Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
INTRODUÇÃO Os rins são responsáveis pela reabsorção do HCO3- filtrado e excreção de H+numa quantidade igual àquela produzida pelo metabolismo diário de proteínas. A resposta normal à acidemia consiste na reabsorção do H C O3- filtrado e aumento da excreção de ácidos, principalmente através da maior excreção de íons NH4+ na urina. Assim, para cada H+excretado, há regeneração de um íon HCO3- no plasma1,2. As ATR caracterizam-se por um quadro de acidose metabólica secundária a um defeito na reabsorção tubular renal de HCO3- e/ou na excreção urinária de H+, enquanto a função glomerular é nada ou minimamente afetada. Todas as formas de ATR apresentam acidose metabólica hiperclorêmica, com anion gapnormal2,3. RESUMO O termo Acidose Tubular Renal (ATR) engloba diversas afecções caracterizadas por acidose metabólica secundária a um defeito na reabsorção tubular renal de HCO3- e/ou na excreção urinária de H+, enquanto a função glomerular é nada ou minimamente afetada. Todas as formas de ATR apresentam acidose metabólica hiperclorêmica, com intervalo aniônico normal. São doenças crônicas com impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes quando não tratadas adequadamente, podendo evoluir com déficit do crescimento, osteoporose, raquitismo, nefrolitíase e até perda da função renal. Podem ser primárias, decorrentes de defeitos genéticos nos mecanismos de transporte dos túbulos renais, ou secundárias a doenças sistêmicas ou ao efeito adverso de medicamentos. Neste artigo, é feita uma breve revisão da homeostase ácido-básica pelo rim, discutindo-se, a seguir, aspectos da fisiopatologia, diagnóstico e abordagem das acidoses tubulares renais em pediatria. (J Bras Nefrol 2007; 29(1):38-47) Descritores: Acidose tubular renal. Raquitismo. Nefrocalcinose. Crescimento. Nefrolitíase. ABSTRACT The term Renal Tubular Acidosis (RTA) defines many disorders characterized by metabolic acidosis, secondary to defects in renal tubular reabsorption of HCO3 - and/or in urinary excretion of H+, while glomerular function is little or not affected. All forms of RTA present hyperchloremic metabolic acidosis, with a normal anion gap. When not adequately treated, these chronic diseases can have a significant impact on the quality of life of affected patients, and can evolve into growth failure, osteoporosis, rickets, nephrolithiasis and even renal insufficiency. These disorders can be primary, originating from genetic defects on tubular transport mechanisms, or can be secondary to systemic diseases and to adverse drug reactions. In this article, the mechanisms of acid-base regulation by the kidney are briefly reviewed, followed by a presentation of the latest evidence regarding physiopathology, diagnosis and management of renal tubular acidosis in pediatric patients. (J Bras Nefrol 2007; 29(1):38-47) Keywords: Renal tubular acidosis. Rickets. Nephrocalcinosis. Growth. Nephrolithiasis. Acidose Tubular Renal em Pediatria Renal Tubular Acidosis in Pediatrics Artigo de Revisão Recebido em 08/05/06 / Aprovado em 11/09/06 Endereço para correspondência: Ana Cristina Simões e Silva Av. Bernardo Monteiro, 1300, Apto. 1104 - Bairro Funcionários 30150-281, Belo Horizonte - MG E-mail: ana@medicina.ufmg.br ou acssilva@hotmail.com Ana Cristina Simões e Silva, Cristina Jeanette Crossara Ay res Lima, Marcelo Ferraz de Oliveira Souto Departamento de Pediatria, Unidade de Nefrologia Pediátrica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) As ATR são classificadas em quatro categorias: ATR distal ou tipo 1; ATR proximal ou tipo 2 e ATR hipercalêmica ou tipo 4. A ATR mista ou tipo 3 é caracte- rizada por uma desordem que apresenta características mistas dos tipos 1 e 24. ACIDOSE TUBULAR RENAL DISTAL – ATR TIPO 1 A ATR distal ou tipo 1 caracteriza-se por uma inabilidade dos túbulos distal e coletor em promover uma adequada acidificação urinária, resultando numa urina com pH elevado, mesmo em presença de acidose metabólica4. Na ATR-1 não tratada, ocorre retenção progres- siva de H+com conseqüente desenvolvimento de acidose metabólica. A concentração plasmática de HCO3- pode cair para menos de 10mEq/L. Observam-se déficit de cres- cimento, poliúria, hipercalciúria, nefrocalcinose e litíase. A nefrocalcinose pode progredir para insuficiência renal crônica. Quando diagnosticada precocemente, a instituição de tratamento com álcalis pode promover retomada da curva de crescimento, impedir ou retardar o desenvol- vimento da nefrocalcinose e preservar a função renal. Para uma melhor compreensão das alterações clínicas e laboratoriais decorrentes da ATR do tipo 1, é fundamental o conhecimento do funcionamento normal do néfron distal. O NÉFRON DISTAL No néfron distal (ND), são definidas as carac- terísticas finais da urina através dos mecanismos de concentração e acidificação urinárias, secreção de K+ e conservação do Na+. O ND é formado pelos seguintes segmentos: túbulo contorcido distal (TCD), túbulo conector (TCN) e túbulo coletor (TC). O TCD é responsável pela reabsorção de 5% do Na+ filtrado. Tal processo ocorre em decorrência do gradiente eletroquímico gerado pela ação de bombas do tipo Na-K-ATPase. No TCN, ao contrário das células do TCD, há expressão de canais de água ou aquaporinas (AQP)5. Estas células também são sensíveis à aldosterona e participam da regulação da reabsorção de Na+acoplada à secreção K+, que ocorre através dos canais ROMK. Esses canais são semelhantes aos encontrados na porção espessa ascendente da alça de Henle (AH) e localizam-se na membrana apical6. O TC é responsável pela reabsorção de 2%-3% do NaCl filtrado, sendo tal processo quase totalmente regulado pela aldosterona7. Esse segmento apresenta dois tipos de células com funções e morfologia bastante diferentes: células principais ou células claras e células intercaladas ou células escuras7. As células principais contribuem para reabsorção de Na+ e constituem o principal sítio para secreção de K+6. O TC é capaz de diminuir a concentração urinária de Na+ para níveis inferiores a 5mEq/L, em situações de hipovolemia7. A criação de uma diferença de potencial (DP) lúmen-negativa promove reabsorção passiva do Cl- por via paracelular e secreção de K+para o lúmen, através dos canais aldosterona–sensíveis da membrana apical6,7. As células intercaladas estão relacionadas ao equilíbrio ácido-básico, sendo responsáveis pela maior ou menor acidificação urinária8. A secreção de H+ parece estar acoplada à reabsorção de Na+. A DP lúmen-negativa gerada pela reabsorção de Na+favorece a secreção de H+ e a reabsorção de HCO3-. Estudos morfológicos e funcionais demonstraram a existência dos tipos de célula intercalada: e . As células do tipo (Figura 1) expressam H+ ATPase na membrana apical, e o trocador Cl-/HCO3-, também conhecido como anion exchanger-1 (AE-1) ou banda 3, em sua membrana basolateral9,10. Através da ação da H+ATPase ocorre secreção de íons H+ para o lúmen tubular e reabsorção de HCO3 - para o interstício5. Em contraste, as células tipo e x p r e s s a m H+ATPase na membrana basolateral e o trocador Cl-/HCO3- no pólo apical, resultando em secreção de HCO3- para a luz tubular5. Os desequilíbrios ácido-básicos regulam a secreção de H+no ND. Assim, ocorre aumento do número de trocadores Cl-/HCO3- nas células intercaladas do tipo Figura 1. Representação esquemática da célula intercalada do tipo “ ”. A acidificação urinária no néfron distal está relacionada a três processos: 1) reabsorção da pequena fração de HCO3- que não foi realizada no túbulo proximal (10-20%); 2) titulação dos íons H+pelo tampão fosfato através da conversão do fosfato básico bivalente (HPO4-2) na forma monovalente H2PO4- (ácido titulável); 3) tamponamento do H+ pela amônia (NH3) que é transformada em íon amônio (NH4+), não difusível. Acidose Tubular Renalem Pediatria40 a em presença de acidose metabólica e diminuição na alcalose. Na acidose, há redistribuição das H+ATPases para a membrana apical, associada a um aumento de atividade das células a e concomitante diminuição da atividade das células b . Ao contrário, durante a alcalose, ocorre deslocamento das H+ATPases para a membrana basolateral e aumento da atividade das células b 8. Os mecanismos de acidificação urinária relacio- nados aos túbulos coletores estão esquematizados na figura 1. O ND também desempenha importante papel na homeostase do Ca2+. A maior parte da reabsorção desse íon acontece no túbulo proximal e na porção espessa ascendente da alça de Henle, por mecanismo passivo. Só uma pequena porção do Ca2+ filtrado atinge as porções finais do néfron (10%-15%). Apesar disso, o ND é responsável pela regulação dos níveis circulantes deste cátion11. A entrada do Ca2+ na célula acontece passiva- mente, através de canais localizados na membrana apical (ECaC), e é secundária à eletronegatividade intrace- lular11. Já a reabsorção basolateral desse íon é ativa, ocorrendo contra uma DP. A taxa da reabsorção ativa de C a+2 é regulada através de interações entre 1,25 dihidroxicolecalciferol, PTH e calcitonina. Fisiopatologia da ATR-1 A ATR tipo 1 pode resultar dos seguintes defeitos nos túbulos distais: diminuição da atividade da H+ATPase (ATR-1 secretora); aumento da permeabilida- de da membrana luminal (ATR-1 por difusão retrógrada) ou diminuição da reabsorção distal de Na+ ( A T R - 1 voltagem dependente)12. A diminuição, ou mesmo ausência, de atividade da H+ATPase das células intercaladas dos túbulos distais e coletores, geralmente, é secundária a um defeito genético. Também já foram detectadas mutações no trocador Cl- /HCO3- que, assim como a H+ATPase, participa do processo de acidificação urinária, reabsorvendo HCO3- 13. Outra possibilidade para explicar este subtipo da ATR 1 seria a existência de um defeito na H+/ K+A T P a s e , localizada na membrana apical das células intercaladas. No entanto, alguns autores acreditam que esta bomba esteja mais relacionada à homeostase do K+que do H+4. O modelo de Stewart1 4 é uma outra forma de entendimento dos distúrbios ácido-básicos, que se baseia nas leis de conservação de massa e carga. Levando-se em conta que o plasma é formado por íons totalmente dissociados (íons “fortes” tais como Na+, K+, Cl-, lactato), ácidos “fracos” parcialmente dissociados (albumina e fosfato) e tampões voláteis (espécies carbonadas), Stewart elaborou uma equação polinomial que relaciona a concentração de H+ com três variáveis independentes: a diferença entre os íons “fortes”, a concentração total de ácidos fracos e a pressão parcial de C O2 1 4. Dessa forma, o modelo de Stewart avalia as aci- doses metabólicas através de mudanças nas concen- trações de íons considerados “fortes” aferidas pela seguinte operação matemática: [Na+] + [ K+] – [Cl-] . Segundo essa nova visão, acredita-se que a ATR se deva primariamente a um defeito nas proteínas de transporte do íon H+que acarretam, secundariamente, alterações no transporte do Cl-. Tais alterações no transporte de Cl- reduzem a diferença entre os íons “fortes”, resultando em acidose metabólica. Este modelo considera que as alterações na excreção do bicarbonato são apenas um epifenômeno, decorrente das mudanças na excreção urinária dos íons “fortes”1 5. Esta nova visão dos distúrbios ácido-básicos permite um melhor enten- dimento dos achados clínicos e laboratoriais em alguns tipos de ATR-1 como as decorrentes de mutações do trocador Cl-/ H C O3, assim como explica a piora da acidose nesses pacientes, induzida por uma carga excessiva de NaCl 0,45% 1 6. O exemplo clássico de ATR-1, causada por aumento da permeabilidade da membrana luminal do ND, está associado ao uso de anfotericina B. Postulava-se, inicialmente, que esta droga formaria canais aquosos na membrana das células do TD e promoveria o retorno de íons H+ para o interior da célula. Este processo foi chamado de difusão retrógrada. Recentemente, entre- tanto, esta teoria tem sido questionada. Alguns autores acreditam que o H2CO3 e/ou o HCO3-, e não o H+, possam retornar para a luz tubular12. O relato de crianças com quadros de ATR-1 associada a doenças auto-imunes sugere que o mecanismo de difusão retrógrada como causa de ATR-1 ainda não foi totalmente esclarecido17. A reabsorção de Na+no TCC cria uma DP lúmen- negativa, que é fundamental para a secreção de íons H+e K+8. Os fatores relacionados à diminuição da reabsorção de Na+ou de seu aporte ao TD podem reduzir a capaci- dade secretora deste segmento do néfron, que é voltagem dependente12. Os fatores mais comumente relacionados a este tipo de ATR-1 são a uropatia obstrutiva, a depleção volumétrica e o uso de diuréticos poupadores de K+ 18. Como a secreção de K+ está igualmente comprometida, este tipo de ATR também pode evoluir com elevação dos níveis séricos deste cátion12. Recentemente, entretanto, a teoria de que a ATR distal hipercalêmica seja causada por defeito isolado de uma DP transmembrana tem sido questionada. Alguns estudos têm demonstrado que os mecanismos envolvidos são bem mais complexos, envolvendo também defeitos no funcionamento da H+ATPase, H+/K+ATPase e Na-K-ATPase18. 41J Bras Nefrol Volume XXIX - nº 1 - Março de 2007 Etiologia e Genética A ATR-1 pode ser primária, devido a defeitos genéticos nos mecanismos de transporte, ou secundária a uma variedade de doenças 2. Entre as causas secundárias, que são mais comuns em pacientes adultos do que pediátricos, incluem-se3,19, 20: •Doenças auto-imunes: síndrome de Sjögren, hepatite crônica ativa, tireoidite, poliarterite nodosa, hiperpara- tireoidismo primário, rim esponjoso medular, doença de Wilson, artrite reumatóide e lupus eritematoso sistêmico; •Uso de medicamentos: Anfotericina B, Sulfametoxazol- trimetoprim, Amilorida, Lítio, Analgésicos; •Exposição ao Tolueno (cheiradores de cola) e ao mercúrio; •Doenças túbulo-intersticiais: uropatia obstrutiva, pielonefrite crônica, transplante renal; •Doenças genéticas: Síndrome de Ehlers-Danlos. Na criança, o defeito é, na maioria das vezes, primário, como uma forma de herança autossômica dominante ou recessiva4. Em algumas famílias, a presença da doença em várias gerações sugere uma forma autossômica dominante. Apesar de as manifestações clínicas não serem diferentes das observadas nas formas autossômicas recessivas ou nas esporádicas, estes pacientes podem ter seu diagnós- tico mais tardio e evoluírem com sintomatologia mais branda21. Acredita-se que mutações no gene SLC4A1, que codifica o trocador Cl-/HCO3- (AE-1), localizado na membrana basolateral das células intercaladas tipo a , possam estar associadas a esta forma de ATR4 , 1 3. Ressalta-se que mutações nesse trocador já foram descritas em crianças do nosso meio, portadoras de ATR-1 e nefrocalcinose10. Pacientes com a forma autossômica recessiva geralmente apresentam manifestações clínicas mais acentuadas com importante déficit de crescimento e nefrocalcinose precoce, podendo evoluir para insufi- ciência renal13. Uma grande proporção destes casos de ATR-1, autossômicos recessivos e também esporádicos, pode desenvolver um quadro de surdez neurosensorial22. Os achados clínicos são idênticos aos dos pacientes porta- dores de ATR-1 esporádica ou autossômica recessiva com audição normal. A evolução da surdez é progressiva e não há melhora, mesmo após terapia com álcalis2 1. As mutações no gene ATP6V1B1, que codifica a subunidade B1 da H+ATPase, localizada na membrana apical das células intercaladas tipo a , já foram detectadas em pacientes portadores de ATR tipo 1 autossômica recessiva associada à surdez neurosensorial22. Demonstrou-se que as células auditivas interdentais e as células do saco endolinfático são muito semelhantes às células inter- caladas dotipo a , apresentando tanto a H+ATPase como o trocador Cl-/HCO3-. Assim, uma secreção normal de ácidos por estas células é fundamental para a manutenção de um pH reduzido na endolinfa e uma função auditiva normal21. A ATR distal, autossômica recessiva, com função auditiva normal é a forma primária mais comumente en- contrada. Acredita-se que mutações no gene ATP6V0A4, que codifica a subunidade a4 da H+ATPase, possam ser responsáveis pelo desenvolvimento desta forma de ATR22. Por outro lado, alguns autores acreditam que pacientes com esta mutação possam vir a desenvolver a surdez após a segunda década de vida4. Diagnóstico O diagnóstico de ATR distal deve ser suspeitado em presença de acidose metabólica hiperclorêmica acompanhada de anion gapurinário positivo, ou seja, de uma concentração de Cl- na urina inferior à soma das concentrações de sódio e potássio. Nessas circunstâncias, se a concentração plasmática de potássio é normal ou está reduzida, e o paciente é incapaz de reduzir o pH urinário para valores inferiores a 5,5, estabelece-se o diagnóstico de ATR distal ou tipo 1. Ressalta-se que, em presença de função tubular normal, durante um episódio de acidose metabólica, o pH urinário deve ser sempre inferior a 5,0- 5,323, enquanto que, na ATR tipo 1, o pH urinário está persistentemente elevado. A associação com hipercal- ciúria ocorre devido aos efeitos da acidose crônica, tanto na reabsorção óssea quanto na reabsorção tubular renal de Ca2+23. A excreção urinária de citrato geralmente está diminuída, devido a sua maior reabsorção proximal, estimulada pela acidose. A excreção urinária aumentada de Ca2+, associada à hipocitratúria e ao pH urinário persistentemente elevado, pode contribuir para o desenvolvimento de nefrolitíase e nefrocalcinose. Tais alterações são comuns na ATR-1 não tratada, embora existam relatos de nefrocalcinose na ausência de hipercalciúria24. O raquitismo e a diminuição da massa óssea também podem ser encontrados, mas sua real incidência ainda é incerta25. A acidose metabólica também pode, por si só, alterar o metabolismo da Vitamina D, diminuindo sua produção renal, com conseqüente déficit na reab- sorção intestinal de Ca2+e doença óssea secundária3. A hipocalemia está presente em 30% a 50% dos casos. Pode manifestar-se como fraqueza muscular, às vezes, com episódios agudos de paralisia flácida, que podem evoluir para tetraplegia em até 48h26. Acidose Tubular Renal em Pediatria42 A apresentação clínica da ATR-1 engloba, além do déficit de crescimento nas crianças, um quadro de anorexia, vômitos e poliúria25. Algumas condições podem mimetizar a ATR-1 com pH urinário maior que 5,3. Pacientes portadores de infecção urinária por bactérias urease-positivas podem apresentar pH urinário alcalino, porém, em geral, não apresentam acidose sistêmica. Além disso, o exame microbiológico e o sedimento urinário exibem alterações típicas. A fase inicial da ATR-2, quando ainda há perda urinária de álcalis e hipovolemia, também pode confundir-se com a ATR-1. A depleção de K+ e o aumento da excreção urinária de NH3, que podem ocorrer na acidose metabólica por diarréia aguda, simulam, algumas vezes, o quadro laboratorial da ATR-14. É importante ressaltar ainda que existem formas incompletas de ATR1 que dificultam o diagnóstico, pois, muitas vezes, os pacientes apresentam-se com pH sangüíneo normal e pH urinário apenas levemente aumentado. Nesses casos, pode ser necessária a utilização de provas de acidificação urinária por meio da administração oral de cloreto de amônio (NH4Cl), em pó ou em cápsula, na dose de 0,1 grama/Kg. Recomenda-se que seja coletada a urina a cada hora, nas próximas 8 horas; e a gasometria seja realizada no ínicio do teste e a cada hora, nas 4 horas subseqüentes à administração do ácido. Se o pH urinário falha em cair abaixo de 5,5 durante a quarta hora após o NH4Cl, é provável que a ATR-1 esteja presente, desde que um pH sangüíneo inferior a 7,35 e um bicarbonato menor que 20mEq/l sejam documentados. Tratamento O objetivo do tratamento consiste não só na correção das alterações bioquímicas, mas principalmente na retomada do crescimento e na prevenção da nefro- calcinose e da insuficiência renal. Os pacientes adequa- damente tratados geralmente são assintomáticos e podem levar uma vida normal, a não ser que já tenha havido lesão renal ou óssea irreversíveis4. A normalização do pH séri- co diminui a perda urinária de K+e previne a litíase e o desenvolvimento da nefrocalcinose2 7. A correção da acidose também reverte as alterações no metabolismo das células ósseas, aumentando, conseqüentemente, a densi- dade mineral do osso28. A base do tratamento constitui a administração de doses contínuas e adequadas de álcalis, sob a forma de HCO3- ou citrato (vide soluções citratadas mais adiante). A quantidade ofertada deve ser suficiente para suprir as perdas urinárias de HCO3-, além da demanda diária gerada pela contínua produção de ácidos pelo organismo, secundária ao catabolismo protéico. Em pacientes mais jovens, podem ser necessários de 4 a 14mEq/Kg de bicarbonato de sódio, que deve ser oferecido em doses fracionadas4,25. Crianças maiores e adultos em geral necessitam de doses menores. O citrato de potássio também pode ser utilizado em doses de 4mEq/Kg/dia. A dose de álcalis é considerada adequada quando é suficiente para corrigir a maioria das anormalidades urinárias, inclusive a hipercalciúria. Deve-se evitar o uso de doses exageradas de álcalis, que podem elevar demasiadamente o pH urinário, propiciando a preci- pitação do cálcio excretado em excesso. Recomenda-se, então, evitar que o pH urinário se torne superior a 8,0. Idealmente, o pH urinário deve ser mantido entre 6,5 e 7,5 e a gasometria revelar equilíbrio ácido básico. A monitoração individual é fundamental para o ajuste das doses29. A correção da hipercalciúria é mandatória, mesmo em presença de uma excreção urinária adequada de citrato. O citrato pode melhorar a saturação urinária para o oxalato de cálcio, mas não reverte a tendência para a saturação renal do fosfato de cálcio29. A monitoração do Ca2+ urinário, através da relação cálcio/creatinina em amostra de urina e/ou dos níveis de cálcio na urina de 24 horas 30, é importante para a avaliação do tratamento. O uso de diuréticos tiazídicos é uma opção terapêutica para controlar a hipercalciúria, quando a excreção urinária de cálcio persiste aumentada mesmo após correção do distúrbio ácido-básico31. Pacientes portadores de ATR-1 primária vão requerer tratamento prolongado, possivelmente por toda a vida. Em geral, o prognóstico é excelente, sobretudo para as crianças precoce e adequadamente tratadas. O uso adequado da terapia alcalina pode restabelecer o crescimento e prevenir a progressão para nefrocalcinose4. ACIDOSE TUBULAR RENAL PROXIMAL – ATR TIPO 2 A reabsorção do HCO3- filtrado acontece predominantemente nos túbulos proximais (TP)3 2. Habitualmente, 85% a 90% da carga filtrada de HCO3- é reabsorvida nos TP, com apenas 10% nos TD. Em condições normais, praticamente nenhum HCO3- é eliminado na urina1,24. A ATR proximal ou do tipo 2 caracteriza-se por um defeito na reabsorção tubular proximal de HCO3-, determinado acidose metabólica hiperclorêmica. A hipercloremia se deve ao aumento da reabsorção do Cl-, estimulada pela diminuição do volume extracelular4. Como esta porção do néfron é responsável pela rea- 43J Bras Nefrol Volume XXIX - nº 1 - Março de 2007 bsorção da maior parte do HCO3- filtrado, a acidose tende a ser mais acentuada e de difícil controle 24. Para uma melhor compreensão dessa fisiopa- tologia, é fundamental o conhecimento dos mecanismos de reabsorção proximal de bicarbonato. O papel principal dos túbulos proximais no processo de acidificação urinária consiste na secreção de H+, através do trocador Na+/ H+, e no transporte de HCO3-, atravésdo co-transportador Na+-HCO3- 32. Na figura 2, estão resumidas as principais vias metabólicas relacio- nadas a esse processo. A enzima anidrase carbônica (AC) tem papel fundamental nesse mecanismo. As suas isofor- mas citossólica (II) e intraluminal (IV) são altamente estimuladas pela acidose metabólica crônica 1,4,21. Outra função relevante do TP em relação à homeostase ácido-básica é a síntese de NH3 a partir da glutamina. A acidose crônica aumenta essa conversão. A NH3 formada no TP é fornecida ao TC, onde há reação com o H+secretado e formação de NH4+. A excreção de NH4+constitui a chamada acidez não titulável12,21. Etiologia e Genética A ATR-2 pode ocorrer como uma desordem isolada, sem associação com outras doenças e/ou anomalias do TP24. Esta forma pode ser transitória ou persistente, esporádica ou adquirida. A ATR proximal também pode ocorrer como parte de um defeito generalizado do transporte no TP, caracterizando a Síndrome de Fanconi3,12,33. A ATR tipo 2 isolada, uma forma rara de ATR24, geralmente apresenta-se como um distúrbio transitório caracterizado por vômitos, poliúria, polidipsia, desidra- tação, fraqueza muscular e, principalmente, déficit de c r e s c i m e n t o3 4 , 3 5. A natureza transitória sugere uma imaturidade da função dos trocadores NHE-321. Pode ser também decorrente à exposição a alguns tipos de medicamentos, como ifosfamida (análogo da ciclofos- famida) e a tetraciclina20. As formas persistentes são ainda mais raras e compreendem os traços autossômicos dominante e recessivo com alterações oculares13,34. As mutações autossômicas recessivas no gene que codifica a AC II já foram descritas e, como a AC II está presente no citossol de células tanto do TP como do TD, tais mutações podem levar a uma síndrome que consiste em ATR proximal e/ou distal2 4, também conhecida como ATR do tipo 3. Nestes casos, também podem estar presentes osteopetrose, calcificações cerebrais e retardo mental1 3 , 2 2. Foram também pesquisadas mutações nos genes que codificam os transportadores do TP12. As mutações no gene SLC9A3, que codifica o trocador NHE-3, foram capazes de causar ATR proximal em camundongos. No entanto, esta mutação ainda não foi comprovada no homem13. Uma forma possivelmente autossômica domi- nante da doença, descrita em nove membros de uma mes- ma família da Costa Rica, sugere este tipo de mutação 2 1 , 3 4. Mutações no gene SLC4A4, que codifica o co-trans- portador NBC-1 do rim, foram percebidas em indivíduos com a forma autossômica recessiva da ATR-2. Os pacientes portadores desta forma de ATR-2 também apresentam acentuado déficit de crescimento, associado a alterações oculares como glaucoma e catarata22,34. Diagnóstico O diagnóstico de ATR proximal ou tipo 2 deve sempre ser suspeitado em presença de acidose metabólica hiperclorêmica que se acampanha de normo ou hipo- potassemia e de um anion gapurinário negativo, isto é, de uma concentração de Cl- na urina superior à soma das concentrações de Na+e K+. Se o diagnóstico desta doença for realizado preco- cemente, observa-se um pH urinário alcalino devido às perdas excessivas de HCO3-. Com o passar do tempo, os níveis séricos de HCO3- caem de tal forma que o TD é capaz de reabsorver essa carga, ocorrendo acidificação urinária normal. Nesta fase, os níveis sangüíneos de HCO3- encontram-se na faixa de 15 a 18mEq/L24. Assim, o diagnóstico desta forma de ATR pode ser feito através da infusão de HCO3-. Neste caso, após infusão lenta de bicarbonato de sódio até a normalização do pH (³ 7.35), das concentrações de HCO3- (>22mEq/l) Figura 2. Representação esquemática da reabsorção proximal de HCO3 - no túbulo contorcido proximal. O H2CO3 é formado no interior da célula através da hidratação do CO2, catalisada pela anidrase carbônica (AC) do tipo II. Ele dissocia-se em H+ e HCO3-, com o H+sendo secretado na troca com um Na+luminal. O H+secretado reage com o HCO3- filtrado para formar o H2CO3 luminal, que rapidamente dissocia-se em CO2 e H2O. O CO2 luminal cruza livremente a membrana celular, penetrando na célula e completando o ciclo para reabsorção do HCO3 -. Acidose Tubular Renal em Pediatria44 e pCO2 (35-40mmHg) séricos, o pH urinário elevar-se-á rapidamente, uma vez que foi ultrapassada a capacidade reabsortiva do TD. O pH urinário obtido estará acima de 7,5 e a fração de excreção do HCO3- será maior que 15% a 20%, caracterizando-se, dessa forma, a ATR proximal4. Ressalta-se que a função de acidificação distal, avaliada pela determinação do pH urinário durante uma prova de sobrecarga ácida com NH4Cl, é normal nesses casos4. Uma outra forma prática de avaliar a reabsorção tubular de HCO3- consiste na simples monitoração do pH urinário durante a administração oral de bicarbonato de sódio (NaHCO3) para a normalização de seus níveis séricos. A correlação dos valores de pH urinário com o HCO3- sérico permite uma fácil identificação dos pacien- tes com reabsorção proximal diminuída de HCO3- 04,25. Tratamento O tratamento tem como base a reposição de álcalis sob a forma de HCO3- ou citrato. A maioria das crianças requer doses de bicarbonato de sódio de 10 a 20mEq / Kg / dia, para manter o pH sérico dentro dos limites da normalidade3,4. As formas autossômicas dominante e recessiva geralmente são permanentes e vão requerer o uso do HCO3- por toda a vida. A maioria desses pacientes retomará seu crescimento, mas dificilmente atingirá uma estatura normal35. As formas esporádicas, em contraste, são transitórias e o tratamento com álcalis pode ser descontinuado após alguns anos, sem reaparecimento dos sintomas34. A suplementação com K+pode ser necessária devido à caliurese induzida pelas altas concentrações de HCO3- que chegam ao TD24. ATR-2 com Síndrome de Fanconi O transporte no TP pode ser dividido em duas fases. A princípio são reabsorvidos nutrientes essenciais, como solutos orgânicos neutros (aminoácidos, glicose) e bicarbonato de sódio (NaHCO3). No TP final, há maior reabsorção de NaCl e água por mecanismo osmótico devido ao aumento da concentração do fluido tubular7. Como já mencionado, caso haja acometimento isolado do transporte proximal de HCO3-, tem-se a ATR tipo 2 isolada, sem Síndrome de Fanconi associada. Se, por outro lado, todos os mecanismos de transporte do TP forem acometidos, produzindo deficiência na reabsorção de glicose, aminoácidos, PO4- 3e também de HCO3-, tem- se a Síndrome de Toni-Debrè-Fanconi, mais comumente denominada Síndrome de Fanconi1 , 2 4 , 3 4. As manifes- tações clínicas dependem do grau de acometimento tubular e da etiologia da síndrome. Na criança, estão presentes atraso do crescimento e raquitismo resistente à vitamina D. No adulto, observa-se osteomalácia33. A poliúria está presente com freqüência, podendo ser causa de febre e desidratação35. A Síndrome de Fanconi pode ocorrer devido à ocorrência de erros inatos do metabolismo transmitidos geneticamente (cistinose, intolerância à frutose, galacto- semia, glicogenose, síndrome de Lowe, tirosinemia e doença de Wilson) e em algumas doenças adquiridas, bem como na exposição acidental a toxinas, metais pesados (cádmio, chumbo e mercúrio), ou a certas drogas (tetraciclina, gentamicina, ácido valpróico, cisplatina e azatioprina). Mais comumente, a Síndrome de Fanconi é idiopática e sua ocorrência pode ser esporádica, sem qualquer evidência de transmissão genética. Mais raramente, há relatos de casos herdados como um traço dominante ou recessivo35. A fisiopatologia da Síndrome de Fanconi ainda não foi completamente elucidada. Acredita-se que o defeito possa estar relacionado à produção deficiente de energia com conseqüente alteração do funcionamento da Na-K-ATPase. Outras possibilidades referem-se às anormalidades na permeabilidade da membrana apical e basolateral, ao fluxo bilateral ou retrógrado através das t i g h t - j u n c t i o n s, ou às alteraçõespatológicas numa organela celular específica25,35. A perda urinária de Na+e K+é comum e, nos casos em que estas perdas são acentuadas, pode haver desen- volvimento de alcalose metabólica e hiperaldosteronismo, simulando a Síndrome de Bartter. A hipercalciúria também é freqüente, mas geralmente não está associada à nefrolitíase, possivelmente devido à poliúria e à citratúria normal ou mesmo aumentada35. Uma resistência à ação do hormônio anti-diurético está quase sempre presente, mas sua origem é desconhecida até o momento. O raquitismo pode resultar da combinação dos efeitos da acidose metabólica com hipofosfatemia ou da hipofosfatemia isolada35. A fosfatúria é acentuada. O PO4-3 sérico está diminuído assim como sua reabsorção proximal. A resistência à ação da Vitamina D pode ser devida à diminuição da conversão da vitamina D em sua forma metabolicamente ativa 1,25(OH)2D3 pelas células do TP, em presença de acidose metabólica33. A Síndrome de Fanconi primária apresenta-se tipicamente nos primeiros seis meses de vida ou na ter- ceira ou quarta décadas. Na infância, são comuns vômi- tos, poliúria, polidipsia e constipação, além de episódios de fraqueza intensa, febre com desidratação e acidose metabólica. O déficit de crescimento é significativo. A progressão para insuficiência renal é rara35. Os sinais radiológicos de raquitismo e osteopenia podem ser vistos na ausência de disfunção glomerular, indicando doença de origem tubular. As anomalias ósseas também são comuns3 5. 45J Bras Nefrol Volume XXIX - nº 1 - Março de 2007 Os exames laboratoriais mostram acidose meta- bólica hiperclorêmica com intervalo aniônico normal, hipocalemia, hipofosfatemia e hipouricemia. A fração de excreção de PO4-3 está elevada, assim como a atividade da fosfatase alcalina. A glicosúria está presente com níveis séricos normais de glicose. Há aminoacidúria inespecífica. O pH urinário está normal na ausência de tratamento, podendo haver baixos níveis de amônia e acidez titulável. Se houver queda da função glomerular durante a evolução da doença, ocorre uma melhora paradoxal dos níveis séricos de eletrólitos e uma redução da aminoacidúria, glicosúria e fosfatúria33. Não há nenhum método diagnóstico específico para a Síndrome de Fanconi. Os achados laboratoriais citados, associados à clínica de déficit de crescimento e de raqui- tismo resistente à Vitamina D, são bastante sugestivos. A expressão clínica e bioquímica varia de paciente para paciente, de modo que não há um tratamento universal. Em pacientes com Fanconi secundária, o tratamento está voltado para a causa primária da doença. Naqueles com a síndrome primária, a terapia de reposição eletrolítica pode restabelecer o balanço mineral e de eletrólitos, prolongar a sobrevida e, em alguns casos, permitir uma vida normal. O raquitismo pode ser corrigido, bem como as deformidades ósseas, porém um crescimento normal raramente é obtido35,36. O raquitismo pode responder a altas doses de 1,25(OH)2D3, medicação atualmente disponibilizada pelo SUS sob a forma de Rocaltrol® 35. No entanto, o tratamento mais adequado consiste na correção da hipofosfatemia através da reposição de fosfato pela solução de fosfato neutro, administrada em três ou quatro tomadas. A correção da acidose necessita de altas doses de álcali. Essa correção pode ser obtida a partir da suplementação isolada com bicarbonato de sódio (12mEq/ grama) em doses que variam de 5 a 10mEq/ Kg/ dia, podendo chegar a 20mEq/ Kg/ dia. O bicarbonato pode ser administrado em pó utilizando medidores ou manipulado em cápsulas contendo 500mg (6mEq) e 1.000mg (12mEq). Porém, em geral, é recomendada a suplementação alcalina por meio da administração combinada de bicarbonato de sódio e soluções citratadas (vide abaixo) a fim de aumentar a tolerabilidade. As doses de soluções alcalinas devem ser ajustadas para atingir níveis de HCO3- sérico próximos do normal. A administração de NaCl, em geral 1 a 2 gramas por dia, pode ser necessária para repor perdas exageradas do sal e corrigir a hipovolemia. A reposição com KCl (xarope 6%: 0,8mEq de K+/ ml), na dose de 2 a 3mEq/Kg/dia, também está recomendada em casos de hipocalemia2 5. As fórmulas e as doses iniciais de cada uma das soluções recomendadas seguem abaixo: Solução de fosfato neutro (54mg de fosfato por ml): Fosfato de potássio (150mg) + Fosfato de sódio (350mg) + Veículo (5ml) – dose inicial 30mg/ Kg/ dia em três a quatro tomadas; Solução de Eisemberg(4mEq de citrato por ml): Citrato de sódio (98g) + Citrato de potássio (108g) + Ácido Cítrico (70g) + Xarope não alcoólico (1.000ml) – dose inicial 5 mEq/ Kg/ dia em duas a três tomadas; Citrato de potássio(4mEq de citrato por ml): Citrato de potássio (200g) + Xarope não alcoólico (500ml) – dose inicial 2mEq/ Kg/ dia em uma a duas tomadas. Citrato de potássio(forma comercial-Lithocit®): Cápsulas, com 5 e 10mEq cada. ACIDOSE TUBULAR RENAL HIPERCALÊMICA – ATR TIPO 4 A ATR hipercalêmica ou tipo 4 foi identificada em pacientes com hipercalemia de diversas causas 21,37. O defeito tubular é de caráter complexo, ocorrendo simul- tâneamente alterações na reabsorção de bicarbonato e na secreção de H+, que se manifestam fundamentalmente por uma diminuição da excreção urinária de amônio37. Os mecanismos de acidificação urinária estão intactos e o defeito de reabsorção de bicarbonato é menos acentuado do que na ATR-221. O espectro clínico da ATR-4 abrange pacientes com hipoaldosteronismo, tanto primário quanto associado à hiporreninemia em pacientes com doença renal crônica, e pacientes com pseudo-hipoaldosteronismo21,37. São des- critos também casos de ATR-4 de causa indeterminada e caráter transitório que surgem nos primeiros anos de vida, desaparecendo até os três a cinco anos de idade21. A alteração tubular situa-se nos segmentos do túbulo distal sensíveis à aldosterona37. A principal causa é a deficiência de aldosterona, embora também possa ocorrer em decorrência de refratariedade da célula tubular renal à ação da aldosterona (pesudo-hipoaldosteronismo) e a alterações tubulares primárias37. Quando a alteração tubular se deve ao mecanismo de diminuição da reabsor- ção de Na+, pode ser afetada tanto a secreção de H+como de K+, podendo levar à ATR hipercalêmica17. O diagnóstico é aventado ao ser detectada acidose metabólica hiperclorêmica associada a um anion gap urinário positivo e a uma elevação, ainda que discreta, da concentração plasmática de K+21. Para adequada avalia- ção desses pacientes, utiliza-se a administração aguda de furosemida na dose de 1mg/ Kg. Pacientes com hipoaldosteronismo hiporreninêmico apresentarão uma urina com pH inferior a 5,5, acentuada hipoamoniuria e Acidose Tubular Renal em Pediatria46 persistência de níveis plasmáticos reduzidos de renina e aldosterona. Pacientes com expansão do volume extra- celular e inibição secundária do eixo renina-aldosterona exibirão, por outro lado, uma resposta que será indistin- guível de controles sadios21. O diagnóstico do pseudo- hipoaldosteronismo é realizado em pacientes com quadro sugestivo de hiperplasia adrenal congênita3 8, carac- terizado por hiponatremia e hipercalemia, mas que se associa a níveis plasmáticos aumentados de renina e aldosterona, bem como excreção urinária normal de 17- cetosteróides e pregnantriol37. O tratamento da ATR-4 deve ser voltado à causa primária do distúrbio. Nos casos de hipoaldosteronismo primário, a suplementação com fluorocortisona será a terapêutica de eleição21,37. No pseudo-hipoaldosteronis- mo, o tratamento consiste na suplementação oral de cloreto de sódio (3-5 gramas/ dia), após correção venosa do estado de hidratação. Alguns pacientes necessitam também do uso de resinas de troca de K+ por Ca+2, geralmente de forma transitória37. REFERÊNCIAS 1. Alpern RJ. Renal acidification mechanisms. In: Brenner BM. Brenner & Rector’s The Kidney. 6ª ed.Philadelphia: W. B. Saunders Company; 2000. v. 1, p. 455-519. 2. Simões e Silva AC, Pinheiro SVB. Acidose tubular renal. In: Leão E, Correa EJ, Viana MB, Mota JAC. Pediatria Ambulatorial. 4a ed. Belo Horizonte: C o o p m e d; 2004. p. 6 6 6 - 7 1 . 3. Herrin JT. Renal tubular acidosis. In: Avner ED, Harmon WE, Niaudet P. Pediatric Nephrology. Philadelphia: Williams & Wilkins; 2004. p. 757-76. 4. Rodríguez-Soriano J. Renal tubular acidosis: the clinical entity. J Am Soc Nephrol 2002; 13:2160-70. 5. Biner HL, Arpin-Bott MP, Loffing J, Wang X, Knepper M, Hebert SC, et al. Human cortical distal nephron: distribution of electrolyte and water transport pathways. J Am Soc Nephrol 2002; 13:836-47. 6. Muto S. Potassium transport in the mammalian collecting duct. Physiol Rev. 2001; 81:85-116. 7. Moe OW, Berry CA, Ives HE, Rector Jr FC. Renal transport of glucose, amino acids, sodium, chloride and water. In: Brenner BM. Brenner & Rector’s The Kidney. 6ª ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company 2000; v. 1, p. 375- 415. 8. Wagner CA, Geibel JP. Acid-base transport in the collecting duct. J Nephrol 2002; 15 Suppl 5:S112-27. 9. Alper SL, Darman RB, Chernova MN, Dahl NK.The AE gene family of Cl-/HCO3- exchangers. J Nephrol. 2002; 15 Suppl 5: S41-53. 10. Cheidde L, Vieira TC, Lima PRM, Saad STO, Heilberg IP. A novel mutation in the anion exchanger 1 gene is associated with familial distal renal tubular acidosis and nephrocalcinosis. Pediatrics 2003; 112:1361-7. 11. Hoenderop JG, Muller D, Suzuki M, Van Os CH, Bindels RJ. Epithelial calcium channel: gate-keeper of active calcium reabsorption. Curr Opin Nephrol Hypertens2000; 9:335-40. 12. Smulders YM, Frissen PH, Slaats EH, Silberbusch J. Renal tubular acidosis. Pathophysiology and diagnosis. Arch Intern Med 1996; 156:1629-36. 13. Zelikovic I. Molecular pathophysiology of tubular transport disorders. Pediatr Nephrol2001; 16:919-35. 14. Stewart PA. Modern quantitative acid-base chemistry. Can J Physiol Pharmacol 1983; 61:1444-61. 15. Ring T, Frische S, Nielsen S. Clinical review: renal tubular acidosis – a physicochemical approach. Crit Care 2005; 9:573-80. 16. Corey HE, Vallo A, Rodríguez-Soriano J. An analysis of renal tubular acidosis by the Stewart method. Pediatr Nephrol 2006; 21:206-11. 17. Zawadzki J. Permeability defect with bicarbonate leak as a mechanism of immune-related distal tubular acidosis. Am J Kidney Dis 1998; 31:527-32. 18. Eiam-Ong S, Dafnis E, Spohn M, Kurtzman NA, Sabatini S. H-K-ATPase in distal renal tubular acidosis: urinary tract obstruction, lithium, and amiloride. Am J Physiol 1993; 265 (6 Pt 2): F875-80. 19. Pessler F, Emery H, Dai L, Wu YM, Monash B, Cron RQ, Pradhan M. The spectrum of renal tubular acidosis in paediatric Sjogren syndrome. Rheumatology2006; 45:85- 91. 20. Hemstreet BA. Antimicrobial-associated renal tubular acidosis. Ann Pharmacother2004; 38:1031-8. 21. Rodríguez-Soriano J. New insights into the pathogenesis of renal tubular acidosis – from functional to molecular studies. Pediatr Nephrol2000;14:1121-36. 22. Laing CM, Toye AM, Capasso G, Unwin RJ. Renal tubular acidosis: developments in our understanding of the molecular basis. Int J Biochem Cell Biol 2005; 37:1151-61. 23. Chan JCM, Mak RHK. Acid-base homeostasis. In: Avner ED, Harmon WE, Niaudet P. Pediatric Nephrology. Philadelphia: Williams & Wilkins; 2004. p. 189-208. 24. Dubose Jr. TD. Acid-base disorders. In: Brenner BM. Brenner & Rector’s The Kidney. 6ª ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company; 2000. v. 1. p. 925-97. 25. Gregory MJ, Schwartz GJ. Diagnosis and treatment of renal tubular disorders. Semin Nephrol1998; 18:317-29. 26. Bresolin NL, Grillo E, Fernandes VR, Carvalho FL, Goes JE, da Silva RJ. A case report and review of hypokalemic paralysis secondary to renal tubular acidosis. P e d i a t r Nephrol 2005; 20:818-20. 27. Morris RC, Sebastian A. Alkali therapy in renal tubular acidosis: who needs it? J Am Soc Nephrol 2002; 13:2186-8. 28. Domrongkitchaiporn S, Pongskul C, Sirikulchayanonta V, Stitchantrakul W, Leeprasert V, Ongphiphadhanakul B, et al. Bone histology and bone mineral density after correction of acidosis in distal renal tubular acidosis. Kidney Int 2002; 62:2160-6. 29. Domrongkitchaiporn S, Khositseth S, Stitchantrakul W, Tapaneya-olarn W, Radinahamed P. Dosage of potassium citrate in the correction of urinary abnormalities in pediatric distal renal tubular acidosis patients. Am J Kidney Dis 2002; 39:383-91. 47J Bras Nefrol Volume XXIX - nº 1 - Março de 2007 30. Penido MGMG, Diniz JS, Guimaraes MM, Cardoso RB, Souto MFO, Penido MG. Excreção urinária de cálcio, ácido úrico e citrato em crianças e adolescentes sadios. J Pediatr 2002; 78:153-60. 31. Coe FL, Parks JH, Asplin JR. The pathogenesis and treatment of kidney stones. N Engl J Med 1992; 327: 1141-52. 32. Soleimani M, Burnham CE. Physiologic and molecular aspects of the Na+: H C O3- cotransporter in health and disease processes. Kidney Int2000; 57:371-84. 33. Houseal LM, Sabatini S. Isolated renal tubular disorders. In: Schrier RW, Gottschalk CW. Diseases of the kidney. 6a ed. P h i l a d e l p h i a: Little, Brown and Company; 1997. v. 1. p. 591-611. 34. Igarashi T, Sekine T, Inatomi J, Seki G. Unraveling the molecular pathogenesis of isolated proximal renal tubular acidosis. J Am Soc Nephrol 2002; 13:2171-7. 35. Foreman J. Cystinosis and Fanconi syndrome. In: Avner ED, Harmon WE, Niaudet P. Pediatric Nephrology. Philadelphia: Williams & Wilkins; 2003. p. 789-806. 36. Hsu SY, Tsai IJ, Tsau YK. Comparison of growth in primary Fanconi syndrome and proximal renal tubular acidosis. Pediatr Nephrol2005; 20:460-4. 37. Bonny O, Rossier BC. Disturbances of Na/K balance: Pseudohypoaldosteronism revisited. J Am Soc Nephrol 2002; 13:2399-414. 38. Speiser PW, White PC. Congenital adrenal hyperplasia. N Engl J Med 2003; 349: 776-88.
Compartilhar