto
para a maior parte cabe apenas as migalhas.
A hipertecnologia (cultura high-tech) se apresenta, assim, como
promessa de saúde perfeita, juventude eterna, saber para todos, robôs
domés�cos à nossa inteira disposição. Segundo a corrente
“transumanista”, a união da gené�ca, da nanotecnologia e da robó�ca
(revolução GNR) permi�rá transformar a própria de�niçãodo ser
humano – uma mutação sem precedentes que proporcionará o
enriquecimento de suas capacidades �siológicas e intelectuais. Será a
Era da Singularidade, com o aparecimento da Machina sapiens?
Entretanto, no mundo de hoje observamos um paradoxo da sociedade
tecnocêntrica: os seres humanos, incluídos no mercado de trabalho,
trabalham cada vez mais. De Masi a�rma:”No acelerado mundo digital
há uma dicotomia entre desempregados e sobrecarregados”. Estes
úl�mos estão hiperconectados e sempre em alerta máximo. O homem
da sociedade hipertecnológica pode ser chamado de Cyberman. A
computopia (ou utopia tecnotrônica) da sociedade do ócio e do lazer,
tantas vezes anunciada, vem sendo adiada (para mais detalhes veja
adiante o capítulo “A Utopia do Ócio”).
O hiperindividualismo é uma marca da cultura digital e transforma a
pessoa num ser autocentrado. O individualismo exacerbado gera uma
obsessão com os cuidados da saúde, culto ao esporte e boa forma,
en�m é a corpolatria levada ao extremo. É o jovem “saradão” que exibe
bíceps volumosos, como um pavão que adquiriu tanta massa muscular
na academia à custa de “energé�cos” e muitos hormônios. Além do que
o corpo é todo coberto por tatuagens . Tem também os piercings
implantados nas orelhas, nas narinas, nos supercílios, na língua e até na
genitália. É uma espécie de cultura descerebrada, que chega a beirar o
ridículo. É a narcisação da cultura.
An�gamente os bens adquiridos e símbolos do consumo eram
prioritariamente familiares: o carro, a geladeira, a máquina de lavar, o
telefone �xo, o televisor, o aparelho de som, o forno de micro-ondas ,
en�m os eletrodomés�cos. Na era digital os equipamentos são de uso
individual: o computador pessoal, o telefone móvel, o waze, o
smartphone, os vídeos-games...
O hiperconsumo depende da mão grande do mercado e da
publicidade. É a lógica perversa da mercadocracia. A sociedade
tecnocêntrica não costuma ser inclusiva na área do consumo –
principalmente os jovens dos bolsões de pobreza estão excluídos do
mundo das grifes. Essa frustração é uma espécie de caldo de cultura
para a delinquência. Também o subconsumo, além da exclusão, provoca
no ser humano a sensação de vergonha de si mesmo e
autoes�gma�zação. Assim, o banquete �ca restrito aos eleitos. Embora
o hipercapitalismo venha reduzindo a pobreza extrema no mundo
contemporâneo, a capacidade de consumo das grandes massas ainda é
muito baixa e os excluídos tendem a caminhar para uma vida marginal
(nos guetos, favelas, comunidades, bolsões de pobreza na periferia dos
grandes centros urbanos...) E aqui ocorre um fenômeno paradoxal – o
marke�ng es�mula o hiperconsumo através de recortes publicitários
edulcorados, transportando as pessoas para um mundo da fantasia –
uma espécie assim de conto de fadas. Por outro lado, Vargas Llosa faz
alguns reparos à “sociedade austera, na qual as pessoas só comprariam
o indispensável para a sua sobrevivência, sem produtos supér�uos – ou
seja, quase sem indústrias -, seria um mundo primi�vo, de mul�dões
desocupadas e famintas, à mercê das pragas e da lei do mais forte, no
qual a precariedade da existência não deixaria para a imensa maioria
dos mortais muito tempo livre para a vida espiritual ou intelectual. O
retorno à tribo estaria consumado. Porque a estrita verdade é que,
quanto mais os cidadãos consumirem produtos industriais – se são
supér�uos ou indispensáveis é coisa que numa sociedade aberta só
cabe decidir ao próprio consumidor -, mais postos de trabalho haverá,
educação mais abrangente e melhor, e mais ócio, pois sem essas coisas
não há vida espiritual ou intelectual que valha a pena”. Esta visão de
Vargas Llosa não deixa de ter um certo sen�do, porque a demonização
do consumo é uma espécie de cacoete de pensadores apocalíp�cos.
Entretanto na era do hiperconsumo, a comparação a seguir é válida
– Paris era uma festa à época “des années folles” (Hemingway,
Fitzgerald, Picasso, Buñuel...). Paris con�nua sendo uma festa através do
charme do consumo (Chanel, Dior, Cardin, Saint-Laurent, Vuiton...). O
que signi�ca: vale mais a haute couture do que a haute culture. A
propósito, tem um ditado francês que diz: Le super�u, chose très
nécessaire.
Por falar em Paris e hiperconsumo é impera�vo considerar a cultura
das grifes. Um marke�ng bem elaborado impõe ao consumidor tênis
Nike, caneta Mont Blanc, relógio Rolex, bolsa Vuiton, confecções Lacoste
– de sorte que uma “marca” vira objeto de desejo. Às vezes um jovem
da periferia �ra uma vida para obter um tênis de grife.
O deslumbramento com a hipertecnologia e o consumismo leva o
sujeito do mundo contemporâneo a negligenciar a busca do
conhecimento e, por via de consequência, ao desenvolvimento do
pensamento crí�co. Ele se deixa manipular por uma subcultura
divulgada pelos meios de comunicação [e que depende muito do
mercado e da publicidade]. É frequente o seguinte cenário: quando se
tenta dialogar com um interlocutor [portador de um diploma de curso
superior,por exemplo] a conversa não prospera, porque ele quer falar
sobre o carro que adquiriu recentemente com avanços tecnológicos
fantás�cos, sobre sua viagem a Miami, onde adquiriu ar�gos de grife a
um bom preço, sobre futebol ou outra fu�lidade qualquer. Conclusão:
nem sempre um diploma de curso superior representa cultura. A
aventura do conhecimento é fascinante, desde que adquirido em boas
fontes, e acaba se transformando em saber ar�culado. A posse desse
saber nos dá mais con�ança, nos ensina a lidar melhor com o mundo e,
principalmente permite o desenvolvimento do pensamento crí�co. Algo
assim: “A dúvida metódica é o princípio da sabedoria”.
Nas universidades há um desencanto com a vida intelectual. Ela é
burocra�zada e o obje�vo único é a formação para a vida pro�ssional e
a inclusão no mercado de trabalho. Hoje, na vida acadêmica, não se
debatem ideias – ou os acadêmicos se preocupam com as publicações
para encorpar o currículo – ou então é o pensamento único, forjado nas
ideologias de esquerda. Nas universidades “modernas” não há mais a
ebulição do campus. Algumas administram cursos sem a
obrigatoriedade presencial. As universidades, principalmente as
brasileiras necessitam, diretamente na veia, de uma ousadia �po “Vale
do Silício”. Inovação, através do desenho de bons projetos e colocá-los
no mercado das ideias é preciso. Uma boa ideia talvez seja transformar
a USP numa Escola La�no-Americana de Pós-Graduação – com cursos
pagos e com aulas e debates em português, espanhol e inglês. Seria
uma escola de estudos avançados – com parcerias público-privadas e
com foco nas ciências exatas (matemá�ca, informá�ca, Inteligência
Ar��cial...) – uma espécie de Vale do Silício. Essa ideia nunca vai se
materializar por mo�vos óbvios (obstáculos ideológicos e classe polí�ca
atrasada).
Por outro lado, o que faz você compe��vo no mercado de trabalho
não são necessariamente os seus �tulos acadêmicos; um bom currículo
pode ajudar, é claro. Mas, o que faz a diferença é a pro�ciência, que
pode ser adquirida na Academia Khan, por exemplo, e nem sempre
numa ins�tuição de ensino tradicional.
Cultura do estrelato
Em nosso meio abundam biogra�as de pessoas medíocres do ponto
de vista cultural – principalmente de astros do esporte, de ídolos da
música pop, de astros da televisão, de padres pop e até de empresários
de seitas religiosas. A televisão transforma idiotas e semianalfabetos em
celebridades. Cadê a biogra�a de César La�es (�sico), de Carlos Chagas
(médico-pesquisador), de Gilberto Freyre (pensador, escritor e
sociólogo), de Graciliano Ramos (literato), de Tom Jobim (maestro e
compositor), de Vinicius de Moraes (poeta, diplomata e compositor), de
Manuel Bandeira (poeta), de Millôr Fernandes (humorista-�lósofo)... A
maioria da população “alfabe�zada” é direcionada pelo marke�ng e
pela mídia a ler livros de autoajuda e livros de pseudo�lósofos – aliás o
Brasil nunca teve um pensador nessa área, com alguma teoria original
ou alguma contribuição para enriquecer o pensamento �losó�co. São os
“�lósofos midiá�cos” (modernamente denominados“�lósofos pop”). O
que não dá imagem e não é midia�zado simplesmente é ignorado.
Alguns são diplomados em �loso�a e eu penso que diploma de médico
(ou de engenheiro, den�sta, antropólogo, psicólogo...) é respeitável, de
�lósofo é grotesco (Eles são bacharéis em �loso�a e não �lósofos). É no
mínimo surreal diploma de escultor, pintor, compositor de música
erudita, literato... O verdadeiro pensador precisa de diploma? Alguns
acadêmicos pedantes acham que não há vida inteligente fora da
academia. Para esses eu receito Paul Valéry: “O diploma é o maior
inimigo da cultura”. Em nosso país o soi-disant �lósofo é, na melhor das
hipóteses, um professor de �loso�a e não um maître à penser. São
�lósofos autoproclamados. Já os “�lósofos” da USP são uma espécie de
correia de transmissão do que se produz na França, na Alemanha... ou
então �cam se masturbando com um marxismo já sepultado. Para não
cometer uma injus�ça eu abro uma exceção: o brasileiro Newton da
Costa – engenheiro, lógico e matemá�co – pode ser considerado
�lósofo , porque ele descreveu a lógica Paraconsistente – uma
ferramenta da �loso�a para lidar com a contradição e, por isso, ele é
reconhecido nos círculos �losó�cos internacionais como “o pensador da
contradição”. Segundo a lógica Paraconsistente, uma sentença e sua
negação podem ser ambas verdadeiras.
A cultura do entretenimento tem um apelo mercadológico imenso. É
o showbiz que está planetarizado, é o esporte que hipno�za os
a�cionados (Jogos Olímpicos, Copa do Mundo, Jogos da NBA, Torneios
de Tênis, Fórmula 1 e outros tantos). Essa cultura apresenta um lado
sadio, mas tem também o seu dark-side. Aqui é preciso considerar o
submundo do esporte com as suas mazelas (corrupção, fraudes) e esse
aspecto depende fundamentalmente do mercado – através do
comportamento das empresas que atuam nessa área. Principalmente
no futebol (esporte mais popular do mundo) o mercado ensandeceu. O
passe de um astro do futebol a�nge somas estratosféricas (impensáveis
para um mundo com índices de pobreza escandalosos). E nos bas�dores
rolam os conchavos entre os dirigentes do futebol.
Efe�vamente o mundo a�ngiu a barbárie, com salários
estratosféricos para um astro do esporte, enquanto um promotor de
cultura rala para poder sobreviver. Por outro lado, a qualidade da
crônica espor�va é de uma pobreza franciscana. A imensa maioria dessa
gente , que escreve ou verbaliza sobre eventos espor�vos, é
semianalfabeta. Que falta faz um Nelson Rodrigues que, além de grande
dramaturgo, foi um talentoso cronista e jornalista admirável.
Cultura artística
Na esfera das artes, par�cularmente na pintura e escultura, o mundo
não atravessa um período de grandes obras capazes de levar ao êxtase
os apreciadores de trabalho ar�s�co. O mau gosto impera e, às vezes,
até um monte de lixo numa sala de museu é considerado arte. E aí uma
avalanche de interpretação dos “entendidos” vem à tona: “é o símbolo
da degradação do meio ambiente; “é o protesto em defesa dos pobres”;
“é o subproduto do hipercapitalismo”... Até há pouco ainda estava
quente a polêmica da exposição do Queermuseu: cartogra�a da
diferença na Arte Brasileira. Os “trabalhos de arte”, de baixa qualidade,
�veram uma visibilidade em virtude da guerra ideológica que se
estabeleceu entre uma esquerda radical e uma extrema direita
incompa�vel com a liberdade de expressão. Aqui podemos aplicar a
frase, modi�cada, de Thomas Je�erson: “ A Cons�tuição tem que
garan�r que a exposição de arte seja livre, não que ela seja boa.” Nós
estamos à vontade para exercer o direito à crí�ca – e a “arte” ali exposta
era de baixa qualidade (eu vou além: de um tremendo mau gosto). No
terreno puro da esté�ca eu vou de Rembrandt, Caravaggio Gio�o,
Monet, Cézanne, Miguel Ângelo, Da Vinci, Por�nari, Tarsila do Amaral,
Van Gogh, Rodin...
Em tempo: “A arte tenta compe�r com a natureza, mas
invariavelmente perde”. Esta frase deve provocar pruridos nos crí�cos
de arte, que com a sua erudição e retórica vão ao delírio. Eles podem
simplesmente responder: – É a hermenêu�ca, estúpido. Pode ser, mas
eu pre�ro acreditar que a verborragia dos crí�cos é pour épater le
bourgeois. Ponto.
Pulverização da cultura
Com a pulverização da cultura, às vezes não se consegue estabelecer
as fronteiras entre elas. Por exemplo, “ hoje nós temos um modelo
horizontal da cultura midiá�ca, através das mídias intera�vas (Blogs,
Fóruns comunitários, Youtube, Redes sociais...). É uma cultura de todos
para todos. Nesta galáxia comunicacional tudo pode produzir conteúdo,
cada um pode tornar-se fotógrafo, realizador de vídeo, até mesmo
jornalista difundindo informação. As fronteiras entre informação
pro�ssional e informação amadora tornam-se cada vez mais incertas e
vagas” (In Cultura-Mundo).
Neste texto já analisamos a questão da mão grande do mercado.
Lamentavelmente não temos um modelo alterna�vo que subs�tua o
mercado. Com todos os efeitos indesejáveis – como excessos, injus�ças
– ele ainda é o motor da economia. O mercado é soberano e, até
mesmo, os ar�stas , com sua tradição de “jus�ça social” e “defesa dos
oprimidos”, são cooptados na hora dos cachês milionários, pagos pelas
grandes empresas capitalistas. O jogo da sedução é tentador e já dizia
Oscar Wilde:”A melhor maneira de se livrar de uma tentação é cedendo
a ela”. Aí eles caem na vida dos gordos cachês – e se entregam ao
mundo da publicidade.
Já os inimigos da globalização levantam questões para as quais não
apresentam nenhuma solução viável: “ Abolir a ditadura dos
mercados?” Mas o que pôr no lugar? Os mercadofóbicos falam “num
outro mundo possível”, mas não indicam o caminho das pedras para a
humanidade desembarcar lá.
Outro problema magno do mundo contemporâneo é o
mul�culturalismo. As migrações em massa, geradas pelas guerras e pelo
fundamentalismo do Estado Islâmico (Iraque, Síria, Afegnistão...)
agravam o fenômeno do mul�culturalismo – que já exis�a pela
migração de população de ex-colônias (indianos, senegaleses, hai�anos,
marroquinos, tunisianos...). Principalmente os países da União Europeia
(UE) (França, Bélgica, Alemanha, Itália, Inglaterra) têm di�culdades para
receber essas ondas de migrantes e acomodá-los com inclusão no
mercado de trabalho, no Sistema Educacional e no Sistema de Saúde.
Ainda mais, essas etnias variadas querem transplantar para o país que
escolheram para viver todos os seus hábitos e costumes (quer dizer sua
cultura). Isso tem gerado muitos con�itos por falta de diálogo entre as
partes envolvidas. Fator complicador: o terrorismo do Estado Islâmico –
este fenômeno es�mula rejeição aos migrantes nos países da União
Europeia.
Na era digital é di�cil traçar as fronteiras entre as culturas.
Entretanto aceitar que tudo é cultura, é correr o risco de um
nivelamento generalizado , de uma espécie de niilismo esté�co ou
�losó�co clandes�no. Não obstante, existe gente que defende teorias
rombudas na análise da cultura. Existem no mundo contemporâneo
adeptos de uma “cultura da violência” – Gangues de anarquistas, mais
especi�camente, os Black blocs das passeatas depredam e incendeiam o
patrimônio público e o privado e alguns “jornalistas” e poli�cólogos
inconsequentes chamam isso de “esté�ca da violência” quando se
referem a esses baderneiros.
Cultura literária
E a “cultura elaborada” dos poetas, romancistas, ensaístas...? Essa
segue o seu trajeto sem turbulências. Os grandes escritores, os gênios
literários são de todas as épocas. De sorte que , existem períodos mais
férteis, com gênios iluminados alternando com períodos menos férteis .
Dissimetria cultural
Há uma dissimetria dos �uxos culturais, com ní�do predomínio dos
países ricos. E inques�onavelmente o modelo norte-americano é
hegemônico. O mundo fala inglês, negocia em dólar, bebe Coca-Cola,
acompanha hipno�zado a cerimônia do Oscar, os ícones do mundo atual
são os pop stars e as bandas de rock – a juventude usa tênis Nike, a
visita à Disney é obrigatória, os videogames eletrizam os adolescentes,
milhões assistem aos �lmes da Ne�lix. O risco é que ocorra uma
homogeneização cultural.Alguns estudiosos da cultura-mundo a�rmam
que os países periféricos sofrem do fenômeno da cocalonização. Não é
exatamente a opinião de Ben Dupré, quando fala sobre cultura
híbrida:”A verdade sobre a globalização não é tão sombria nem tão
animadora quanto a�rmam seus crí�cos e seus defensores. A cultura
global que é bem recebida de um lado e desacreditada do outro é em
grande parte �c�cia. Nada que se aproxime dessa cultura existe
atualmente, e há poucas perspec�vas de que vá se tornar realidade em
um futuro próximo. O fato de maior destaque surgido a par�r de
volumosa pesquisa sobre os efeitos da globalização é que ela é tudo
menos um processo de mão única. Quando culturas diferentes se
encontram, quase nunca acontece uma simplesmente dominar e
deslocar as outras; em vez disso, ocorre um processo su�l e fascinante
de fer�lização cruzada em que surge algo de novo e dis�nto. No �m, o
fato-nem-tão-surpreendente é que seres humanos, sendo humanos,
têm curiosidade de experimentar novos sabores e sons quando existe a
disponibilidade, mas mantêm um forte sen�mento de pertencimento
em relação a uma determinada localidade e de compar�lhamento de
um complexo sistema de crenças e costumes locais”.
Cibercultura
Na era digital podemos falar de uma nova relação com o saber?
Quais são as mutações que a cibercultura gera na educação e formação
das pessoas? São algumas questões que o professor Pierre Lévy levanta
e tenta responder no seu livro Cibercultura. A cibercultura é uma
revolução que está em pleno desenvolvimento e logo teremos respostas
para as questões colocadas. Para �nalizar, vale uma citação de
Alexander Pope: “Perigoso é um pouco de conhecimento.”
A vida não tem sen�do, mas nada impede você dar um sen�do a ela.
A frase do andar de cima re�ete uma opinião pessoal – no que
concerne de que eu acredito no sen�do da vida do ponto de vista
terreno, material, não do ponto de vista transcendental, espiritual.
Caminhando pelas alamedas de um cemitério você pode se
surpreender com algo assim: Epitá�o de um incréu – “A vida termina
aqui”; ou mais adiante, o Epitá�o de um crente: “ A vida começa aqui”.
Isso posto, a minha proposta é abordar o tema “O Sen�do da vida e
seus desdobramentos”. É um tema polêmico e complexo, que chega a
tangenciar o transcendental. De sorte que é impera�vo colocá-lo no
mercado das ideias e provocar um brain storming. Certamente nesse
processo de des�lação diferentes conceitos irão emergir. E o obje�vo é
colocar a minha opinião sobre tema tão intrincado e ins�gante. Antes de
entrar no mérito da questão, eu quero fazer um preâmbulo e dizer que
a arte de pensar exige uma grande dose de paciência até chegar à
re�exão metódica e esta permite, muitas vezes, a ruptura com ideias
cristalizadas. Então, mãos à obra.
Visão tecnocientí�ca do mundo
Vivemos num mundo profundamente integrado, no qual os
fenômenos �sicos, biológicos, psicológicos, sociais, culturais e
ambientais são interdependentes. Entretanto nós, com nossa visão
fragmentada, acabamos violentando o mundo forjado pela evolução.
Isto é, o mundo da ordem/desordem natural das coisas. A ciência é
sacralizada e a tecnologia é supervalorizada. Ocorre que a tecnociência
sofre de onfalocentrismo: no seu umbigo está o centro do mundo! A
natureza não pode ser legislada, porque a su�leza da natureza é muito
maior que a su�leza do discurso cien��co. A ciência é necessária para o
conhecimento do mundo; mas seria su�ciente? A exaltação da
explicação cien��ca e os avanços cien��co-tecnológicos acabaram
determinando uma segmentação do conhecimento. Esse fenômeno
teve como corolário uma pulverização dos conhecimentos cien��cos,
com todas as implicações daí decorrentes: o mito do progresso, do
especialista, da obje�vidade e neutralidades cien��cas. É a babelização
do conhecimento. É preciso juntar os cacos. A ciência, com frequência, é
restri�va na compreensão/explicação dos fenômenos, porque ao
privilegiar a obje�vidade procura eliminar impiedosamente a
subje�vidade do cien�sta (ou observador do fenômeno), o seu senso
esté�co, as suas recordações e emoções... A ciência procura isolar o
objeto de estudo de seu mundo, negligenciando o ensinamento budista
que diz que o objeto deve ser encarado como um evento e não como
uma substância em si. Georges Kneller refere que na ó�ca cien��ca
poentes e cascatas são descritos em termos de frequência de raios
luminosos, coe�cientes de refração e forças gravitacionais ou
hidrodinâmicas. Essas descrições não levam em conta aquilo que
realmente sen�mos, que é o enfoque fenomenológico. E a narra�va
prossegue: por não levar em conta a experiência subje�va (individual e
cole�va), a ciência descreve um mundo de coisas sem valor,
interatuando como se a humanidade não exis�sse. Esse é o aspecto
alienante da ciência, traduzido pela separação sujeito e objeto: é a
rei�cação do mundo. Até que ponto a ordem natural é a ordem
humana? O patrono desse �po de pensar é a �gura de René Descartes.
O método cartesiano é analí�co e procura decompor os problemas em
suas partes e tenta reagrupá-los em uma ordem lógica. Desse modo, os
fenômenos não são analisados dentro de um espírito de integração e o
corolário disso é uma visão compar�mentada do mundo. Na ó�ca
cartesiana o universo material e os organismos vivos são máquinas e a
natureza é regulada por leis mecânicas. Essa decomposição do todo em
suas partes, levada às úl�mas consequências, gerou o reducionismo nas
ciências. Embora o método analí�co seja uma etapa importante do
raciocínio, o conhecimento integral do fenômeno exige uma abordagem
sistêmica.
A �loso�a e o sentido da vida
Depois deste extenso texto sobre o papel hegemônico da
tecnociência na sociedade contemporânea, para não perder o foco eu
quero retomar o tema “o sen�do da vida”. E nesta retomada vou fazer
um �ash-back e dizer que na pré-história o homem primi�vo, que
andava pelas savanas, uma noite deslumbrado com um céu estrelado
indagou, em nome da espécie: – Quem somos nós, de onde viemos,
para onde vamos, qual o signi�cado da vida? E assim, na noite dos
tempos, nascia o primeiro ser �losofante do mundo e já colocava o
problema do sen�do da vida.
Mas, a �loso�a tem futuro na era digital? Para muitos homens de
ciência e muitos adeptos da tecnociência a �loso�a está morta. O
pensador francês Jean François Lyotard no seu livro “A Condição Pós-
Moderna”, lançado em Paris em 1979, postulou que o “pós-moderno” é
a incredulidade em relação às metanarra�vas (o que signi�ca que as
teorias totalizantes -cris�anismo, islamismo, judaísmo, fascismo,
comunismo ... são incapazes de explicar o mundo). Em úl�ma análise, a
ciência não precisa ser legi�mada pela �loso�a. E o declínio da �loso�a
depende da hegemonia da informá�ca – nós já vivemos numa
sociedade tecnocêntrica, em rápida transformação na era digital – com
o surgimento da Inteligência Ar��cial e seus desdobramentos. Segundo
Lyotard, alguns saberes que circulam em torno da �loso�a podem
sobreviver como as línguas mortas (la�m, por exemplo). Para o �sico e
astrônomo inglês Stephen Hawking à medida que a ciência avança a
�loso�a recua – de sorte que a ciência [é uma questão de tempo] será
hegemônica e explicará tudo no universo. Ele vai além e a�rma que a
�loso�a está morta: é um dinossauro. Para Mar�n Heidegger – um dos
maiores �lósofos do século XX – decretar a morte da �loso�a é como
decretar a morte do pensamento, e o que diz respeito à ciência é objeto
de ampla re�exão por parte da �loso�a (Filoso�a da Ciência). Thomas
Kuhn – �sico e �lósofo da ciência – no livro “A Estrutura das Revoluções
Cien��cas” iden��cou os meios pelos quais paradigmas cien��cos se
erguem e declinam. Veja a opinião do �lósofo da ciência Karl Popper: “A
verdade não se descobre: vai sendo descoberta, e esse processo não
tem �m”. Ela é sempre uma verdade provisória, que dura enquanto não
é refutada. Por outro lado, a �loso�a [através da bioé�ca] baliza os
passos da ciência o tempo todo, de sorte que nem tudo que a ciência é
capaz de fazer pode ser feito. De modo que a questão,aqui já colocada,
permanece válida: os conhecimentos cien��cos e técnicos são
necessários para explicar e transformar o mundo, mas são su�cientes?
Para Gilberto de Mello Kujawski – ancorado nas teses orteguianas –
o sen�do da vida está embasado na busca e usufruto da felicidade. Veja
o que ele a�rma: “A felicidade não é nenhuma dádiva caída do céu. Não
a recebemos pronta e acabada, nem ela é a mesma para todos. Pelo
contrário, nenhum assunto é mais pessoal e intransferível do que a
felicidade. A felicidade de um não serve para outro, e temos que
construí-la pelo nosso próprio esforço, à nossa maneira, segundo o
nosso es�lo pessoal, único e insubs�tuível. Sua fórmula escapa aos
manuais de autoajuda”.
Kujawski toma como ponto de par�da, para desenvolver suas teses,
a fórmula de Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância, e se
não a salvo, não me salvo eu”. O que é viver? Para Ortega, viver é, sem
dúvida, lidar com o mundo, dirigir-se a ele, atuar nele, ocupar-se dele.
O que é a vida?
Entretanto a palavra vida é desa�adora. Ela é ampla, polissêmica; é
aquilo que ninguém sabe explicar, mas que todo mundo entende. A vida
ainda é um mistério, que reina soberana numa formiga, num molusco
ou no ser humano. E maior desa�o ainda é explicar o sen�do da vida.
A vida nos é proporcionada pela biologia. Embora a biologia tenha
genericamente a mesma cons�tuição orgânica (estuda a formação,
estrutura e a�vidade de macromoléculas essenciais à vida, como os
ácidos nucleicos – DNA e RNA -, as enzimas, os carboidratos, as gorduras
e as proteínas, e principalmente o seu papel na mul�plicação celular e a
transmissão de informação gené�ca), os seus componentes materiais se
organizam de modo diverso, dando origem a diferentes �pos de vida:
vegetal, animal e humana. A função da planta é crescer, �orescer e
fru��car. Na escala zoológica, a maioria dos animais já nasce com um
repertório de comportamentos inatos, que lhes asseguram uma certa
independência. Por exemplo, o pequeno bezerro, que acabou de nascer,
já é capaz de andar ainda que meio trôpego. Entretanto, embora os
animais nasçam pra�camente prontos, a sua capacidade de
aprendizagem, ao longo da vida, é muito reduzida. O Homo sapiens é
essencialmente um animal neotênico (nasce incompleto) e de
desenvolvimento vagaroso. Esse vagaroso, explica o paleontologista
Stephen Gould, é essencial para que aprendamos. Somos seres culturais
por excelência e aprendemos durante toda a vida (Como já foi abordado
no capítulo IX: Pensar a cultura no mundo contemporâneo)
Ortega y Gasset lembra que “a vida humana é ‘que-fazer´, um ter
que fazer interminável, pois nunca �camos prontos e acabados”. O ser
humano é dotado de emoção, cognição e razão e assim ele constrói uma
biogra�a. Entretanto, se ele é um gigante do ponto de vista intelectual,
ele é um pigmeu do ponto de vista emocional. E esse aspecto faz toda a
diferença quando se procura conceituar “o sen�do da vida”.
Conceito de felicidade
Em virtude da felicidade cons�tuir o núcleo duro da tese orteguiana
do sen�do da vida, vale a pena tecer as considerações que adiante
seguem. A felicidade é um desses conceitos imprecisos, em que
abundam de�nições, mas nenhuma consegue explicitar um estado
subje�vo – próprio de cada pessoa. Embora a felicidade seja algo
imaterial, inde�nível e inexplicável, ela pode ser fruída por qualquer
pessoa. Compreender não signi�ca necessariamente explicar o
fenômeno, mas conhecer de modo intui�vo por meio de uma
par�cipação vivida. Nem sempre nos damos conta de nossa felicidade e,
muitas vezes, só de forma retroa�va a avaliamos. A felicidade não se
acumula como os pontos de um cartão de crédito, ela ocorre quando
estamos distraídos. Sabe? Aquela velha história: – Eu era feliz e não
sabia! Schopenhauer era de opinião que felicidade tem a ver mais com a
paz interior do que com o júbilo e alegria, e chegou a listar 50 regras
para a�ngir a felicidade.
Os �lósofos gregos da An�guidade reconheciam três formas de
felicidade: a dos prazeres materiais, a da glória e a da virtude. A
primeira é a forma mais cul�vada e se transformou, nos países
desenvolvidos, em uma espécie de religião. É o evangelho da sociedade
do consumo e, por meio dele, o ser humano procura o máximo de bens
materiais e o seu desfrute. O importante é o ter não o ser. Na segunda
forma, a felicidade é o alcance da glória. Nesse esquema, o ser humano
para ser feliz necessita da aprovação dos demais. Essa forma não é
incompa�vel com a primeira. No terceiro caminho, o ser a�nge a
felicidade agindo virtuosamente. O modo de vida é despojado, não
havendo barganha, necessidade de aprovação da plateia ou de
compensações materiais. Rico, celebridade ou santo? Esses são os
caminhos para se a�ngir a felicidade, segundo o conceito da �loso�a
grega. Nada disso, a felicidade não deve �car refém de camisas de força
conceituais.
Pode-se compreender a felicidade de diversas maneiras: estado de
perfeita paz interior, como a�vidade contempla�va, como prazer
(sensorial ou espiritual), estado de ânimo daquele que recebe da vida
tudo o que dela espera ou tudo o que dela deseja...
A corrente de �loso�a hedonista aposta que a felicidade é a
conquista de uma existência plena de prazeres. Essa é uma visão
equivocada – eu posso sen�r prazer ao degustar um vinho generoso e
ser profundamente infeliz. Outra forma, seria a fuga farmacológica dos
drogaditos: a viagem só é agradável no início, depois a happy pill vira
um pesadelo.
As �loso�as do absurdo negam a priori a possibilidade de se alcançar
a felicidade, enquanto para certas correntes espiritualistas só alcança a
felicidade quem consegue transcender as coisas terrenas. Já para os
pragmá�cos, o indivíduo para ser feliz tem de aprender a lidar com os
seus con�itos, en�m com os desa�os do mundo. Isso leva, no mundo
contemporâneo a um superconsumo de psicoterapias.
Entretanto, na era da “literatura de autoajuda”, a felicidade pode ser
adquirida [numa gôndola de livraria] como uma mercadoria – como se
adquire xampu ou sabão em pó em supermercados. Assim, abundam
�tulos: “A felicidade em 10 lições”; “Pense bem e seja feliz”; “Só é infeliz
quem quer”; “Sete maneiras para conquistar a felicidade”. É um fes�val
de besteiras, mas que tem apelo mercadológico (a impostura
intelectual, nos dias de hoje, é quase uma constante). E,
lamentavelmente, a capacidade de acreditar da maioria das pessoas é
muito grande e o espírito crí�co pra�camente inexiste.
Segundo expõem Mendo Henriques & Nazaré Barros – no livro Olá
Consciência! – : “A felicidade nunca aparece por sí própria; resulta de
um processo, de uma a�vidade, de um projeto. Todo marasmo,
ina�vidade e ausência de obje�vos causam mau humor e depressão. Em
certa medida, só os nossos interesses podem nos salvar (...)”. Esta
opinião, em parte, referenda a tese de Ortega: “Eu sou eu e minha
circunstância...”.
Todos nós temos o direito de sonhar com a felicidade. Os sonhos dos
Eldorados, Passárgadas e Shangri-Las sempre povoaram a mente dos
homens. Segundo Oscar Wilde, um mapa do mundo que não inclua
Utopia não é digno de receber uma olhada sequer, porque omite
justamente o país em que a humanidade está sempre desembarcando.
A �nitude do ser/a transcendência
Mas quero analisar aqui a minha postulação da �nitude do ser (a
vida não tem happy end). E aqui peço subsídios à literatura e à �loso�a
para expor o tamanho da encrenca. Na vida somos hóspedes de
passagem (André Malraux); A morte esvazia a vida de qualquer
conteúdo (Tolstói); A vida é uma simples sombra que passa...; é uma
história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que nada
signi�ca (Macbeth – Sakespeare). O �lósofo Mar�n Heidegger coloca a
questão em termos sombrios: “A morte é um caráter essencial do
Dasein (isto é, do exis�r). Vivemos na expecta�va da morte (ser para a
morte)”. E prossegue: “A morte representa a possibilidade da minha
impossibilidade, e a impossibilidade das minhas possibilidades”. Ele
considera o sen�do da vida em perspec�va niilista.
Para muitas pessoas que sãoreligiosas e cul�vam uma fé
inquebrantável, a felicidade é uma questão transcendental e,
certamente, elas gozarão as delícias do paraíso edênico no pós-mortem.
Mas vamos descer das nuvens e colocar os pés no chão, vamos
conquistar a felicidade aqui num can�nho do planeta Terra.
O sentido da vida é o usufruto da felicidade?
Voltando a Ortega: “Durante a vida o indivíduo constrói projetos,
não só de ordem pro�ssional, mas também à ordem de ser no mundo. E
seguir a sua vocação do que ser no mundo é dar um sen�do à vida.
Então a felicidade é utopia. Mas o que no homem não é utópico? Sua
própria humanidade é utopia”.
E Kujawski, sempre ancorado em postulações orteguianas, conclui
seu livro a�rmando:”O sen�do da vida reside na busca da felicidade.
Porque a felicidade é a vida em sua máxima plenitude. A felicidade
concebida perfeita e perpétua não existe. Entendida como a realização
daquele que queremos ser, a nossa vocação, a felicidade é possível até
onde podemos concre�zá-la. Não absolutamente, porque a ninguém é
dado realizar-se absolutamente. ...Temos que dar sen�do à nossa vida.
Precisamos encontrar uma razão de viver. Sou feliz quando consigo a
sintonia mais perfeita possível entre mim e minha circunstância. Em
outras palavras, trata-se, acima de tudo, de eu me conhecer a mim
mesmo. Transforma-te em quem és, como ensinava o grego Píndaro”.
O sentido da vida numa sociedade
hipertecnológica
As sociedades humanas são dinâmicas e elas vêm apresentando
mudanças [até mesmo radicais] nos diversos períodos históricos da
humanidade. O ser humano é por excelência cultural, de sorte que
muitos comportamentos são socialmente construídos. E me parece
per�nente recuperar uma distopia, publicada em 1932, cujo autor é
Aldous Huxley e que tem por �tulo “Admirável Mundo Novo”. Francis
Fukuyama no seu livro “Nosso Futuro Pós-Humano” faz uma análise,
que me parece correta, do livro de Huxley, que tem como núcleo duro
uma revolução tecnológica: a Biotecnologia. Vou me valer da citação de
trechos do livro de Fukuyama: “A bokanovskização*, a incubação de
pessoas não em úteros, mas, como dizemos hoje, in vitro; a droga soma,
que dava felicidade instantânea às pessoas; o cinema sensível, em que a
sensação era simulada por eletrodos implantados; e a modi�cação do
comportamento através da repe�ção subliminar constante e, quando
isso não funcionava, da administração de vários hormônios ar��ciais,
eram o que conferia a esse livro sua ambiência par�cularmente
horripilante. ... Desde a publicação do romance, escreveram-se
provavelmente vários milhões de trabalhos escolares em resposta à
pergunta: ‘Que há de errado neste quadro?’ A resposta dada (pelo
menos em redações que ganharam A) geralmente vai nesta linha : as
pessoas no Admirável Mundo Novo podem ser saudáveis e felizes, mas
deixaram de ser seres humanos. Já não lutam, aspiram, amam, sentem
dor, fazem escolhas morais di�ceis, nem fazem qualquer das coisas que
associamos tradicionalmente ao ser humano. Na verdade, a raça
humana é algo que deixou de exis�r, uma vez que essas pessoas foram
engendradas pelo Controlador em castas dis�ntas de Alfas, Betas,
Ípsilons e Gamas que são tão distantes umas das outras como os seres
humanos dos animais. Seu mundo tornou-se an�natural no mais
profundo sen�do imaginável, porque a natureza humana foi alterada.
Nas palavras do estudioso da bioé�ca Leon Kass: ‘Em contraste com o
homem reduzido pela doença ou à escravidão, as pessoas
desumanizadas à maneira de Admirável Mundo Novo não são infelizes,
não sabem que foram desumanizadas e, o que é pior, não se
importariam se soubessem. Elas são, na verdade, escravos felizes com
uma felicidade abjeta.” Desse modo, a elite controla a população com
drogas que alteram a mente, com amor livre e lavagem cerebral. A
história se passa em Londres no ano de 2540 – e o romance antecipa
desenvolvimentos em tecnologia reprodu�va, hipnopedia, manipulação
psicológica e condicionamento que se combinam para mudar
profundamente a sociedade.
A propósito dos escravos felizes do “Admirável Mundo Novo”, veja a
opinião do genial escritor francês Gustave Flaubert sobre o alcance da
felicidade: “Três condições são necessárias para alcançar a felicidade:
ser imbecil, ser egoísta e gozar de boa saúde. É preciso deixar claro,
porém, que sem a primeira condição estará tudo perdido”!. Donde se
pode deduzir que Flaubert não �nha o sapiens em alta conta. Nessa
mesma linha, diz uma velha fórmula que a felicidade consiste em nascer
burro, viver ignorante e morrer de repente. Será que é preciso ser pobre
de espírito para alcançar a felicidade? Ou será que as pessoas mais
cul�vadas são mais exigentes e esperam mais da vida? Simples assim: o
excesso de expecta�va é o caminho mais longo para a felicidade.
O sentido da vida na era digital
O leitor que me acompanhou atentamente até aqui deve se lembrar
que no capítulo I – “A Inteligência Ar��cial – Para onde caminha a
humanidade”? – eu me empenhei numa análise compara�va entre
inteligência biológica (IB) e inteligência ar��cial (IA). A IA depende de
algoritmos inteligentes, enquanto a IB (que a�nge o seu mais alto grau
na espécie Homo sapiens) ainda não tem o seu modo de funcionar
inteiramente elucidado. Entretanto alguns especialistas em IA acreditam
que o cérebro humano funciona com algoritmos inteligentes (AI).
Contudo esta opinião não é consensual dentro da comunidade cien��ca
internacional. Se os comportamentos humanos são produzidos e
coordenados por conjuntos de algoritmos, então nós não passamos de
meros robôs! Aqui é imperioso repe�r as palavras de Erich Fromm:”
Ontem o homem corria o risco de ser escravo, amanhã corre o risco de
ser um robô”. Se essa previsão for con�rmada, ela provocará um ruído
no sen�do da vida. A humanidade estará ameaçada. Será que valerá a
pena viver numa sociedade hipertecnológica e desumanizada? É uma
questão ins�gante e de di�cil resposta, porque a nós, impregnados de
valores humanos, nos repugna viver numa sociedade desumanizada.
Mas outra questão é imperiosa: a civilização humana proporciona às
pessoas uma vida boa? Desde o aparecimento do Homo sapiens [há
cerca de 300 mil anos] a vida tem sido um constante desa�o: escapar
dos predadores, violência, guerras, escravidão, dores, medo, fome,
angús�a, depressão, doenças debilitantes... e �nalmente a morte, que
cons�tui a parte nuclear do universo existencial. Diz-se até que na
batalha da vida não existem vencedores, apenas sobreviventes. Os seres
humanos são incapazes de ser felizes no longo prazo. A tal felicidade só
nas horinhas de descuido; na maior parte do tempo a vida é um tédio. O
�lósofo Nietzsche a�rmou:”O des�no do homem está projetado para
momentos felizes, mas não para eras felizes”.
Alguns países da Europa fazem, desde o início do século XXI, uma
sondagem sobre o “índice de felicidade” de seus habitantes (bens de
consumo, qualidade dos serviços públicos, entretenimento...) – seria
melhor nomear essa pesquisa como “índice de sa�sfação”, porque a
felicidade não é um substan�vo mensurável!
Alguns economistas avaliam que o índice de sa�sfação com a vida
aumenta com a renda, isso não signi�ca que o dinheiro compre a
felicidade. Tem até um ditado italiano que diz: “O dinheiro não compra a
felicidade, mas acalma os nervos”.
Como a�ngir a felicidade? Muita gente corre atrás da felicidade
como se ela es�vesse ao nosso alcance num ponto �xo.
Conclusão
Eu abordei, ao longo deste capítulo, várias vertentes do nebuloso
tema “o sen�do da vida”. No preâmbulo, eu �z uma análise crí�ca da
visão tecnocien��ca do mundo. Efe�vamente, a ciência descreve um
mundo de coisas interatuando como se a humanidade não exis�sse.
Esse é o aspecto alienante da ciência, traduzido pela separação sujeito e
objeto: a rei�cação (coisi�cação) do mundo. A seguir coloquei no
mercado das ideias a vertente �losó�ca. Para muitos homens de ciência
a �loso�a está morta. É uma espécie de dinossauro! E mesmo no
âmbito �losó�co, algumas correntes negam que a vida tenha algum
sen�do, enquanto outras – de modo equivocado– apostam no “prazer”
para dar sen�do à vida. Alguns �lósofos defendem uma teoria
reducionista: o sen�do da vida depende da tal felicidade. Na vertente
espiritual-religiosa, o sen�do da vida ingressa na esfera transcendental.
Algumas pessoas adotam como norma de vida uma postura messiânica.
São pessoas obcecadas por um comportamento salvacionista: 1) salvar
os animais (an�-vivissecionistas); 2) salvar os proletários (comunistas);
3) salvar o meio-ambiente (ambientalistas); 4) salvar almas (religiosos)...
Na Era Digital, com os avanços exponenciais da Inteligência Ar��cial,
nós, seres humanos �camos reféns da tecnologia e corremos o risco da
robo�zação crescente ou de nos tornarmos animais domés�cos na
civilização da Machina sapiens.
Qual o sen�do da vida numa civilização Pan-Digital? En�m a vida é
um tédio, mas eu procuro torná-la interessante.
Mas eu não quero concluir este capítulo sem brindar o leitor com a
leitura do magní�co poema de Vicente de Carvalho:
Felicidade
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Efe�vamente, os poetas
conseguem dizer em seus
poemas mais do que os �lósofos
em seus volumosos tratados.
Eu não quero fechar este tema sendo acusado de niilista pelos meus
leitores, de sorte que- no apagar das luzes – procuro me redimir citando
Runbeck, que de modo muito elegante sentenciou: “A felicidade não é
uma estação a desembarcar, mas uma maneira de viajar”. É preciso
saber viajar e estar em estado de graça com o mundo. Ponto.
* O processo Bokanovski é um dos principais instrumentos da estabilidade social do
Admirável Mundo Novo - pois possibilita a produção em série do ser humano
permi�ndo que em um único óvulo sejam fecundados 96 gêmeos, o que acarreta
estabilidade social porque todos têm o mesmo genoma. Através deste processo toda a
comunidade, o que vale dizer homens e mulheres serão idên�cos, padronizados em
grupos uniformes, cons�tuídos de um único embrião.
O ser humano é visceralmente violento e essa tendência remonta a
tempos imemoriais, a saber, desde o processo de hominização da
criatura que nos precedeu . A violência pode se exteriorizar de maneiras
dis�ntas. Pode ser �sica e/ou verbal, ostensiva ou dissimulada, efêmera
ou prolongada, tópica ou disseminada, individual ou cole�va, contra o
patrimônio ou contra a pessoa...
No que tange aos fatores causais, ela é mul�determinada e na sua
gênese podemos encontrar fatores biológicos, psicológicos, sociais,
culturais, econômicos, polí�cos, religiosos ... que agindo de modo
isolado ou conjunto transformam o homem no animal mais violento da
Terra. Embora todas as formas de violência sejam execráveis, a mais
hedionda é a violência contra a vida. E o ser humano consuma um ato
criminoso por mo�vos diversos: simples perversidade, mo�vos
religiosos, polí�cos, econômicos, espor�vos, passionais... O Homo
sapiens, segundo L. F. Veríssimo, não é o único animal que mata seu
semelhante, mas é o único que vende a pele.
Os advogados norte-americanos se u�lizam, cada vez mais, da
chamada neurodefesa com o argumento de que o cérebro lesado é
responsável pelo comportamento violento do criminoso. São, dentro
desta ó�ca, os fatores biológicos gerando a violência. De repente é a
ressuscitação das teses lombrosianas, maquiadas pelos avanços
cien��cos contemporâneos. A natureza violenta do homem é matéria
controversa e comporta muitas áreas de penumbra, zonas cegas e até
buracos negros. Embora façam parte da biologia do ser humano
impulsos agressivos, estes são modulados por mecanismos culturais,
educacionais, psicológicos e sociais. E há até mesmo disposi�vos
biológicos inibitórios da agressividade. Em um cérebro lesado pode
haver liberação de impulsos agressivos da vertente emocional, que
fugiriam ao controle do cérebro racional? É possível, como já foi dito
neste texto: o homem é um gigante do ponto de vista intelectual e um
pigmeu do ponto de vista emocional. Um exemplo nos é dado por um
acontecimento trágico ocorrido na Universidade do Texas, há muitos
anos, quando um jovem subiu em uma torre da escola e a�rou em
todos em seu raio de alcance, matando várias pessoas. Antes disso, ele
manifestara a um médico o temor de não poder reprimir impulsos
violentos em seu ín�mo. Ele foi morto pelas forças de segurança e por
ocasião da autópsia foi detectado em sua amígdala cerebral (estrutura
do cérebro emocional) um tumor altamente maligno. Esta situação é
incomum e pouco pesa [do ponto de vista esta�s�co] nas causas
geradoras do crime. Aqui �ca �pi�cado o crime biológico; o que vale
dizer determinado por uma patologia. Também é polêmico e
superes�mado o potencial agressivo do epilép�co e sua decantada
periculosidade é uma interpretação equivocada, digna da Escola de
Antropologia Criminal criada por Cesare Lombroso. E hoje estão no
centro dos debates teorias que associam o crime a certas caracterís�cas
biológicas do criminoso. Antes eram as caracterís�cas somá�cas
lombrosianas, agora com os avanços da neurociência é a ressonância
magné�ca funcional; antes eram es�gmas morfológicos como o formato
do crânio e do maxilar, agora uma redução da a�vidade no córtex pré-
frontal. Sugere-se até a criação da disciplina de neurocriminologia, com
o obje�vo de estudar o cérebro do criminoso. Inicia�va louvável,
entretanto é preciso cautela e não �rar conclusões equivocadas a
respeito da gênese do crime. A biologização do crime é, muitas vezes,
uma espécie de reducionismo simplista. Certos psicó�cos podem
apresentar um potencial agressivo, com a consumação de atos
criminosos – inclusive contra a vida. Também certos psicopatas podem
invadir escolas ou igrejas e fuzilar tudo o que se mexe à sua frente;
trata-se de grave transtorno da personalidade. Outro argumento
u�lizado para respaldar o crime biológico procura amparo na gené�ca.
Após cometer um ato delituoso, o criminoso [naturalmente orientado
pelo seu advogado] a�rma: -“Eu não sou responsável pelos meus atos,
está tudo inscrito nos meus genes”. Vez por outra, a imprensa no�cia,
com grande impacto, a descoberta do gene do crime, da pros�tuição, da
in�delidade... A gene�zação do comportamento, uma espécie de
reducionismo biológico so�s�cado, me parece inaceitável para explicar
comportamentos complexos. É claro que fatores gené�cos [muitas vezes
modi�cados por fatores ambientais] podem in�uenciar o
comportamento do criminoso. A propósito, é muito pedagógico o
estudo de gêmeos idên�cos (que carregam o mesmo genoma) e seu
comportamento diferente ao longo da vida. De sorte que é um exagero
apostar na “ditadura dos genes” para explicar a origem do mal. Ao se
superes�mar a tese biológica, a causa do crime depende de um “bom”
diagnós�co médico e a solução de uma “boa” terapêu�ca. É a
medicalização do crime! O homem é um subproduto do seu genoma e
de seu meio ambiente, o que vale dizer que ele é [em grande parte]
socialmente construído. Mas o debate con�nua aceso na esfera
�losó�ca com o velho dilema: determinismo versus livre-arbítrio. A
questão que se coloca é a seguinte: Nós somos soberanos em nossas
decisões ou somos determinados por fatores internos/externos?
Embora seja inegável a presença de fatores determinís�cos, eu acredito
no livre-arbítrio. Senão onde �cariam as nossas responsabilidades
morais? Entretanto o determinismo tem muitos defensores e, para eles,
tudo é determinado por leis �sicas e/ou biológicas. É di�cil acreditar
que o homem seja balizado por um determinismo rígido e se comporte
como um mero robô programado para tomar decisões. A�nal nós
somos, ou não, responsáveis por nossos atos? No mundo da �sica
quân�ca predomina o indeterminismo, oque vale dizer que é
impossível determinar o comportamento dos componentes do espaço
quân�co! Na minha opinião, a violência depende mais de uma patologia
social do que de uma patologia biológica.
Certamente mais importantes do que os fatores biológicos, no
comportamento do ser humano, são os fatores psicossocioculturais e
econômicos. O núcleo familiar bem estruturado é fundamental para
formar cidadãos íntegros. Os lares desestruturados ou desfeitos, a
paternidade irresponsável, a violência intrafamiliar com disputa entre os
cônjuges (geralmente violência contra a mulher), com mau-tratos e
espancamento de menores cons�tuem um caldo de cultura para forjar
delinquentes e criminosos. Nessas circunstâncias parece que a família,
na expressão de Silva Brito, é a célula már�r da sociedade. Um menor
abandonado que perambula pelas ruas das grandes cidades torna-se
uma presa fácil das gangues e do crime organizado, que �ram proveito
da inimputabilidade do menor. Principalmente na adolescência, etapa
em que a necessidade de autoa�rmação é muito grande, o menor �ca à
vontade para agredir a sociedade que é o “ins�tuto repressor”.
A violência contra a mulher na sociedade brasileira a�nge níveis
assustadores. A dimensão a�ngiu tal ordem que foi criada na maioria
dos estados da federação a delegacia da mulher e foi aprovada no
Congresso Nacional a Lei Maria da Penha para punir este �po de crime.
Mas este �po de comportamento machista é cultural em nosso meio,
onde a mulher é considerada um ser submisso. Certamente os números
o�ciais da ocorrência são subes�mados porque muitas mulheres não
procuram a delegacia para registrar o bole�m de ocorrência. E parece
que o feminicídio vem aumentando em nosso país.
Os fatores psicológicos também pesam e seguramente a frustração
de desejos é um elemento gerador de agressividade. Essa agressividade
se volta geralmente contra a fonte de frustração ou pode ser transferida
para outro alvo. E numerosas são as fontes de frustração em uma
sociedade hiperconsumista e extremamente compe��va. Nos E.U.A.
chegam a classi�car os indivíduos em ganhadores e perdedores (winners
and losers). O lema é: seja um vencedor, se possível dentro das regras.
São as frustrações econômicas, pro�ssionais, amorosas, espor�vas... Às
vezes, essa agressividade é intraindividual com auto�agelação ou outras
penitências com autoimposição de sofrimentos �sicos (expiação de
culpa, fundamentalismo religioso, promessas para alcançar graças).
Levada ao extremo, essa autoviolência pode culminar com o suicídio
(principalmente nos deprimidos). Os suicídios ocorrem, com maior
frequência, nos períodos de recessão econômica, com desemprego e
insegurança social, em situação de guerra – en�m nos períodos em que
há ameaça real à sociedade (fatores psicossociais). Outro �po de
criminoso, este com um per�l psicopatológico, é o serial killer (assassino
em série). Os crimes são recorrentes, às vezes, com um modus operandi
– o criminoso deixa a sua assinatura na cena do crime, por exemplo:
estupro seguido de estrangulamento. Quase sempre o mo�vo do crime
é psicológico.
É inques�onável que a exclusão social contribui para aumentar a
violência, principalmente a violência urbana. Hoje, seguramente, há um
aumento da violência rurbana (nas cidades e nas zonas rurais).
Entretanto, os polí�cos de esquerda, que nunca descem do palanque
[mesmo quando estão no poder], a�rmam enfá�ca e
monocordicamente que a causa da violência é de natureza social – uma
espécie de patologia social (Isso só mesmo na cabeça de esquerdistas
radicais, sociólogos e antropólogos). Longe de mim negar as causas
sociais (desemprego, péssima distribuição de renda, enormes
desigualdades sociais, não acesso à educação formal...), mas é preciso
reconhecer que a violência é um fenômeno mul�determinado, sob pena
de superes�mar uma causa. Os E.U.A., hoje com uma baixa taxa de
desemprego, são um país com um alto índice de violência. Diz-se que a
violência é tão americana quanto a torta de maçã. Aqui cabe uma
observação: os E.U.A. apresentam índices de violência elevados em
relação a outros países desenvolvidos (Austrália, Alemanha, Canadá,
países escandinavos...) onde os índices são baixos. Entretanto,
comparando com o Brasil os índices norte-americanos são bem mais
baixos. Nos bolsões de pobreza a violência depende da falta de escolas,
de lazer, de habitação, do narcotrá�co, do alcoolismo, do
comportamento machista e até do desemprego. Na visão dos
sociólogos, algumas teorias são postuladas para a explicação da
violência: teoria funcionalista, uma espécie de darwinismo social*;
teoria sistêmica, com ênfase nos desajustes sociais; teoria marxista,
dando prioridade às causas econômicas. Estudos microssociológicos
mostram que o comportamento dos indivíduos é muito diversi�cado e
portanto não cabe na camisa de força de teorias elaboradas nos
laboratórios de sociólogos e �lósofos. Aqui o raciocínio é o seguinte:”A
sociedade prepara o crime. O criminoso o consuma”.
A violência no trânsito é um fato corriqueiro em nosso país. É o
motorista embriagado, é o excesso de velocidade, são os rachas
pra�cados por jovens inconsequentes. E a impunidade impera para esse
�po de crime. Um motorista embriagado que provoca um
atropelamento com várias ví�mas fatais tem seu crime �pi�cado como
culposo e, na maioria dos casos, não é condenado. Ah! Às vezes, recebe
um pena alterna�va (prestação de serviço à comunidade, doação de
cestas básicas...). O cenário da jus�ça no Brasil é, no mínimo,
desanimador.
Os fatores culturais também contribuem para a gênese da violência,
desde as sociedades tribais até as assim chamadas sociedades
civilizadas dos países desenvolvidos. Em certas comunidades culturais
existem prá�cas consagradas – ritos de passagem – que são realizadas
por ocasião do nascimento, adolescência ou casamento. Os jovens são
subme�dos a provas (em geral contundentes) para lhes temperar o
caráter: extração ou incisão de dentes, escari�cação da língua ou do
pênis, depilação, tatuagem, circuncisão, mu�lação do clitóris e outras
tantas realizadas com grande sofrimento para a ví�ma do ponto de vista
�sico e psicológico. Essas prá�cas abomináveis devem ser abolidas em
um mundo civilizado. Nas assim chamadas sociedades civilizadas é
ainda comum a violentação dos direitos das minorias (gays, lésbicas,
traves�s, transexuais, transgêneros, pros�tutas, minorias étnicas); além
também do crime de discriminação racial. Na minha opinião a pior raça
que existe é a do racista. Deve ser ressaltada também a ação deletéria
da televisão, que já faz parte de nossa cultura – talvez ela seja a nossa
cultura. Ela subverte valores, e para �car num exemplo, a televisão é a
interface que transforma a violência em espetáculo. E, por esse
caminho, a televisão promove a banalização da violência, das
catástrofes e das tragédias. A televisão se tornou, no dizer do �lósofo
Karl Popper, um poder colossal; pode até se dizer que ainda é
potencialmente o mais importante de todos, como se �vesse
subs�tuído a voz de Deus. Não há dúvida que a televisão contribuiu [e
muito] para criar a “sociedade do espetáculo” e frequentemente
manipula comportamentos, entretanto me parece que Popper (um dos
maiores pensadores do ´seculo XX) comete equívocos ao propor uma
receita que se confunde com medidas intervencionistas pregadas por
socialistas e comunistas; esse não é o caminho correto. Outro meio de
comunicação eletrônico que propicia atos criminosos é a internet, onde
os hackers e internautas deitam e rolam. É o chamado crime ciberné�co
que já foi abordado em capítulos precedentes deste texto. São as Fake
News, é a invasão da privacidade, a pregação do ódio, o crime
�nanceiro, a divulgação de pornogra�a infan�l... E a sociedade aberta
(democrá�ca) tem di�culdade de lidar com o controle dos meios de
comunicação da era digital, porque ela é incompa�vel com a censura. O
Estado Democrá�co e de Direito se entende mal com a censura, sendo
di�cil coibir certos abusos e até de inves�gar e provar atos criminosos
que ocorrem na internet.Outro fenômeno na violência urbana são as gangues que proliferam
nas grandes cidades: punks, skinheads, torcidas organizadas,
pichadores, a turma do arrastão, dos bailes funks... Agora surgiram os
Blacks blocs nas passeatas e alguns poli�cólogos inconsequentes falam
na “esté�ca da violência” quando se referem a esses baderneiros.
Nunca é demais citar o caso do índio pataxó, queimado por uma gangue
de maiores/menores de classe média, quando dormia numa rua de
Brasília.
A violência do Estado, desde as democracias até as ditaduras
sangrentas, ainda é problema no mundo inteiro. Existe mesmo um dito
popular: “Cuidado com o governo. Ele é perigoso e anda armado”.
Muitos países ainda desrespeitam os direitos fundamentais das pessoas,
de acordo com dados da Anis�a Internacional. Nas ditaduras, todo �po
de violência é perpetrado pelo Estado: desde a eliminação �sica até
tortura, lavagem cerebral, prisão por “delito de opinião”, deportação...
O Estado sovié�co e o nazista foram exemplares neste �po de violência.
Stalin certa vez a�rmou: “uma morte é uma tragédia, cem mil mortes é
uma esta�s�ca”. Temos de reconhecer que o homem �nha um
tremendo know-how nessa matéria. O terrorismo de Estado, amparado
no “direito revolucionário” é capaz de cometer os crimes mais abjetos
desde a Revolução Francesa. Além do extermínio de judeus patrocinado
pelo Estado nazista e dos expurgos de Stalin, Cuba proporcionou um
banho de sangue com o paredón e Pol Pot pra�cou um genocídio no
Camboja. Não podemos deixar de citar as prá�cas violentas da
“revolução cultural” na China comunista, responsável pela morte de
milhares de pessoas. Também nos Estados modernos e democrá�cos as
forças de repressão ao crime (polícia) , às vezes cometem excessos
violentando os direitos humanos. Não é infrequente que maus policiais
sejam cooptados pelo crime organizado (milícias) e coloquem o seu
know-how a serviço da delinquência. Por outro lado, bons policiais são
ví�mas de violência e muitos sucumbem na luta contra o crime.
Também a violência no sistema prisional é um dos problemas sérios
em muitos países do mundo, par�cularmente no nosso, onde são
comuns rebeliões nos presídios. A situação do preso é desumana e a
prisão ao invés de recuperar o prisioneiro, é uma e�ciente escola do
crime. Nas prisões vigora a lei do cão, com as mais diversas violentações
de presidiários por seus companheiros, chegando até à eliminação �sica
de condenados (con�itos por hegemonia de facções criminosas, dentro
e fora da prisão, promiscuidade sexual, drogas...). Hoje as facções
criminosas, que comandam o crime organizado (trá�co de drogas,
contrabando de armas), são muitas em vários presídios do país. Aqui
também se faz sen�r o braço do Estado: os presídios e as cadeias estão
permanentemente superlotados (talvez sejam piores do que as
masmorras da Idade Média). O Brasil tem hoje a terceira população
carcerária do mundo (só atrás dos Estados Unidos e da China). En�m, o
nosso sistema prisional é perverso e não há polí�cas públicas no sen�do
de reverter essa situação. Começa �midamente a priva�zação de alguns
presídios no país, através de parcerias público-privadas. A ver se essas
experiências possam decolar, porque o sistema vigente é uma catástrofe
(para mais detalhes sobre o sistema prisional consultar meu livro “A
Aventura Humana em Miniensaios”).
Por outro lado, a pena de morte vigora em nosso país por meio da
ação de grupos de extermínio, esquadrões da morte, mílicias,
jus�ceiros, jagunços e pistoleiros de aluguel. Este poder policial paralelo
ensanguenta diariamente a vida de brasileiros e já faz parte da ro�na
das páginas dos jornais e dos telejornais.
A estrutura agrária brasileira é profundamente iníqua e responde
por uma violência crescente no campo. De um lado o MST, en�dade
ideologizada que incen�va a invasão de terras (mesmo produ�vas) e
promove atos de depredação nas propriedades invadidas. Na outra
ponta, os proprietários que contratam pistoleiros para assassinar
camponeses e também para fazer frente às invasões. La�fúndio
improdu�vo versus obje�vos polí�cos do MST é um verdadeiro abacaxi
para o governo descascar. Também nos grandes centros urbanos esta
situação se reproduz com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
(MTST), en�dade ideologizada que promove a invasão de propriedades
(desrespeitando o direito de propriedade) causando tumulto e violência
para a reintegração de posse.
Uma tradição de impunidade tem um peso importante na escalada
de violência em nossa sociedade. O nosso aparelho judiciário é moroso,
obsoleto e inoperante e responde, em parte, pela superpopulação
carcerária do nosso sistema prisional.
Cabe também um breve comentário sobre a ação da imprensa na
vida do cidadão comum ou do homem público. Por um preceito
cons�tucional está assegurada no Brasil a liberdade de expressão, de
comunicação e de informação jornalís�ca, sem qualquer restrição. Mas
estão garan�dos também os chamados direitos da personalidade; o
direito à in�midade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Uma retórica muito ar�culada, mas que tem se revelado inexequível na
prá�ca. Os exemplos de mau comportamento dos meios de
comunicação (principalmente nestes tempos de internet) se sucedem
aqui e em outros países. É o poder �rânico da imprensa no mundo
contemporâneo: ele condena, absolve, promove linchamento moral e
até assassinato polí�co e/ou civil de suas ví�mas . Os meios de
comunicação (imprensa escrita, falada, televisada e internet) com certa
frequência promovem um jornalismo espetáculo e mandam às ur�gas a
é�ca. A imprensa, algumas vezes, estupra a verdade e os estragos
provocados pelo chamado crime de imprensa são pra�camente
irreparáveis. Vejam o que dizia Tocqueville: os excessos come�dos pela
liberdade de imprensa devem ser reparados com mais liberdade de
imprensa. De acordo com o terceiro presidente americano, Thomas
Je�erson, “ a Cons�tuição tem que garan�r que a imprensa seja livre,
não que ela seja boa”. De qualquer modo, as ví�mas dos excessos da
imprensa podem recorrer aos tribunais.
A violência sexual explode no mundo inteiro, principalmente contra
o menor e a mulher. A pedo�lia, que sempre exis�u, hoje é até atração
turís�ca nos países pobres. O nosso país está no circuito do turismo
sexual. A violação sexual do menor adquiriu “status” e já chegou à
internet. Também a Igreja Católica está encrencada com as denúncias
de abusos de menores pelos sacerdotes da Igreja. Contra a mulher é o
famigerado estupro (que pode ser seguido de morte), que além de
crime hediondo pode engravidar a ví�ma e/ou contaminá-la com o vírus
da AIDS. Também é preciso considerar a violência contra o feto: desde
manobras abor�vas até o aborto consumado, passando pelo uso de
drogas ilícitas pelas gestantes ou de medicamentos potencialmente
agressivos ao concepto; até o tabaco e bebidas alcoólicas podem
prejudicar o ser em formação e desprotegido.
O crime organizado (Má�a, cartéis do narcotrá�co, contrabandistas
de armas, facções criminosas nos presídios...) é um dos negócios mais
rentáveis do mundo moderno e uma das ins�tuições mais violentas para
a sociedade. Ele pra�ca todos os �pos de crime imagináveis:
assassinatos, cooptação do menor para o crime, crimes sexuais,
contrabando de armas, chantagem, trá�co de drogas, extorsão,
sequestros, trá�co de mulheres..., além do que promove nos
dependentes de drogas um efeito mul�plicador da violência.
A violência e o desemprego são, hoje, os grandes vilões da sociedade
brasileira. O cidadão vive imprensado entre uma polícia despreparada
(com uma tradição de arbitrariedades e de prá�cas violentas) e mal
remunerada e um aumento assustador de delinquentes que perpetram
todos os �pos de crime imagináveis. As famílias de estratos sociais
superiores vivem, nas grandes cidades, em verdadeiros bunkers,
trafegam em carros blindados e estão permanentemente em alerta
porque podem sofrer um assalto ou um sequestro no próximo
semáforo, em plena luz do dia. Já as famílias dos estratos inferiores, que
habitam favelas ou bairrosperiféricos, têm que conviver com a violência
intra e extramuros. As pessoas caminham no �o da navalha e o viver
está balizado pela lógica da roleta russa. É a bala perdida, é o crime de
trânsito, é o assalto no semáforo, é o arrastão na praia, é o estupro na
volta da escola, é a violência domés�ca... É preciso que a sociedade
organizada cobre do poder público polí�cas de segurança com maior
e�ciência no combate à criminalidade, mas é preciso também que a
sociedade se engaje por meio de en�dades civis e de soluções cria�vas,
com o obje�vo de minimizar os fatores geradores de violência.
O terrorismo é um dos crimes mais hediondos do mundo
contemporâneo. Embora o terrorismo não seja um fenômeno novo e
venha sendo pra�cado, de modo mais ou menos sistemá�co desde o
século XIX, é inques�onável que no mundo contemporâneo ele
contribui para uma mudança de paradigma dos con�itos bélicos. A
guerra convencional está se tornando obsoleta e a catástrofe nuclear
�ca adiada sine die. No modelo bélico terrorista, o inimigo não tem face
e transforma-se numa espécie de ser incorpóreo e oculto. Ninguém
sabe como, quando e onde vai atacar. É a frustração da superpotência,
preparada para a guerra nas estrelas, e é o desempenho, até certo
ponto modesto, da alta tecnologia diante das estratégias invisíveis dos
inimigos, que se valem da informação boca a boca [ou pelas redes
sociais] , dos homens e/ou mulheres- bomba, indo até as intrincadas
operações �nanceiras que lhes dão suporte. É preciso conhecer muito
bem o inimigo, seus costumes, suas crenças, sua língua... para lhe dar
combate; é a guerra da inteligência, que exige um longo adestramento
contra as correntes fundamentalistas.
Mas, voltando ao velho e atual terrorismo observamos que a galeria
dos faná�cos é imensa, como também o grau dos fana�smos. Assim
temos os faná�cos messiânicos, os revoltados, os iconoclastas, os
apocalíp�cos, os integrados, os már�res e tantos outros. O grande
faná�co é capaz de incendiar o mundo pelas suas causas, portanto ele
pode ser de alto risco. Os exemplos da história recente nos têm
mostrado este �po de insanidade: é o terrorista do ETA, é o Kamikase, o
Bonzo vietnamita a virar tocha humana, o membro do IRA a fazer greve
de fome e, nos dias de hoje, o terrorista islâmico a amarrar uma bomba
em seu corpo e se lançar contra um alvo inimigo. São recrutados até
menores e mulheres para perpetrarem esses atos insanos. Isso signi�ca
que o fundamentalista, além de risco para a sociedade, acaba se
tornando um risco para si mesmo. Na opinião do �lósofo Cioran, o
faná�co é incorrup�vel: se ele mata por um ideal, pode igualmente
morrer por ele. Nos dois casos, �rano e/ou már�r, é um monstro. O
faná�co não vê o que é, vê o que quer ver. Nessa ó�ca, a própria razão
enlouquece quando fechada sobre si mesma. Não há como jus��car a
insanidade terrorista.
Como foi dito, o terrorismo não é um fenômeno novo – vem sendo
pra�cado há séculos, mas assumiu proporções catastró�cas nas úl�mas
décadas. O velho terrorismo calibrava bem suas ações e o nível de
violência. Queria espalhar o terror e chamar a atenção (colocar o ato
numa vitrine), mas não chocar a ponto de provocar uma reação nega�va
na opinião pública. Buscava com isso não perder o apoio dos
simpa�zantes. As ações , às vezes, resumiam-se ao assassinato de um
Grão-Duque ou de um Presidente. O novo terrorismo é mais ambicioso
e caracteriza-se pelo enorme número de ví�mas fatais e inocentes e
também procura a�ngir alvos simbólicos (por exemplo: Torres Gêmeas –
Pentágono) através de ataques suicidas. Além do que, o terror do
Estado Islâmico proporciona um show macabro para o mundo através
da exposição nas mídias (televisão, redes sociais) das ví�mas ajoelhadas
antes da consumação da decapitação; às vezes, as ví�mas são
queimadas dentro de uma jaula e o ato é devidamente documentado
através de �lmes e divulgado para o mundo. E nessa guerra, sem
batalhas convencionais, começa a se desenhar uma nova forma de
terrorismo através do uso de produtos químicos e bacteriológicos; é o
temível bioterrorismo. E, além das armas químicas e biológicas, os
terroristas pretendem o domínio das armas nucleares, certamente para
incendiar o mundo.
A violência a�nge o seu paroxismo no terrorismo, nas revoluções
armadas e nas guerras. As guerras acontecem desde os primórdios da
humanidade. Primeiro vieram as guerras tribais da Pré-Historia, depois a
Guerra de Tróia, a de Esparta contra Atenas, a Guerra do Peloponeso, as
guerras de conquista de Alexandre – o Grande – a formação do Império
Romano, Gêngis Khan, as Invasões bárbaras, as Cruzadas, a Revolução
Francesa, que desembocou no bonapar�smo, e que ensanguentou a
Europa, a nossa Guerra do Paraguai – episódio nada edi�cante da
história do Brasil – a Guerra Civil Espanhola, e depois os grandes
con�itos mundiais (1914-1918 e 1939-1945), as guerras pós-con�itos
mundiais (como a Guerra da Coreia e a Guerra do Vietnã) e o ciclo das
revoluções modernas (Russa, Chinesa, Cubana), além das guerras de
libertação das colônias. Esta é uma lista modesta dos principais
confrontos bélicos da história da humanidade. A guerra a�ngiu o seu
clímax de estupidez com Hiroshima e Nagasaki. Toda guerra é um crime
contra a humanidade, mas a guerra atômica foi megadose. No exato
momento em que escrevo este texto (2019) estão acontecendo guerras
em vários pontos do planeta: Síria, Iêmen, Sudão do Sul, Iraque,
Afeganistão, Rússia vs Ucrânia, Turquia vs Curdos, Israel vs Pales�na,
Índia vs Paquistão... Quando o nazismo e o fascismo foram derrotados
na segunda Guerra Mundial e algum tempo depois, caiu o Muro de
Berlim e a União Sovié�ca foi ex�nta, houve uma certa euforia no
mundo e a expecta�va de um longo período de paz. Mas os interesses
geopolí�cos falaram mais alto e então começou a “batalha” pelas áreas
de in�uência das grandes potências (E.U.A., Rússia, China, União
Europeia) e se intensi�cou o terrorismo patrocinado pelo Estado
Islâmico. O Homo sapiens não cria juízo meesssmo e temos que
conviver, em pleno século XXI, com os banhos de sangue e a tragédia
dos refugiados procurando asilo nos países do Ocidente. A guerra é
sobretudo um crime contra a humanidade.
Na Era Digital começam a ocorrer transformações radicais nas armas
e tá�cas bélicas. A guerra convencional – com a presença da infantaria,
carros blindados, fuzis, granadas... – vai �cando obsoleta. A ciberguerra
ou guerra ciberné�ca é uma modalidade de guerra onde a
con�itualidade não ocorre com armas �sicas convencionais, mas através
da confrontação com meios eletrônicos e informá�cos no chamado
ciberespaço. Hoje um soldado so�s�cado, do ponto de vista tecnológico
(cibersoldado), �ca confortavelmente sentado numa sala espiando “os
inimigos” a uma distância de milhares de quilômetros e os fulminam
através de ciberarmas (que são drones: pequenas aeronaves não
tripuladas que disparam mísseis).Lamentavelmente, muito inocentes
sucumbem nessa guerra tecnológica (são os “danos colaterais” – muitos
civis que morrem ao lado de militares). Esse cibersoldado, no �m de um
dia de trabalho, volta para o aconchego do lar para beijar os �lhos. Até a
nomenclatura mudou – hoje se fala de ciberguerra, ciberarmas,
cibercomando, ciberdefesa... A propósito, fala-se de uma guerra de
computadores via internet (Cyberwar) com o obje�vo de paralisar os
inimigos com um ataque digital. A ameaça é complexa, mul�facetada e
potencialmente dramá�ca. As sociedades modernas são informa�zadas,
com quase todos os sistemas conectados à internet, o que pode
proporcionar aos inimigos avenidas de ataque. Em uma guerra dessa
natureza, os meios de transporte, o sistema bancário, re�narias,
sistemas de controle do tráfego, hospitais, usinas elétricas seriam
paralisados e isso levaria ao caos total.
Os ciberataques sofridos pela Estônia em 2007, evidenciaram como
uma economia e serviços públicos da era digital podem sofrer graves
anomalias de funcionamento ou até �carem temporariamente
indisponíveis. De sorte que quanto mais informa�zado for um país mais
vulnerávelmas eles serão
nossos �lhos”.
Wilson L. Sanvito: “As criaturas, com certa frequência, se voltam
contra o criador”.
James Watson:”Ninguém tem coragem de dizer, mas, se pudéssemos
fazer seres humanos melhores sabendo como acrescentar genes, por
que não o faríamos?
Richard Feynman: “Os princípios da �sica, até onde posso ver, não
negam a possibilidade de manipular coisas átomo por átomo”.
Horst Stormer: “A nanotecnologia nos deu os instrumentos para
brincar com a úl�ma caixa de brinquedos da natureza – átomos e
moléculas. Tudo é feito com eles, e as possibilidades de criar novas
coisas parecem ilimitadas.
Carl Sagan: “Nós nos demoramos tempo su�ciente nas praias do
oceano cósmico. Estamos prontos �nalmente para içar velas até as
estrelas”.
Cícero Buark; “A vida é uma lição que a maioria vive e não aprende”.
Wilson L. Sanvito: “Dissonância comportamental – Uma forte
emoção vive às turras com a razão”.
Wilson L. Sanvito:”A vida é um jogo de xadrez e é preciso
desenvolver estratégias para movimentar bem as peças e não levar
xeque-mate”.
Wilson L. Sanvito:”Re�exão de um pré-embrião congelado – Na era
da tecnologia da reprodução e das pesquisas com células-tronco
embrionárias, a tragédia de alguns seres tem início no momento da pós-
concepção. Ser ou não ser: eis a questão”.
Hannah Arendt e Günter Anders: “Na a�vidade do mundo chamada
‘tecnologia’ é que a história está acontecendo: a tecnologia tornou-se o
‘sujeito’ da história, na qual somos apenas seres co-históricos”.
Le Nouvel Observateur – “Va-t-on modi�er l’espèce humaine”: “A
explosão das biotecnologias semeia confusão e con�itos. A tendência é
confundir o homem e o animal, o homem e a mulher, a reprodução e a
�liação, o pai e a mãe, o ú�l e o justo, o desenvolvimento
tecnocien��co e o progresso”.
William James; “God may forgive our sins, but the nervous system
never does”.
Wilson L. Sanvito: “Descerebrada – a ciência não tem sujeito, é uma
espécie de corpo sem cabeça. Daí a importância da ‘camisa de força’ da
bioé�ca para impor limites – nem tudo o que pode ser feito, deve ser
feito”.
Wilson L. Sanvito: “O homem é um ser desbalanceado – gigante do
ponto de vista intelectual, pigmeu do ponto de vista emocional”.
Wilson L. Sanvito: “Falta de sintonia – o tecnossaber nem sempre
caminha junto com a tecnoé�ca”.
Daniel Hill: “Prezo meu corpo, como todo mundo, mas se puder
chegar aos 200 anos com um corpo de silício, eu topo”.
Jacob Bronowski; “Somos uma civilização cien��ca (...) isso signi�ca
uma civilização em que o conhecimento e sua integridade são cruciais.
Ciência não é nada mais que uma palavra que vem do la�m e quer dizer
conhecimento (...) Conhecimento é o nosso des�no”.
General Omar Bradley: “Se con�nuarmos a desenvolver a tecnologia
sem sabedoria ou prudência, o servo pode passar a ser carrasco”.
Max Planck: “A ciência não pode resolver o mistério de�ni�vo da
natureza porque, em úl�ma análise, nós somos parte do mistério que
estamos tentando resolver”.
Wilson L. Sanvito: “Sem sen�mentos o computador computa tudo,
só não computa dor”.
Anônimo: “A informá�ca chegou para resolver problemas que antes
não exis�am”.
Anônimo: “Os computadores podem resolver qualquer problema do
mundo, exceto o desemprego que eles criam”.
James Watson: “An�gamente pensávamos que nosso futuro estava
nos astros. Agora sabemos que ele está nos genes”.
Niels Bohr: “Quem não �car chocado com a teoria quân�ca não a
compreendeu”.
Arthur C. Clarke: “Duas possibilidades existem: ou estamos sozinhos
no universo ou não estamos. Ambas são igualmente aterradoras”.
Wilson L. Sanvito: “O sistema e os grupos etários – Os jovens
contestam o sistema; Os de meia-idade namoram o sistema; Os
maduros se acasalam com o sistema”.
Michio Kaku: “No passado, os biólogos aprendiam sobre a vida
analisando o interior de espécimes (isto é, in vivo); no úl�mo século,
eles aprenderam a estudar a vida no vidro (isto é, in vitro); No futuro,
estudarão a vida através dos computadores (isto é, in silico)”.
Wilson L. Sanvito:”Em outros tempos podia-se dizer –‘Quanta utopia
cabe dentro da �loso�a´; porque os �lósofos eram os grandes
fabricantes de utopias. Nos tempos de hoje podemos dizer – ´Quanta
utopia cabe dentro da tecnologia´; porque os tecnólogos são os grandes
fabricantes de utopias do mundo digital”.
Wilson L. Sanvito: “O tempo cura tudo – �ques, pigarro até mal de
amor... – o tempo só não cura a velhice”.
Anônimo: “A única pro�ssão que não goza de aposentadoria é a de
pensador”.
Honoré de Balzac: “A igualdade pode ser um direito, mas nunca será
um fato”.
Konrad Adenauer: “A história é a soma de tudo o que poderia ser
evitado”.
Cli� Stoll: “Dado não é informação; informação não é conhecimento;
conhecimento não é sabedoria”.
Fernando Pessoa: “A �loso�a é a lucidez intelectual chegando à
loucura”
Wilson L. Sanvito: “O marxismo é uma espécie de ‘camisa de força da
história’ – não mostra a história como ela é, mas como deveria ser”!
Jacques Ru�é: “Se a biologia é nossa raiz, a cultura é nosso des�no”.
Claude Lévi-Strauss: “ O mundo começou sem o homem e acabará
sem ele”.
Wilson L. Sanvito: “Os riscos da tecnociência – A ciência reivindica o
monopólio do conhecimento; a tecnologia reivindica o monopólio da
e�ciência. E as duas juntas, sob o rótulo de tecnociência, exigem um
cheque em branco da sociedade para fazer o que der na veneta”.
Karl Marx: “Se a aparência se confundisse com a essência não
exis�ria a ciência”.
Richard Powers:” Acreditamos que a tecnologia resolverá nossos
problemas, quando ela é a causa de catástrofes”.
Mark Twain: “O homem é o único animal que se ruboriza, ou que
tem necessidade de se ruborizar”.
Warren McCulloch: “O cérebro se parece com o computador, mas
não existe um computador que se pareça com o cérebro”.
Antonio Gramsci: “Não ataquem os tanques e nem combatam os
soldados , corrompam as mentes”.
Wilson L. Sanvito: “... lembrando aos vivos que o nosso grande
laboratório é a vida, na qual realizamos experimentos com todos os
sen�mentos”.
Confúcio: “Escolhe um trabalho que amas e jamais terás de trabalhar
um dia em tua vida”.
Wilson L. Sanvito: “Na era digital �cou mais fácil lidar com as
emoções: basta estampar os emojis.”
Oliver Wendell Holmes: “A mente humana, uma vez ampliada por
uma nova ideia, nunca mais volta ao seu tamanho original.”
Paul Valéry: “O futuro não é mais o que era”.
Wilson L. Sanvito: “Na vida tudo é passageiro, menos a velhice”.
Wilson L. Sanvito: “ Os espelhos ao invés de mostrar re�exos,
deveriam despertar re�exões”.
Claude Bernard: “Quem não sabe o que procura não interpreta o
que acha>”
Wilson L. Sanvito: “O mundo está celebrando o �m da Idade Média e
o início da Idade Mídia”.
Anônimo: “Existem gênios sem estudo e idiotas com diploma”.
Toshiharu Ito: “Em sua forma suprema, os robôs não serão nem
escravos nem adversários da humanidade, mas a própria humanidade,
trans�gurada. Os seres humanos não serão suplantados pelos robôs:
vão se tornar robôs”.
Frank Vezze�: “Admiro quem tem inteligência acima da Mídia”.
Paul Valéry: “Quem não pode atacar o argumento ataca o
argumentador”.
P.S. – Este preâmbulo – quebrando o protocolo – é longo, pela minha
absoluta incapacidade de fazê-lo curto.
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Prefácio Necessário
Preâmbulo em Frases
Capítulo 1 
A Inteligência Ar��cial – Para Onde Caminha a Humanidade?
Capítulo 2 
O Novo Desa�o Ludita
Capítulo 3 
Idiotas Digitais
Capítulo 4 
Carros Autônomos
Capítulo 5 
Rumo a uma Sociedade Psicocivilizada
Capítulo 6 
A Contratecnologia
file:///C:/Users/annes/AppData/Local/Temp/calibre_mcmnf37r/z08c3dy4_pdf_out/OEBPS/Text/capa.xhtml
Capítulo 7 
As Utopias Tecnotrônicas
Capítulo 8 
O Fuzzy e o Techie
Capítulo 9 
O Cérebro Quân�co
Capítulo 10 
Pensar a Cultura no Mundo Contemporâneo
Capítulo 11 
Repensando o Sen�do da Vida na era Digital
Capítulo 12 
Violência: Um Tema Revisitado da An�guidade à Era Digital
Capítulo 13 
A Utopia do Ócio
Capítulo 14 
Epílogo
Post Scriptum – A Galáxia de Gutenberg
Leiturasele é a um ciberataque.
O uso de vírus, para confundir o sistema de ciberdefesa dos inimigos,
pode ser uma estratégia da cyberwar. O vírus não se reproduz e
autoex�ngui-se em 36 dias para impedir ou di�cultar a sua detecção.
O “drone assassino” – que é chamado de predador – pode também
ser ú�l na vigilância e espionagem. Também robôs são úteis na
cyberwar para desempenhar funções de espionagem, vigilância,
iden��cação de alvos e reconhecimento.
As ações da ciberguerra para prevenir e punir ciberataques estão
longe de obter consenso internacional. Isto ocorre não só, pela
complexidade técnica e jurídica das questões levantadas, como porque
o uso de ciberarmas pode ser uma opção interessante, de guerra
assimétrica, para os países tecnologicamente desenvolvidos.
Existe guerra justa? Não sei! Talvez contra Hitler, que em nome de
uma tese absurda e perversa queria dominar o mundo. Talvez as guerras
libertárias do jugo do colonialismo ou as guerras defensivas (quando um
pais é invadido). De qualquer maneira é muito di�cil jus��car uma
guerra. Lembro aqui as palavras, talvez ingênuas, mas de impacto, de
Maupassant: “Qualquer governo tem tanto o dever de evitar a guerra
quanto o capitão de um navio de evitar o naufrágio”. É sempre melhor
uma paz injusta do que uma guerra justa. Por outro lado, o presidente
guerreiro John F. Kennedy a�rmou: “A humanidade deve acabar com a
guerra; ou a guerra acabará com a humanidade”. Já o teórico militar
prussiano Karl von Clausewitz a�rmou: “A guerra é a con�nuação da
polí�ca por outros meios”.
Para mim os grandes heróis de guerra são os sobreviventes. Salve a
paz! Abaixo a guerra!
* O darwinismo social foi uma tese encampada por alguns pensadores no século XIX,
entusiasmados com darwinismo biológico. Entretanto essa tese é uma catástrofe e um
atraso, pois postula que é natural um mundo de ganhadores e perdedores no
capitalismo. O capitalismo moderno rechaça essas ideias.
O termo utopia é derivado do grego e signi�ca “lugar que não
existe”. Foi criado por Thomas More, cuja Utopia (1516) descreve um
país ideal, onde a propriedade é cole�va, os interesses individuais
cedem lugar ao bem comum, a educação e a tolerância são universais.
Essa sociedade harmônica e perfeita não existe, mas em nome dela
muitas cabeças têm rolado, muitas guerras e revoluções têm sido feitas,
muitas injus�ças têm sido come�das. As utopias são perfeitas na teoria
e perversas na prá�ca. René Dubos chama as utopias de sonhos da
razão. Talvez um psiquiatra coloque o rótulo de delirante em todo
cidadão que tenha pretensão de reformar o mundo. Seria realmente um
devaneio a modelização de uma sociedade perfeita? Os poetas, os
�lósofos e os tecnólogos (na era digital) são grandes fabricantes de
utopias. En�m, são as utopias necessárias? Os versos do escritor
uruguaio Eduardo Galeano tentam responder a essa minha indagação:
“Para que serve a Utopia?/ Ela está diante do horizonte./ Me aproximo
dois passos e ela se afasta dois passos./ Caminho dez passos/ e o
horizonte corre/ dez passos mais à frente./ Por muito que eu caminhe/
nunca a alcançarei./ Para que serve a Utopia?/ Serve para isso: para
caminhar.
Vale a pena reproduzir um trecho do livro de Vargas Llosa – “O
Chamado da Tribo” – sobre utopia. Vamos a ele: “Todas as utopias
sociais – de Platão a Marx – par�ram de um ato de fé: que os ideais
humanos, as grandes aspirações do indivíduo e da cole�vidade são
capazes de se combinar, que a sa�sfação de um ou de vários desses �ns
não é obstáculo para materializar também os outros. Talvez nada
expresse melhor esse o�mismo que o rítmico lema da Revolução
Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. (...) A revelação mais
inesperada – que ainda hoje muitos se negam a aceitar – foi que tais
ideais se repeliam entre si a par�r do instante em que se passava da
teoria à prá�ca; de que, em vez de se apoiarem mutuamente, eles se
excluíam. Os revolucionários franceses descobriram, assombrados, que
a liberdade era uma fonte de desigualdades e que um país onde os
cidadãos gozassem de uma total e amplíssima capacidade de inicia�va e
governo de seus atos e bens seria, mais cedo ou mais tarde, um país
cindido por numerosas diferenças materiais e espirituais. Assim, para
estabelecer a igualdade não haveria outro remédio senão sacri�car a
liberdade, impor a coação, a vigilância e a ação todo-poderosa e
niveladora do Estado. Que a injus�ça social seja o preço da liberdade e a
ditadura, da igualdade – e que a fraternidade só possa se concre�zar de
forma rela�va e transi�va, por causas mais nega�vas do que posi�vas,
como no caso de uma guerra ou cataclismo que aglu�ne a população
num movimento solidário – é algo lamentável e di�cil de aceitar”. Esta
longa citação explicita a teoria das “verdades contraditórias” do
pensador Isaiah Berlin, onde ele postula que nem todos os valores são
compa�veis e de onde extrae argumentos poderosos e originais a favor
da liberdade de escolha e do pluralismo ideológico. Na prá�ca, as
utopias se transformam em distopias.
Nesta altura do texto eu quero recuperar um ensaio que publiquei
no meu livro “Ensaios Nada Convencionais” em 2017, in�tulado “A
Utopia do Ócio”.
Deu no jornal: “A agência Dentsu, gigante do mercado publicitário do
Japão, assinou ontem sua ‘rendição’ em uma batalha judicial que deve
marcar época. A empresa anunciou que pagará indenização de U$1,6
milhão para os pais de Ichiro Oshima, funcionário que se suicidou em
1991, aos 24 anos, estressado e deprimido pelo excesso de trabalho. Na
época, os pais do jovem denunciaram que ele passara 17 meses sem um
único dia de folga, cumprindo uma jornada semanal de 80 horas. Por
vezes, seus turnos iam das 9 horas às 6 horas da manhã seguinte. O
rapaz dormia entre meia hora e duas horas e meia por noite. “ (Jornal
da Tarde 24/06/2000).
O caso de Ichiro tornou-se emblemá�co de um �po de problema
que, pela sua rela�va frequência no país, deu origem a um neologismo –
karoshi – criado para se referir a alguém que “morreu de tanto
trabalhar”. O advogado da família do jovem morto colheu os frutos da
vitória. Ele criou uma linha telefônica especial em seu escritório para
atender os casos de karoshi e só no primeiro mês recebeu 206
chamadas. O karoshi foi reconhecido o�cialmente em 1994, quando
foram registradas 32 mortes por excesso de trabalho e em 1998, 90
mortes.
No Ocidente, esse �po de comportamento tem o nome de “assédio
moral”, que signi�ca submeter um subordinado a um constrangimento
de modo reiterado – através de perseguição, humilhação ou de outras
condutas inadequadas. O assédio moral pode ocorrer numa empresa
entre chefe e subordinado ou entre colegas. Muitas vezes os casos vão
além das relações interpessoais e o assédio moral faz parte da gestão de
determinadas empresas. Hoje, não há país civilizado que não disponha
de alguma legislação sobre este �po de assédio.
Outro quadro, descrito no Ocidente, é a chamada síndrome de
Burnout (do inglês burn out – signi�cando queimar por completo). É um
quadro de esgotamento pro�ssional e foi denominado de Burnout pelo
psicanalista nova-iorquino Freudenberger, após constatá-lo em si
mesmo no início da década de 1970. Além de problemas de ordem
psicológica (par�cularmente depressão do humor), a pessoa apresenta
forte desgaste �sico determinado por fadiga e exaustão.
O grande escritor norte-americano William Faulkner disse certa vez:
“É triste saber que a única coisa que se pode fazer 8 horas seguidas é
trabalhar. Ninguém consegue comer, beber ou fazer amor 8 horas
seguidas!
O vocábulo “trabalhar” deriva do la�m tripaliare, cujo substan�vo
tripalium era um instrumento de tortura formado por três paus, ao qual
eram amarrados os condenados. Portanto, não causa admiração, a
associação do trabalho com tortura ou cas�go.
Penso que devo fazer um recuo para ver como as coisas evoluíram
desde o paraíso adâmico. Para alguns o trabalho é uma espécie de
maldição bíblica, pois ao cometer o pecado original o homem foi
obrigado a ganhar a vida com o suor do seu rosto. Mas passando dalenda para o terreno substan�vo, é imperioso analisar como o ser
humano vem lidando com as suas tarefas desde tempos imemoriais.
O homem primi�vo que era, ao mesmo tempo, presa e predador,
para sobreviver teve que adotar estratégias de caçador para obter o
alimento e defensivas para neutralizar a ação de seus predadores. Além
da caça e da pesca, ele era também coletor e apanhava o dado pela
natureza (frutos e hortaliças silvestres). Na sua trajetória evolu�va ele
vai decantando experiências e aprende a construir ferramentas e
utensílios para melhor realizar as suas tarefas da vida diária. Com a
descoberta do fogo, o homem passa do trabalho manual para o
artesanal. Era o nascimento da técnica. O Homo faber estava pronto e
ele nunca mais parou de trabalhar. Em uma etapa subsequente , o
homem que era nômade e habitava cavernas, começa a se �xar na terra
e constrói habitações toscas. En�m, torna-se sedentário e desenvolve
uma a�vidade agropastoril através do cul�vo do solo e da domes�cação
de certos animais. No início o trabalho representava uma a�vidade de
sobrevivência para ele e seu clã e, com o tempo, passou a ter
desdobramentos que veio a gerar um sistema de trocas e depois o
comércio. A a�vidade comercial deu origem às pequenas vilas (burgos)
e o trabalho foi se organizando e diversi�cando.
Estava aberto o caminho para as cidades-estado e depois para as
nações e daí surgiu o feudalismo, o mercan�lismo e a era industrial e
novas modalidades de trabalho surgiram. A era industrial caracteriza-se
pelo uso da máquina, que amplia muito a força de trabalho do homem e
transforma com mais profundidade a natureza – a matéria-prima que o
ser encontra em seu meio ambiente. De sorte que a revolução industrial
gerou estratégias para aumentar a produ�vidade no trabalho
(taylorismo, fordismo) e as primeiras manifestações contra as máquinas
que levam ao desemprego (movimento ludita). Surgem os fenômenos
próprios da civilização industrial: a questão social, a urbanização
crescente, o consumismo produ�vista, os problemas demográ�cos e de
habitação, as revoluções polí�cas e sociais. A máquina não transformou
somente a matéria-prima, mas também a sociedade e seus valores. Esta
forma de sociedade persegue a e�ciência, o que signi�ca um aumento
da produ�vidade a baixo custo. Ela é perversa e explora a mão de obra
ad nauseam: é o capitalismo selvagem, que vigora nos séculos XVIII e
XIX e nas primeiras décadas do século XX. Pior do que isso só o trabalho
escravo que imperou em certos períodos da história. O lema dessa fase
é o seguinte: a maioria vive para trabalhar, muitos trabalham para
sobreviver e poucos vivem do trabalho de muitos.
Nos diversos períodos da história da sociedade, o homem tem
enfrentado jornadas de trabalho de 16 até 18 horas por dia, domingo a
domingo durante quase o ano inteiro. Houve períodos da história, em
que o indivíduo nascia para trabalhar, pois além da longa jornada de
trabalho ele morria prematuramente e não dispunha de estatutos legais
para gozar do seu período de descanso no �m da vida. Nesses períodos
(feudalismo, mercan�lismo, capitalismo selvagem) começa a haver um
confronto das classes dominantes com a Igreja, pelo não respeito aos
feriados religiosos e ao próprio domingo (dia de missa e descanso). Com
a organização dos trabalhadores, começa a luta pela redução da jornada
de trabalho e pela incorporação de outros direitos trabalhistas (férias
remuneradas, aposentadoria, colônias de férias, vale-transporte,
fornecimento de cesta básica, 13º salário, FGTS, Seguro desemprego,
espaço de lazer nos locais de trabalho...). Mas embora a jornada de
trabalho venha sendo reduzida na maioria dos países civilizados, e hoje
muitos países adotam jornadas de trabalho de 44 até 36 horas
semanais, isto não signi�ca tempo disponível para o repouso e o lazer.
Muitos trabalhadores, para compor o orçamento da família, têm outro
emprego e os trabalhadores urbanos passam boa parte do tempo nos
serviços de transportes, que são lentos e precários nas grandes cidades.
Na história do trabalho humano dis�nguem-se, pelo menos cinco
grandes períodos: o artesanal, o agropastoril, o feudal, o industrial e o
pós-industrial. No período artesanal, o instrumento de trabalho é o
utensílio para caça e pesca, no agropastoril e feudal é a exploração do
solo por máquinas rudimentares, no industrial é a máquina mais
elaborada auxiliando o trabalhador; no pós-industrial é a máquina
subs�tuindo o ser humano. O mundo contemporâneo vive uma
revolução tecnológica, com transformações rápidas e profundas de
estruturas materiais e de valores consagrados. Paradoxalmente a
sociedade tecnocêntrica é de alta produ�vidade, ao mesmo tempo que
pode provocar o desemprego. O sonho da sociedade da abundância
acabou se transformando em um pesadelo, porque uma parcela
crescente da população começa a ser excluída do emprego e da
distribuição de renda. A esperança depositada nos avanços tecnológicos
vem frustrando as expecta�vas da sociedade, porque o aprimoramento
das técnicas tem transformado milhões de pessoas em inúteis sociais.
Na Era Digital – da Inteligência Ar��cial e da Robó�ca – a perda de
postos de trabalho no mundo é crescente e, como vimos com Viviane
Forrester, muito �pos de emprego são eliminados do mercado de
trabalho: não há volta. Quais são as soluções para esta situação
dramá�ca. Certamente não há uma receita, mas no curto prazo a
redução da jornada de trabalho pode amenizar a encrenca. Um dos
maiores economistas do século XX, John Maynard Keynes, já
preconizava na década de 1930 a redução da jornada de trabalho. Na
Paris de 1968, os estudantes gritavam “Trabalhar menos, para
trabalharem todos”. Veja o que diz o sociólogo Domenico De Masi:
“Justamente naqueles anos, a Europa começava a compreender que o
progresso tecnológico, se não vier acompanhado de paralelas reduções
do horário de trabalho, cria desemprego, aumenta as desigualdades
sociais, bloqueia a distribuição de riquezas e, assim, a propensão ao
consumo de massa – en�m, priva os trabalhadores das vantagens da
tecnologia libertadora. Ao se conscien�zar do que Keynes �nha previsto
já em 1930, a Volkswagen reduziu a carga de trabalho semanal a 28
horas, e toda a indústria alemã passou para 30 horas; na França foi
introduzido o regime de 35 horas; na Itália, caiu um governo arrastado
pelo debate em torno da redução da carga horária”.
No médio prazo é preciso capacitar as novas gerações para serem
incluídas no mercado de trabalho daqui a 15 ou 20 anos, em a�vidades
que ainda não fazem parte do catálogo de pro�ssões. É a inclusão
digital. Esta tarefa cabe principalmente ao Estado, através de polí�cas
públicas na área educacional.
Houve uma época em que se sonhava com as utopias tecnológicas
(utopias tecnotrônicas ou computopias), nas quais as máquinas se
encarregariam das tarefas malditas e as pessoas teriam mais tempo
para o lazer, a�vidade cria�va e o descanso. Seria uma espécie de
sociedade do ócio, sem sen�mento de culpa. A propósito Paul Lafargue,
no seu livro “O Direito à Preguiça”, defende o ponto de vista de que o
trabalhador ao invés de reivindicar o direito ao trabalho, deveria
reivindicar o direito ao lazer. Em certo trecho do livro, ele diz: “Jeová...
dá a seus adoradores o exemplo supremo da ociosidade ideal, após seis
dias de trabalho, ele entrou em repouso por toda a eternidade”.
Na sociedade pós-industrial ainda se trabalha muito e se cul�va
pouco o ócio. A população mundial supera a marca dos 7 bilhões de
habitantes, entretanto a população economicamente a�va (gente que
trabalha) talvez se aproxime da marca de 4 bilhões de pessoas. O
restante é cons�tuído por menores, idosos, doentes, aposentados,
de�cientes �sicos e/ou mentais, estudantes ou aprendizes em formação
para ingressar no mercado de trabalho e, obviamente, os
desempregados. Nesse universo humano heterogêneo encontra-se de
tudo: indivíduos que só gostam de trabalhar, outros que só pensam em
cul�var o ócio, aqueles que contrabalaçam trabalho-e-lazer.
O workaholic é um viciado em trabalho,se orgulha de nunca gozar
férias e �ca tenso e ansioso quando cai no ócio. Esse �po é trabalho-
dependente. Talvez a compulsão para o trabalho signi�que falta de
imaginação para o lazer. Aliás, o �lósofo Bertrand Russell, no livro
“Elogio ao Ócio”, a�rma que uma das coisas mais di�ceis é usar o ócio.
Pode-se acrescentar que o ser humano, que anseia pela imortalidade, se
aborrece numa tarde chuvosa de domingo. Concordando com Oscar
Wilde, pode-se dizer que ainda vivemos em uma época em que as
pessoas trabalham tanto que acabam se tornando estúpidas.
Estamos vivendo em um mundo tecnicizado e em mutação rápida,
em que se exige das pessoas e�cácia, rapidez e racionalidade.
Entretanto estabelece-se um con�ito entre a natureza humana, que
aspira o sossego e a moderação, e o progresso que exige rapidez e
e�cácia. Esta sociedade da e�ciência e dos prazos fatais é uma fábrica
de neuró�cos. A sua receita é: seja e�ciente ou pereça. É preciso
considerar que o homem, ao lado de faber e sapiens, é também ludens.
De sorte que no seu projeto de vida, ao lado da vertente pro�ssional,
deve contemplar também a vertente lúdica.
Por outro lado, é preciso considerar que existe trabalho e trabalho. O
trabalho cria�vo é gra��cante, enquanto o repe��vo é quase um
cas�go. E isso �ca claro no mito de Sísifo, que é uma metáfora do
trabalho como cas�go. Por outro lado, diz o humorista Millôr
Fernandes:”Quem se mata de trabalhar merece mesmo morrer”.
E o ócio? Como ele vem sendo encarado ao longo do tempo? O ócio
e o lazer eram privilégios das classes dominantes (nobres e burgueses)
que desfrutavam de jogos, caçadas, festas, bailes... Os plebeus deviam
trabalhar e somente nas festas religiosas ou de �m de colheita gozavam
de algum lazer.
E no mundo contemporâneo, qual o signi�cado do ócio? Para os
maníacos do trabalho, da e�ciência e do acúmulo de bens materiais, o
ócio é uma espécie de heresia. Para os maníacos do lazer, do cul�vo do
ócio e do prazer, o trabalho é uma espécie de punição. Eu diria que
trabalho-e-ócio são a�vidades complementares e que é impossível
desfrutar o ócio completamente, a menos que você tenha algum
trabalho para fazer. Posso até a�rmar que meu trabalho morre de
ciúmes do meu ócio. Entretanto há muito preconceito em relação ao
ócio e existe até um ditado que diz: “O ócio é pai de todos os vícios”.
Na sociedade pós-industrial, caracterizada pelo uso crescente das
máquinas, os seres humanos serão aliviados de todo �po de trabalho,
seja �sico ou intelectual. Veja o que diz De Masi: ”A sequência é
impressionante: primeiro, a televisão, depois a fotocopiadora, o
computador, o fax, o celular, a internet, as biotecnologias, as
nanotecnologias, os novos materiais, os robôs, os drones, as
impressoras 3D, a inteligência ar��cial. Oitenta por cento dos produtos
vendidos em qualquer loja de informá�ca foram inventados há menos
de dois anos.
Todas essas maravilhosas próteses mecânicas subs�tuem os nossos
músculos e aliviam o esforço �sico; em boa parte aliviam também o
esforço mental, quando é repe��vo, enfadonho, banal. Logo a ‘nuvem’
de informação terá transformado o mundo inteiro em uma nova ágora:
teleaprenderemos, teletrabalharemos, teleamaremos, telediver�r-nos-
emos. A inteligência ar��cial poderá resolver problemas com raciocínios
incompreensíveis ao ser humano. O conceito de privacidade tende a
desaparecer.
(...) No �m dessa corrida – supondo que haja um �m -, teremos
conseguido descarregar nas máquinas todo o trabalho, seja �sico ou
intelectual. O que vai nos restar quando a inteligência ar��cial �ver
re�rado de nós uma parte da a�vidade idea�va? Restarão, para nós, a
fantasia, a introspecção, a amizade, o amor, a ironia, o diver�mento, a
convivência, a esté�ca, a é�ca, o pensamento crí�co e a solução de
problemas – todos eles funções que movimentam o cérebro e o
coração, mais que os bíceps”. Este longo texto de Domenico De Masi foi
redigido em 2016.
A expecta�va é que haja mais tempo livre para o ócio e o lazer. Para
muitos ócio, preguiça e vadiagem têm uma conotação pejora�va,
enquanto lazer e distração contribuem para resgatar o signi�cado
posi�vo do comportamento ocioso. Para este �po de visão apenas os
aposentados teriam direito à ina�vidade. É o célebre o�um cum
dignitate, de que falava Cícero. Por outro lado, o ócio pode ser cria�vo e
o �lósofo Thomas Hobbes a�rma no seu “Leviathan”: “A ociosidade é a
mãe da �loso�a”. Outro �lósofo inglês, Bertrand Russell escreveu: “Foi
justamente a classe ociosa que cul�vou as artes e descobriu as ciências,
que escreveu livros, inventou sistemas �losó�cos e re�nou as relações
sociais. Sem uma classe ociosa, a humanidade não teria, nunca, passado
da barbárie”.
Para Domenico De Masi existe um ócio dissipador, alienante, que faz
com que nos sintamos vazios, inúteis, nos faz afundar no tédio e nos
subes�mar”. Em contrapar�da, existe um ócio inteligente, cria�vo, que
nos deixa em estado de graça com o mundo. É preciso criar uma cultura
para esse �po de ócio. Talvez a solução seja uma nova ordem mundial –
com um modelo socioeconômico mais justo. Na an�ga Atenas, os
escravos executavam todos os serviços públicos e domés�cos, na Era
digital avançada espera-se que as máquinas executem grande parte das
tarefas que permitam a transformação do homo faber em homo ludens.
Por enquanto somos dependentes do trabalho, tanto do ponto de vista
econômico como cultural, mas a busca desde �po de utopia é legí�ma.
Diz um provérbio espanhol: “Hombre que trabaja perde tempo
precioso”.
Quero concluir, em grande es�lo, citando o genial John Lennon:
“Sonhar um sonho sozinho é apenas um sonho, sonhar um sonho
conjunto é uma realidade”.
O planeta Terra é uma poeira cósmica num vasto universo de bilhões
de galáxias. Como surgiu o universo? Embora a sua origem esteja
envolta em trevas, boa parte da comunidade cien��ca mundial aceita a
teoria do Big Bang. Nas palavras de Ben Dupré:” Segundo os
cosmologistas, o universo surgiu em um evento catastró�co em que
toda a matéria, in�nitamente comprimida nesse instante em um ponto
adimensional, começou a se expandir e esfriar com extrema rapidez. Foi
essa explosão que colocou em movimento a sequência de eventos que
resultou, 13,7 bilhões de anos depois, na imensa estrutura de estrelas e
galáxias existente atualmente. O conceito de um universo em expansão
é hoje reconhecido como tema uni�cador da cosmologia moderna. Não
há dúvida de que o universo atual parece ter passado por uma explosão
do �po Big Bang, e existem evidências convincentes de que isso tenha
ocorrido. A mais importante delas é a expansão que �cou implícita nas
equações da rela�vidade geral publicadas pela primeira vez por Einstein
em 1916”. Muitos cien�stas ques�onam: “O que havia antes da criação
do Universo?” E muitos respondem – crea�o ex nihilo – o que signi�ca
criação a par�r do nada. Gleiser nos informa que segundo teorias
modernas – que lidam com a origem do espaço, do tempo e da matéria
– existe um “nada quân�co”, uma en�dade de onde universos-bebês
podem surgir ocasionalmente chamada de “mul�verso” ou
“megaverso”.
No fenômeno ocorrido há 13,7 bilhões de anos surgem matéria e
energia – é o começo da �sica; aparecem também átomos e moléculas –
é o começo da química. Há 4,5 bilhões de anos ocorre a formação do
planeta Terra e há 3,8 bilhões de anos surgem os organismos – é o
começo da biologia. Com o surgimento dos seres vivos
(vegetais/animais) a�ngimos a era humana e começam os debates
sobre a origem e a diversidade dos organismos no planeta Terra. Muitas
teorias foram postuladas e descartadas, mas permanece até a idade
contemporânea o velho dilema: criacionismo versus evolução biológica.
Na teoria criacionista (ou do design inteligente) as pessoas acreditam
que a Bíblia foi inspirada diretamente pela palavra de Deus e deve ser
interpretada literalmente como a verdade do Evangelho. E postulam
que as narra�vas dos primeiros capítulos do Gênesis descrevem com
correção e exa�dão a criação do mundo e de todas as plantas e animais
que o habitam. O que valedizer, há pouco mais de dez mil anos o
mundo já estava pronto – o processo teria sido concluído em seis dias
no ano de 4004 a.C, segundo os cálculos do arcebispo James Ussher no
século XVII. Essas narra�vas se chocam frontalmente com os muitos
aspectos do entendimento cien��co ortodoxo de como as coisas são.
Segundo a cronologia-padrão, estabelecida geologicamente, a Terra tem
aproximadamente 4,5 bilhões de anos, enquanto a imensa diversidade
de espécies (incluindo os seres humanos) vista no mundo atualmente é
produto de processos evolu�vos ocorridos ao longo de centenas de
milhões de anos. (In Dupré).
Somente no século XIX, o naturalista inglês Charles Darwin começou
a estudar a vida das espécies em seus habitats. E em 1859 publicou o
livro “Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural”. Darwin
resume sucintamente a seleção natural assim: “Como, de cada espécie,
nascem muito mais indivíduos do que o número capaz de sobreviver; e
como, consequentemente, há uma luta frequente e recorrente pela
existência, segue-se que qualquer ser, se variar mesmo que ligeiramente
em algum modo lucra�vo para si mesmo, sob as complexas e às vezes
variadas condições de vida, terá uma chance melhor de sobrevivência, e
assim ser selecionado naturalmente” (In Dupré). Conclusão: é a
sobrevivência do mais apto. O darwinismo biológico, embora ainda não
tenha comprovação cien��ca plena, é a teoria mais aceitável para
explicar a evolução das espécies.
Segundo o biólogo evolucionista Theodosius Dobzhansky: “Nada na
biologia faz sen�do a não ser à luz da evolução”. Assim, o homem é um
produto da evolução (biológica e cultural). A vida teve origem no fundo
dos mares com seres unicelulares e quando a lesma começou a arrastar
sua barriga pelo solo estava assegurada a existência do homem. Depois,
foi só o macaco descer da árvore e assumir a postura ver�cal e pronto,
era o Homo erectus. Na savana começa a caminhada do homem e ele
teve que superar o binômio necessidade/adversidade para sobreviver.
Pode-se até montar um hai-kai pedagógico para jus��car esse binômio:
“na teoria da evolução/a adversidade/vira solução”. Efe�vamente a vida
foi dura e o homem teve que desenvolver estratégias para escapar dos
predadores e para capturar suas presas em campo aberto. O
aprimoramento do uso das mãos para empunhar e manipular objetos,
assim como para a confecção de ferramentas e utensílios, permi�u o
nascimento do Homo faber. Com o domínio do fogo, além da proteção
contra seus predadores e do frio, o homem aprimorou sua habilidade na
fabricação de ferramentas para uso pessoal e para adestramento na
caça; ele já não tende a u�lizar apenas “o dado pela natureza”. É o
nascimento da técnica, com todos os seus desdobramentos, inclusive os
efeitos indesejáveis. Também a migração dos olhos para a região medial
da porção superior da face desenvolveu a visão binocular e em
profundidade (visão estereoscópica) que facilitou a vida nas savanas
(para capturar suas presas e escapar dos predadores). Mas ainda não
era o bastante, e para garan�r sua sobrevivência e dominar o restante
do mundo animal ele desenvolveu a linguagem e o pensamento e se
tornou sapiens – é a revolução cogni�va. Embora o homem não seja a
espécie com maior vigor �sico, com a maior capacidade para a corrida e
o salto ou com maior capacidade de adaptação ao frio e ao calor, ele
consegue conjugar todas essas capacidades (e muito mais) através do
desenvolvimento da inteligência, o que lhe confere ní�da superioridade
sobre as demais espécies. Através da internalização das ações, ele vai
melhorando o seu desempenho cogni�vo. Para conhecer o objeto é
preciso manipulá-lo, usá-lo, não apenas contemplá-lo. O conhecimento
é, ao mesmo tempo, concreto e abstrato, permi�ndo a fusão do faber
com o sapiens.
Com o sapiens a humanidade decolou; ele foi protagonista – nos
seus 300 mil anos de existência – de três revoluções: a agrícola, a
industrial e a digital. E a pedra angular para esses avanços teve na
tecnologia a sua principal ferramenta. O desenvolvimento da
Inteligência Ar��cial (IA), logo após a Segunda Guerra Mundial,
começou com o ar�go “Compu�ng Machinery and Intelligence” do
matemá�co inglês Alan Turing, e o nome inteligência ar��cial foi
cunhado em 1956 pelo cien�sta John McCarthy. Seus principais
idealizadores foram os cien�stas Herbert Simon, Allen Newell, John
McCarthy, Warren McCulloch, Walter Pi�s, Marvin Minsky... A IA deu
seus primeiros passos com a introdução do computador na a�va nos
meados do século XX – mas apenas com o surgimento do computador
moderno é que a IA ganhou meios e massa crí�ca para se estabelecer
como ciência integral com problemá�ca e metodologias próprias. A IA é
subproduto do conhecimento transdisciplinar e se vale principalmente
de tecnologia disrup�va para impactar o mercado e os comportamentos
sociais. O conhecimento da máquina avança celeremente – pela lei de
Moore dobra a cada 18 meses – e diferentemente do conhecimento
biológico não depende do Desenvolvimento Neuropsicomotor (DNPM)
de cada ser humano que nasce. De sorte que o desempenho da
máquina aumenta periodicamente, enquanto a inteligência humana
parece que permanece estável.
A revolução industrial 4.0 está em pleno desenvolvimento pela
combinação de novas tecnologias: IA, robó�ca, drones, impressoras 3D,
cloud compu�ng, internet das coisas, realidade virtual, computação
cogni�va, fuzzi logic, deep learning machine, biotecnologia, veículos
autônomos... Ela promove a integração entre as esferas �sica, biológica
e digital. Ao lado de seus efeitos bené�cos, ela não é isenta de efeitos
indesejáveis (sociais, é�cos, legais, �losó�cos...).
Estamos vivendo em um mundo em rápida transformação em
virtude dos avanços exponenciais da tecnociência. Esses avanços
repercutem em todas as esferas da a�vidade humana, o que vale dizer
que essa era hipertecnológica gera uma certa desorientação da
sociedade. Estamos caminhando celeremente para a civilização da
megamáquina. Para cada ato individual ou cole�vo temos um engenho
ad hoc. E estes engenhos balizam de modo crescente todos os nossos
atos. De tal sorte que somos hoje tecnodependentes. Mas, além de
tecnodependentes, somos também [com certa frequência]
tecnoví�mas. O envenenamento do ar e da água, a transformação do
planeta num imenso cesto de lixo, o consumo acelerado de bens
materiais não-renováveis e o empilhamento de pessoas em grandes
aglomerados urbanos são apenas alguns aspectos preocupantes no
mundo de hoje. O Mundo não é perfeito, mas é um maravilhoso caos
cria�vo!
Alguns especialistas em IA fazem previsões ousadas: num futuro
próximo vamos a�ngir a Era da Singularidade. Essa previsão vai se
materializar quando a IA ultrapassar a inteligência humana. Ray Kurzweil
aposta na revolução GNR para a�ngir tal obje�vo. De sorte que a
gené�ca, a nanotecnologia e a robó�ca são as “ferramentas” para
a�ngir a Singularidade.
O século XVIII foi marcado pelo Iluminismo, o XIX pelas ideologias e
o XX pela ascensão das tecnociências. Três revoluções transformaram a
face do mundo contemporâneo: a manipulação do átomo (energia
atômica); a manipulação da informação (informá�ca); a manipulação do
gene (engenharia gené�ca). Toda mudança – par�cularmente quando
rápida – é traumá�ca, pois pode provocar ruptura com o sistema
vigente e nem sempre a assimilação pela sociedade é imediata e
pací�ca. A domes�cação do átomo, do gene e da informação permi�u a
incorporação crescente de novas tecnologias, fato que contribuiu para
transformar o mundo para melhor e para pior.
O que é tecnologia? O vocábulo deriva do grego techne, que signi�ca
arte ou habilidade. Sendo uma a�vidade prá�ca, a tecnologia tem maior
capacidade de modi�car o mundo do que de compreender o mundo.
Enquanto a ciência persegue a verdade, a tecnologia persegue a
e�ciência. E, enquanto a ciência procura formular as leis que regem a
natureza, a tecnologia u�liza essas formulações para criar implementos
e equipamentos que façam a natureza obedecer ao homem, mesmo
que tenha que violentá-la. En�m,a técnica age, mas não pensa. A
ciência ainda mantém aquela mís�ca de pureza, uma espécie de
comportamento de escoteiro cuja boa ação reverte para o bem do
indivíduo e da humanidade. Já a tecnologia não tem essa cara limpa, e
sua aplicação indiscriminada tem suscitado polêmicas. Os pessimistas
encaram a tecnologia como um mal a combater em todos os campos.
São nostálgicos do paraíso adâmico ou então idealizam, num futuro
incerto, a volta à uma vida primi�va. Para eles, quanto mais o homem
avança tecnologicamente, mais se corrompe. Oposto a estes, temos o
ponto de vista dos o�mistas, que consideram a tecnologia a solução
redentora para a humanidade. São os drogués de la technologie.
Pretendem colocar o homem no centro do sistema e a tecnologia à sua
volta. A natureza existe em função do homem. Ocorre que o homem,
apontado como o grande bene�ciário deste sistema, acaba caudatário
de um tecnicismo exacerbado e incontrolável. Entre os pessimistas e os
o�mistas, se situam os realistas, que acreditam que é preciso aceitar o
desa�o de conviver com a tecnologia. Estão conscientes de que a
sociedade não poderá usufruir dos bene�cios da técnica sem correr
alguns riscos. Para complementar, vejam a opinião do �sico Marcelo
Gleiser:”Mesmo se, um dia, criarmos máquinas inteligentes e
autossu�cientes, tão e�cientes a ponto de tornar nossa existência
obsoleta, essas en�dades sinté�cas terão ainda que lidar com seus
limites materiais. Precisarão de energia para funcionar e estarão sujeitas
à inexorável marcha em direção à desordem ditada pela segunda lei da
termodinâmica.* A matéria, mesmo como consciência pura, não pode
transcender a si mesma”.
Genética
Os avanços no campo da gené�ca culminaram com o advento da
técnica do DNA recombinante, com todas as suas implicações. Que
signi�ca isso? Em termos singelos, é o início de uma nova tecnologia,
que permite ao cien�sta re�rar o DNA de um organismo e enxertá- lo no
DNA de outro; com este procedimento, ele pode criar algo inteiramente
novo: novas moléculas, novos genes e, portanto, uma nova vida. Os
bene�cios e os riscos deste fato são imprevisíveis, a ponto de provocar
temores na própria comunidade cien��ca internacional. Em nosso
genoma está escrito o código da vida!
Produtos bioengenheirados, ob�dos por meio da manipulação do
código gené�co de certas bactérias já são empregados na área médica
para obtenção: de insulina, somatosta�na, hormônio do crescimento,
interferons, interleucinas, vacinas... Indagado a respeito dos riscos dessa
biotecnologia, o médico e cien�sta René Dubos a�rmou:”Não creio que
se possa interromper o processo, mas eu �caria preocupado se o
princípio da clonagem começasse a ser aplicado a organismos mais
complexos”. E isso vem acontecendo: primeiro foi a clonagem de uma
rã, depois de pequenos mamíferos, até culminar com a clonagem da
ovelha Dolly. A perspec�va de se materializar o mito de Frankenstein
assustou a comunidade de biólogos moleculares, que chegou a pedir
uma moratória das pesquisas na década de 1970. O homem de ciência
não deve se balizar pelo lema: “O que pode ser feito já, deve ser feito”.
Quando se lida com a vida, qualquer problema ganha contornos é�cos,
médicos, �losó�cos, sociopolí�cos, jurídicos, culturais, ambientais e
econômicos, com desdobramentos imprevisíveis.
Por outro lado, nós não podemos satanizar a engenharia gené�ca
(EG), pois, em virtude de experimentos e descobertas nessa área, jamais
os pesquisadores avançaram tanto em tão pouco tempo. As esperanças
são imensas: erradicar muitas doenças hereditárias, tratar [ou mesmo
curar] de�cientes mentais, prevenir handicaps do embrião/feto,
esclarecer o funcionamento da memória, retardar o processo de
envelhecimento, descobrir a cura do câncer, evitar a ex�nção de certas
espécies, melhorar a produção agrícola ... En�m, a revolução biológica
decola, mas os temores em relação à gené�ca permanecem como
ocorre com a energia atômica. Essa revolução ocorre no momento
(Século XXI) em que a biologia destrona a �sica (que foi a Cinderela das
ciências no Século XX) como ciência hegemônica.
Como a EG par�cipa de modo crescente na vida de todos nós, é
per�nente uma análise de seu comportamento ora de Dr. Jeckyll ora de
Mr. Hyde. No campo médico são inques�onáveis os bene�cios que a EG
vem proporcionando no diagnós�co, tratamento e prevenção de
algumas doenças. A terapia gênica pode ser equacionada para certas
afecções. Quando a terapia gênica tem como alvo as células somá�cas,
os aspectos bioé�cos ainda são contornáveis; entretanto quando o alvo
são as células germina�vas, ela pode resvalar para um terreno eugênico,
altamente polêmico. A eugenia, no campo humano, é uma espécie de
reengenharia do homem. Que �po de homem devemos construir? Alto,
de olhos azuis, dotado de destreza atlé�ca e de inteligência
matemá�ca? A construção do homem perfeito está na cabeça de muito
ideólogos da eugenia. Alguns futurologistas até arriscam que um dia os
pais farão compras em supermercados gené�cos, com a perspec�va de
selecionar caracterís�cas para os �lhos que desejam ter e escolher o seu
sexo. Fala-se em eugenia posi�va, cujo obje�vo é aprimorar a espécie, e
eugenia nega�va, que visa eliminar indivíduos “defeituosos”. Ambas são
abomináveis. O mundo não precisa de bebês projetados na prancheta.
Neste cenário nós estamos caminhando para uma era transumanista ,
ou mesmo para uma civilização pós-humana. Nas palavras de Francis
Wol�: “Abolir as limitações da condição humana; reivindicar a ‘liberdade
morfológica’, o direito ilimitado aos implantes de órgãos ar��ciais e às
modi�cações gené�cas”. O que faz a riqueza de uma civilização é a sua
diversidade étnica e cultural, de sorte que a humanidade não precisa da
eugenia. As polí�cas de controle do Estado acabam sendo o laboratório
social mais catastró�co da história. Quem é aplicado no estudo da
história sabe disso.
A clonagem terapêu�ca – não como obje�vo de clonar seres
humanos inteiros – mas como ferramenta para criar órgãos humanos
(coração, rim, �gado) para a medicina de transplantes ( para maiores
detalhes ver neste texto o subcapítulo: Era da Singularidade?). A
clonagem terapêu�ca é um procedimento cujos estágios iniciais são
idên�cos à clonagem para �ns reprodu�vos, mas que difere no fato da
blástula (segundo estado do desenvolvimento do embrião) não ser
introduzida no útero. De sorte que a clonagem terapêu�ca é u�lizada
em laboratório para a produção de células estaminais (to�potentes) a
�m de produzir tecidos ou órgãos para transplantes.
Animais transgênicos (ou gene�camente modi�cados) são poderosas
ferramentas para o desenvolvimento de novos tratamentos de várias
doenças – incluindo o câncer. Pela manipulação do genoma do
camundongo é possível criar uma linhagem de camundongos “nocaute”
(onde o gene indesejável foi nocauteado).
A farmacogenômica visa melhorar o tratamento e resposta a
medicamentos através do estudo da variação gené�ca. Os fatores
gené�cos que afetam a resposta a drogas incluem a variação de
codi�cação gené�ca para enzimas metabolizadoras, receptores,
transportadores e alvos. A realização do teste de farmacogenômica
permite, por exemplo, u�lizar num paciente deprimido o an�depressivo
mais e�caz e que não apresente efeitos adversos. É a chamada medicina
personalizada.
A privacidade do paciente é uma regra de ouro do ato médico. É
possível manter o sigilo das informações gené�cas no sen�do de
protegê-lo de terceiros interessados como empregadores, planos de
saúde, seguradoras e do próprio Estado? Existe o risco de
“discriminação gené�ca”, na era da medicina predi�va [ou previsiva],
através tratamento desigual em face de predisposição ou da
manifestação de origem gené�ca. A questão da privacidade do DNA já
preocupa os especialistas em assuntos é�cos e jurídicos. Imagine o
seguinte cenário: um plano de saúde exigindo um mapeamento do
nosso DNA!
A gené�ca é um ramo fascinante da ciência, mas não goza de boa
reputação na área da �cção cien��ca, onde ela tem inspirado algumas
distopias. O trabalho de modi�caçãogené�ca em humanos enfrenta
muitas questões é�cas e legais. O mundo está vivendo uma era de
deslumbramento com o conhecimento cien��co. E esse fascínio, às
vezes, pode provocar comportamentos inaceitáveis da comunidade
cien��ca. E um bom exemplo é a “gene�zação” de comportamentos
complexos. A mídia no�cia, com certa frequência, descoberto o gene da
pros�tuição, o gene do crime, o gene da in�delidade, o gene da
moralidade, o gene da inteligência... É uma espécie de ditadura dos
genes (genetocracia). Me parece equivocada a tenta�va de explicar
comportamentos complexos através da expressão de um ou mais genes.
Embora a decodi�cação do genoma tenha sido concluída em 2003,
ainda existem muitas áreas cinzentas e até buracos negros na gené�ca
do comportamento. É uma simpli�cação inaceitável. O ser humano é [e
sempre será] o subproduto de seu genoma e de seus fatores
ambientais.
Com a revolução biológica o homem passa a ser o próprio objeto da
tecnologia. A propósito é per�nente reproduzir um trecho do ar�go de
Oliveira, J. R. : “O Homo faber, de usuário de ferramentas a objeto
tecnológico”, inspirado nas postulações do �lósofo alemão Hans Jonas.
Vamos a ele: “ Quais são os obje�vos da biotecnologia? Certamente não
é criar o homem – ele já está aí. Criar homens melhores? Mas qual o
critério do melhor? Homens melhores adaptados? Mas adaptados a
quê? Homens superiores? Mas como sabemos o que é superior?”
Penso que é preciso reconciliar a concepção do homem com a
ciência biológica contemporânea.
Nanotecnologia
Segundo o �sico Michio Kaku, a nanotecnologia foi proposta pelo
prêmio Nobel de �sica e polemista Richard Feynman num ar�go seminal
mas espirituoso in�tulado “There´s Plenty of room at the Bo�om” (Há
Espaço Su�ciente na Base). Feynman começa perguntando a si mesmo:
quanto é possível reduzir uma máquina sem contrariar as leis da �sica?
Para sua própria surpresa, ele constatou que nada nas leis da mecânica
quân�ca impede a existência de máquinas do tamanho de moléculas (In
Michio Kaku – Visões do Futuro, Rocco, Rio de Janeiro, 2001). De sorte
que é possível manipular a matéria átomo por átomo. Entretanto a
construção de “máquinas moleculares” não é matéria pací�ca, e as
previsões dos entusiastas da nanotecnologia não é um consenso dentro
da comunidade cien��ca internacional. Há exemplos de máquinas
moleculares em seres vivos, mas nenhuma máquina molecular foi
construída em laboratório.
A nanotecnologia poderá ser u�lizada em diferentes áreas como
medicina, eletrônica, ciência da computação, �sica, química, biologia e
engenharia dos materiais.
As técnicas e ferramentas estão ainda sendo desenvolvidas, nos dias
de hoje, para colocar cada átomo e cada molécula no lugar desejado. Se
os cien�stas conseguirem materializar este sistema de engenharia
molecular, o resultado será uma nova revolução industrial. O Montador
Molecular ou Nanomontador é uma máquina nanotecnológica de
tamanho bastante reduzido capaz de organizar átomos e moléculas de
acordo com instruções dadas. A construção de um montador ainda está
longe de ocorrer. Vários problemas persistem, como a di�culdade de
trabalhar com átomos individuais necessários para a construção do
montador. Além disto, é di�cil modelar o comportamento de objetos
complexos em escalas nanométricas que obedecem as leis quân�cas.
Não obstante as di�culdades apontadas para o deslanche da
nanotecnologia, o tecnólogo James Canton aponta as dez maiores
tendências em Nanotecnologia para o século XXI: 1) Os
empreendimentos em nanotecnologia fornecerão a mais nova
convergência entre computadores, redes e biotecnologia, e criarão
produtos nunca antes imaginados; 2) Os nanodisposi�vos – invisíveis,
inteligentes e poderosos – serão usados nas indústrias, rede�nindo os
limites do que é possível; 3) Os compiladores de alimentos
nanotecnológicos criarão refeições apreciadas, de baixo custo e de
qualidade, manipulando átomos e transformando-os em comida; 4)
Menor do que a cabeça de um al�nete, os nanorrobôs cirúrgicos
trabalharão dentro do corpo humano; 5) A nanobiologia prolongará a
vida, evitará doenças e melhorará a saúde das pessoas; 6) Humanos
nanoaprimorados terão um desempenho �sico, intelectual e sensi�vo
superior aos de outros humanos; 7) A nanotecnologia fornecerá uma
fonte de energia barata e disponível; 8) As nanofábricas construirão
produtos em demanda em um processo barato, �exível e rápido; 9) A
nanotecnologia vai revolucionar a economia global, fornecendo
Ferramentas Chave que gerarão produtos de alta tecnologia com
recursos de preço baixo e de pouca tecnologia: 10) A nanotecnologia
proporcionará novas escolhas que irão alterar a evolução humana,
aumentar drama�camente as polêmicas é�cas e desa�ar as normas
sociais.
Até aqui (2020) as expecta�vas em relação à Nanotecnologia [como
solução redentora para a humanidade] não se materializaram. Espero
que não seja mais uma escatologia da história da humanidade. Alguns
cien�stas apostam que entre 2020 e 2050 muitas das previsões listadas
aqui deverão se materializar.
Se essa revolução an�-humanista prosperar o homem poderá
libertar-se de suas limitações naturais, através das ferramentas técnicas
de que dispõe. E voltamos a Wol�: “Graças às nanociências, à
informá�ca e à gené�ca tornou-se possível libertar-se da animalidade
do homem: nascimento, doenças, envelhecimento, morte. Se podemos,
devemos. O homem pode se tornar um super-homem, se aceitar ser
apenas uma máquina. Um ciborgue. Ele pode se tornar um deus, se
levar a sério sua própria natureza maquinal. O ‘pós-humano’ será, na
verdade , uma espécie de ‘humano’ cujas funções vitais, sensoriais e
intelectuais não serão mais realizadas por simples e rudimentares
órgãos naturais, mas por próteses de rendimento ilimitado, que
permi�rão a aquisição de novas ap�dões e, portanto, a expansão do
campo das liberdades de ação individual, sem as restrições da curta
duração da vida, das doenças, da degeneração de órgãos e tecidos, do
número restrito de sen�dos e das capacidades limitadas da memória e
da inteligência”.
A revolução tecnológica embute atributos escatológicos: seja por
suas promessas utópicas, seja por sua ameaça apocalíp�ca. Enquanto
na era da técnica rudimentar a evolução era lenta, ela atendia às
demandas das necessidades humanas – e havia um equilíbrio entre os
avanços técnicos e as sociedades humanas. Entretanto a par�r da
primeira Revolução Industrial (século XVIII) começa a surgir um ruído na
relação homem/máquina.
Globalização
“A globalização é um movimento que visa o aprofundamento
internacional da integração econômica, social, cultural e polí�ca em
escala planetária. Este movimento tem como obje�vo expandir a
economia de mercado, quebrando barreiras ins�tucionais, sociais,
culturais e econômicas. Este processo caracteriza-se pela padronização
dos meios técnicos e pela instantaneidade da informação e da
comunicação. As novas tecnologias exercem um papel fundamental no
processo de globalização planetária. Elas �veram início no �nal do
século XX e início do século XXI. Os efeitos da globalização no mercado
de trabalho são evidentes, com a criação da modalidade de outsourcing
de empregos para países com mão de obra mais barata para execução
de serviços em que não é necessária alta quali�cação. Por exemplo, um
produto eletrônico pode ter componentes fabricados em vários países.
“Para alguns, as fronteiras cada vez mais permeáveis das nações do
mundo oferecem uma oportunidade histórica de estabelecer um
cosmopoli�smo benigno; para outros, a crescente conformidade com as
normas ocidentais ameaça sufocar a rica diversidade dos povos da
Terra” (In Dupré).
Por outro lado, o “Globalismo” signi�ca, para alguns pensadores,
uma teoria da conspiração sobre uma Nova Ordem Mundial. Postula-se
que uma poderosa elite secreta, com uma agenda globalista, está
conspirando com o obje�vo de governar o mundo por meio de um
Estado mundial autoritário que irá subs�tuir os Estados-nação
soberanos.
Na minha opinião houve uma apropriação do termo “Nova Ordem
Mundial”, jápreconizada por personagens como Woodrow Wilson e
Winston Churchill, para se referir a um novo período da história após os
con�itos bélicos de 1914-1918 e 1939-1945. O planeta está precisando
muito de líderes mundialistas e organismos internacionais para
coordenar um futuro Estado Mundial. Entretanto alguns teóricos têm
apresentado propostas para materializar uma Nova Ordem Mundial que
caracterizam distopias inaceitáveis. Fazendo um exercício de futurologia:
o planeta será dominado por um regime tecnocrá�co – onde algoritmos
inteligentes (AI) assumirão a governabilidade.
O sentido da vida
O escritor e �lósofo Albert Camus em seu ensaio “O Mito de Sísifo”
a�rma “Há apenas uma questão séria em �loso�a: o suicídio. Julgar se
vale a pena ou não viver é a resposta fundamental da �loso�a”. A
grande questão �losó�ca é: devo ou não cometer suicídio? Se a resposta
for não, signi�ca que vale a pena viver. E este é o sen�do da vida. A vida
é o valor supremo!
Na era digital, em que há uma desumanização crescente do mundo e
ingressamos na civilização da Machina sapiens, é possível que o ser
humano se transforme num mero apêndice da vida ar��cial. Haverá um
sen�do da vida para a espécie Homo sapiens, na civilização digital
avançada?
Violência
A violência é um �agelo que aterroriza as sociedades
contemporâneas, mas ela existe desde a pré-história. No capítulo
“Violência: Um Tema Revisitado, da An�guidade à Era Digital”, eu a�rmo
que o Homo sapiens é a espécie animal mais violenta do planeta. Desde
os habitantes das cavernas até à era digital as guerras, as revoluções, o
terrorismo e todo �po de violência vêm sendo perpetradas no mundo.
Embora pareça um paradoxo, o psicólogo da Harvard Steven Pinker
publicou um livro em 2011 “Os Anjos Bons da Nossa Natureza”,
provando que os índices de violência vêm caíndo desde a An�guidade
até a Idade Contemporânea. Ele comprova, com rigor cien��co (estudos
esta�s�cos, históricos, arqueológicos, sociológicos, psicológicos,
contagens de baixas em guerras...), a sua a�rmação. Espero que o
sapiens crie juízo e faça jus ao seu nome, o que vale dizer que com
sabedoria reduza a violência no planeta e que possa zerar os con�itos
bélicos (guerras/revoluções) do mundo. Quanto aos con�itos
interpessoais, que no meu entendimento nunca serão zerados, possam
ao menos ser reduzidos.
Colapso planetário
As sociedades tecnológicas, ao lado de seus efeitos bené�cos,
provocam efeitos indesejáveis. Um desses efeitos é a possível
desintegração da camada de ozônio (esta camada é um �no manto
protetor da vida 24 Km acima da super�cie da Terra que absorve
radiação ultravioleta nociva). Em 1982 foi detectado um grande buraco
na camada de ôzonio. Quando os cien�stas provaram que os CFCs
(cloro�uorocarbonos), muito usados como refrigerador, eram os vilões –
imediatamente houve uma mobilização de vários países no sen�do de
eliminar grada�vamente os CFCs a par�r do ano 2.000.
Mas outros fantasmas con�nuam assustando a comunidade
internacional: o desmatamento, o aquecimento global, a poluição do ar
e da água, o precário descarte do lixo atômico... Certamente as
tecnologias têm comportamento de Dr. Jekill e/ou de Mr. Hyde. É
necessário que as nações (em reuniões periódicas, geralmente
coordenadas pela ONU ) adotem medidas de proteção ao meio
ambiente. Como o aquecimento global é dependente do consumo de
combus�vel fóssil e muitas nações são fortemente dependentes de
petróleo e carvão, os níveis de dióxido de carbono ainda são altos no
século XXI. Alguns países – principalmente da UE – já adotam marcos
regulatórios para trocar a frota de carros que usam combus�vel fóssil
(gasolina, diesel) para o sistema elétrico. Mas muitas outras medidas
devem ser implementadas para proteger o meio ambiente.
Explosão populacional
Um dos problemas globais mais dramá�cos – tanto do ponto de vista
ambiental quanto social – é o crescimento explosivo da população
humana. A população mundial, hoje mais de 7 bilhões, poderá a�ngir e
se estabilizar em torno de 12 bilhões no século XXII, segundo
es�ma�vas da ONU. Esse crescimento populacional pressiona muito o
suprimento de alimentos, o ecossistema, a biodiversidade, e as polí�cas
públicas de habitação. A demanda de alimentos é crescente, o que exige
desmatamento e mais agrotóxicos para aumentar a produção. Isso tem
efeitos indesejáveis: a ex�nção de espécies inteiras de plantas e
animais. O biólogo Robert W. Kates (citado por Michio Kaku) ressalta
que, historicamente, houve três ondas de explosão populacional, todas
coincidindo com a introdução de novas tecnologias e ciências. A
primeira teve início há cerca de um milhão de anos atrás, quando os
seres humanos começaram a fabricar ferramentas, o que provocou o
aumento da população mundial de algumas centenas de milhares para
cinco milhões. A segunda onda, que teve início há cerca de 10 mil anos,
aconteceu com a revolução agrícola e a domes�cação de animais. Dessa
vez a população cresceu cem vezes, a�ngindo a marca de 500 milhões.
A terceira explosão populacional começou há alguns séculos atrás, com
a Revolução Industrial.
Para alguns a solução para alimentar uma população mundial em
rápido crescimento depende demais de tecnologias na agricultura
(automação no campo, uso de agrotóxicos...); para outros depende da
educação e crescimento econômico; e, �nalmente, para terceiros
depende do uso de contracep�vos. Para o biólogo Kates (citado por
Michio Kaku) o melhor contracep�vo é o desenvolvimento econômico.
Na verdade, as nações industrializadas estabilizaram o seu crescimento
populacional e algumas, como a Alemanha e o Japão, têm até
crescimento populacional nega�vo.
Alguns tecnólogos apostam que a tecnologia, num futuro – não
muito remoto – vai acabar com a fome no planeta e citam as
nanotecnologias como capazes de fazer cardápios adequados, tanto do
ponto de vista quan�ta�vo como qualita�vo!
Um pouco de futurologia
Embora o fenômeno da desumanização seja evidente no mundo
contemporâneo (Revolução 4.0), o ser humano ainda tem fôlego para
uma sobrevivência rela�vamente longa. Para alguns cien�stas esse
complexo homem-máquina deverá proporcionar avanços tecnológicos
para a colonização do espaço sideral, o que permi�rá que excedentes de
terráqueos deixem o planeta-mãe para habitar essas colônias.
Nesta altura do texto, eu vou me permi�r reproduzir algumas ideias
do astro�sico Stephen Hawking expostas no seu livro �nal – “Breves
Respostas Para Grandes Questões”.
Ele começa indagando: por que ir ao espaço? “Como jus��car o
gasto de esforço e dinheiro para voltar com mais alguns pedaços de
rocha lunar? Não haverá causas mais dignas aqui na Terra? A resposta
óbvia é: porque o espaço está aí, à nossa volta. Con�nar-se ao planeta
equivaleria a ser como náufragos que não tentam escapar de sua ilha
deserta. Precisamos explorar o sistema solar e descobrir outros locais
que sejam compa�veis com a vida humana”. E, adiante, segue:”Nossa
conquista do espaço mudará completamente o futuro da raça humana
e, quem sabe, determinará se temos de fato um futuro. Não resolverá
nenhum dos problemas mais imediatos do planeta, mas nos
proporcionará uma nova perspec�va acerca deles, levando-nos a olhar
mais para fora do que para dentro da Terra. Tenho esperança de que
isso possa nos unir diante do desa�o comum. (...) Um novo programa de
voo espacial tripulado ajudaria a restabelecer o entusiasmo geral pelo
espaço, bem como pela ciência de modo geral. Missões robó�cas são
bem mais baratas e podem fornecer mais informações cien��cas, mas
não capturam o imaginário popular da mesma maneira”. Ele cita o
empresário Elon Musk, que no �nal de 2017 anunciou planos do SpaceX
para uma base lunar e uma missão a Marte em 2022. Fixar prazos, para
empreitadas dessa natureza, e anunciá-los urbi et orbi é sempre
arriscado, porque ao não cumpri-los provoca uma reação nega�va tanto
na comunidade cien��ca como na própria sociedade. Michio Kaku, em
seu livro mais recente “O Futuro da Humanidade”, a�rma que uma
solução para os perigos da colonização espacialdepende dos avanços na
inteligência ar��cial – robôs autorreplicantes poderiam se espalhar pelo
espaço, �ncando a bandeira humana e instalando bases para os colonos
que chegariam posteriormente, já com as habitações prontas.
Seria desejável uma cooperação das potências que possuem know-
how na exploração do espaço (E.U.A, China, Rússia). Um esforço
conjunto poderia acelerar os avanços na corrida espacial. São tantos os
problemas, não só de ordem tecnológica, mas também as repercussões
sobre o organismo humano que permanece longos períodos no espaço.
A experiência com a Estação Espacial Internacional, mostra que é
possível sobreviver por muitos meses fora do planeta. Já se sabe que a
gravidade zero da órbita provoca uma série de alterações �siológicas no
organismo humano, incluindo enfraquecimento ósseo, atro�a muscular
(esses efeitos podem ser minimizados através de exercícios). Outros
efeitos signi�ca�vos incluem redistribuição dos �uidos no organismo,
um atraso do sistema cardiovascular, produção reduzida de células
sanguíneas vermelhas, desordens de orientação e transtornos no
sistema imunológico. Alterações menores incluem perda de peso,
congestão nasal, distúrbios do sono, �atulência excessiva – estes efeitos
são reversíveis com o retorno à Terra. Mas voltando à questão da
cooperação internacional, penso que no momento ela é inexequível por
mo�vos ideológicos, corrida armamen�sta, problemas geopolí�cos...
Outra indagação de Hawking: “Quais são os possíveis locais para
uma colônia humana no sistema solar? O mais óbvio é a Lua. Está
próxima e é rela�vamente fácil de alcançar. (...) A lua poderia ser uma
base para viajarmos ao restante do sistema solar. O próximo alvo óbvio
é Marte. (...) A Lua e Marte são, portanto, os locais mais adequados para
colônias espaciais no sistema solar”.
E o astro�sico �naliza dizendo: “Estamos no limiar de uma nova era.
A colonização humana de outros planetas não é mais �cção cien��ca e
tão logo pode vir a ser um fato cien��co. A raça humana existe como
espécie há cerca de 2 milhões de anos. A civilização começou há cerca
de 10 mil anos, e o ritmo do desenvolvimento tem crescido
constantemente. Se a humanidade quer con�nuar a exis�r daqui a 1
milhão de anos, nosso futuro consiste em ir aonde ninguém jamais
esteve”.
Welfare state
Em português: Estado do bem-estar social ou Estado providência. É
um �po de organização polí�ca e econômica que coloca o Estado como
agente da promoção social e organizador da economia. Nesta condição,
o Estado é o agente regulamentador de toda a vida e saúde social,
polí�ca e econômica do país, em parceria com sindicatos e empresas
privadas. Cabe ao Estado do bem-estar social, garan�r serviços públicos
e proteção à população. Os Estados de bem-estar social desenvolveram-
se principalmente na Europa, onde seus princípios foram preconizados
pela social-democracia, tendo sido implementados com maior
intensidade nos Estados Escandinavos (ou países nórdicos, tais como
Dinamarca, Noruega, Finlândia, Islândia e Suécia), sob a orientação do
economista e sociólogo Karl Gunnar Myrdal. Ironicamente, Gunnar
Myrdal, um dos principais idealizadores do Estado de bem-estar social,
dividiu, em 1974, o Prêmio Nobel de economia com seu rival ideológico
Friedrich August von Hayek, um dos maiores defensores do livre
mercado e economista da Escola Austríaca. Pelos princípios do Estado
do bem-estar social, todo indivíduo teria direito, desde o seu
nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços, que
deveriam ter seu fornecimento garan�do seja diretamente através do
Estado ou indiretamente mediante o poder de regulamentação do
Estado sobre a sociedade civil. Esses direitos incluiriam a educação em
todos os níveis, a assistência médica gratuita , o auxílio-desemprego, a
garan�a de uma renda mínima, habitação e seguridade social.
Dependendo do país, outros direitos também poderão ser garan�dos:
licenças por mo�vo de cuidados parentais, anos sabá�cos, licença-
maternidade e licença-paternidade. No Estado do bem-estar social um
parâmetro importante deve levar em conta quem �nancia o auxílio –
que pode ser contribu�vo ou retribu�vo (por exemplo, na
aposentadoria o bene�cio é contribu�vo; no bolsa família é retribu�vo).
Outro parâmetro é quem administra o auxílio: o Estado, as en�dades
públicas, as privadas ou um regime misto.
O modelo europeu do welfare inspirou outros países do mundo,
como Japão, Austrália, Nova Zelândia, Canadá... Na opinião de
Domenico De Masi, o modelo socioeconômico europeu, se contrapõe
ao americano – muito mais cínico nas comparações de indigência,
imputada de forma calvinista não a falhas do sistema social, mas a
culpas individuais que não devem recair sobre a sociedade.
Com Ronald Reagan e Margaret Thatcher surge a corrente do
neoliberalismo que reforça e difunde algumas convicções
conservadoras.
O que é o Neoliberalismo? É um termo que vem sendo u�lizado a
par�r do �nal dos anos 1980 e que tem sido empregado em economia
polí�ca e economia do desenvolvimento, em subs�tuição a outros
termos anteriormente u�lizados, tais como monetarismo,
neoconservadorismo, consenso de Washington, para descrever o
ressurgimento de ideias derivadas do capitalismo laissez-faire
(apresentadas pelo liberalismo clássico). Seus defensores advogam em
favor de polí�cas de liberalização econômicas extensas, como as
priva�zações, austeridade �scal, desregulamentação, livre comércio e o
corte de despesas governamentais a �m de reforçar o papel do setor
privado na economia. Este modelo tem como patronos Friedrich Hayek
(Escola Austríaca de economia) e Milton Friedman (Escola de Chicago).
O modelo neoliberal da economia tem muitos aspectos posi�vos, mas
apresenta também efeitos indesejáveis. Algumas polí�cas neoliberais
podem ter efeitos nocivos de longo prazo, dado que, em vez de gerar
crescimento, aumentam as desigualdades, colocando em risco uma
expansão econômica duradoura. Por outro lado, o Estado
intervencionista (regime esta�zante) é corrupto, ine�ciente e perverso.
O presidente Ronald Reagan, um expoente do Neoliberalismo, certa vez
disse: “Não espere que a solução venha do governo. O governo é o
problema”.
Na minha opinião, o Estado deve ser enxuto e competente e
concentrar seus recursos no desenvolvimento tecnológico e nas áreas
sociais (educação, saúde, segurança pública, saneamento básico). O
Estado deve abrir a economia para o exterior: es�mulando a
produ�vidade, a concorrência e o livre mercado e criar um ambiente de
segurança jurídica para os inves�dores externos. Assegurar a
materialização das reformas essenciais (da previdência, tributária,
administra�va e polí�ca) é preciso. Combater a burocracia para tornar o
Estado mais ágil e, por via de consequência, proporcionar melhores
serviços públicos ao cidadão e livrar as empresas da parafernália dos
regulamentos. Adotar uma polí�ca de priva�zações e concessões, com a
venda de alguns a�vos do Estado. Na área econômica é preciso elaborar
uma polí�ca �scal rigorosa (que corrija o descontrole das contas
públicas), que mantenha a in�ação sob controle e assegure uma taxa de
juros decente. Como consertar o Brasil? O nosso Tom Jobim já dizia: “O
Brasil não é para principiantes”.
No Brasil a tenta�va do Estado de regulamentar a economia, que
teve início no governo Lula e a�ngiu o seu clímax no governo Dilma, foi
uma catástrofe que culminou na maior recessão econômica da historia
do país, cuja consequência foi o alto nível de desemprego (mais de 13
milhões de desempregados) e um elevado dé�cit �scal).
A Era Digital – com o concurso da Inteligência Ar��cial e de novas
tecnologias – promete a sociedade da abundância. Entretanto é preciso
repensar uma Nova Ordem Socioeconômica Mundial, que deve priorizar
os bene�cios da abundância e neutralizar os efeitos indesejáveis
(desemprego estrutural, crescimento populacional explosivo,
aquecimento global, desmatamento indiscriminado, catástrofes
ambientais, desumanização do mundo...). Conforme abordamos, ao
longo deste texto, as tecnologias avançadastêm inspirado muitas
distopias na forma de �cção cien��ca (Frankenstein ou o Prometeu
Moderno – Mary Shelley; Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley; 1984
– George Orwell; O Médico e o Monstro – Robert Louis Stevenson ...).
Alguns especialistas em IA do presente fazem previsões sinistras: “Lá
adiante – num futuro remoto – as máquinas assumirão o controle do
planeta e as teorias polí�cas serão irrelevantes. O regime será
tecnocrá�co e a governança será assegurada por Algoritmos Inteligentes
(AI). Nós, seres humanos – habitantes deste planeta em plena
Revolução 4.0- não seremos atores nem testemunhas dessa distopia
tecnológica.” Mas é possível que num futuro, ainda incerto, essa
previsão venha a se materializar.
Eu quero alertar o leitor que essa Nova Ordem Socioeconômica
Mundial nada tem a ver com a delirante teoria conspiratória do
Globalismo.
Eu quero recuperar no �nal deste texto um pensamento que foi
exposto no seu início: Na longínqua pré-história, quando o homem
primi�vo andava pelas savanas, um deles olhou deslumbrado para um
céu estrelado e, em nome da espécie, indagou: – Quem somos nós, de
onde viemos, para onde vamos, qual o signi�cado da vida? E o mistério
con�nua, apesar do ver�ginoso avanço do conhecimento! Aqui cabe
uma citação do �sico alemão Max Planck: “ A ciência não pode resolver
o mistério de�ni�vo da natureza porque, em úl�ma análise, nós somos
parte do mistério que estamos tentando resolver.”
O conteúdo deste livro revela apenas a ponta do iceberg e é
impossível fazer previsões do futuro do planeta Terra, mas eu deixo,
para a meditação do leitor, algumas questões ins�gantes e
preocupantes:
1. A humanidade tem futuro no planeta Terra?
2. Deveríamos colonizar o espaço?
3. A inteligência ar��cial vai superar a inteligência humana?
4. É possível fazer uma reengenharia do cérebro humano através da
gené�ca, biotecnologia, neurociência, nanotecnologia e inteligência
ar��cial?
5. Uma sociedade utópica pode ser materializada na era digital? Ou
colocado em outros termos: Os seres humanos serão felizes numa
sociedade hipertecnológica ou Pan-Digital?
6. E para encerrar, veja o leitor a questão colocada pelo matemá�co
e especialista em informá�ca Terry Winograd: “ Será que, em razão
de uma tecnologia cada vez mais e�caz e devoradora, não nos
tornaremos uma sociedade atomizada/automa�zada,
escravizadora/escravizada por ‘golems’ aperfeiçoados, que se
comunicam por códigos binários? Ou saberemos, ao contrário,
conceber ‘robôs pensantes’ capazes de se autorevisarem graças à
sua IA, e assim estarem aptos para ‘cooperar’ com os seres
humanos que os conceberam”?
O leitor, que me acompanhou até aqui, pôde perceber que diversos
cenários vêm sendo imaginados para a sociedade do futuro. E me
parece oportuna a citação do cien�sta da computação Alan Kay: “A
melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo”.
Num mundo tecnocêntrico em rápida transformação é preciso
exercer a sabedoria, que é um conhecimento que compreende. É uma
espécie de conhecimento temperado pelo juízo, na opinião de André
Malraux. Entretanto, não está fora de propósito acreditar que a era da
ciência e da técnica representa o começo do �m da humanidade.
* Termodinâmica é a parte da �sica que estuda as relações entre as energias térmica e
mecânica e a conversão de uma em outra. Num sen�do geral, a segunda lei da
termodinâmica a�rma que as diferenças entre sistemas em contato tendem a igualar-
se. As diferenças de pressão, densidade e, par�cularmente, as diferenças de
temperatura tendem a equalizar-se. Isto signi�ca que um sistema isolado chegará a
alcançar uma temperatura uniforme. Uma máquina térmica é aquela que provê
trabalho graças à diferença de temperatura entre dois corpos. Dado que qualquer
máquina termodinâmica requer uma diferença de temperatura, se deriva pois que
nenhum trabalho ú�l pode extrair-se de um sistema isolado em equilíbrio térmico, isto
é, requererá de alimentação de energia do exterior. A segunda lei se usa normalmente
como a razão pela qual não se pode criar uma máquina de movimento perpétuo (moto
con�nuo).
Na sociedade digital nós �camos impregnados por signos e imagens.
Em 1972 eu li um dos principais livros de Marshall McLuhan: “A
Galáxia de Gutenberg”. McLuhan foi um importante pensador
canadense que revolucionou os conceitos na área da comunicação a
par�r dos anos 60 do século XX. Ele teve sacadas originais nessa área e
cunhou frases do �po “o impacto sensorial”, “o meio é a mensagem” e
“aldeia global”, que se tornaram metáforas da sociedade da
comunicação. Os seus estudos teóricos a respeito da comunicação
mudaram conceitos cristalizados; além disso ele foi um precursor da
midiologia. Ele foca a importância dos meios de comunicação como
extensões do homem (Understanding media: the extensions of man). Ele
descreve a televisão através de uma frase que �cou famosa: TV – a
imagem, o som e a fúria.
Inspirado em McLuhan, eu escrevi um ar�go “Imagem: o novo ópio
da sociedade”, publicado no Caderno de Sábado, do Jornal da Tarde
(Grupo Estado) em 14/10/1989. Vamos a ele.
Joel de Rosnay conta no seu livro “Le Cerveau Planétaire” (Olivier
Orban, Paris, 1986) uma anedota a propósito da invenção da imprensa.
Quando Gutenberg saiu de sua o�cina com o primeiro texto impresso,
três pessoas o aguardavam: um o�mista, um pessimista e um polí�co. O
o�mista lhe disse: – Sua invenção é fantás�ca, é a revolução do século,
vamos en�m poder difundir a cultura para o mundo inteiro. O
pessimista, por seu lado, ponderou: – Sua invenção me parece muito
perigosa, pois vai suprimir o trabalho dos escribas e dos monges que
copiam os manuscritos. E o polí�co considerou com gravidade: – A
situação é muito preocupante, o povo vai redigir textos subversivos, é
preciso estabelecer a censura. Qual deles estava com a razão? Todos os
três �nham e não �nham razão ao mesmo tempo. O o�mista, porque a
imprensa permi�u a difusão da cultura, mas também deu amparo à
publicidade poluidora, manipuladora e, nos dias de hoje às chamadas
Fake News. O pessimista, porque a novidade provocou desemprego
momentâneo entre os monges copistas, mas ao longo do tempo criou
empregos em outras áreas. O polí�co, porque se ins�tucionalizou a
censura, mas, por outro lado, a imprensa foi o veículo que difundiu a
“Declaração dos Direitos Humanos”. É preciso pensar e repensar a
interação novas tecnologias/sociedade. A incorporação de novas
tecnologias provoca no organismo social – a curto, médio e longo prazos
– modi�cações posi�vas e/ou nega�vas. Entre os engenhos tecnológicos
e as sociedades se produzem convergências, divergências, cruzamentos,
sinergias, antagonismos, inibições e tantos outros fenômenos.
No presente, usando um mcluhanismo, estamos saindo da galáxia de
Gutenberg e a sociedade está sob choque informá�co. O mundo se
transformou num happening, onde a imagem é uma espécie de ópio da
sociedade. Graças à televisão, à telemá�ca, aos satélites ar��ciais, às
�bras óp�cas, aos computadores ... o mundo se transformou na “aldeia
global” de McLuhan. Alguns teóricos da comunicação acham que só
agora, com a internet e o celular, é que o conceito de “aldeia global”
começa a se concre�zar. Era uma vez Gutenberg...
A criança, em decorrência de sua socialização, vai criando uma
representação do mundo através da instrumentalização da família que a
cerca e, numa etapa subsequente, através da escolarização. Durante
esse período, a criança �ca impregnada de valores é�cos, sociais,
religiosos e culturais de cunho ni�damente unipolar. Esse conjunto de
estereó�pos e clichês, con�gurando um sistema de valores, só irá ser
confrontado numa etapa ulterior de escolarização mais avançada e
pro�ssionalização (começando na adolescência e prosseguindo na vida
adulta). Além da família, da escola, da religião, do Estado, a sociedade
possui outros meios para direcionar o ser humano e moldá-lo de acordo
com os padrões do sistema. Entre estes avultam os meios de
comunicação, largamente empregados pelo poder cons�tuído nos
Estados modernos. A revolução tecnológica,detendo posições de
controle e decisão, manipula cada vez mais o homem, enquanto os
meios de comunicação indicam “as nossas necessidades”. O ser humano
da civilização pós-industrial está sujeito, no seu dia-a-dia, a uma
avalanche de dados, mensagens publicitárias, fatos, acontecimentos,
tornando até di�cil a sua tarefa de decidir o que é relevante. A imagem
invadiu o co�diano do cidadão através da tecnologia eletrônica, e ele
tem de lidar mais com signos do que com ideias. Na expressão de
Poniatowski: “Nós estamos numa sociedade em que o olho que registra
(imagem) tende a subs�tuir o olho que re�ete (leitura), acentuando a
passividade psicológica, até o aniquilamento do espírito crí�co”. O
receptor das mensagens é passivo e raramente tem condições de
dialogar com a fonte emissora; isso signi�ca que o des�natário pode ser
manipulado, ao passo que a fonte tem a liberdade de inicia�va. Hoje,
com a internet, é possível interagir com a fonte [embora nem sempre],
mas mesmo assim o risco de manipulação ainda está bem presente. Já
McLuhan a�rmava que a internet retribalizou os internautas, de sorte
que eles permanecem no seu nicho e os diálogos �cam restritos aos que
pensam igual. Este �po de comportamento mata o debate e o exercício
do pensamento crí�co.
Por outro lado, observe-se o caso especí�co da publicidade: embora
se possa rejeitar uma mensagem publicitária, se ela se origina daquilo
que se considera uma fonte tendenciosa, mais tarde pode-se esquecer a
origem da fonte e �car in�uenciado pela mensagem. E se a propaganda
for indireta e su�l, pode marcar o des�natário até de modo mais ní�do
que a propaganda ostensiva. O espectro do Big Brother (de Orwell)
ronda permanentemente a sociedade das telecomunicações. Não
obstante a ação-intenção manipulatória da informação veiculada, é
preciso considerar que este fenômeno não é linear, de mão única. No
estágio de capilarização da mensagem, sente-se que a sociedade não é
um organismo amorfo, de tal modo que a micro�sica social tem
mecanismos, quase invisíveis, que vão interagir com as mensagens, a
�m de absorvê-las, rejeitá-las ou transformá-las.
Diz a sabedoria chinesa: “Uma imagem vale mais do que mil
palavras”. É possível que em determinadas circunstâncias esse provérbio
traduza a verdade dos fatos, entretanto a imagem é mais volá�l. O
cien�sta polí�co Noberto Bobbio ressalta que a televisão não transmite
ideias, transmite imagens. Cita um episódio de seu comparecimento a
um programa de TV, e ao chegar em casa seus familiares falaram
entusiasmados que haviam assis�do à sua entrevista. Ao perguntar a
eles o que se havia dito no programa, ninguém soube responder; já
�nham esquecido, se é que assimilaram. Até certo ponto é possível que
haja uma compe�ção entre es�mulos verbais e de imagem. En�m,
descontando o radicalismo de Bobbio, é possível que a televisão pouco
contribua para a incorporação de conhecimento. Além do que os
avançados meios tecnológicos de comunicação procuram dar charme ao
acontecimento e acabam transformando a mensagem num espetáculo.
É o mundo hiper-real criado pela técnica. É uma espécie de sociedade
do espetáculo.
O nosso país, com uma massa enorme de iletrados, faz um curto-
circuito saltando da era gutenberguiana para ingressar na era icônica,
cujo instrumental é pensar com signos e imagens. O mesmo fenômeno
ocorre com as crianças, que usam em tenra idade o Ipad e também
frequentam com assiduidade a tevê antes de aprender a ler e escrever.
Diz o antropólogo Claude Lévi-Strauss que os seres das sociedades
primi�vas pensam com imagens tão bem como aqueles que u�lizam
conceitos nas sociedades desenvolvidas. Entretanto são culturas
diferentes, além do que as analogias são às vezes perigosas. A civilização
da escrita [para organizar o pensamento] exige ideias e nós estamos
caminhando celeremente para uma sociedade iconizada, em que o
sapiens vai sendo impregnado por signos e imagens.
A revolução tecnotrônica está provocando uma relação abissal entre
o ser leitor (gutenberguiano) e o ser que registra a imagem (iconizado).
A nossa mente trabalha muito com situações globais (gestál�cas), que
são mais fáceis de assimilar através da imagem concreta do que através
da informação audioverbal ou visuográ�ca. Daí a grande atração pelos
meios que se u�lizam da imagem. Na expressão de Sartori, a palavra
vem sendo destronada pela imagem. E prossegue, tudo se torna
visualizado. E pergunta: – “Neste caso o que vai acontecer com as coisas
que não são visíveis , que cons�tuem de fato a maior parte da
realidade?” Parece que o gênio saiu da garrafa e não há como recolocá-
lo de volta. O texto impresso é mais laborioso para assimilar: exige
aprendizagem, análise e re�exão. Refere Roszak: “A nova família
eletrônica lerá sua correspondência e as no�cias da hora em uma tela
de vídeo; fará transações bancárias, compras, inves�mentos, aprenderá
e jogará neste terminal intera�vo. Ninguém necessitará nem mesmo de
deixar sua casa, que se tornará escola e local de trabalho, devido à
possibilidade de acesso às redes de informação que circundam a Terra”.
Essa previsão de Roszak já é uma realidade no mundo de hoje.
No mundo da técnica triunfante, a era da linguagem está sendo
subs�tuída pelo cálculo, pelos signos e pelas imagens, e os poetas
caminham para uma afasia irrecuperável? Espero que não, entretanto já
estamos vivendo numa sociedade digital e quem não domina a
linguagem da informá�ca é pra�camente analfabeto funcional. Era uma
vez Gutenberg? A conferir nos próximos decênios.
Capítulo 1 – Inteligência arti�cial – para onde caminha a
humanidade?
1. Asimov, I – Eu, Robô. Aleph, São Paulo, 2014.
2. Canton, J. – Technofutures: Como a Tecnologia de Ponta Transformará a Vida no
Século 21. Best Seller, São Paulo, 2001.
3. Exame – Como construir o Brasil 4.0. Edição Especial, 30/05/2018.
4. Harari, Y. N. – Homo Deus: Uma breve história do amanhã. Companhia das Letras,
São Paulo, 2016.
5. Howard, Ph. N. – Pax Technica: How the Internet of Things May Set Us Free or Lock
Us Up. New haven, CT: Yale University Press, 2015.
6. Kaku, M. – O Futuro da Mente. Rocco, Rio de Janeiro, 2015.
7. Kurzweil, R. – A Era das Máquinas Espirituais. Aleph, São Paulo, 2007.
8. Lagercrantz, D. – A morte e a vida de Alan Turing. Companhia das Letras, São Paulo,
2017.
9. Llosa, Mario Vargas – O Chamado da Tribo. Grandes pensadores para nosso tempo.
Obje�va, Rio de Janeiro, 2019.
10. Mlodinow, L – De Primatas a Astronautas: A jornada do homem em busca do
conhecimento. Zahar, Rio de Janeiro, 2015.
11. Pistono, F. – Os Robôs Vão Roubar seu Trabalho, Mas tudo Bem.
Portofolio/Penguin, São Paulo, 2017.
12. Runciman, D. – Como a Democracia Chega ao Fim. Todavia, São Paulo, 2018.
13. Sanvito, W. L. – The Brain/Mind Complex – An Epistemological Approach. Arq.
Neuropsiquiat. 1991 – 19 (3): 241-250.
14. Sanvito, W. L. – O Cérebro e Suas Vertentes. Roca (2ª edição), São Paulo, 1991.
15. Sanvito, W. L. – Inteligência Biológica versus Inteligência Ar��cial – Abordagem
crí�ca. Arq. Neuropsiquiat. 1995 – 53 (3-A): 361-368.
16. Scheps, R. (Org.) – O Império das Técnicas. Papirus, Campinas – SP, 1996.
17. Vilicic, F. & Brito, S. – Velocidade máxima. Revista Veja, 06/10/2019.
Capítulo 2 – O novo desa�o ludita
1. de Masi, D. – Uma Simples Revolução. Trabalho, ócio e cria�vidade – novos rumos
para uma sociedade perdida. Sextante, Rio de Janeiro, 2019.
2. Kurzweil, R. – A Era das Máquinas Espirituais. Aleph, São Paulo, 2007.
3. Pistono, F. – Os Robôs Vão Roubar seu Trabalho, Mas Tudo Bem. Portofolio/Penguin,
São Paulo, 2017.
Capítulo 3 – Idiotas digitais
1. Eco, U. – A Memória Vegetal. Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2010.
2. Eco, U. & Carrière, J. C. – Não contem com o �m do livro. Record, Rio de Janeiro –
São Paulo, 2010.
3. Green�eld, S. – Computadoes melhoram nosso QI, mas reduzem nossa inteligência?
In 21 Ideias do Fronteiras do Pensamento – para compreender o mundo atual (Org.:
Fernando Schüler e Eduardo Wolf) Arquipélado Editorial, Porto Alegre, 2017.
Capítulo 4 – CarrosRecomendadas
Introdução
A minha proposta é abordar um tema de alto impacto no mundo
contemporâneo. Trata-se da inteligência ar��cial (IA) e seus
desdobramentos. Efe�vamente a IA permeia o nosso co�diano e já
estamos vivendo na chamada “Era Digital”.
E para começar vamos desembarcar exatamente na estação
inteligência. O conceito de inteligência é extremamente polêmico e
muitas são as de�nições no mercado das ideias. Na minha opinião,
inteligência é a capacidade de um sistema de lidar com o mundo, é a
capacidade de traçar estratégias para solucionar problemas, é a
capacidade de lidar com novidades. Para Albert Einstein inteligência não
é conhecimento, mas sim imaginação. Ponto.
A inteligência pode ser desdobrada em dois �pos: a inteligência
biológica (própria dos animais e que a�nge o seu mais alto grau na
espécie Homo sapiens) e a inteligência ar��cial, que será abordada
neste texto. O meu interesse pela IA começa no início dos anos 1990,
quando inclui na 2ª edição do livro “O Cérebro e Suas Vertentes”
(Editora Roca, São Paulo, 1991) um capítulo denominado “Homo sapiens
versus Machina sapiens”. Naquela oportunidade eu inseri, no prólogo
do livro, um poema sobre a caminhada do homem – desde os
primórdios da humanidade até a idade contemporânea. Esse poema
merece hoje o �tulo “De primatas a astronautas”. Vamos reproduzi-lo
aqui, pela sua per�nência na evolução de nossa espécie.
De primatas a astronautas*
O primata assumiu a postura ver�cal
E assim nasceu o Homo erectus
O homem fabricou os seus engenhos
E assim nasceu o Homo faber
O homem adquiriu a linguagem
E assim nasceu o Homo sapiens
O homem descobriu o diver�mento
E assim nasceu o Homo ludens
O homem criou o Estado
E assim nasceu o Homo poli�cus
O homem fez a guerra
E assim nasceu o Homo terribilis
O homem criou a automação
E assim nasceu o Homo “ciberne�cus”
O homem deu um passo no cosmo
E assim nasceu o Homo astronauta
E agora, para onde?
Homo incognitus
Que diferença entre o homem que caminhava pelas savanas e este
que caminha no espaço sideral! Aqui �ca evidente que o ser humano é
um subproduto de sua evolução biológica e cultural. Na hominização
(processo evolu�vo que leva ao desenvolvimento das caracterís�cas
humanas, dis�nguindo os hominídeos de outros primatas) predomina o
biológico – na humanização predomina o cultural. A civilização do Homo
sapiens, na sua caminhada, vem lidando com sucessivas transformações
da sociedade: 1) revolução agrícola; 2) revolução industrial ; 3)
revolução digital.
Mais adiante eu tentarei responder, através de vários cenários, o
ques�onamento colocado no poema.
Inteligência arti�cial – conceito
A expressão inteligência ar��cial foi introduzida pelo cien�sta da
computação John McCarthy em 1956, durante uma conferência na
universidade de Dartmouth (Estados Unidos). Ele foi um dos fundadores
do grupo de IA juntamente com Marvin Minsky, Allen Newell, Herbert A.
Simon, Warren McCulloch, Walter Pi�s... A ideia de um ser pensante
ar��cial – o Golem (feito de barro) – já aparece numa narra�va
mitológica judaica há milênios. Outro pioneiro nesta área foi o húngaro
John von Neumann, considerado o “pai” da Vida Ar��cial. Von
Neumann, grande matemá�co, se aprofundou na teoria dos
“autômatos”. Ele chegou a criar um organismo ar��cial (célula
autômata), que reproduzia a si mesma do mesmo modo que uma célula
viva, por meio de uma série de instruções que a informavam como
deveria agir e se reproduzir. A IA se ocupa da programação de
computadores com graus de lógica, “raciocínio”, análise e tomada de
decisões. Redes ar��ciais avançadas procuram imitar as funções do
cérebro humano. De sorte que a IA é uma área interdisciplinar do
conhecimento que recebe importantes contribuições das ciências da
computação (incluindo aí a informá�ca), mas também da neurociência,
da ciência cogni�va, da psicologia, da �loso�a, da linguís�ca, da
biotecnologia, da lógica, da �sica, da matemá�ca... Alguns pensadores e
cien�stas encaram a IA apenas como uma técnica e não como uma área
geradora de conhecimento. A IA tem como prato de resistência
algoritmos inteligentes (AI). Os matemá�cos gregos já exploravam esse
conceito: “uma sequência de passos ou ações para se chegar a um único
e preciso resultado”. No século XVIII houve o casamento da técnica com
a ciência e essa união (tecnociência) permi�u o avanço acelerado do
conhecimento e a implementação de novas técnicas até a�ngir a era
digital. De sorte que a IA depende dessa união indissolúvel entre ciência
e técnica.
Na economia contemporânea, um dos a�vos mais valiosos não é
representado por bens �sicos. É informação. O homem é um animal
informívoro.
Estamos vivendo num mundo hipertecnológico e as tecnologias da
era digital impactam nosso modo de vida. Já o pensador Jacques Ellul e
o �lósofo Mar�n Heidegger teorizaram a propósito da autonomia da
técnica – cada um a seu modo. O francês Ellul ponderava que a técnica
cons�tui um sistema e que, ao lado dos elementos econômicos ou
propriamente técnicos, no sen�do clássico do termo, existem elementos
novos, que dizem respeito precisamente a essa lógica interna de uma
técnica que remete a si mesma. Para o alemão Heidegger a lógica é
“des�no” – é uma nova disposição em relação às coisas e às maneiras
de organizá-las. Ela é, portanto, decisiva para todos os aspectos da vida
– e, de certo modo, totalitária, pois decide nossa a�tude em relação às
coisas – ela é, em suma, do des�no, pois ninguém pode realmente
escapar dela.
E, cada vez mais, as chamadas tecnologias disrup�vas podem mudar
completamente o modo como as coisas são feitas. O vocábulo inglês
disrup�ve pode ter vários signi�cados em português: perturbador,
ruptura, desordenado, quebrar, destruir... Alguns chegam a a�rmar que
uma tecnologia disrup�va é revolucionária. Nem todas as tecnologias
são disrup�vas; é preciso que a tecnologia cause impacto no mercado e
nos hábitos e costumes da sociedade. Ela é uma espécie de destruição
cria�va. Exemplos de inovação disrup�va: 1) Wikipedia, que aboliu a
pro�ssão de vendedores de enciclopédia e serviços pagos de
enciclopédia on-line; 2) Serviços como o Ne�lix, que jogaram para
irrelevância as vídeo-locadoras; 3) Google, que acabou com as listas
telefônicas; 4) telefonia móvel que está reduzindo o uso da telefonia
�xa...
Tipos de inteligência arti�cial
A IA é desdobrada em dois �pos: IA forte e IA fraca, embora não seja
comum este �po de desdobramento em publicações mais recentes
sobre a inteligência ar��cial. A IA forte tenta replicar no cérebro de
silício a inteligência humana. Os seus avanços são lentos e mais adiante
comentarei alguns projetos que estão sendo implementados em alguns
centros de IA forte. A IA fraca privilegia o estudo dos sistemas
especialista, focando o programa do sistema numa determinada tarefa
ou, às vezes, em mais de uma tarefa. É a área da robó�ca, cujo avanço
tem sido exponencial nas úl�mas décadas. A robó�ca combina
inteligência ar��cial e engenharia mecânica. Robô deriva da palavra
tcheca robota, que signi�ca trabalho forçado. O escritor tcheco Karel
Capek escreveu uma peça na qual exis�a um autômato com forma
humana, capaz de fazer tudo em lugar do homem – uma espécie de
trabalho escravo. O robô pode ser virtual – quando não apresenta uma
forma �sica aparente – e androide ou humanoide , quando se
assemelha a um ser humano. Hoje, com o avanço exponencial da
robó�ca, a divisão de IA forte e IA fraca vem sendo pouco usada.
Os robôs atuam em muitas esferas de a�vidade na sociedade
contemporânea. Muitas vezes ele auxilia o ser humano, mas já começa a
subs�tuir a mão de obra humana tanto nas tarefas malditas como nas
nobres. O “cardápio” dos robôs é extremamente diversi�cado: robô
industrial, robô-cirurgião, robô secretário (nos escritórios), robôs lúdicos
(enxadrista, dançarino, brinquedos infan�s), robô regente de orquestra,
robô domés�co, robô jardineiro, robô para tratar o lixo tóxico, robôs no
sistema bancário, robôs para exploração em territórios subaquá�cos,
robôs para exploração de outros planetas,autônomos
1. Hartley, S. – O Fuzzy e o Techie. Bei, São Paulo, 2017.
2. Kaku, M. – Visões do Futuro. Rocco, Rio de Janeiro, 2001.
3. VEJA – 28/03/2018.
Capítulo 5 – Rumo a uma sociedade psicocivilizada
1. Delgado, J. M. R. – Control Físico de la Mente. Hacia una Sociedad Psicocivilizada.
Espasa-Calpe, Madrid, 1980.
2. Kaku, M. – A Física do Futuro. Rocco, Rio de Janeiro, 2012.
3. Sanvito, W. L. – O Nó do Mundo: Miniensaios Quase-Cien��cos/Quase-Filosó�cos.
Atheneu Editora, São Paulo, 1994.
4. Sanvito, W. L. – As Lembranças Que Não se Apagam (Quase Memórias). Atheneu
Cultural, São Paulo, 2009.
Capítulo 6 – Contratecnologia
1. Kaku, M. – O Futuro da Mente. Rocco, Rio de Janeiro, 2015.
2. Henriques, M. & Barros, N. – Olá, Consciência!: Uma viagem pela �loso�a. É
Realizações, São Paulo, 2013.
Capítulo 7 – As utopias tecnotrônicas
1. Sanvito, W. L. – O Cérebro e suas Vertentes. Roca, São Paulo, 1991.
Capítulo 8 – O fuzzy e o techie
1. Dreyfus, H. – What computers can´t do: A cri�que of ar��cial reason. Harp & Row,
New York, 1972.
2. Hartley, S. – O Fuzzy e o Techie. Bei, São Paulo, 2017.
3. Zadeh, L. A. – The role of fuzzy logic in the management of uncertainty in expert
systems. Fuzzy Sets and Systems. 11 (3): 199, 1983.
Capítulo 9 – O cérebro quântico
1. Gleiser, M. – A Ilha do Conhecimento. Editora Record, São Paulo, 2014.
2. Kaku, M. – O Futuro da Mente. Rocco, Rio de Janeiro, 2015.
3. Penrose, R. – A Mente Nova do Rei – computadores, mentes e as leis da �sica.
Campus, Rio de Janeiro, 1993.
4. Shermer, M. – Cérebro & Crença. JSN, São Paulo, 2012.
Capítulo 10 – Pensar a cultura no mundo contemporâneo
1. Chalita, G. – Vivendo a Filoso�a. Á�ca, São Paulo, 2006.
2. De Masi, D. – Uma Simples Revolução. Trabalho, ócio e cria�vidade – novos rumos
para uma sociedade perdida. Sextante, Rio de Janeiro, 2019.
3. Dupré, B. – 50 Grandes Ideias da humanidade que você precisa conhecer. Planeta,
São Paulo, 1016.
4. Hartley, S. – O Fuzzy e o Techie. Bei, São Paulo, 2017.
5. Henriques, M. & Barros, N. – Olá, Consciência!: Uma viagem pela �loso�a. É
Realizações, São Paulo, 2013.
6. Lévy, P. – Cibercultura. Editora 34, São Paulo, 1999.
7. Lipovetsky, G. & Serroy, J. – A Cultura-Mundo. Resposta a uma sociedade
desorientada. Companhia das Letras, São Paulo, 2011.
8. Puchner, M. – O Mundo da Escrita. Companhia das Letras, São Paulo, 2019.
9. Quintana, M. – Da Preguiça como Método de Trabalho. Globo, Rio de Janeiro, 1987.
10. Sanvito, W. L. – A Aventura Humana em Miniensaios. Editora dos Editores, São
Paulo, 2019.
11. Schwanitz, D. – Cultura Geral. Tudo o que se deve saber. Mar�ns Fontes, São Paulo,
2007.
Capítulo 11 – Repensando o sentido da vida na era digital
1. Fukuyama, F. – Nosso Futuro Pós-Humano. Rocco, Rio de Janeiro, 2003.
2. Hawking, S. – Breves Respostas para Grandes Questões. Intrínseca, Rio de Janeiro,
2018.
3. Huxley, A. – Admirável Mundo Novo. Globo, Rio de Janeiro, 1997.
4. Kuhn, Th. – A Estrutura das Revoluções Cien��cas. Editora Perspec�va, São Paulo,
1997.
5. Kujawski, G. – O Sen�do da Vida. Gaia, São Paulo, 2010.
6. Lyotard, J. F. – A Condição Pós-Moderna. José Olympio, Rio de Janeiro, 2009.
7. Penrose, R. – A Mente Nova do Rei – computadores, mentes e as leis da �sica.
Campus, Rio de Janeiro, 1993.
Capítulo 12 – Violência: um tema revisitado da antiguidade à era
digital.
1. Grayling, A. C. – A Arte de Ques�onar. A �loso�a do dia a dia. Fundamento, São
Paulo, 2014.
2. Pinker, S. – Os Anjos Bons da Nossa Natureza. Companhia das Letras, São Paulo,
2013.
3. Sanvito, W. L. – Biologização do crime. Jornal da Tarde (Grupo Estado) 24/10/1992.
4. Sanvito, W. L. – O culto à violência no mundo moderno. In Ensaios Nada
Convencionais. Atheneu, Rio de Janeiro, 2017, pg 39-49.
Capítulo 13 – A utopia do ócio
1. De Masi – O Ócio Cria�vo. Sextante, Rio de Janeiro, 2.000.
2. De Masi, D. – Uma Simples Revolução. Trabalho, ócio e cria�vidade – novos rumos
para uma sociedade perdida. Sextante, Rio de Janeiro, 2019.
3. Dupré, B. – 50 Grandes Ideias da Humanidade que você Precisa Conhecer. Planeta,
São Paulo, 2016.
4. Russell, B. – O Elogio ao Ócio. Sextante, Rio de Janeiro, 2002.
5. Sanvito, W. L. – A Utopia do Ócio. In Ensaios Nada Convencionais. Atheneu, Rio de
Janeiro, 2017, pg. 59-66.
Capítulo 14 – Epílogo
1. Camus, A. – O Mito de Sísifo. Editora Livros do Brasil, Lisboa, 1979.
2. Canton, J. – Technofutures: Como a tecnologia de ponta transformará a vida no
século 21. Best Seller, São Paulo, 2001.
3. Cas�, J. – O Colapso de Tudo: os eventos extremos que podem destruir a civilização
a qualquer momento. Intrínseca, Rio de Janeiro, 2012.
4. Cérebro: 50 conceitos e ideias fundamentais explicados de forma clara e rápida.
Editor Anil Seth, Publifolha, São Paulo, 2018.
5. Costa, A. – Introdução à Nova Ordem Mundial. Vide Editorial, Campinas, 2015.
6. De Masi, D. – Uma Simples Revolução. Trabalho, ócio e cria�vidade – novos rumos
para uma sociedade perdida. Sextante, Rio de Janeiro, 2019.
7. De Masi , D. – O Mundo Ainda é Jovem – Conversas sobre o Futuro Próximo com
Maria Serena Palieri. Ves�gio, São Paulo, 2019.
8. Dupré, B. – 50 Grandes Ideias da Humanidade que Você Precisa Conhecer. Planeta,
São Paulo, 2016.
9. Gleiser, M. – Criação Imperfeita – Cosmo, Vida e o Código Oculto da Natureza.
Editora Record, São Paulo, 2010.
10. Harari, Y. N. – Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. L&PM, Porto Alegre,
2019.
11. Harari, Y. N. – Homo Deus: Uma breve história do amanhã. Companhia das Letras,
São Paulo, 2016.
12. Harari, Y. N. – 21 lições para o século 21. Companhia das Letras, São Paulo, 2018.
13. Hawking, S. – Breves Respostas para Grandes Questões. Intrínseca, Rio de Janeiro,
2018.
14. Henriques, M. & Barros, N. – Olá Consciência! Uma viagem pela �loso�a. É
Realizações, São Paulo, 2007.
15. Kaku, M. – Visões do Futuro. Rocco, Rio de Janeiro, 2001.
16. Kurzweil, R. – A Era das Máquinas Espirituais. Aleph, São Paulo, 2007.
17. Kurzweil, R. & Grossman, T. – A Medicina da Imortalidade. Aleph, São Paulo, 2019.
18. Morin, E. – Cultura de Massas no Século XX. Forense Universitária, São Paulo, 1969.
19. Morin, E. – Ciência com Consciência. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2005.
20. Oliveira, J. R. – O Homo faber, de usuário de ferramentas a objeto tecnológico.
Educação e Filoso�a v. 30 n. 59, p. 331-351, jan./jun. 2016.
21. Pessis-Pasternak, G. – A ciência: deus ou diabo? Unesp, São Paulo, 2001.
22. Rohmann, Ch. – O Livro das Ideias. Campus, Rio de Janeiro, 2.000.
23. Rosnay, J. – Le Cerveau Planétaire. Olivier Orban, Paris, 1986.
24. Sanvito, W. L. – O Nó do Mundo: Miniensaios Quase-Cien��cos/Quase-Filosó�cos.
Atheneu, São Paulo, 1994.
25. Sanvito, W. L. – O Homem Im(Perfeito). Atheneu, São Paulo, 2002.
26. Sanvito, W. L. – A Arte de Pensar e Outras Artes. Lemos, São Paulo, 1998.
27. Sanvito, W. L. – O Poder Encantatório das Palavras. Atheneu, São Paulo, 2011.
28. Sanvito, W. L. – Ensaios Nada Convencionais. Atheneu, São Paulo, 2017.
29. Sanvito, W. L. – A Aventura Humana em Miniensaios. Editora dos Editores, São
Paulo, 2019.
30. Wol�, F. – Três Utopias Contemporâneas. Editora Unesp, São Paulo, 2018.
1. Os seguintes dicionários foram consultados, como linha auxiliar, para a redação do
texto do livro “ A Inteligência Ar��cial – Para onde caminha a humanidade? Os
desa�os da era digital”. 1) Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda: Novo Aurélio
Século XXI. Nova Fronteira (3ª edição), Rio de Janeiro, 1999. 2) Sacconi, Luiz
Antonio: Grande Dicionário Sacconi da língua portuguesa: comentado, crí�co e
enciclopédico. Nova Geração, São Paulo, 2010.
	Folha de Rosto
	Créditos
	Prefácio Necessário
	Preâmbulo em Frases
	Capítulo 1 A Inteligência Artificial – Para Onde Caminha a Humanidade?
	Capítulo 2 O Novo Desafio Ludita
	Capítulo 3 Idiotas Digitais
	Capítulo 4 Carros Autônomos
	Capítulo 5 Rumo a uma Sociedade Psicocivilizada
	Capítulo 6 A Contratecnologia
	Capítulo 7 As Utopias Tecnotrônicas
	Capítulo 8 O Fuzzy e o Techie
	Capítulo 9 O Cérebro Quântico
	Capítulo 10 Pensara Cultura no Mundo Contemporâneo
	Capítulo 11 Repensando o Sentido da Vida na era Digital
	Capítulo 12 Violência: Um Tema Revisitado da Antiguidade à Era Digital
	Capítulo 13 A Utopia do Ócio
	Capítulo 14 Epílogo
	Post Scriptum – A Galáxia de Gutenberg
	Leituras Recomendadasrobô poliglota, robôs no
serviço de telemarke�ng, robôs nos carros autônomos... E o robô
costuma subs�tuir o ser humano, nas várias tarefas mencionadas, com
mais competência! É emblemá�co o caso do robô-cirurgião: testes, com
pacientes da mesma faixa etária e com a mesma patologia cirúrgica, têm
demonstrado que o ato pra�cado pelo robô é mais rápido e os
resultados são melhores do que o pra�cado pelo cirurgião humano.
Também os carros sem motorista (carros autônomos) são mais
e�cientes e seguros. O robô atua melhor que o humano sempre que o
trabalho é redu�vel a tarefas repe��vas que exigem grande quan�dade
de dados (Big Data), análises e reconhecimento de padrões.
A área da robó�ca tem evoluído de modo exponencial nas úl�mas
décadas e este avanço tem gerado um certo temor na civilização do
Sapiens, e suscitado indagações como – “O que acontecerá quando o
robô for autoconsciente de sua inteligência superior?” ou – “Como
vamos conviver com os robôs superinteligentes?’ Alguns cien�stas
fazem previsões sinistras: o robô rebelde vai ocupar o lugar do Sapiens,
o que vale dizer de escravo vai passar a ser senhor. Ou então, é bom
lembrar da advertência do General Omar Bradley: “Se con�nuarmos a
desenvolver a tecnologia sem sabedoria ou prudência, o servo pode
passar a ser carrasco”. Quando esse assunto é abordado, é imperioso
fazer uma menção ao grande mestre da �cção cien��ca: Isaac Asimov.
No livro “Eu, Robô” (1950), ele delineou “As leis da robó�ca”, que
caracterizam um relacionamento mestre-escravo. Elas são três, na
seguinte ordem: Primeira Lei – um robô não pode ferir um ser humano,
ou, por inação, permi�r que um ser humano seja ferido; Segunda Lei –
um robô deve obedecer as ordens dadas por seres humanos, exceto nos
casos em que tais ordens entrem em con�ito com a Primeira Lei;
Terceira Lei – um robô deve proteger sua própria existência desde que
tal proteção não entre em con�ito com a Primeira ou com a Segunda
Lei. Embora seja desejável a elaboração de marcos regulatórios na
relação homem-máquina, é impossível prever o comportamento do
robô superinteligente na era da Machina sapiens.
Os robôs podem, até mesmo, se empenhar numa conversa com
humanos – é o que se denomina no mundo digital de Chatbots.
Expressão em inglês da ferramenta que une as palavras chat (conversa)
e bot (abreviação de robot). Nas a�vidades do dia a dia da sociedade
digital os robôs podem executar, pra�camente, todas as a�vidades que
um atendente humano executa: perguntar, analisar, calcular, processar,
consultar, atualizar, enviar, receber, avisar, aprovar, registrar...
Recentemente vem se pesquisando muito na área dos robôs
colabora�vos – a meta é conseguir que estes �pos de robô trabalhem
ao lado dos humanos nas empresas – e máquinas com essa capacidade
são conhecidas como co-bots. Mais adiante vamos analisar as
consequências dessa robo�zação crescente das tarefas na sociedade
digital. A nanotecnologia trabalha com nanorrobôs – que são robôs
microscópicos u�lizados para os mais variados �ns. Também os drones
vêm sendo usados com maior frequência para delivery de mercadorias
de baixo peso (comida, remédios, livros...). Na China estão sendo
testados drones para transportar até uma tonelada em rotas �xas. O
grande problema é a falta de uma legislação especí�ca que permita
traçar normas para o uso deste �po de tecnologia. Os drones podem ser
usados como ciberarmas, na guerra digital. Se pudermos conectar um
cérebro humano à internet, ele terá toda a Wikipedia como recurso.
Personagens que impactaram o estudo da Ia
Para um melhor entendimento da evolução da IA, o conhecimento
de três personagens é impera�vo. Inicialmente o cien�sta da
computação Gordon Earle Moore da Intel formulou uma lei cujo
enunciado é “O computador dobra a sua capacitação a cada 18 meses”.
Essa lei, formulada em 1965, deveria se ex�nguir em 2015 porque o
ganho no desempenho do computador exige uma miniaturização
crescente dos transistores o que pode levar, com o tempo, a uma
inviabilização do equipamento. A lei ainda está em vigor, mas estuda-se
o emprego de novas tecnologias como o uso de nanotubos de carbono
ou mesmo a computação quân�ca.
A computação clássica (digital) com o surgimento dos transistores,
tem sua velocidade aumentada através da miniaturização dos
componentes. O limite �sico destes componentes é justamente o
tamanho quân�co. Na computação clássica, o processamento binário é
sequencial ( 0 – 1) ; na computação quân�ca, o processamento é
simultâneo (0 e 1 ao mesmo tempo) o que confere uma maior
velocidade à máquina. Veja o que diz Ray Kurzweil no seu livro “A Era
das Máquinas Espirituais” a respeito da computação quân�ca: “Até
agora estávamos falando de mera computação digital. Existe, na
verdade, uma abordagem muito mais poderosa, chamada computação
quân�ca. Ela promete a capacidade de resolver problemas que nem
mesmo computadores digitais maciçamente paralelos podem resolver.
Computadores quân�cos controlam um resultado paradoxal de
mecânica quân�ca. (...) O que é computação quân�ca? A computação
digital é baseada em bits (pedaços) de informação que estão ligados ou
desligados – zero ou um. Bits são organizados em estruturas maiores
como números, letras e palavras, que, por sua vez, podem representar
pra�camente qualquer forma de informação: texto, sons, imagens,
imagens em movimento. A computação quân�ca, por outro lado, é
baseada em qu-bit, essencialmente são zero e um ao mesmo tempo. O
qu-bit (bit quân�co) é baseado na ambiguidade fundamental inerente à
mecânica quân�ca. A posição, o momentum, ou outro estado de uma
par�cula fundamental permanece ‘ambígua’ até que um processo de
‘desambiguização’ faça com que essa par�cula ‘decida’ onde está, onde
esteve e que propriedades possui. (...) Esse processo de
‘desambiguização’ é chamado de desagregação quân�ca. (...) Já foi dito
que a computação quân�ca está para a computação digital como uma
bomba de hidrogênio está para fogos de ar��cio”. O que vale dizer que
a computação quân�ca representa um avanço extraordinário no
processamento da informação. Recentemente pesquisadores liderados
pelo Google anunciaram que um computador quân�co pode realizar,
em 200 segundos, uma operação que levaria 10 mil anos no
supercomputador clássico mais potente do mundo (O Estado de S.
Paulo, 27/10/2019). O feito agitou a comunidade cien��ca
internacional, e se esse experimento for con�rmado uma nova
revolução deverá ocorrer na ciência da computação, com
desdobramentos Imprevisíveis em todas as esferas da a�vidade
humana!
Por outro lado, a máquina – diferentemente dos humanos – não
precisa passar pela prova do desenvolvimento neuropsicomotor após o
nascimento. Assim o humano tem que aprender a sentar, a enga�nhar, a
andar, a falar, a escrever... e, essa prova, con�nua nas gerações
subsequentes. Conclusão: a “inteligência da máquina” dobra a cada 18
meses, enquanto a inteligência do Homo sapiens provavelmente
permanece estável desde o seu aparecimento (há 300 mil anos). A
computação quân�ca está ainda em nível experimental, mas já muito
próxima de dar o �ro de misericórdia no paradigma da Lei de Moore.
O segundo personagem é o lógico, matemá�co e criptoanalista
inglês Alan Turing – �gura muito conhecida nos meios cien��cos por ser
considerado um dos pais do computador moderno. Ele se tornou
conhecido também no meio leigo após o �lme de um episódio de sua
vida in�tulado “O jogo da imitação” (que ganhou um Oscar de melhor
roteiro em 2014). Turing teve um importante papel na Segunda Guerra
Mundial, ocasião em que decifrou os códigos nazistas o que contribuiu
para salvar a vida de milhões de ingleses. Turing elaborou um teste para
avaliar o desempenho do computador em relação ao desempenho do
ser humano. Para isso ele usou o sujeito A, o sujeito B e o computador C
, cada um fechado em um quarto e interconectados por um terminal de
computador. O sujeito A conversa com o sujeito B e o computador C e se
ele não conseguir dis�nguir qual é o humano e qual é o computador,
Turing a�rmava que o computador�nha passado pelo teste (hoje
conhecido como teste de Turing) e, que portanto, o computador tem
uma inteligência e até ousou a�rmar que num futuro próximo o
computador poderia pensar. Turing , lamentavelmente, teve um �m
trágico: em virtude de ser homossexual ele foi condenado pela lei
inglesa, com a acusação de atentado violento ao pudor, e constrangido a
se submeter à castração química em 1952, tendo se suicidado com
cianureto em 1954 aos 41 anos de idade.
O terceiro personagem é o �lósofo da mente John Searle, que
elaborou um experimento mental através da montagem do “quarto
chinês “- na década de 1980 – para ilustrar a sua argumentação. Vamos
ao experimento: você se encontra num recinto fechado, com uma só
porta dispondo de uma fenda para a passagem das mensagens. Você
dispõe de um grande número de cartões e de um livro para sua
consulta. Sobre cada cartão são impressos caracteres chineses
(ideogramas) e o livro contém as regras, isto é, o modo de emprego dos
cartões. Do exterior chega a você uma série de cartões e através da
consulta do livro das regras e de acordo com as instruções você vai
respondendo com os cartões adequados. Naturalmente você não
entende nada de chinês. Vamos supor que os cartões recebidos
coloquem uma série de questões a propósito de um �lme de sucesso.
Os cartões, que seguem as instruções, lhe permitem passar tantas
respostas , coerentes e sensatas, a respeito da trama do �lme, do
desempenho dos- atores-e-das atrizes etc. Vista de fora, a caixa preta
(cons�tuída pelo recinto fechado e seu conteúdo) demonstra um
perfeito conhecimento do chinês. Vista de dentro, a situação é
completamente outra: você libera os cartões sem compreender o seu
real signi�cado e, então, apenas segue regras rígidas. Você domina uma
sintaxe (as regras), não uma semân�ca. Com Turing , permanecemos
fora: o quarto manifesta todos os sinais de uma a�vidade pensante. É o
ponto de vista da terceira pessoa. Com Searle, se penetra no interior do
recinto e não se percebe nada que se pareça a um estado mental. É o
ponto de vista da primeira pessoa. A máquina tem uma sintaxe, porém o
complexo cérebro-mente tem mais do que uma sintaxe – ele tem uma
semân�ca, sendo capaz de atribuir signi�cados aos dados que recebe do
meio. Por sintaxe entenda-se o aspecto formal (as regras) de um
sistema, enquanto a semân�ca cons�tui o aspecto conceitual (são os
conteúdos). Searle admite que o sistema [do quarto chinês] exibe um
�po de inteligência, mas carece de pensamento. Segundo Searle, a
mente humana apresenta um funcionamento consciente e intencional,
e estas são suas caracterís�cas principais; ele também admite que a
consciência é um fenômeno biológico do ser humano. Em suma, os
computadores são como sábios idiotas (Idiots savants). Curioso é o caso
do “savan�smo”, que são de�cientes mentais com um desempenho
notável em um determinado nível de competência. É bem o caso do
talento matemá�co isolado, demonstrado por certos de�cientes, desde
a infância. Esses indivíduos têm uma capacidade muito rápida e precisa
[em um nível quase computante] e podem somar grandes cifras, recitar
de cor longas sequências de números, nomear o dia da semana para
qualquer data escolhida aleatoriamente nos úl�mos anos e realizar
outras proezas de cálculo. Um bom exemplo é o au�sta do �lme Rain
Man, magni�camente interpretado pelo ator Dus�n Ho�man (inspirado
em um personagem real: Kim Peek). O falecido Peek, apesar de
apresentar uma de�ciência mental severa (era incapaz de viver sozinho
e mal conseguia amarrar os sapatos e abotoar a camisa), era capaz de
memorizar uma enciclopédia – que recitava palavra por palavra. Ele
conseguia ler duas páginas ao mesmo tempo, cada uma com um olho. O
cérebro de Peek era incomum (A ressonância magné�ca evidenciou a
ausência do corpo caloso – ligando o cérebro esquerdo ao direito, o que
provavelmente explica ele conseguir ler duas páginas ao mesmo
tempo). O desempenho de um savant pode ser notável em outras
esferas de a�vidade: música, desenho, pintura etc. Ainda não há uma
teoria , embasada na ciência, para explicar o alto desempenho do
savant. Foram relatados casos de “savan�smo adquirido” em pessoas
normais que sofreram traumas severos , quase sempre do lado
esquerdo do cérebro. A propósito, a es�mulação magné�ca
transcraniana (EMT) permite silenciar efe�vamente partes do cérebro.
O dr. Allan Snyder, da Universidade de Sydney (Austrália), relatou há
alguns anos que, com aplicações de EMT em certa parte do cérebro
esquerdo de indivíduos normais, conseguiu obter façanhas de savants.
Modernamente o au�smo está situado dentro de um amplo espectro:
desde formas de de�ciência mental severa até quadros leves, que
permite ao au�sta uma interação social com limitações mínimas.
O computador é fraco naquilo que podemos chamar de “análises
globais”, que nem sempre dependem de raciocínios lineares e fundados
na lógica, e que geralmente se fundamentam em raciocínios difusos e
nem sempre lógicos. É bem mais fácil “ensinar” a um robô o polinômio
de Newton ou o teorema de Pitágoras do que lhe explicar uma boa
anedota. Até porque uma anedota geralmente não tem uma explicação
lógica. É o nonsense.
(Veja no capítulo 8, quais são as ferramentas para lidar com dados
incertos, ambíguos ou difusos – com ênfase na lógica nebulosa ou fuzzy
logic de Zadeh ou na lógica paraconsistente de Newton da Costa).
Revoluções industriais
Para entendermos melhor os avanços tecnológicos dos úl�mos
séculos, com as sucessivas revoluções industriais, devemos retroceder
nossa análise a par�r do século XVIII.
• 1ª Revolução Industrial – ocorreu no século XVIII, principalmente
na Inglaterra, e foi movida à máquina a vapor, pelas ferrovias e à
mecanização das fábricas. Nesta oportunidade ocorreu a primeira
rebelião dos trabalhadores (revolta ludita – porque teria sido
inspirada por um tal de Ned Ludd) contra a tecnologia. As máquinas
começavam a ameaçar o emprego dos trabalhadores. Aqui cabe
uma citação do livro “Os Robôs Vão Roubar seu Trabalho, Mas Tudo
Bem” – Por�olio/Penguin, São Paulo, 2017 do autor Federico
Pistono. Vamos a ela: “ Estamos na Inglaterra, no �nal do século
XVIII. Um rapaz chamado Ned Ludd é tecelão na aldeia de Anstey,
nos arredores de Leicester. Ele ainda não sabe, mas está prestes a
fazer história. É um dia di�cil e laborioso de 1779; Ludd é um
aprendiz de tear mecânico. Mas ele é avesso ao con�namento e ao
trabalho, e se recusa a fazer um esforço maior. Seu patrão está
descontente e se queixa a um magistrado, que ordena um
açoitamento. Em reação Ludd pega um martelo e destrói a odiada
máquina. Esse ato será contado por muitas gerações vindouras, e
Ludd vai se tornar um personagem histórico.” No entanto existem
diferentes versões sobre o personagem Ned Ludd – o fato é que ele
virou um mito e, mais do que isso, o símbolo de um movimento
contra a mecanização e/ou automação no ambiente de trabalho.
• 2ª Revolução Industrial – foi centrada na eletricidade, no
aparecimento do carro e na produção industrial em massa
(economia de escala) para abastecer o mercado consumidor.
• 3ª Revolução Industrial – teve como prato de resistência os
transistores, com o aparecimento do computador e pelo
desenvolvimento das tecnologias da informação ( mídias
eletrônicas).
• 4a Revolução Industrial – está em pleno desenvolvimento pela
combinação de novas tecnologias – como a Inteligência ar��cial, a
robó�ca, os drones, as impressoras 3D, a cloud compu�ng, a
internet das coisas, a realidade virtual, a computação cogni�va, o
blockchain, os veículos autônomos... Esta revolução (que está
mudando fundamentalmente o modo como vivemos, trabalhamos,
pensamos e nos relacionamos) é apenas a ponta do iceberg. Ela
promove a integração entre as esferas �sica, biológica e digital.
Entretanto ela, ao lado de seus efeitos bené�cos, embute efeitos
indesejáveis e deve ser equacionada nos seus aspectos sociais,
é�cos, legais, religiosos, �losó�cos... Por exemplo, um novo desa�o
ludita ronda a sociedade contemporânea.
De sorte que o mundo ingressou –no �nal do século XX e início do
XXI na Era Digital – que tem como núcleo duro as revoluções pós-
industriais. O sociólogo francês Alain Touraine, considerado o pai da
expressão “Sociedade pós-industrial”, é de opinião de que nós vivemos
numa “sociedade programada”.
O impacto da era digital no mercado de trabalho
O mercado de trabalho, segundo os economistas, pode ser afetado
por situações conjunturais e estruturais. A situação conjuntural depende
de crise econômica (recessão) levando ao aumento do desemprego.
Este �po de desemprego é cíclico e desde que superada a crise, a oferta
de emprego volta a crescer. No desemprego estrutural (ou tecnológico)
as máquinas subs�tuem os(as) trabalhadores(as). A rigor, não é bem
desemprego, alguns empregos deixam de exis�r. Já na década de 1990 a
francesa Viviane Forrester , no livro “O Horror Econômico”, alertava
sobre os riscos de uma civilização hipertecnológica. Efe�vamente os
robôs, cada vez mais, subs�tuem com vantagem a mão de obra
humana. A automação das indústrias é emblemá�ca dessa situação –
hoje a indústria automo�va emprega cada vez menos mão de obra
humana. As operações bancárias são cada vez mais eletrônicas. É
possível que em menos de uma década as pessoas só falem com
máquinas, porque não haverá mais agências bancárias �sicas. Estão
surgindo no Brasil as �ntechs – bancos digitais de inves�mentos , sem
agências e quase sem funcionários. O comércio eletrônico (e-
commerce) está dispensando lojistas. Nos Estados Unidos da América
algumas empresas já u�lizam caminhões autônomos. A propósito a
revista Veja (31/01/2018) publica uma matéria sobre IA, com foco nas
máquinas que irão subs�tuir a mão de obra humana: “Uma loja �sica
recém-inaugurada pela Amazon na cidade de Sea�le (Estados Unidos), é
um exemplo emblemá�co do tremendo impacto que se dará com a ,
digamos assim, invasão dos robôs na área do trabalho. Nela não há
atendentes. Quando o cliente escolhe um item nas gôndolas, um
so�ware conectado a milhares de câmeras de rastreamento, adiciona
automa�camente o produto a uma conta on-line. Caso ele mude de
ideia , e devolva a mercadoria, esta é re�rada da cesta de compra
virtual. Na hora de pagar, não há �la: o valor é debitado da conta do
cliente, que teve de se cadastrar antes de entrar no estabelecimento.
Para tanto, bastou que passasse o celular, sincronizado com um
aplica�vo bancário, em um scanner postado na entrada da loja”. As
impressoras 3D poderão no futuro ser de uso domés�co ro�neiro, o que
vale dizer poderão ser confeccionados em casa diversos utensílios
(colheres, sapatos customizados, brinquedos e até armas). Este
fenômeno deverá ter um impacto muito grande na indústria, no
comércio e até na construção civil. Na China, é possível construir um
prédio de 30 andares em quinze dias, através de uma tecnologia
moderna conhecida como contour cra�ing (construção por contornos) –
o método é rápido e e�ciente e pra�camente dispensa trabalho manual.
A era digital, com suas tecnologias avançadas, está eliminando postos
de trabalho em ritmo acelerado e preocupante. Curiosamente, algumas
a�vidades serão pouco afetadas: são aquelas que exigem capacidades
humanas – demasiadamente humanas – como a criação ar�s�ca, a
psicanálise, o emprego de domés�cas...
Alguns economistas e cien�stas, entusiastas da sociedade digital,
a�rmam que apesar da ex�nção de muitas pro�ssões, outras serão
criadas. Aposta-se muito nos robôs colabora�vos que auxiliarão os
humanos em muitas tarefas. A questão é a seguinte: di�cilmente o
número de novos postos de trabalho será su�ciente para compensar os
que se perderão . O Banco Mundial es�ma que 800 milhões de postos
deixarão de exis�r no mundo até 2030. A tecnologia é onívora e seus
avanços são rápidos. Além disso, a máquina não é querelante, não �ca
doente, não faz greve, não entra em férias... Por isso que é crescente o
número de empresas que vem trocando a mão de obra humana pelos
robôs. Em 1993, o sociólogo italiano Domenico De Masi publicou um
ensaio in�tulado “Jobless Growth” (Desenvolvimento sem trabalho) que
provocou um bom debate sobre o tema. Entretanto é preciso que as
sociedades modernas sofram um choque de educação (é bem o caso de
nosso país) para capacitar as novas gerações e incluí-las no mercado de
trabalho e recapacitar para os novos tempos aquelas que já estão
incluídas. Eu diria que nessa área é preciso se reinventar. É bem
ilustra�vo o caso da Finlândia, que quando superada na tecnologia da
telefonia móvel (Nokia), ela se reinventou e passou a liderar a produção
de games eletrônicos no mundo. A isso se denomina de reskilling (em
tradução livre: recapacitação). É impera�vo um choque de educação na
sociedade contemporânea, com a absorção de know-how digital: muitas
crianças que estão ingressando agora na escola fundamental irão
trabalhar – dentro de 15 a 20 anos- em pro�ssões que hoje ainda nem
existem. Entretanto é uma falácia que novos empregos serão criados
pela revolução digital e assim postos de trabalho estarão à disposição da
mão de obra humana. Ocorre que a tecnologia digital avança
celeremente, enquanto o organismo biológico processa o conhecimento
de modo lento. De sorte que nessa relação Machina sapiens/Homo
sapiens, a biologia entra em desvantagem. Também é preciso considerar
que mesmo que sejam implantadas pelos governos polí�cas públicas na
educação digital, os resultados serão colhidos no médio ou no longo
prazo, enquanto os avanços tecnológicos ocorrem no cur�ssimo ou no
curto prazo. Usando uma metáfora: “É preciso trocar o pneu com o
carro andando”. De sorte que temos de pensar urgentemente no longo
prazo, mas agir no cur�ssimo prazo. Na economia contemporânea, um
dos a�vos mais valiosos não é representado por bens �sicos, mas sim
pela informação. É preciso acrescentar: informação bem processada,
que se transforme em conhecimento ar�culado. Por outro lado, a
maioria dos países não está preparada para uma revolução digital na
educação. Os métodos convencionais u�lizados no ensino fundamental
e médio estão ultrapassados – os professores não são quali�cados para
ensinar na era digital e frequentar a escola é um tédio. Já no ensino
técnico e universitário a situação começa a mudar no mundo
globalizado em que vivemos, pela oferta de cursos on-line. São cursos à
distância oferecidos por grandes universidades americanas, onde temas
de alto nível são ministrados: como modelos do pensamento,
processamento de linguagem natural, teoria dos jogos, modelos grá�cos
probabilís�cos, criptogra�a, design e análise de algoritmos, visão
computacional, interação ser humano-computador, teoria da
informação, segurança computacional... Outras áreas técnicas
importantes já estão sendo introduzidas nesses currículos: engenharia
molecular, nanotecnologias, tecnologias sustentáveis para produção de
energia... Também a Academia Khan (fundada pelo indiano Salman
Khan), de natureza �lantrópica, promove cursos à distância através de
palestras em vídeos. É a maior escola da história, pois já proporcionou
mais de 150 milhões de palestras para milhões de estudantes em todo o
mundo. São exemplos que precisam prosperar para alavancar o
conhecimento no mundo inteiro. O sistema educacional tem que se
ajustar a novas realidades. Para mais detalhes na área educacional
consulte meu livro “A Aventura Humana em Miniensaios”, Editora dos
Editores, São Paulo, 2019..
Os desempregados, na era digital avançada, poderão ser
recapacitados pelo implante de memórias ar��ciais no seu cérebro e
assim ser reincluídos no mercado de trabalho? Parece uma questão de
�cção cien��ca, mas alguns cien�stas já consideram essa possibilidade!
A startup Neuralink, nascida em 2017, tem como obje�vo conectar o
cérebro humano a computadores para ampliar nossa capacidade
cogni�va e de memória. A revista Exame (13/09/2017) publica uma
entrevista com Thomas Friedman, jornalista americano que publicou o
Best-Seller “O Mundo é Plano”. Friedman defende a ideia de que as
tecnologias aprofundaram a integração entre os países de tal modo que
pessoas emdiferentes partes do mundo podem trabalhar em conjunto ,
driblando as barreiras geográ�cas e as fronteiras nacionais. De lá para
cá, essa tendência vem se acelerando com o surgimento de outras
tecnologias, como o smartphone, as redes móveis de alta velocidade, a
banda larga de �bra óp�ca e os aplica�vos de comunicação, entre eles o
Whatsapp. No entanto, prossegue a matéria de Exame: a rápida
transformação também tem seu lado obscuro (eu diria: dark-side). Parte
da população sente que seu emprego vai �car obsoleto e que seus
valores estão sendo cada vez mais ameaçados pela maior diversidade
cultural. Em seu novo livro, “Obrigado pelo Atraso”, Friedman faz uma
análise profunda dos movimentos que estão alterando a sociedade
numa velocidade jamais vista. Embora ele creia que o progresso
cien��co e tecnológico con�nue sendo a melhor maneira de resolver os
grandes problemas da humanidade (mudanças climá�cas, doenças e
desigualdade social) é preciso que os líderes mundiais saibam transmi�r
essa ideia a toda população. Na entrevista, ele se refere à lei de Moore
como sendo a capacidade de dobrar o processamento dos chips a cada
dois anos. Para ter ideia, ele a�rma, os microprocessadores de hoje têm
37.5 milhões de transistores em cada milímetro quadrado. No �m de
2017, a Intel vai lançar a próxima geração de processadores e ela
possuirá 100 milhões de transistores por milímetro quadrado.
Até no mundo �nanceiro essa revolução já chegou. Eu me re�ro à
digitalização do dinheiro com o aparecimento de uma moeda virtual o
Bitcoin. A tecnologia para introduzir essa nova moeda (criptomoeda)
chama-se blockchain. Assim plataformas eletrônicas especí�cas são as
ferramentas para viabilizar as transações com essa nova moeda.
Entretanto, esse novo mundo �nanceiro, ainda não tem o aval do
sistema �nanceiro convencional (Banco Central dos países de todo o
mundo). Ainda recentemente, o ministro de Economia da Índia adver�u
os inves�dores sobre o risco de uma bolha especula�va virtual –
comparando a tecnologia Blockchain ao sistema de pirâmide ou
corrente (sistema ou efeito Ponzi). Charles Ponzi foi um ítalo-americano,
que na década de 1920, arquitetou um plano fraudulento para ganhar
dinheiro – que é o clássico “sistema pirâmide” de nossos dias. Não
obstante [esses reparos], parece que num futuro próximo uma moeda
digital deverá ter o aval do sistema �nanceiro internacional. (Para mais
detalhes, veja no meu livro “A Aventura Humana em Miniensaios” o
capítulo “A fascinante história do dinheiro”).
Ainda no mesmo n° de Exame, dedicado à “Era da Inovação Radical”,
vem à tona os efeitos indesejáveis da Revolução Digital e a opinião de
importante empresário da área da informá�ca foi surpreendente: eu me
re�ro a Bill Gates – que em recente entrevista – sugeriu que os robôs
deveriam pagar impostos. Veja a sugestão do fundador da Microso�:
“Digamos que um trabalhador faça o equivalente a 50.000 dólares em
trabalho numa fábrica. Esse rendimento é taxado. Se um robô �zer a
mesma coisa, você imaginaria que taxaríamos o robô num nível
semelhante. Além de �nanciar o treinamento de pessoas cujas
ocupações desapareceram , essa polí�ca também teria o efeito
intencional de diminuir o ritmo da automação”. Também o
empreendedor da Tesla (indústria de carros elétricos e da empresa de
viagens espaciais SpaceX) Elon Musk, defendeu a criação de algum �po
de organismo regulador. Eu acredito que frear o avanço da tecnologia é
como enxugar gelo – penso que é preciso criar uma nova ordem
econômica mundial capitaneada por líderes mundiais e também contar
com a regulação de organismos internacionais. O mundo globalizado
necessita – e muito – de mundialistas. Marcos regulatórios, para balizar
o uso de novas tecnologias, são necessários.
O fato é que a era digital promove uma globalização não só na área
da economia formal (bens �sicos, serviços e transações �nanceiras) ,
mas também as pessoas ou empresas podem par�cipar de várias
maneiras das vantagens da globalização. O mundo está mais
interconectado do que nunca diz Friedman.
Também na polí�ca a tecnologia (IA) começa a ameaçar a
democracia de es�lo ocidental. Segundo David Runciman (“Como a
Democracia Chega ao Fim”) a Internet das Coisas vai mudar o cenário
polí�co do mundo. A par�r do momento que a nossa geladeira se torne
capaz de conversar com a luminária da cozinha, estaremos num outro
mundo polí�co, queiramos ou não. Muitas decisões escaparão das
nossas mãos porque as máquinas vão tomá-las por nós em nome da
e�ciência. Ele cita Howard: a internet das coisas deve reforçar a tal
ponto a coesão social que, assim que as estruturas regulares do governo
vierem abaixo ou perderem muito a força, poderão ser reparadas ou
subs�tuídas. Noutras palavras, as pessoas con�nuarão a contar com a
internet das coisas para lhes proporcionar a governança, mesmo na
ausência de um governo. Mas nem tudo são �ores e Howard reconhece
que a internet das coisas pode nos tornar mais livres ou nos aprisionar.
Voltando a Runciman, a tecnologia que tem o poder de nos libertar
contém também, os piores cenários possíveis, envolvendo abusos
imensos do poder, crescimento da desigualdade e paralisia polí�ca. E
con�nua: Inves�r nossa con�ança no potencial emancipatório das
máquinas exige um verdadeiro salto no escuro.
No �nal de seu livro Runciman conclui: A democracia ocidental irá
sobreviver à sua crise da meia-idade. Com sorte sairá dela só um pouco
baqueada. Mas é improvável que saia dela revivida. A�nal, esse não é o
�m da democracia, mas é assim que a democracia chega ao �m.
Cabe aqui uma simples pergunta: Na era digital avançada a
democracia será sequestrada pela tecnocracia?
No século XXI estão na moda os livros redigidos por coveiros da
democracia. É preciso �car esperto e exercitar o pensamento crí�co e –
para isso – nada melhor do que a citação de um falso provérbio chinês:
“É muito di�cil profe�zar, principalmente em relação ao futuro”.
Inteligência arti�cial: novos avanços
Apenas recentemente, com o surgimento do computador moderno,
é que a IA ganhou meios e massa crí�ca para se estabelecer como
ciência integral, com problemá�cas e metodologias próprias. O
desempenho da IA tem extrapolado os clássicos programas de xadrez e
tem se envolvido em áreas como a visão computacional, análise e
síntese de voz, lógica nebulosa, implante de neuropróteses , deep
learning machine com o uso de redes neurais ar��ciais. Estas redes
neurais ar��ciais são técnicas computacionais que apresentam um
modelo matemá�co inspirado na estrutura neural de organismos
inteligentes, e que adquirem conhecimento através da experiência. Três
pesquisas foram seminais para o desenvolvimento das redes neurais
ar��ciais: McCulloch e Pi�s (1943), Donald Hebb (1949) e Rosenbla�
(1958). Mcculloch e Pi�s criaram um modelo matemá�co de um único
neurônio com disposi�vos de entrada e de saída, o qual proporcionou a
base das primeiras redes neurais. O psicólogo canadense Donald Hebb
fez uma descoberta importante sobre as conexões cerebrais: quanto
mais exercitamos certas habilidades mais reforçamos certas conexões
no cérebro e portanto as tarefas se tornam mais fáceis. São padrões de
comportamento (princípio para treinar as redes neurais na deep
learning machine). O Perceptron de Rosenbla� foi desenvolvido para
lidar com o problema de reconhecimento de padrões. Pode-se também
falar no computador conexionista, no computador cogni�vo e até no
computador quân�co. O Big Data (Megadados) é uma ferramenta
importante no mundo digital, com um imenso volume de dados postos
à disposição de um robô. A Claytrônica ou Argilotrônica (vem do inglês
Claytronics, palavra composta por Clay-argila e Eletronics-eletrônica) é
uma nova área da engenharia mecatrônica, que trabalha com
nanorrobôs recon�guráveis. Essa tecnologia é chamada “matéria
programável” e seu obje�vo é criar objetos feitos de minúsculos
“cátomos”, que são chips microscópicos de computador. Cada cátomo
pode ser controlado sem �o. Os cátomos podem se ligar para formar,
por exemplo, um telefone celular.Acionando-se um botão para mudar
sua programação, os cátomos rearranjam-se para formar outro objeto –
digamos um laptop. E agora se postula uma mudança sem paralelo,
promovida pela integração das esferas �sica, biológica e digital! Estas
são mudanças estruturais, mas existe ainda uma enorme barreira entre
a con�guração estrutural e a funcionalidade de um sistema.
Transumanismo
A inteligência ar��cial, a robó�ca, os algoritmos gené�cos, a vida
ar��cial, a biotecnologia e as nanotecnologias tornam cada vez mais
impercep�veis as fronteiras entre a vida biológica e as máquinas.
O ser humano, em virtude dos avanços da medicina e da tecnologia,
começa a se tornar biológico- ar��cial. Com a era dos implantes
ar��ciais, o corpo humano começa a ser invadido por próteses de modo
crescente: próteses no cérebro, na cóclea (parte audi�va do ouvido
interno), no olho, no coração, na bexiga, no pênis, nas ar�culações, nos
vasos sanguíneos (endovasculares)... O que acontecerá com o ser
biológico, diante destas transformações, con�gurando um ciborgue ou
bionicman? Mais adiante, voltaremos ao assunto traçando alguns
cenários.
O mundo está hiperconectado e novos disposi�vos, denominados
wearables estão revolucionando a forma de se relacionar com o mundo
e o próprio corpo. A revista ISTOÉ (14/08/2019) publica uma matéria –
“Tecnologia de Ves�r” – em que avalia como novas tecnologias digitais
podem atuar na área de segurança, saúde, entretenimento... Exemplos;
um relógio infan�l – sincronizado com o smartphone, tem função de
GPS e envia alerta caso a criança saia da área demarcada, este mesmo
disposi�vo pode ser u�lizado para monitorar idosos que moram
sozinhos; outro disposi�vo é a Blusa que monitora a saúde –trata-se de
sensores �nos e laminados que acoplados à blusa coletam dados sobre
ba�mento cardíaco e respiração. Tanto as “pulseiras quanto os relógios
inteligentes” têm recursos semelhantes: medidor de passos,
no��cações, contagem de ba�mentos cardíacos”. Através da internet
das coisas os “colchões inteligentes” podem monitorar nosso sono.
Como todas tecnologias digitais têm seus efeitos colaterais: risco de
criar dependência e também de criar expecta�vas neuró�cas. De certa
forma estas tecnologias são invasivas e essa compulsão virtual acaba
prejudicando as vivências do mundo real. O que vale dizer, a
hiperconec�vidade pode funcionar como um caldo de cultura para uma
vida solitária.
O “Jornal do Cremesp” (Outubro, 2017) aborda uma matéria,
denominada transumanismo, que vale a pena repercu�r. O que se
entende por transumanismo? “Trata-se de um conceito que envolve a
melhoria de vários aspectos do ser humano, ou do co�diano das
pessoas, por meio de tecnologias que permitem aumentar capacidades
cogni�vas e �sicas, incluindo a longevidade. Segundo o professor e líder
do Grupo de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) em
Telemedicina e Telessaúde (CNPq/MCTIC), Chao Lung Wen, as
tecnologias poderão desenvolver disposi�vos de contato com o corpo
humano ves�veis e implantáveis, além de inteligência ar��cial. Ele
a�rma que nos próximos três anos, devido à popularização de
disposi�vos baseados em Grafeno** – uma monocamada de gra�te –,
as tecnologias eletrônicas passarão por uma signi�ca�va mudança. Será
possível criar biossensores �exíveis (tatuagens, lente de contato para
monitoramento on-line de glicemia etc.), biochip para a realização de
múl�plos exames laboratoriais e microchips para monitoramento clínico
e geolocalização através de cápsulas para implante subcutâneo, conclui
Wen.
A matéria prossegue a�rmando que microchips implantáveis já são
u�lizados em pessoas idosas com demência para a prevenção de
perdas, e em crianças, como medida de segurança. O uso de
disposi�vos de monitoramento on-line tem impacto na privacidade, com
riscos de “hackeamento”, alerta Chao. Penso que a invasão do corpo
humano por essas novas tecnologias (implantáveis ou de contato)
levanta problemas bioé�cos complexos, que não só os médicos mas
também as ins�tuições sociais têm que lidar. Voltaremos a este tema
mais adiante, quando abordarmos o implante de neuropróteses. Ainda
na área médica temos a revolução da impressão 3D: ela permite a
confecção de próteses mais baratas e até poderá [num futuro ainda
incerto] possibilitar a criação de órgãos como a traqueia, �reoide, rins e
�gado (usando material biocompa�vel). Também na indústria
farmacêu�ca os avanços são rápidos e as perspec�vas são animadoras
com a introdução de novos medicamentos nas áreas de doenças
infecciosas, in�amatórias, imunológicas, neoplásicas, degenera�vas e
até gené�cas. Já temos disponibilizada a farmacogenômica, que propõe
marcar os receptores do paciente para indicar, por exemplo, o melhor
an�depressivo para o tratamento. Temos também a terapia alvo para
tratamento de certas formas de câncer e de doenças autoimunes –
quando as drogas agem na área ou no órgão alvo. Por outro lado, o
avanço dos testes gené�cos e da medicina de imagem proporcionam o
diagnós�co precoce das doenças e o tempo hábil para o tratamento. Já
ingressamos também na era da pílula inteligente: ela embute um sensor
capaz de fornecer informações detalhadas quando o medicamento é
ingerido – o chip do medicamento é composto de cobre, magnésio e
silício, que são encontrados nos alimentos e totalmente absorvíveis pelo
organismo. Ainda na gené�ca, muitas terapias novas estão sendo
desenvolvidas e testadas (Veja adiante neste texto o sub-capítulo: Era da
Singularidade?).
A telemedicina, proporcionada pelos satélites ar��ciais, já é uma
realidade e pode auxiliar muito no atendimento dos pacientes do Brasil
Profundo. Entretanto a revolução digital já começa a impactar – e muito
– o ato médico. Numa decisão controversa, o Conselho Federal de
Medicina (CFM)* no início de fevereiro de 2019, divulgou uma resolução
de 12 páginas regulamentando a telemedicina.
Nela autoriza [e até incen�va] o uso de ferramentas eletrônicas
como a internet, por exemplo, para a prá�ca de uma medicina que já
não exige o contato �sico. Na minha opinião, a relação médico-paciente
é singular: ver, sen�r e escutar. Essa relação depende de um binômio –
de dupla mão – que embute razão-e-emoção. É o olho no olho, é a
linguagem verbal e, principalmente, gestual, é o calor humano que só
uma consulta presencial permite. A comunicação eletrônica é um meio
frio que nem sempre consegue captar nuances ou su�lezas que só um
contato presencial permite. Na minha modesta ó�ca [de 60 anos de
atendimento de pacientes] estamos caminhando para uma
an�medicina, o que vale dizer para uma desumanização crescente da
medicina. Hipócrates, no século V a.c. desmis��cou o ato médico, que
era pra�cado por sacerdotes e fei�ceiros que atribuíam a doença a
fenômenos sobrenaturais. Nada disso a�rmava Hipócrates, as causas
das doenças são naturais: a dieta, o clima, o es�lo de vida... E ensinava a
seus discípulos: “o diagnós�co depende do histórico da doença
(anamnese) e de um pormenorizado exame �sico. É o que eu chamo de
“medicina artesanal”, que ainda cons�tui o núcleo duro do ato médico –
hoje complementado por exames de laboratório. Entenda bem o leitor,
eu não estou negligenciando o valor das tecnologias médicas, senão
estaria fazendo o papel do cidadão americano que quando viu o
primeiro automóvel circulando pelas ruas de Detroit exclamou: “Muito
engenhoso, mas nunca subs�tuirá o cavalo!” As modernas tecnologias
médicas são fantás�cas e muito contribuem para o diagnós�co e
tratamento das mais variadas doenças (cirurgia robó�ca, robô que
auxilia o médico no diagnós�co diferencial, radiologia intervencionista
para tratamento de enfermidades circulatórias, neuronavegador para
aprimoramento de técnicas neurocirúrgicas...). A IA já começa a ter um
valor predi�vo para a conduta em certas doenças, por exemplo, se a
melhor conduta num câncer avançado são os cuidados palia�vos ou
uma terapia agressiva contra o câncer.
Num país de dimensões con�nentais como o nosso – e carente de
assistência médica quali�cada em muitas áreas de nosso território –

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