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Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 1Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos BASES FÍSICAS DA PAISAGEM BRASILEIRA: ESTRUTURA GEOLÓGICA, RELEVO E SOLOS Carlos Ernesto G. R. Schaefer(*) Introdução Geral .......................................................................................................................................... Rochas - Relevos - Solos: uma Síntese Brasileira ..................................................................................... Crátons: os “Escudos” Continentais - Porções Mais Antigas e Estáveis do Planeta ................................. Cráton Amazônico ................................................................................................................................... Cráton do São Francisco ......................................................................................................................... Faixas Móveis: Serras, Montanhas, Morros, Colinas nas Zonas Dobradas, Falhadas e Soerguidas ........ Faixa Móvel Atlântica .............................................................................................................................. Faixa Móvel Brasília-Tocantins ................................................................................................................ Faixa Móvel Nordeste ............................................................................................................................. Bacias Sedimentares Paleozoicas: Sedimentos Horizontalizados de Antigas Bacias Marinhas, Hoje Soerguidas Bacia Sedimentar do Amazonas .............................................................................................................. Bacia do Paraná ...................................................................................................................................... Bacia do Maranhão-Piauí ......................................................................................................................... Bacias Sedimentares Mesocenozoicas: Feições Estruturais nos Últimos 250 MA, com a Abertura do Atlântico Sul ................................................................................................................................................. O Relevo Brasileiro: uma Herança Cenozoica, Após a Abertura do Atlântico Sul .................................. Coberturas do Cretáceo: a Vastidão Sedimentar de Arenitos Depositados no Interior do Continente, Antes da Separação Brasil-África ............................................................................................................ O Cenozoico, os Saprolitos e o Grupo Barreiras ..................................................................................... Quaternário: Grandes Pulsos Climáticos Extremos, Heranças e Legados Paleoclimáticos nos Solos ...... Latossolos e Paleoambientes .................................................................................................................. Solos com Horizontes A Húmicos ........................................................................................................... Latossolos nos Chapadões Semiáridos Nordestinos .............................................................................. Gleissolos, Organossolos ou Solos Gleizados em Áreas Bem Drenadas ............................................... Goethização (Amarelamento ou Xantização) Superficial dos Solos ........................................................ Bicromia: Solos com Duas ou Mais Cores num Mesmo Horizonte ......................................................... Plintitas e Petroplintitas: Solos-Fósseis do Pleistoceno ......................................................................... Solos Afetados por Sódio em Áreas Úmidas .......................................................................................... Solos com Evidências de Remoção de Carbonatos em Climas Mais Úmidos que os Atuais ................ Agradecimentos ........................................................................................................................................... Literatura Citada .......................................................................................................................................... INTRODUÇÃO GERAL As geociências, abrangendo a geologia e geomorfologia clássicas, formaram o alicerce fundamental em que a ciência de solos moderna se (*) Professor Associado, Departamento de Solos, Universidade Federal de Viçosa. Av. P. H. Rolfs, s/n. CEP 36570-000 Viçosa (MG). E-mail: reyschaefer@yahoo.com.br Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer2 apoiou, vindo a estabelecerem-se de forma independente, com um corpo de conceitos e métodos próprios. Contudo, continuam sendo os pedólogos, como nos primórdios históricos da pedologia, legítimos geocientistas; e nas geociências devem buscar o necessário suporte para o avanço das pesquisas, em moldes mais inovadores e promissores para os desafios atuais e futuros. Este Capítulo oferece ao leitor, que busca aprofundar o conhecimento na área da pedologia, um panorama geral sobre a influência da estrutura geológica na evolução do relevo, dos solos e, num sentido mais amplo, da paisagem brasileira. Existem muitos bons livros-texto de geologia, em língua portuguesa, que tratam da questão da geologia estrutural brasileira, mas nenhuma abordagem que se debruce sobre a importância desse conhecimento para a Ciência de Solos no Brasil, em bases minimamente atualizadas. O território brasileiro é geologicamente complexo; situa-se num contexto geotectonicamente antigo e estável, já consagrado na literatura como segmento principal e fundamental da Placa tectônica sul-americana (Ab’Sáber, 1956a; Barbosa, 1966; Almeida et al., 2000). As placas tectônicas continentais do planeta são entidades geológicas complexas, que abrigam diversos segmentos de crosta, formadas em diferentes etapas da evolução terrestre. Um exame rápido da estrutura geológica da Placa sul-americana permite individualizar duas grandes porções fundamentais da crosta continental: a oeste, a zona orogenética andina, compreendendo um extenso cinturão alongado grosso modo norte-sul, em forma de “S”, coincidente com a zona de convergência atual (colisão) de placas (Nazca, Pacífico e sul-americana)(2); e a leste, a grande província brasileira embasada pelo conjunto das rochas mais antigas do continente e relativamente pouco perturbadas pela tectônica de colisão mais recente. A faixa mais oriental representa uma zona de divergência (afastamento ativo) entre placas, em relação ao vizinho continente africano (Figura 1). (2) A zona andina sul-americana representa a expressão morfológica mais evidente da tectônica de placas regional. Sua ação morfotectônica pode expandir-se, de forma atenuada, muito além dos limites restritos do cinturão orogenético, adentrando o interior das placas continentais, revelando uma complexidade do fenômeno tectônico que exige estudo mais aprofundado. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 3Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Figura 1. Divisão geotectônica e estrutural simplificada da América do Sul ilustrando as relações entre a crosta continental Pré-Cambriana (Crátons da Amazônia, São Francisco e Patagônia como blocos principais, com as faixas móveis circundantes) e as coberturas sedimentares e metassedimentares Fanerozoicas (do Cambriano ao Recente). Fonte: Adaptado de Almeida et al. (1976, 2000). De forma aproximadamente coincidente com a extensão do território brasileiro, essa porção oriental é a mais antiga e estável do continente sul- americano; abrange, contudo, diversas subprovíncias estruturais distintas, de grande interesse para a compreensão da evolução do relevo e, por conseguinte, dos solos e da paisagem brasileira. Para facilitar uma compreensão mais rápida e didáticadas chamadas províncias estruturais(3) (3) Províncias estruturais são grandes regiões geológicas naturais, que apresentam feições evolutivas, tectônicas, estratigráficas e metamórficas próprias, diferindo das apresentadas pelas províncias confinantes. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer4 O Brasil pode ser dividido em quatro zonas estruturais distintas, assim denominadas: crátons; faixas móveis; bacias sedimentares Paleozoicas emersas; e bacias sedimentares Mesocenozoicas costeiras ou interiores (Figura 2). Figura 2. Províncias Estruturais do Brasil, segundo o modelo de Almeida et al. (1976). Os fragmentos menores de Cratons (Rio APA, São Luiz e Rio Grandense) não serão considerados na discussão pela extensão limitada. ROCHAS - RELEVOS - SOLOS: UMA SÍNTESE BRASILEIRA Para se discutir de forma mais pormenorizada o papel dos fenômenos geológicos na paisagem brasileira, convém apresentar um breve registro sobre as relações entre os principais grupos de rochas encontrados no País, os solos e relevos associados, de forma bem generalizada (Quadro 1). Esse agrupamento segue em traços gerais os sistemas propostos por Resende (1988) e Schaefer et al. (2000), e será muito útil nas discussões apresentadas para cada província estrutural brasileira. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 5Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Quadro 1. Agrupamento das rochas para fins pedológicos, problemas nutricionais e ambientais associados Em primeiro plano, a composição mineralógica das rochas é o principal atributo controlador do intemperismo. Contudo, observam-se muitos casos em que rochas com alta vulnerabilidade à alteração química ocorrem pouco ou nada alteradas na massa de solos (exemplo dos matacães e blocos de Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer6 calcário e diabásio). Nesse caso, a compacidade é o fator-chave para explicar o fenômeno, já que a rocha oferece dificuldade para a penetração da água e, conseguinte, o avanço do intemperismo (Figura 3). Além disso, a presença de fraturas, falhas ou de bandeamentos (alternância de minerais com diferentes resistências) conduz ao fluxo preferencial da água, com aprofundamento da drenagem e remoção dos produtos solúveis. Figura 3. Efeito da compacidade ou massividade das rochas na resistência à alteração. Dois Latossolos formados sob a mesma condição climática, porém de rochas diferentes (Gnaisses e Granodioritos) evidenciam profundidades variáveis de horizontes B (com estrutura granular característica), em razão da maior ou menor facilidade de aprofundamento do intemperismo. As rochas com bandeamento ou foliação apresentam-se mais profundamente alteradas com saprolitos mais profundos que as rochas compactas, mais homogêneas e maciças. No grupo 1, os solos desenvolvidos de rochas graníticas podem ser rasos ou profundos, dependendo do clima em que se desenvolvam. Granitos de grãos menores, quando mais ricos em quartzo, são mais resistentes à alteração e tendem a formar topografias salientes, na forma de pontões, serras, agulhas. Os vales são controlados por falhas ou fraturas maiores. Os solos desenvolvidos de rochas máficas, ricas em minerais ferro- magnesianos (grupo 2) formam relevos mais suavizados; sofrem alteração Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 7Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos mais profunda, a depender da compacidade e do fraturamento (basaltos muito fraturados versus diabásios mais compactos). As rochas vulcânicas são geralmente bem mais vulneráveis que as plutônicas (formadas em maior profundidade). As rochas pelíticas e metapelíticas ácidas e pobres, do grupo 3, possuem solos rasos ou profundos, dependendo do clima e da disposição das camadas. Quando essas rochas apresentam estratificação horizontal, elas oferecem mais resistência. Quanto mais velho o solo, mais profundo e menos rico em Al trocável, o que torna os Latossolos desse grupo menos “inóspitos” quimicamente que os Cambissolos, onde o Al trocável é sempre elevado. A vegetação tende a apresentar menor porte e a erosão costuma ser frequente e mais severa, contribuindo para isso os elevados teores de silte. O teor de potássio tende a ser mais elevado pela presença de micas, notável exceção em meio à pobreza quase geral em nutrientes nessas rochas. No grupo 4, de solos desenvolvidos de rochas areníticas quartzosas, os relevos tendem a ser tabulares nos arenitos mais friáveis e horizontalizados (esterificação), com solos relativamente profundos e arenosos, conquanto pouco diferenciados em sua morfologia (fraco desenvolvimento de horizontes B). Nos quartzitos, rochas metamórficas mais compactas e resistentes, o relevo é mais movimentado, e os solos são muito mais rasos. Raramente aparecem florestas nesse grupo, pela dupla deficiência em água e nutrientes. As rochas ferruginosas (grupo 5) tendem a ocorrer tanto em relevos mais suaves em relação aos quartzitos com os quais se associam na paisagem; são solos quase sempre concrecionários e tais concreções ajudam a proteger o solo da erosão, sendo de difícil alteração em climas mais secos ou sazonais. Nos climas mais úmidos e estáveis, essas couraças podem degradar-se, dando lugar a Latossolos concrecionários ou afins, que evidenciam várias fases de degradação a partir de uma couraça de petroplintita (canga, laterita endurecida). À medida que se degradam, essas rochas deixam relíquias nos solos profundos da alteração das petroplintitas (Costa, 1991; SBCS, 2013), na forma de concreções residuais, dispersas, comum nos Latossolos mais ricos em ferro. No grupo 6, as rochas calcárias formam solos mais profundos, normalmente mais vermelhos pela drenagem mais rápida nesses sistemas, mas com teores de ferro mais baixos, comparado às rochas máficas ou ferruginosas. A drenagem tende a ser mais profunda, com rede subterrânea e em cavidades, em climas mais úmidos. Nos climas mais secos, podem Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer8 ocorrer afloramentos, nesse caso constituindo núcleos mais compactos e resistentes à dissolução. Nas rochas sedimentares aluviais (grupo 7), os solos são sempre jovens, pouco diferenciados e com muitas caraterísticas morfológicas (textura, teor de matéria orgânica) herdadas do sedimento original. No grupo 8, os gnaisses, rochas metamórficas de grande expressão geográfica no Brasil, apresentam duas situações: na primeira, os gnaisses ou xistos ricos em Biotita (mica preta) são profundamente alterados nas regiões mais úmidas, e relativamente ricos em ferro, com saprófitos róseo- avermelhados, boa drenagem e solos vermelho-amarelos, em geral; tendem a formar um domínio florestado. Na segunda, de gnaisses leucocráticos (ricos em quartzo e muscovita), os solos são bem mais pobres, amarelados e bem mais erodíveis. Nos dois casos, contudo, há o desenvolvimento de saprolitos (mantos de alteração) muito profundos, que dificultam vinculação dos solos atuais com a rocha, tão profundamente alterada. A vegetação possui menor porte que nos biotita-gnaisses. Nos solos desenvolvidos de rochas conglomeráticas (grupo 9), tem-se normalmente muito cascalho. Dependendo da natureza (seixos, material anguloso, brechoide etc) e da constituição dos seixos e do cimento, podem- se ter solos tanto ricos quanto muito pobres. No grupo 10, de solos orgânicos desenvolvidos de turfeiras, sedimentos orgânicos acumulados condicionam a gênese de solos muito ricos em matéria orgânica pouco transformada, com graus variados de humificação e preservação da constituição original do material vegetal, sempre em condições de fraca oxidação. Na figura 4, está ilustrada uma paisagem tropical úmida hipotética, em que se podem observar diferenças no relevo e dissecação em razão da litologia (modificado de Schaefer et al., 2000) Em termos deresistência mineral comparativa, o quartzo é extremamente resistente ao intemperismo, embora um longo tempo de exposição em ambiente de lixiviação livre possa resultar em forte remoção da sílica (Loughnan & Bayliss, 1961), como atestam os saprolitos de itabiritos ou as cavernas em quartzito do Ibitipoca, em Minas Gerais (Dias et al., 2001). Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 9Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Figura 4. Diagrama hipotético ilustrando o intemperismo diferencial, a dissecação fluvial e as geoformas, resultantes numa (de uma) paisagem tropical úmida e num (de um) mesmo contexto climático. No detalhe, os solos e saprolitos são mais profundos se as camadas (bandeamento ou foliação) estiverem em disposição verticalizada, facilitando os fluxos de água e o avanço do intemperismo. Os feldspatos possuem clivagem bem desenvolvida, o que facilita a hidrólise, sempre maior nos Plagiocásios (Ca > Na) que nos Feldspatos potássicos (Ortoclásio > Microclina). Caulinita ou gibbsita são os produtos mais comuns da alteração dos feldspatos e dependem da drenagem do sistema. Entre os minerais máficos, os piroxênios possuem boa clivagem e sofrem rápido intemperismo, produzindo minerais de argila e óxidos. Os anfibólios são mais resistentes que os piroxênios, especialmente a Hornblenda, que pode sobreviver em solos medianamente intemperizados nos trópicos menos úmidos (Albuquerque-Filho et al., 2008). As micas, que possuem clivagem perfeita em camadas, são macias e facilmente quebradas pelo atrito, sofrendo hidrólise muito rápida, gerando diversos minerais de argila; a muscovita é mais resistente que a biotita, que possui ferro na estrutura. As olivinas, embora não possuam clivagem, são facilmente alteráveis pela intensa rede de fraturas que possuem, facilitando a entrada de água na Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer10 estrutura; são fáceis de intemperizar por terem em sua estrutura cristalográfica todos os tetraedros de silício ligados por Fe (oxidável) ou Mg (solúvel). Entre os carbonatos, os mais solúveis dos minerais comuns em rochas, o dolomita é mais resistente que a calcita. Sulfatos, ainda mais solúveis que os carbonatos, não são comuns nos materiais de origem dos solos no Brasil. Apresentada uma moldura geral da influência dos tipos de rochas nos solos do Brasil, passa-se, agora, a discutir cada província estrutural de forma mais pormenorizada, exemplificando as relações que podem ser observadas e destacadas com a distribuição dos solos, do relevo e de outros atributos da paisagem. CRÁTONS: OS “ESCUDOS” CONTINENTAIS - PORÇÕES MAIS ANTIGAS E ESTÁVEIS DO PLANETA Os crátons compreendem as porções geologicamente mais antigas, “profundas” e estáveis da crosta terrestre(4), possuindo o Brasil dois importantes segmentos cratônicos mais extensos - Amazônico (CA) e São Francisco (CSF) (Figura 2) -, além de fragmentos menores (Rio Apa, no sul do Pantanal; e São Luiz, sul-rio-grandense). Compreendem terrenos granítico- gnáissicos, com presença menor de estruturas metassedimentares diversas, formando os núcleos mais velhos da Terra - os chamados “proto” continentes iniciais, segmentos de crosta profundamente consolidados e “esfriados” há mais de 2 bilhões de anos(5), mas com presença dispersa de rochas metamórficas do Proterozoico (2 BA a 600 MA), sobrepostas. Desde a formação inicial da crosta continental, os movimentos tectônicos cíclicos foram sucessivamente justapondo novos segmentos de crosta, especialmente nos últimos 2 bilhões de anos. Os crátons já estavam definidos e consolidados há cerca de 2 bilhões de anos, embora tenham sofrido (4) “Profundas” aqui se referem à crosta continental, cuja história geológica muito antiga implicou em resfriamento em grande profundidade das rochas, resultando em menos propagação do calor da Astenosfera em direção à superfície. Os Crátons possuem sempre raízes litosféricas profundas; o manto encontra-se resfriado em profundidades superiores a 100 km abaixo da superfície. (5) A rocha do cráton mais antigo datada no Brasil localiza-se no Bloco Gavião (Bahia), parte do cráton de São Francisco, cujos gnaisses foram datados em 3,4 giga anos, e num pequeno fragmento de Cráton próximo a Natal (RN), isolado dentro da FM Nordeste, de idade semelhante ou mesmo mais antigo. A rigor, o CSF foi bem mais atingido pela atividade tectônica nos fins do Pré-Cambriano, enquanto o CA guardou pouco ou nenhum indício de remobilização desde sua formação. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 11Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos movimentações internas em graus variáveis, particularmente o CSF foi bem mais influenciado que o CA. Cráton Amazônico O Cráton Amazônico (CA), por sua enorme extensão continental, possui imensa diversidade pedológica e geomorfológica. Contudo, há um traço geral comum às paisagens que ocorrem ao norte e sul do Vale Amazônico, onde afloram rochas cristalinas (granitos, gnaisses). Trata-se de conformação de relevo suavizada, semitabular ou colinosa, fracamente dissecada, e com solos bem drenados e profundamente intemperizados: Latossolos e Argissolos, principalmente (Figura 5). Figura 5. O Cráton Amazônico e as sub-bacias que formam a grande bacia sedimentar Paleozoica do Amazonas, de eixo leste-oeste (Acre, Solimões, Médio Amazonas, Baixo Amazonas e Marajó). No corte ilustrado (NW-SE), na altura da parte central da bacia em sinclinal suspensa, estão representados esquematicamente os principais solos, rochas e relevos, no trajeto entre os blocos montanhosos do Pacaraima- Urutanin e Carajás (diagrama do autor). Legenda: Neossolo Litólico distrófico - RLd; Cambissolos distróficos - CXbd; Latossolo Amarelo distrófico - LAd; Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico - PVAd; Plintossolo Háplico distrófico - FX; Gleissolos Háplicos eutróficos - GXbe; Latossolo Vermelho distrófico - LVd; e Plintossolo Pétrico concrecionário ou litoplíntico - FF. Nas áreas onde esses relevos transicionam para ambientes de clima superúmido, com lençol freático cada vez mais elevado, ocorre a progressiva destruição do manto latossólico pela hidrólise de argilas, gerando o mais amplo espaço de podzolização tropical do mundo - a região do Alto Rio Negro. Tais sequências de arenização progressiva na ordem Latossolo- Espodossolo foram bem descritas e estudadas por diversos autores (Klinge, 1965; Lucas et al., 1984; Bravard & Righi, 1990; Andrade et al., 1997, Mafra et al., 2002) (Figura 6) e ilustram o papel do excesso de precipitação e da Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer12 acidez na hidrólise das argilas e concentração residual de areias, por meio de processo majoritariamente pedogenético. Em certos casos, não se pode descartar alguma contribuição eólica ou fluvial para deposições arenosas, mas também nesses casos há uma pedogênese extrema que concentra areias. Figura 6. Transição pedológica na topossequência Latossolos - solos arenosos (Neossolos Quarzarênicos e Espodossolos) sobre rochas graníticas no Estado do Amazonas (ilustração do autor). Fontes consultadas: Andrade et al. (1997) e Dubroueucq & Volkoff (1998). No CA, os solos dominantes, por ordem de importância são: Argissolos (51 %), Latossolos (27,4 %), Neossolos Litólicos (8,5 %) e Espodossolos e Neossolos Quartzarênicos, somando 7,5 % da área total mapeada. Dentre os Latossolos, os Vermelhos praticamente não estão representados, indicando que o clima úmido reinante atualmente e a floresta tropical, com elevada biomassa, desestabilizam fortemente a hematita em superfície (Quadro 2). Rafael C Teixeira Realce Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 13Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Quadro 2. Distribuição geral dos solos (nível de subordens do SisBraCS) nos dois CrátonsBrasileiros: Amazônico (CA) e São Francisco (CSF) Em síntese, o relevo de baixos tabuleiros ou colinas pouco dissecadas que dominam o Cráton Amazônico é resultante do fraco soerguimento da crosta; as únicas exceções são os remanescentes elevados de rochas metassedimentares que ocorrem em forma de residuais dispersos sobre o Cráton, especialmente no sul do Pará (Serra do Cachimbo, Seringa, Carajás), norte de MT e em Roraima. Esses representam restos de coberturas sedimentares mais antigos, resistentes à erosão, relacionados aos Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer14 fenômenos de movimentação interna do Cráton, mas principalmente de borda, pela interação com placas vizinhas (Almeida et al., 2000) (Figura 5). O predomínio de Argissolos sobre Latossolos revela a podzolização do manto Latossólico preexistente, desestabilizado no clima superúmido atual (Quadro 2). Os Argissolos dominantes são muito intemperizados, geralmente distróficos e com baixa CTC e com argila de baixa atividade; diferem dos Latossolos apenas pelo gradiente textural e a estrutura presente nos horizontes B mais profundos é, com frequência, latossólica (Lima et al., 2002). A presença comum de grandes áreas de Neossolos Litólicos (8,5 %) revela um passado mais seco na Amazônia, quando os núcleos rochosos resistentes foram exumados por erosão, sendo mais comuns nos extremos norte (Roraima) e sudeste (Carajás, sul Pará) da região (Figura 5). Cráton do São Francisco O Cráton do São Francisco (CSF) é uma entidade geológica complexa, muito mais atingida internamente pela atividade tectônica que o CA, ao longo de sua evolução. Possui conformação quase coincidente com o eixo da bacia hidrográfica do rio de mesmo nome e se encontra circundado pelas chamadas faixas móveis (FMs), relativas à tectônica de colisão com Crátons vizinhos, no chamado Ciclo Brasiliano. No tempo geológico, essas faixas móveis foram resultado de compressão e deformação das suas bordas, ao longo de sucessivos episódios de colisão com placas vizinhas. Da colisão global no Ciclo Brasiliano até o final do Pré- Cambriano (período de cerca de 1 bilhão de anos até 500 milhões de anos atrás), a placa de São Francisco (CSF) experimentou forte estresse compressivo, tendo se localizado “espremida” no meio da rota de colisão dos grandes vizinhos de oeste (Cráton Amazônico) e leste (Cráton do Congo- Kalahari) (Campos & Dardenne, 1997; Almeida, 1951). Tal localização resultou de expressiva deformação crustal, com metamorfismo de médio a alto grau, dobramentos profundos, formação de falhas de empurrão (de baixo ângulo) e intensa mineralização e hidrotermalismo, processos que deixaram marcantes impressões nas suas bordas e nas faixas móveis lindeiras. Na direção ao centro do CSF, contudo, manteve-se certa estabilidade característica dos interiores cratônicos, revelado pelos relevos suavizados Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 15Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos (colinosos ou tabulares) no interior da bacia do São Francisco, o que evidencia tendência semelhante ao Cráton Amazônico, de formar uma topografia de ampla depressão relativa, de origem não tectônica, fracamente dissecada (Figura 7). Figura 7. O Cráton do São Francisco (CSF) com a depressão homônima drenada pelo Rio São Francisco e afluentes e as Faixas Móveis Atlântica (leste) e Brasília-Tocantins (oeste). O transecto Ouro Preto-Belo Horizonte-João Pinheiro-Vazante indicado pelo pontilhado no mapa ilustra esquematicamente a geologia, o relevo, os solos e a vegetação na parte meridional do CSF (Ilustração do autor). Fontes consultadas: Barbosa (1980), Door (1969), Loczy & Ladeira (1980) e Campos & Dardenne (1997). Legenda: Cambissolos distróficos - CXbd; Neossolos Litólicos distróficos - RLd; Latossolos Vermelho-Amarelos distróficos - LVAd; Latossolos Vermelhos distróficos - LVd; Neossolos Quartzarênicos - RQ; Argissolos Vermelho- Amarelos distróficos e eutróficos - PVAd,e; Cambissolos Húmicos distróficos - CHd, Cambissolos eutróficos - CXbe; e Plintossolos Pétricos concrecionários - FF. Os relevos relativamente baixos e colinosos do interior da Bacia do São Francisco, que se prolongam por toda sua extensão norte-sul, são resultado Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer16 dessa conformação estrutural do CSF. Já suas bordas soerguidas são praticamente coincidentes com as zonas de máxima deformação confinante e nas próprias faixas móveis do entorno, com sucessivas faixas com falhas de empurrão dirigidas ao interior do Cráton. Um bom exemplo ilustrativo pode ser visto na chegada da cidade de Belo Horizonte pela BR 040, quando se desce de Nova Lima (Serra da Moeda - Serra do Curral) em direção à depressão relativa de Belo Horizonte, deixa-se a Faixa Móvel Atlântica para adentrar o CSF. Vale ressaltar que esse desnível marca ainda outra mudança, igualmente importante: os Campos Rupestres e derradeiros remanescentes da Mata Atlântica da Depressão dão lugar às primeiras manchas de Cerrado, estando, assim, numa tripla transição: geológica, geomorfológica e fitofisionômica. Acrescente-se, por fim, pedológica, e tem-se a dimensão exata das inter-relações observadas, ilustradas na figura 7. Constata-se que as falhas de empurrão, com transporte tectônico de dezenas de quilômetros nas FMs para dentro do CSF, têm, exatamente, as direções de transporte de oeste para leste, na FM Brasília-Tocantins, e de leste para oeste, na FM Atlântica, corroborando a posição “espremida” do CSF, durante o longo evento de colisão Amazônia/São Francisco/África. Ao oferecer resistência física, como entidade estável e pouco deformável, o CSF motivou a intensa deformação das antigas bacias sedimentares existentes à sua borda, causando metamorfismo regional, dobramentos, falhamentos e formação de um orógeno a leste(6), até atingir o ponto de ruptura das falhas de empurrão, que deslocaram blocos tectônicos sobre o próprio CSF, que resistiu (Figura 7). Como “memória” desse antiquíssimo evento orogenético, restaram as “raízes” das velhas cadeias de montanhas dobradas nas bordas do cráton, que constituem a Serra do Espinhaço (na FM Atlântica) e a Serra dos Pirineus (na FM Brasília-Tocantins). A conformação do relevo, embora não guarde similaridade às elevadas cadeias do tipo “Alpino-Himalaia” à época da colisão, revelam, porém, a tendência do CSF em manter-se como área relativamente deprimida, cercada de áreas mais elevadas, desde o final do Pré-Cambriano(7). A oeste, porém, as bordas elevadas são recobertas por sedimentos do Cretáceo, que faltam completamente na borda leste. Essa invasão de sedimentos do Cretáceo por todo o Brasil Central será discutido adiante. Tem-se, nesse relevo, um magnífico exemplo da indissociabilidade dos fenômenos geológicos e geomorfo-pedológicos das e repercussões (6) Orógeno é a cadeia de montanhas formadas em decorrência da tectônica de colisão de placas. (7) Deve ser ressaltado, contudo, que os metassedimentos marinhos e fluviais, metamorfizados, que formam a Cordilheira do Espinhaço, receberam tais sedimentos da área-fonte, onde hoje se localiza a depressão do CSF, que constituía então um alto estrutural no proterozoico médio (circa 1.8 BA), sujeito à erosão. Após a orogênese brasiliana, houve verdadeira inversão do relevo em escala continental; as antigas bacias marinhas, dobradas, falhadas, tornaram-se bem mais elevadas, em relação ao CSF, que assumiram posição de depressão relativa. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 17Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos biológicas. Rochas de alto grau metamórfico, remanescentes das antigas montanhas, e seletivamente rebaixadas após longa história de erosão, durante mais de 500 milhões de anos, exacerbam-se na topografia saliente das Cordilheiras do Espinhaço e dos Pirineus; são essas rochasresistentes: quartzitos, principalmente, e, secundariamente, itabiritos, quartzo-xistos com muscovita ou filitos. Por resistirem à alteração química e física, condicionam relevos salientes e solos extremamente pobres e rasos. Como tais solos são cumulativamente deficientes em água e nutrientes, sem boas condições físicas, além de muito suscetíveis ao fogo, perpetua a velhíssima paisagem dos Campos Rupestres, exemplos fascinantes da longa história evolutiva da paisagem Neotropical das velhas montanhas residuais (Figura 8) no desenvolvimento de estratégias adaptativas a múltiplos estresses (fogo- deficiência de nutrientes-déficit hídrico). Figura 8. Bloco diagrama que ilustra o gradiente Floresta Semidecídua Alto- montana-Campo Rupestre quartzítico do Parque Nacional da Serra do Cipó, MG, e complexo de solos associados com ilha de vegetação florestal sobre Cambissolos desenvolvidos de intrusões máficas (anfibolitos). No interior do CSF, mantida há muito sua posição rebaixada em relação às FM envolvente, ocorreram múltiplos episódios de sedimentação, em pulsos, deixando registros na forma de camadas sedimentares marinhas Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer18 Figura 9. Bloco diagrama do Alto Paranaíba, entre Rio Paranaíba e Abaeté, evidenciando a sedimentação de tufitos e arenitos do Cretáceo nos chapadões divisores e intensa erosão e ravinamento nas bordas, onde afloram rochas metapelíticas do Grupo Bambuí (Pré-Cambriano) na borda oeste do Cráton do São Francisco (ilustração do autor). Ao contrário das rochas dobradas e metamorfizadas nas FMs, aqui os sedimentos apresentam graus de metamorfismo baixo ou muito baixo, pela proteção oferecida pelo embasamento estável do CSF. Novamente, isso serviu para manter a horizontalidade dos sedimentos, que assim proporcionam relevos e paisagens mais tabulares, com menores taxas de erosão geológica, formando chapadões, como descrito por King (1956), Ab Sáber, (1956b), Andrade (1958) e Barbosa, (1959). Neste cenário de extenso aplainamento combinado a solos em geral profundos, foi possível a boa adaptação dos cerrados, exceto nas rochas naturalmente mais ricas, como calcários, onde ocorrem matas secas ou formações estacionais assemelhadas (Figura 10). mais antigas (ex. Grupo Bambuí do Neoproterozoico) ou sedimentos continentais, mais recentes, do Cretáceo ao Cenozoico (ex. Formação Mata da Corda, Urucuia, Areado, Capacete, do Cretáceo), ilustrados na figura 9. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 19Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Pode-se dizer, então, que apesar do CSF ter sofrido soerguimento no pós-Cretáceo, evidenciado pelos divisores da Bacia do SF no Espigão Mestre e Alto Paranaíba, mantidos por coberturas do Cretáceo, em cotas que alcançam 1.000-1.200 m (Figura 9), as deformações tectônicas do CSF foram mais fracas e limitadas às bordas. Assim, os sedimentos de cobertura sobre o CSF apresentam graus de metamorfismo baixo, sendo horizontalizados, em contraste com as rochas intensamente dobradas e falhadas das FM limítrofes, como ilustrado na figura 6. Figura 10. Relações solo vegetação em afloramento calcário dentro do CSF (Serra de Santana, Capitão Enéias, MG). A sequencia de solos, ilustrada, a vegetação acaatingada e o relevo cárstico repetem-se por toda a Bacia do São Francisco, da Bahia a Minas Gerais (ilustração do autor). No CSF, os solos dominantes são, por ordem de importância, Latossolos (24,1 %), Luvissolos Crômicos (21,3 %), Planossolos (19,6%) e Argissolos (19,3 %). Tal distribuição denota duas zonas pedogenéticas distintas: uma Rafael C Teixeira Realce Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer20 mais seca, no nordeste, com domínio de Luvissolos e Planossolos; e outra mais úmida, com solos mais profundos e lixiviados, especialmente Latossolos, como exemplificado na figura 7. Nas faixas de transição e nas partes mais baixas, ocorrem muitas áreas importantes de Argissolos, em boa parte eutróficos (Quadro 2). Em síntese, ambos os Crátons (CA e CSF) representam as áreas de maior estabilidade da crosta continental brasileira, e isso repercute no menor soerguimento relativo, mantendo tendência à formar depressões relativas. A conformação estreita e alongada do CSF, e seus limites com áreas elevadas de FM em ambos os flancos, condiciona uma fisiografia homogênea com rochas muito intemperizadas e topografia deprimida, onde a clima tropical tende a ser mais quente e seco que nas zonas montanhosas do entorno. Esse conjunto parece ter favorecido a evolução dos cerrados no CSF, com plantas que combinam estratégias de adaptação a solos pobres, geralmente profundos, permeáveis, suscetíveis ao fogo (relevos mais suaves com poucas barreiras à propagação) e com acentuado xeromorfismo, pela longa estação seca. Nas zonas de clima semiárido do CSF predominam as caatingas, verdadeiras formações xerófilas, com muitas plantas que armazenam água como os cactos. No caso do CA, a fraca intensidade de soerguimento condicionou o aparecimento da mais ampla superfície peneplanizada do mundo tropical, na Bacia do Rio Negro, onde os relevos raramente ultrapassam 80 m acima do nível do mar. Ali, a combinação de clima tropical superúmido, destruição de argila pela acidólise e intensa podzolização criaram o espaço onde os solos apresentam o mais elevado grau de intemperismo possível, pela quase completa destruição de argilas e “arenização” pedogenética, os Espodossolos gigantes. A vegetação arenícola, à medida que o avanço da podzolização ocorre, torna-se cada vez mais aberta, de menor porte e menor biomassa, criando por fim um domínio semiflorestal, semiarbustivo, adaptado a extremo de hidromorfismo em domínio arenoso, as chamadas Campinaranas Amazônicas (Schaefer et al., 2009). Tal cenário é análogo ao que ocorre no domínio da Mata Atlântica, nas Ilhas de Mussunungas, sobre solos semelhantes (Saporetti et al., 2012) (Figura 11). Nas partes menos úmidas do CA, não há tendência a formar Espodossolos; os Argissolos e Latossolos dominam os relevos colinosos e rebaixados. Rafael C Teixeira Realce Rafael C Teixeira Realce Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 21Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Figura 11. Enclaves de vegetação aberta sobre solos arenosos em diferentes biomas: (1) vegetação de Mussunungas no domínio da Mata Atlântica, representando um clímax edáfico, no norte do Espírito Santo, com solos arenosos associados em cada pedoambiente; (2) vegetação de Campinaranas do Parque Nacional do Viruá, na Amazônia, com sequencia hidropedológica análoga sobre solos arenosos. Em última análise, os Crátons brasileiros, estruturas antigas e estáveis que se encontram em latitudes tropicais desde pelo menos o Cretáceo, representaram, e ainda representam, o palco ideal para a evolução, no longo prazo, de estratégias adaptativas à pobreza de nutrientes decorrente do extremo intemperismo; suscetibilidade ao fogo nos períodos mais secos; e adaptação a solos arenosos (ou argilosos, com boa permeabilidade), déficit hídrico ou excesso de água, em relevo geralmente mais suave e regular. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer22 FAIXAS MÓVEIS: SERRAS, MONTANHAS, MORROS, COLINAS NAS ZONAS DOBRADAS, FALHADAS E SOERGUIDAS As faixas móveis (FMs) brasileiras constituem três importantes segmentos da crosta antiga que envolvem (“emolduram”) o Cráton do São Francisco (CSF); representam antigas zonas orogenéticas ativas, submetidas ao evento termo-tectônico Brasiliano (400-700 milhões de anos), hoje extintas. Essas faixas são originadas da deformação e do metamorfismo de rochas de antigas bacias sedimentares distribuídas na borda dos Crátons, ou das rochas da periferia. As FMs formaram-se durante sucessivos eventos de colisão entre placas tectônicas queculminaram com o ciclo Brasiliano. As faixas móveis são, portanto, zonas geologicamente complexas, dobradas, perturbadas e falhadas e seus relevos revelam heterogeneidade de geoformas sem paralelo no Brasil (RADAMBRASIL, 1983). A faixa móvel Atlântica (FM-AT) localizada na borda continental atual, fazendo face à África, representa a unidade mais intensamente deformada e tectonizada das três FM. A proeminência dos relevos de serras e maciços montanhosos (Espinhaço, Serra da Mantiqueira, Caparaó, Serra do Mar) indica reativação tectônica mais recente de antigas zonas de fraqueza, quebráveis, constituindo o processo que se convencionou chamar neotectônica(8) (Figura 12). As três FMs brasileiras possuem rochas com idades predominantemente entre 2 giga anos e 600 milhões de anos, constituindo amplo intervalo de tempo do Pré-Cambriano, quando o planeta experimentou sucessivos ciclos de colisão e afastamento entre placas ou segmentos dessas. Por representarem rochas metamórficas muito antigas de cadeias de montanhas, hoje quase completamente arrasadas pela erosão, ilustram de forma didática os efeitos da erosão geológica diferencial, atuando sobre litologias diversas. Dentro do mesmo contexto climático regional, por exemplo, rochas metamórficas muito resistentes, como quartzitos, itabiritos e xistos quartzosos, tendem a formar relevos de serras mais elevados e proeminentes, ao passo que gnaisses e xistos escuros (máficos) ou rochas carbonáticas (8) Neotectônica ou tectônica moderna é o estudo de eventos tectônicos jovens que ocorreram desde o Terciário Superior ou que ainda ocorrem associados às últimas orogêneses e epirogêneses ou a tensões crustais diversas. Os estudos da neotectônica são de fundamental importância para a análise e interpretação da geomorfologia atual e para a evolução paleogeográfica mais recente. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 23Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Figura 12. Bloco diagrama do Maciço do Caparaó (divisa ES/MG), estrutura do tipo pop-up relacionada à reativação neotectônica Cenozoica na fachada Atlântica, em regime compressivo; Gnaisses (partes mais baixas) e granulitos/migmatitos (porções mais elevadas) dominam a paisagem, separados por falhas de grande rejeito vertical e pendentes íngremes, fortemente ravinadas. Os solos possuem horizontes húmicos espessos nas partes mais protegidas e frias, herdadas de climas mais frios no Quaternário tardio. As FMs representam também as principais zonas de concentração minerais, tanto pela longa história tectônica quanto pelo metamorfismo e aquecimento (com hidrotermalismo) recorrentes. A atividade tectônica e o metamorfismo forneceram as concentrações diferentes de determinados elementos em falhas, zonas cisalhadas, veios de quartzo, sulfetos etc. Como as FMs representam os relevos mais movimentados e elevados do Brasil, constituem também faixas onde o intemperismo e a remoção de produtos solúveis foram mais favorecidos, propiciando a concentração final de resíduos profundamente alterados e oxidados, como bauxitas, óxidos de Fe, Mn, Ni etc. Por isso, são comuns saprolitos (rochas alteradas) extremamente profundos, superiores a 100 m, nas FMs, mesmo em relevos elevados, onde as rochas são mais resistentes ao intemperismo; contudo, o substrato rochoso quase sempre aflora, com solos muito rasos (quartzitos, itabiritos, xistos aluminosos, sienitos). apresentam relevos mais baixos e desnudados pela maior facilidade de alteração, após a longa ação do intemperismo químico (Quadro 1, Figura 4). Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer24 Embora as FMs possuam um traço comum pela presença de estruturas geológicas deformadas, dobradas e falhadas, os contrastes e as diferenças entre as três merecem apreciação mais pormenorizada, como a que se segue. Faixa Móvel Atlântica A Faixa Móvel Atlântica (FM-AT) é a que possui os relevos mais movimentados e elevados do Brasil, formando o maior conjunto dissecado dentre os trópicos úmidos do mundo: os mares de morros florestados. É a faixa que possui também os mais profundos mantos de intemperismo em todo o Brasil. A presença de inúmeras serras, maciços montanhosos e planaltos dissecados, em diversos níveis altimétricos, combinados ao clima tropical úmido de altitude, garantiram a formação de espesso manto de intemperismo, por sua vez recoberto por solos igualmente profundos e estruturados: os Latossolos, ali dominantes, com 41,4 % do total da área; Argissolos (31,7 % total); e Cambissolos, na grande maioria distróficos (18,5 %) (Quadro 3, Figura 13). Quadro 3. Distribuição das principais subordens de solos ocorrentes na Faixa Móvel Atlântica Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 25Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Figura 13. Corte geológico e pedogemorfológico esquemático de um trecho representativo da Faixa Móvel Atlântica, da cidade de Búzios (Estado do Rio de Janeiro), passando pelo vale tectônico do Rio Paraíba do Sul até a Serra da Mantiqueira (Juiz de Fora) e Ibitipoca/Planalto do Alto Rio Grande, em Minas Gerais (ilustração do autor). As altitudes máximas e mínimas são de 0 e 1.700 m. A FM-AT é, assim, a zona em que se combinam fatores, como soerguimento orográfico, clima úmido, falhamentos antigos e reativados, intensa percolação de solutos e intemperismo, culminando com o desenvolvimento de solos profundos, com elevada recarga hídrica subterrânea, perenidade fluvial e desenvolvimento e evolução de florestas úmidas. Tem-se, portanto, correlação entre a orografia (montanhas, serras, mares de morros) e a expansão da Floresta Atlântica, avançando pari-passu ao entalhe fluvial, à marcha da dissecação e à evolução da densa rede de drenagens perenes. Contudo, existem importantes diferenças pedogeomorfológicas entre os mares de morros de planaltos mais elevados, úmidos e dissecados, acima de 700 m, associados a Latossolos, como no caso de Juiz de Fora, e as depressões e planaltos baixos, como o Vale do Paraíba do Sul, em Três Rios, abaixo de 500 m, mais secos e quentes, com predomínio de Argissolos, muitos desses eutróficos (Figuras 13 e 14). Parece evidente que antes da dissecação que retalhou o planalto num mar de morros, esses relevos eram mais planos e contínuos (Bigarella & Ab Sáber, 1964; Barbosa, 1980; Bigarella, 1975) e seus topos, mais conservados e recobertos por cerrados ou vegetação savânica. Isso é demonstrado pela presença de remanescentes de pequenos platôs, onde se conservam fragmentos de cerrados em meio ao “mar” florestado. Com o soerguimento e encaixamento fluvial subsequentes, a floresta encontrou a oportunidade para uma expansão quase generalizada nos interflúvios, sobre um espaço outrora aberto, savânico e mais seco e sazonal. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer26 Figura 14. Modelo das formas de dissecação típicas dos mares de morros na Faixa Móvel Atlântica, em duas condições climáticas distintas: (a) Planaltos elevados, acima de 700 m, mais úmidos e frios, com Latossolos e Cambissolos Latossólicos, em encostas convexas, predominantes (a exemplo da região Juiz de Fora na figura 13); e (b) Planaltos rebaixados ou depressões, mais quentes e secos, abaixo de 500 m, com Argissolos e Cambissolos eutróficos em encostas côncavas predominantes (como na região de Três Rios na figura 13). O material de origem é biotita gnaisse nos dois casos. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 27Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Tem-se, novamente, um exemplo notável da estreita associação entre a dissecação (evolução do relevo) e a distribuição das formações vegetais. Torna-se, assim, correlacionável a dissecação e o florestamento e a dissecação e a manutenção de solos profundos; num sentido oposto, os relevos planos e elevados, expostos às condiçõesclimáticas mais secas, suscetíveis ao fogo, manter-se-iam savanizados(9) . Os relevos planos condicionados pela horizontalidade dos sedimentos arenosos facilitam a propagação do fogo e o intemperismo e, mesmo provendo precipitação suficiente para a floresta, favorecem os cerrados, como ilustrado na figura 15, numa sequência típica de cerrado-floresta no Triângulo Mineiro. Figura 15. Sequência: Cerrados-Floresta degradada numa transição Arenito- Basalto do Triângulo Mineiro. Observe-se o contraste pedológico entre os Latossolos Vermelho-Amarelos de textura média ou Neossolos Quartzarênicos, nos arenitos, e Nitossolos e Cambissolos eutróficos, sobre Basaltos. Fonte: Schaefer et al. (2000). O avanço da dissecação fluvial, entretanto, concentra água e nutrientes disponíveis nos terços médio e inferior das encostas, que se tornam mais frias e sombreadas, concentrando assim o banco de sementes, com a enxurrada das partes superiores. Como o fogo torna-se difícil de propagar, (9) A floresta, para estabelecer-se, deve vencer quatro obstáculos fundamentais: a carência de nutrientes na parte superficial do solo; a frequência e intensidade do fogo; a disponibilidade de água, ditada pelo clima e pela profundidade efetiva dos solos; e a existência de um banco de sementes abundante e viável. O último fator é exclusivamente biótico e depende da proximidade de fragmentos florestais e dos mecanismos de dispersão eficientes. Os três primeiros são físiográficos ou climáticos e definem o quadro geral da distribuição florestal. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer28 pela existência de densa rede de drenagem, seu efeito é muito mitigado e incapaz de exercer pressão efetiva. Com tempo suficiente, formam-se solos profundos mesmo em relevo acentuado; a floresta termina por dominar toda a encosta, numa escala de tempo de centenas ou milhares de anos. Apesar dos saprolitos e solos em geral profundos (Figura 16), com Cambissolos nas partes mais declivosas e côncavas e Latossolos nas áreas mais estáveis e convexas, existem na FM-AT diversos núcleos graníticos normalmente mais maciços e de difícil alteração, quando pouco fraturados; aparecem na paisagem como residuais salientes, com topografias íngremes, representando pontões e inselbergs (“montanhas-ilha”), heranças de paleoclimas mais secos, quando a erosão os exumou, expondo-os como núcleos resistentes. As maiores e mais significativas zonas com pontões no Brasil estão localizados na Faixa Móvel Atlântica, mas ocorrem dispersos pelos Crátons e demais FM. Os solos são sempre muito rasos (Neossolos Litólicos) ou afloramentos de rochas, formando verdadeiros terrenos complexos de difícil separação, podendo associar-se a solos eutróficos ou distróficos, dependendo do material de origem e clima. Figura 16. Diagrama do relevo típico em região de dissecação homogênea com forte entalhe fluvial sobre saprolitos profundos (Manhuaçu, MG); os mares de morros representam grandes aquíferos pela reserva de água que infiltra nos solos e acumula no espaço poroso dos saprolitos, embora pouco se sabe sobre a recarga hídrica nesses aquíferos. Os solos dominantes são Cambissolos distróficos (partes côncavas) e Latossolos Vermelho-Amarelos (topos e partes convexas), com horizontes A húmicos nas partes mais altas. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 29Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Faixa Móvel Brasília-Tocantins A Faixa Móvel Brasília-Tocantins (FM-BT) representa uma verdadeira zona fraturada e elevada, mas que possui ampla depressão na borda oeste (Araguaia), representando a sutura (“cicatriz”) ao longo do encontro do CSF, a leste, e Amazônico (CA), a oeste (Figuras 6 e 17). Figura 17. Corte da borda oeste da Faixa Móvel Brasília-Tocantins, representando parte da depressão do Araguaia, na região da Lagoa da Confusão, o que evidencia diferenças topográficas escalonadas, com solos mal drenados. Ilhas de vegetação monodominante (Ipucas) formadas por estandes de Landi (C. brasiliensis) associadas à microdepressões com drenagem subterrânea e Organossolos (ilustração do autor). À semelhança da FM Atlântica, a FM Brasília-Tocantins é intensamente dobrada e forma relevos elevados, de natureza residual; contudo, seus relevos são bem menos dissecados, o que revela uma história paleoclimática bem menos úmida que a FM Atlântica, dada a distância maior do Oceano Atlântico e menor influência de frentes frias. É dominada amplamente pela vegetação de cerrados e solos muito pobres. Os solos dominantes são Latossolos Vermelho-Amarelos e Vermelhos (20,3 e 15,2 %, respectivamente) e menor extensão de Amarelos (0,8 %). Há grande extensão de solos rasos como os Cambissolos (15,2 %) e Neossolos Litólicos (10,4 %), além de Plintossolos Pétricos (11,3 %) (Quadro 4). Portanto, é uma região em que os solos alternam condições de elevado intemperismo (Latossolos) e boa drenagem (poucos Amarelos) e Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer30 superfícies tabulares, com relevos muito acentuados, com solos pouco desenvolvidos (Figura 17). Quadro 4. Distribuição das principais subordens de solos ocorrentes na Faixa Móvel Brasília/Tocantins Faixa Móvel Nordeste A Faixa Móvel Nordeste (FM-NE) é um complexo de rochas falhadas em direções estruturais distintas das demais FM, com predomínio de alinhamentos E-W, deslocamentos mais horizontais ou transversais e com zonas sismicamente ativas, representando prolongamentos da zona de falhas transcorrentes do Atlântico Sul, especialmente no Rio Grande do Norte (Apodi) e Ceará. É a única das três FM que não experimentou grande esforço compressivo Mesocenozoico, por não estar alinhada com o vetor de colisão entre o Cráton Amazônico e o do São Francisco. Ainda assim é intensamente deformada, mas os alinhamentos principais são relacionados a falhas transcorrentes, de deslocamento horizontal predominante. No interior dessa FM, existem várias bacias sedimentares tectônicas, de idade mais moderna (Cretáceo ao Cenozoico) (Schobbenhaus et al., 1984). Em razão das diferenças litológicas próprias das FM, associadas ao clima semiárido dominante hoje, é uma área de solos mais rasos e menos Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 31Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos intemperizados, mas com evidências de um passado mais úmido também (Bigarella & Andrade, 1964; Ckajka, 1958; Castro, 1977), revelado pela presença de grandes extensões de Latossolos nos topos, verdadeiros “fósseis pedológicos” de climas mais úmidos no Quaternário do Nordeste (Quadro 5). Nas áreas mais erodidas e nos substratos mais expostos, tem-se a clássica sequência de Luvissolos até Planossolos, comuns às vertentes semiáridas nordestinas (Figura 18). Os inselbergs (montanhas-ilhas) de rochas granitizadas mais resistentes comumente apresentam-se na paisagem nordestina, separando depressões e formando serras isoladas (Ab Sáber, 1956b), com solos muito rasos e pedregosos (Neossolos Litólicos eutróficos). Argissolos (25 % do total) e Luvissolos (22,3 % do total) são os solos dominates na FM Nordeste, seguidos por Neossolos Litólicos (18,3 %) e Planossolos (12 %), com grande representatividade. Os Latossolos presentes na região, geralmente no litoral, mas também no sertão, somam 9,7 %, constituindo uma região de exceção pela intensa erosão e rejuvenescimento da paisagem (Quadro 5). Quadro 5. Distribuição das principais subordens de solos ocorrentes na Faixa Móvel Nordeste Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer32 Figura 18. Sequência esquemática de solos desde a Chapada no Araripe (sertão) ao Borborema e Zona da mata e Litoral de Pernambuco (Olinda) e Oceano Atlântico, com a geologia e o relevo correspondentes. Representa uma climossequência (desde o semiárido ao tropical úmido) sobre variaçõesna litologia e no relevo (ilustração do autor). Em síntese, as três FM brasileiras possuem em comum a grande heterogeneidade ambiental (geológica, geomorfológica, pedológica, climática), que se traduz em abundância de oferta de ambientes diversos e espacialmente distribuídos, resultando em diversidade de formações vegetais, e alta biodiversidade. Destaca-se ainda que em cada FM (Atlântica, Brasília-Tocantins e Nordeste) há as três áreas-core dos principais biomas extra-amazônicos, respectivamente associados (Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga). As relações ecológicas e as implicações desses fatos para a teoria biogeográfica de ilhas, em escalas regionais, ou dos refúgios ecológicos (Ab’Sáber, 1977, 1979), são muito grandes, assunto ainda timidamente investigado no Brasil, onde se negligencia o suporte da pedologia e geomorfologia. Como hipótese geral, as FMs devem ter atuado tanto como barreiras à dispersão como enclaves florísticos persistentes ou ilhas de vegetação alto-montana isoladas. Em cada caso, supõe-se que a pedodiversidade deva ter acompanhado a biodiversidade ou, pelo menos, certas singularidades e endemismos. Tem- se aí uma das mais promissoras áreas de estudos integrados do meio físico e biótico no Brasil. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 33Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos BACIAS SEDIMENTARES PALEOZOICAS: SEDIMENTOS HORIZONTALIZADOS DE ANTIGAS BACIAS MARINHAS, HOJE SOERGUIDAS As Bacias Sedimentares Paleozoicas (BSP) correspondem a grandes bacias intracontinentais marinhas, cuja história sedimentar iniciou-se no Paleozoico (Cambro-Ordoviciano), com acúmulo de sedimentos marinhos, que alcançam empilhamento de mais de 5.000 m de sedimentos, predominantemente areníticos ou pelíticos, com menor expressão de calcários. A natureza sedimentar antiga revela-se na tendência a formar relevos mais suaves, aplainados, concordantes com a estrutura sub- horizontal das rochas. No final do Paleozoico, as Bacias experimentaram intensa glaciação (do Carbonífero até Permiano), coincidindo com o período final de formação do supercontinente Pangea, com a colagem final do Gondwana, do qual fazia parte a Plataforma brasileira, com a Laurásia, ao norte. Tal supercontinente resultou em emersão gradual e “continentalização” da Plataforma brasileira no Triássico e Jurássico, fazendo desaparecer o caráter marinho das BSP, então emergidas, configurando assim as dimensões atuais aproximadas do território brasileiro. O desenvolvimento dessas estruturas de BSP, portanto, remonta ao intervalo da era Paleozoica, ou seja, entre aproximadamente 600 e 250 milhões de anos ap. Bacia Sedimentar do Amazonas Esta Bacia é fruto do afundamento tectônico ao longo do eixo leste-oeste do Cráton Amazônico, ocorrido dos fins do Pré-Cambriano ao Paleozoico. Nessa grande depressão de enorme raio de curvatura, acumularam-se mais de 5.000 m de sedimentos marinhos na era Paleozoica (Figura 5). Com a separação do Brasil/África no Mesozoico e posterior colisão do CA com a Placa do Pacífico, formaram-se os Andes e, em consequência, dobramentos internos da bacia causaram sua divisão ou fragmentação em segmentos distintos, separados por arcos ou altos estruturais, como ilustra a figura 5. Esses arcos exercem hoje enorme importância na hidrologia, geomorfologia e, principalmente, nos solos encontrados na Bacia Amazônica. Os sedimentos Paleozoicos são sobrepostos por sedimentos mais modernos e poucos solos são formados diretamente de rochas Paleozoicas. Rafael C Teixeira Nota Paleozóico está dentro do Fanerozoico (Bacias Sedimentares Fanerozoicas - 542 Ma) Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer34 Em linhas, num esboço de oeste para leste, observa-se que a sub-bacia do Acre possui a dominância de Luvissolos ou solos Ta, eutróficos; a sub- bacia do Alto Amazonas, Plintossolos e Argissolos com Plintita, a maioria Ta, porém distróficos; as sub-bacias do Médio e Baixo Amazonas, Latossolos Amarelos; e na Bacia do Marajó, principalmente Gleissolos (Figura 5). Tem- se assim, forte correlação entre os ambientes deposicionais e a hidrologia com a distribuição dos solos na paisagem Amazônica. É um dos melhores exemplos de como o entendimento geológico dá suporte ao conhecimento pedológico, numa paisagem aparentemente monótona e regular. Os Argissolos distróficos são os principais solos da BSP do Amazonas, somando 34.4 % do total da área, seguido por Latossolos distróficos (30,3 %) e Plintossolos (13,2 %). Os Gleissolos, na maioria eutróficos, somam expressivos 7,1 % da Bacia, ao longo das várzeas do Amazonas, Purus e Juruá, principalmente (Quadro 6). Os Espodossolos, menos de 3 % da área total, se destacam na margem esquerda do Amazonas e da Bacia do Rio Negro. A presença surpreendente de 6,8 % de Luvissolos deve-se à sua presença generalizada na Bacia do Acre, que sofreu influência de sedimentos de origem Andina (Schaefer et al., 2008). Quadro 6. Distribuição relativa dos solos nas três bacias sedimentares Paleozoicas do Brasil (Amazonas, Maranhão-Piaui e Paraná) Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 35Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Bacia do Paraná Um corte esquemático da Bacia é ilustrado na figura 19. Caracteriza-se pelo eminente contraste entre a grande extensão de rochas areníticas, do Jurássico e Cretáceo, formadas em condições áridas ou fluviais, até os igualmente extensos derrames de lavas basálticas, um dos maiores do mundo. Sedimentos argilosos são bem menos comuns. Figura 19. Corte esquemático da Bacia do Paraná, do Rio Paraná ao litoral paranaense, evidenciando a forma de sinclinal paleozoica alçada, recoberta por sedimentação arenosa Mesozoica e atravessada por enxames de derrames de lava basáltica. O corte ilustra também o setor adjacente da plataforma continental e as falhas associadas à formação do Atlântico Sul, com domos de sal; esses deslocam os sedimentos sobrepostos e geram mecanismos de compressão no embasamento, influenciando no soerguimento da Serra do Mar (desenho do autor). Fonte: Adaptado dos originais de Ab’Sáber (1956b) e Mohriak et al. (2009), corrigidos topograficamente. Os derrames basálticos são característicos da BPP, bem como parte do forte magmatismo que acompanhou a separação Brasil-África, no Mesozoico (Juro-Cretáceo). A Bacia do Paraná possui o exemplo mais notável de magmatismo basáltico iniciado no Jurássico, com extensos derrames de lava intercalados dentro da Bacia, culminando com intenso vulcanismo e magmatismo alcalino (do Cretáceo ao Neógeno) nas bordas da Bacia do Paraná, acompanhando o deslocamento tectônico da placa sul-americana sobre uma pluma do manto (hot spot). Os solos associados são Latossolos ou Nitossolos, em geral vermelhos, com teores de Fe elevados. Os degraus da paisagem meridional brasileira, a partir do litoral do Paraná, são em grande parte herança desse ciclo tectônico, que culminou com a separação entre África e Brasil. Desenvolvem-se falhas normais, em sequência escalonada de degraus tectônicos, do Cretáceo até o Neógeno, Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer36 à medida que avançava a separação e o rifteamento Brasil-África (Asmus & Ferrari, 1978). É aceito hoje que o magmatismo basáltico relaciona-se com a passagem do continente brasileiro sobre um hot-spot, onde a ascensão magmática ocorre preferencialmente. Os principais solos que ocorrem na BSP são, em ordem de importância, Latossolos com 41,1 % do total (Vermelhos = 36,3 %; Vermelho-Amarelos = 2,4 % e Brunos = 2,7 %), Argissolos (18,6 %), Neossolos Quartzarênicos (9,9 %), Cambissolos (9,3 %) e Neossolos Litólicos (8,9 %) (Quadro 6). A dominância dos Latossolos Vermelhos se dá pela grande influência dos basaltos (os antigos Latossolos Roxos de basalto), mas também pela presença de extensos depósitos de arenitoscom cimento de hematita, vermelhos, que formam Latossolos de textura média, vermelhos(10). Tem-se, assim, dois Latossolos Vermelhos muito distintos, os argilosos, de Basalto, que possuem sempre fertilidade melhor e vegetação original mais densa (matas, cerradões), e os de arenitos, distróficos e muito pobres quimicamente, com menor teor de fósforo total (Neri et al. 2012), associados a campos ou cerrados abertos. Bacia do Maranhão-Piauí Esta Bacia separa a Faixa Móvel Nordeste do Cráton Amazônico e possui um bloco ou fragmento de Cráton do oeste africano na parte norte - o chamado Bloco São Luiz. Seu soerguimento final deu-se após o Cretáceo (Kegel, 1965), já que existem extensas coberturas arenosas de idade Cretácea nos chapadões divisores e nascentes do Parnaíba, ao sul do Maranhão e Piauí, indicando soerguimento e inversão do relevo. Apresenta um dos maiores desenvolvimentos de sedimentação arenosa, madura, de várias idades, entre todas as bacias sedimentares brasileiras. Esse fato revela-se na grande incidência de Latossolos Amarelos, principalmente de textura média (34,1 %), e de Neossolos Quartzarênicos (13,8 %), além de extensa cobertura de Plintossolos Pétricos (solos concrecionários), proporcionalmente a maior área desses solos em todo o território brasileiro, com 9,3 % (Quadro 5). Os Argissolos somam 10,4 % da (10) Os arenitos, sedimentos dominantes no Brasil, possuem três tipos básicos de cimento: silicoso, quando se apresentam esbranquiçados e normalmente associados a Neossolos Quartzarênicos; ferruginosos, que são quase sempre avermelhados, e formados pela cimentação em clima seco, originando Latossolos de textura média, ou Neossolos Quartzarênicos, dependendo da quantidade e de argila e do clima; e os arenitos de cimento carbonático, calcário, que são mais raros, mas ocorrem em SP com certa frequência, sempre originando solos mais podzolizados e ricos e com tendência a cores vermelhas. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 37Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos área e os Neossolos Litólicos, 13,9 %, sendo esses últimos mais frequentes sobre rochas areníticas. Os Latossolos em geral somam 39,1 % do total da Bacia do Maranhão-Piaui, destacando-se os Amarelos de textura média, muito pobres em nutrientes (Quadro 6). Nenhuma outra região possui tantos Plintossolos, Pétricos ou Háplicos (16,5 % da área total), quanto a Bacia do Maranhão-Piauí. A combinação de clima transicional para semiárido em quase toda a área da Bacia explica os solos rasos e predominantemente pobres quimicamente. A região, assim, combina dois fatores desfavoráveis: a deficiência hídrica com a pobreza química geral. Excetuam-se áreas restritas onde afloram rochas básicas (magmatismo basáltico em derrames), siltitos com carbonato, ou calcários, mas que cobrem área pequena da Bacia. A vegetação é uma transição entre os cerrados adaptados a solos profundos e pobres, com elementos da caatinga. Um corte esquemático da geologia, do relevo e dos solos é apresentado na figura 20. Nela, percebe-se a forte correlação entre a litologia e os solos dessa Bacia Sedimentar. Figura 20. Corte esquemático da borda leste da Bacia Sedimentar do Maranhão-Piaui, entre a Serra Grande do Ibiapaba e o Rio Parnaíba, ilustrando os solos predominantemente pobres e arenosos, as diferentes rochas sedimentares e o relevo estruturalmente controlado. Nas camadas de folhelhos, a água que percola pelos aquíferos arenosos é retida, formando grandes acumulações subterrâneas (ilustrações do autor). Legenda: Latossolos Amarelos distróficos de textura média - LVAd; Plintossolos Pétricos concrecionários - FFC; Argissolos Vermelho-Amarelos distróficos, concrecionários - PVAd; Neossolos Quartzarênicos - RQ; Neossolos Litólicos eutróficos ou distróficos - RLe, d; e TC - Luvissolos Crômicos - TC. Fonte: Com base em Kegel (1965). Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer38 BACIAS SEDIMENTARES MESOCENOZOICAS: FEIÇÕES ESTRUTURAIS NOS ÚLTIMOS 250 MILHÕES DE ANOS, COM A ABERTURA DO ATLÂNTICO SUL O território brasileiro, totalmente emerso e “continentalizado” há cerca de 250 milhões de anos, testemunhou um longo ciclo de evolução que veio deixar impressas diversas feições estruturais marcantes, assinaladas na borda do continente, ou mesmo sobre as três estruturas geológicas anteriormente formadas. Neste Capítulo, será apresentado apenas um quadro geral das bacias sedimentares mais recentes, dos principais episódios do ciclo tectônico e das principais repercussões na paisagem. No Jurássico, os primeiros esforços tectônicos do Ciclo Sul-Atlântico fazem-se notar com o desenvolvimento de estruturas tectogênicas (grabens ou fossas, horsts, derrames basálticos) relacionadas ao início da ruptura e fragmentação de Gondwana e posterior abertura do Oceano Atlântico Sul. São dessa época as primeiras sedimentações do Atlântico Sul, formando as protobacias, onde seria acumulado petróleo, ao longo da sua evolução inicial. Tais bacias sedimentares de origem tectônica têm a maior parte de seus registros ocultos nas profundas bacias submarinas costeiras, mas importantes registros estendem-se à área continental (Figura 21). Figura 21. Corte da Bacia do Espírito Santo, evidenciando em detalhe as colunas de sal que deformam tectonicamente os depósitos sobrejacentes, pós- Cretáceos; mecanismos compressivos do sal (halocinese) na margem passiva da plataforma continental deformam os sedimentos marinhos e ainda repercutem na área emersa, alçando blocos montanhosos (Serra do Mar, Mantiqueira, Caparaó). Nota-se o contato da crosta continental (granítico-gnáissica) e crosta oceânica (basáltica), apresentando a intensa deformação pelo rifteamento (falhas lístricas, normais) e pelos mecanismos compressivos posteriores, originando os domos de sal, com o início da inversão da bacia rifte. Fonte: Ilustração adaptada do original de Mohriak et al. (2009). Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 39Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos O Relevo Brasileiro: uma Herança Cenozoica após a Abertura do Atlântico Sul Um mapa generalizado do relevo brasileiro permite verificar a excelente associação entre as FMs e as principais serras e maciços montanhosos do Brasil (Figura 22). Além das serras e dos maciços, as FMs também abrigam boa parte das chapadas e chapadões, especialmente na FM Brasília-Tocantins. Figura 22. Relevo do Brasil obtido do Modelo Digital de Elevação elaborado de imagens SRTM, ilustrando a coincidência entre os relevos mais elevados e movimentados do Brasil e as Faixas Móveis (FM). Os Crátons apresentam tendência a altitudes relativamente mais baixas, em relação às FM. Pode- se observar que a Bacia Paleozoica do Paraná é a mais soerguida das três bacias, o que está associado ao magmatismo basáltico e à proximidade da zona de rifteamento do Atlântico Sul e domos de sal. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer40 Nas FMs Atlântica e Nordeste, ocorre um relevo dissecado, que varia desde colinas suaves e pediplanos com solos geralmente rasos, no interior do nordeste semiárido, até relevos “morrados”- o clássico mar de morros da região Sudeste, sucessão de meias-laranjas que possuem uma das maiores densidades de drenagem do planeta, combinando solos profundos, saprolitos profundos e muita água circulante dentro e sobre os solos. Nas dissecações intermediárias, há tendência a situações de solos igualmente transicionais, intermediários. Tem-se, assim, forte correlação entre a intensidade da dissecação, o clima reinante e os solos. As chapadas e chapadões assumem uma paisagem de exceção em meio à dissecação, que exigem explicação mais pormenorizada. Se toda determinada FM soergueu sob ação tectônica, por que todas as diferentes porções não sofreram dissecação semelhante? Dois fatores básicos parecem concorrerpara isso: a maior distância do litoral, que representa o nível de base geral da erosão hídrica, por exemplo, a FM Brasília-Tocantins; e a presença de um assoalho de sedimentos horizontalizados variando do Cretáceo ao Quaternário, que ajudou a manter a horizontalidade das chapadas, exemplificado pelos Chapadões do médio Jequitinhonha e Rio Pardo, que, a despeito da relativa proximidade com o mar e boa disponibilidade hídrica, permanecem com baixo grau de dissecação. Duas consequências surpreendentes podem ser concluídas desses fatos: a primeira, que áreas hoje elevadas, constituindo chapadas, estiveram em outras épocas como loci deprimidos, em condições de receber sedimentos, notadamente em tempos Cenozoicos recentes (Plioceno e Pleistoceno, mais precisamente nos últimos 2-3 milhões de anos); e a segunda, que houve forte atividade neotectônica que “inverteu” a tendência deposicional e instalou um ciclo erosional nessas bacias, setorialmente soerguidas (Andrade, 1958; Bezerra et al., 2008). Resta entender os processos responsáveis pelo soerguimento diferencial; conquanto os relevos montanhosos se associem às FMs, parece evidente que a atividade neotectônica apenas reativou falhas preexistentes, mas outro problema surge. Algumas zonas de FM intensamente falhadas (domínio Borborema) não apresentam evidências de soerguimentos tão pronunciados. Há outros fatores e eles devem ser buscados. Quanto ao processo geológico responsável pelo soerguimento dos segmentos continentais, a teoria da flexura continental, pura e simples, não se coaduna com o comportamento diferenciado entre o relevo costeiro, quando Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 41Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos se verifica o litoral de Alagoas ao Espírito Santo. Coincidentemente, ao sul de Porto Alegre, onde já emerge o fragmento de Cráton sul-rio-grandense- uruguaio, ou ao norte da foz do Rio Doce, onde já se aproxima da borda do Cráton de São Francisco, o litoral apresenta-se mais rebaixado, o mesmo ocorrendo no litoral Amazônico. A mais plausível e recente teoria para explicar o soerguimento diferencial da faixa entre o Rio de Janeiro e Santa Catarina, com os alinhamentos montanhosos paralelos da Serra do Mar-Mantiqueira, e sua ausência ao norte do Caparaó, é a forte interligação entre processos magmáticos na região leste-sudeste do Brasil, que coincide com o desenvolvimento das bacias evaporíticas no Aptiano, formando domos de sal (Asmus & Ferrari, 1978; Szatmari et al., 1996). Processos mantélicos que levaram à formação de rochas intrusivas e extrusivas nas Bacias de Santos, Campos e Espírito Santo podem estar associados com o notável soerguimento desses segmentos da margem continental, posteriormente influenciados por expresssiva tectônica de sal, em regime compressivo(11) (Szatmari et al., 1996; Mohriak et al., 1995). Um duplo mecanismo (sedimentológico-tectônico) parece interceder aqui. Quando o rifteamento e a abertura do Atlântico Sul iniciou-se no Cretáceo, as bordas já inicialmente montanhosas, localizadas nas faixas móveis ou Crátons, rompidas, aportaram maior carga de sedimentos por erosão às bacias ainda iniciais. Com o avanço do rifteamento, a própria sedimentação marinha resultou em compensação isostática, retroalimentando o soerguimento e ativando o ciclo de erosão-deposição. O próprio intemperismo facilitou o soerguimento, por tornar as porções continentais menos densas. A formação dos domos de sal (halocinese) causou efeitos compressivos/ distensivos tardios nas bacias, que reativaram as falhas preexistentes na FM Atlântica. Processos tectônicos formaram as Bacias Cenozoicas interiores (Paraíba do Sul-Resende-Caçapava-Taubaté), blocos montanhosos rejuvenescidos (Mantiqueira) e elevaram as bacias sedimentares do Pleistoceno, que alcançam cotas altimétricas surpreendentemente elevadas, atingindo até a região do Rio Jequitinhonha e Rio Pardo, e mais além, no Nordeste (Bezerra et al., 2008) (Figura 13). Deformações compressivas pela tectônica do sal já foram demonstradas em diversas regiões (Mohriak et al., 2009). Por esse processo, o comportamento extrusivo do sal comprime o embasamento, reativando falhas preexistentes e deformando os relevos da porção continental emersa, bem como os sedimentos Cenozoicos submersos, que podem até ser perfurados pelas colunas (diápiros) de sal. (11) É surpreendente a boa correlação entre a presença dos domos de sal nas bacias sedimentares localizadas offshore e a presença de relevos quebrados e soerguidos na borda continental imediatamente adjacente, além de bacias tectônicas cenozoicas (Figura 22). Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 Carlos Ernesto G. R. Schaefer42 Quais as consequências pedológicas desse processo? Os solos da fachada Atlântica guardam estreita relação com os processos tectônicos e sedimentológicos anteriormente citados. Nas partes elevadas e neotectonicamente soerguidas, houve tendência à latossolização, onde o relevo evidenciou-se suficientemente estável, facilitando a livre percolação da água. Onde a rocha é mais resistente (massiva, granítica ou metamórfica de alto grau), com relevos mais íngremes, o manto de intemperismo anterior foi paulatinamente erodido, deixando uma paisagem renovada de Neossolos Litólicos e Cambissolos, desenvolvidos de substratos extremos - tanto saprolitos profundos, do pré-intemperismo terciário ou rocha aflorante. Tal situação está ilustrada na figura 19, que apresenta uma sequência completa desde a Plataforma Continental até o Rio Paraná. Coberturas do Cretáceo: a Vastidão Sedimentar de Arenitos Depositados no Interior do Continente, Antes da Separação Brasil-África. A principal razão para a pouca ocorrência de afloramentos de sedimentos Paleozoicos nas três BSPs de tão grande extensão é a manifestação quase generalizada de coberturas do Cretáceo, de origem predominantemente continental e de natureza arenosa, recobrindo e ocultando boa parte das três BSPs. Esse verdadeiro lençol superficial forma extensa cobertura arenosa, horizontal, que cobre boa parte dos chapadões do Brasil central, onde contribui para a grande recarga hídrica subterrânea, formando aquíferos de dimensões continentais (Figura 23). A vasta sedimentação arenosa do Cretáceo continental brasileiro exige acentuado intemperismo das áreas-fonte para justificar a existência de tamanho volume de areias maduras. As grandes FMs limítrofes, com suas montanhas quartzíticas e os Crátons de rochas cristalinas, submetidos a climas quentes e úmidos (“hipertropicais”) do Cretáceo, devem ter ocasionado uma hidrólise tão extensa até o ponto de só restarem praticamente areias, com minerais mais resistentes. São bem menos comuns no Brasil os sedimentos do Triássico e Jurássico, épocas em que deve ter prevalecido forte erosão de toda a plataforma brasileira (Barbosa, 1959). A longa fase erosiva e desnudação expuseram os núcleos rochosos dos Crátons, rebaixando-os e causando a inversão de relevo pelo soerguimento das BPs mais resistentes. Tópicos Ci. Solo, 8:221-278, 2013 43Bases Físicas da Paisagem Brasileira: Estrutura Geológica, Relevo e Solos Figura 23. Distribuição aproximada dos sedimentos arenosos do Cretáceo em território brasileiro, sobre os quais se desenvolvem solos de textura arenosa a média. No Cretáceo, a tectônica de placas reativou-se, avançando na quebra final e separação Brasil-África. Bacias marginais e interiores apareceram, tornando-se loci de acumulação de sedimentos. A combinação de clima quente e úmido, estável, por longo período (dezenas de milhões de anos), mares elevados e aquecidos, elevados teores de CO2 atmosférico, ausência de geleiras e forte evaporação criou condições ideais para o extremo intemperismo observado em todo Brasil, na era Mesozoica. O desmonte Cretáceo dos espessos mantos de alteração “hipertropicais” espalhou assim extensos depósitos continentais,
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