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CAPÍTULO 32 PENA: ASPECTOS GERAIS 32.1. SANÇÃO PENAL Sanção penal é a resposta estatal, no exercício do ius puniendi e após o devido processo legal, ao responsável pela prática de um crime ou de uma contravenção penal. Divide-se em duas espécies: penas e medidas de segurança. As penas reclamam a culpabilidade do agente, e destinam-se aos imputáveis e aos semi-imputáveis sem periculosidade. Já as medidas de segurança têm como pressuposto a periculosidade, e dirigem-se aos inimputáveis e aos semi-imputáveis dotados de periculosidade, pois necessitam, no lugar da punição, de especial tratamento curativo. Destarte, o Direito Penal é um sistema de dupla via, pois admite as penas via) e as medidas de segurança via) como respostas estatais aos violadores das suas regras.¹ Fala-se também na terceira via do Direito Penal, consubstanciada nas situações em que, embora tenha sido cometida uma infração penal, não se impõe pena ou medida de segurança, pois a punibilidade estatal cede espaço à reparação do dano causado à vítima, a exemplo do que se verifica na composição dos danos civis nos crimes de menor potencial ofensivo de ação penal privada e de ação pública condicionada à representa- ção do ofendido, na forma delineada pelo art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/1995. 32.2. CONCEITO Pena é a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido na lei como crime. Como reação contra crime, isto é, contra uma grave transgressão das normas de convivência, ela aparece com primeiros agregados humanos. Violenta e impulsiva nos primeiros tempos, exprimindo sentimento natural de vingança do ofendido ou a revolta de toda a comunidade social, ela se vai disciplinando com progresso das relações humanas, abandonando os seus apoios extrajurídicos e tomando o sentido de uma instituição de Direito posta nas mãos do poder público para a manutenção da ordem e segurança 1 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte general. Fundamentos. La estructura de la teoría del delito. Trad. espanhola Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remensal. Madrid: Civitas, 2006. t. I, p. 43; e JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 5. ed. Trad. espanhola Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares, 2002. p. 89. 2 BRUNO, Das penas. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. p. 10.460 DIREITO PENAL PARTE GERAL VOL. 1 CLEBER MASSON CAP. 32 PENA: ASPECTOS GERAIS 461 Destarte, pena é a espécie de sanção penal consistente na privação ou restrição de e) Princípio da intervenção mínima: a pena é legítima unicamente nos casos determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do estritamente necessários para a tutela de um bem jurídico penalmente reco- cometimento de uma infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, nhecido. Dele resultam dois outros princípios: fragmentariedade ou caráter readaptá-lo ao convívio em comunidade e, mediante a intimidação endereçada à fragmentário do Direito Penal e subsidiariedade (ver Capítulo 2, itens 2.2.8, sociedade, evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais.³ 2.2.9 e 2.2.10). O bem jurídico de que condenado pode ser privado ou sofrer limitação varia: liberdade (pena privativa de liberdade), patrimônio (multa, prestação pecuniária e perda f) Princípio da humanidade ou humanização das penas: a pena deve respeitar OS de bens e valores), vida (pena de morte, na excepcional hipótese prevista no art. direitos fundamentais do condenado enquanto ser humano. Não pode, assim, XLVII, "a", da CF) ou outro direito qualquer, em conformidade com a legislação em violar a sua integridade física ou moral (CF, art. XLIX). Da mesma forma, vigor (penas restritivas de direitos). Estado não pode dispensar nenhum tipo de tratamento cruel, desumano ou de- gradante ao preso. Com esse propósito, art. XLVII, da Constituição Federal proíbe as penas de morte, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, bem 32.3. PRINCÍPIOS como a prisão perpétua. g) Princípio da proporcionalidade: a resposta penal deve ser justa e suficiente para Aplicam-se às penas OS seguintes princípios: cumprir papel de reprovação do ilícito, bem como para prevenir novas infra- ções penais. Concretiza-se na atividade legislativa, funcionando como barreira a) Princípio da reserva legal ou da estrita legalidade: emana do brocardo nulla ao legislador, e também ao magistrado, orientando-o na dosimetria da pena. De poena sine lege, ou seja, somente a lei pode cominar a pena. Foi previsto como fato, tanto na cominação como na aplicação da pena deve existir correspondên- cláusula pétrea no art. XXXIX, da Constituição Federal, e também encontra cia entre o ilícito cometido e o grau da sanção penal imposta, levando-se ainda amparo no art. do Código Penal. em conta o aspecto subjetivo do condenado (CF, art. 5.°, XLVI). b) Princípio da anterioridade: a lei que comina a pena deve ser anterior ao fato h) Princípio da individualização: foi inicialmente previsto pelo Código Crimi- que se pretende punir. Não basta, assim, o nulla poena sine lege. Exige-se um nal do Império de 1830. A individualização da pena tem significado de eleger reforço, a lei deve ser prévia ao fato praticado: nulla poena sine praevia lege (CF, a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos art. 5.°, XXXIX, e CP, art. pendentes sobre sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infra- c) Princípio da personalidade, intransmissibilidade, intranscendência ou res- tores, ainda que coautores ou partícipes do delito. Sua finalidade e importância ponsabilidade pessoal: a pena não pode, em hipótese alguma, ultrapassar a pes- residem na fuga da padronização da pena, da "mecanizada" ou "computado- soa do condenado (CF, art. XLV). É vedado alcançar, portanto, familiares do rizada" aplicação da sanção penal, que prescinda da figura do juiz, como ser acusado ou pessoas alheias à infração penal. Em síntese, esse postulado impede pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente à pena preestabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem pessoal do É possível, porém, que a obrigação de reparar dano e a dúvida, decretação do perdimento de bens, compreendidos como efeitos da condenação, sejam, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas até Esse princípio, que foi expressamente indicado pelo art. 5.°, XLVI, da Constituição limite do valor do patrimônio transferido (CF, art. XLV). A pena de multa Federal, repousa no ideal de justiça segundo qual se deve distribuir, a cada indivíduo, não poderá ser cobrada dos sucessores do condenado. que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas do seu comportamento d) Princípio da inderrogabilidade ou inevitabilidade: esse princípio é consectá- que em matéria penal significa a aplicação da pena levando em conta não a norma rio lógico da reserva legal, e sustenta que a pena, se presentes OS requisitos neces- penal em abstrato, mas, especialmente, aspectos subjetivos e objetivos do sários para a condenação, não pode deixar de ser aplicada e integralmente cum- Na célebre definição de Nélson Hungria: prida. É, contudo, mitigado por alguns institutos penais, dos quais são exemplos a prescrição, perdão judicial, sursis, 0 livramento condicional etc. A fórmula unitária foi assim fixada: retribuir 0 mal concreto do crime com 0 mal concreto da pena, na concreta personalidade do criminoso. Ao ser cominada in abstracto, a pena é individualizada objetivamente; mas, ao ser aplicada in concreto, não prescinde da sua individualização subjetiva. Após a individualização convencional da lei, a individualização 3 Em uma situação excepcional, a legislação brasileira admite a imposição de sanção penal sem a interferência do Estado. que se extrai do art. 57 da Lei 6.001/1973 Estatuto do "Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte". NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2. ed. São Paulo: RT: 2007. p. 30. STF: AgR-QO 1.033/DF, rel. Min. Celso de Mello, Plenário, j. 6 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 145.462 DIREITO PENAL PARTE GERAL VOL. 1 CLEBER MASSON CAP. 32 PENA: ASPECTOS GERAIS 463 experimental do juiz, ao mesmo tempo objetiva e subjetiva. É conservada a prefixação de É chamada de absoluta porque esgota-se em si mesma, ou seja, a pena independe minima e maxima especiais; mas, suprimida a escala legal de graus intermédios, 0 juiz pode de qualquer finalidade prática, não se vincula a nenhum fim, pois não se preocupa com mover-se livremente entre aqueles, para realizar a "justiça do caso a readaptação social do infrator da lei penal. Pune-se simplesmente como retribuição à prática do ilícito penal. Em outras palavras, a pena funciona meramente como um Desenvolve-se em três planos: legislativo, judicial e administrativo. castigo, assumindo nítido caráter expiatório. No prisma legislativo, princípio é respeitado quando legislador descreve o A pena atua como instrumento de vingança do Estado contra criminoso, tipo penal e estabelece as sanções adequadas, indicando precisamente os seus limites, com a finalidade única de castigá-lo, fator esse que proporciona a justificação moral mínimo e máximo, e também as circunstâncias aptas a aumentar ou diminuir as re- do condenado e restabelecimento da ordem primendas cabíveis. A teoria absoluta e a finalidade retributiva da pena ganharam destaque com os A individualização judicial complementa a legislativa, pois esta não pode ser ex- estudos de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e de Emmanuel Kant, que exemplificava: tremamente detalhista, nem é capaz de prever todas as situações da vida concreta que possam aumentar ou diminuir a sanção penal. É efetivada pelo juiz quando aplica a O que se deve acrescer é que se a sociedade civil chega a dissolver-se por consentimento pena utilizando-se de todos OS instrumentais fornecidos pelos autos da ação penal, em de todos seus membros, como se, por exemplo, um povo que habitasse uma ilha se obediência ao sistema trifásico delineado pelo art. 68 do Código Penal (pena privativa decidisse a abandoná-la e se dispersar, último assassino preso deveria ser morto antes de liberdade), ou ainda ao sistema bifásico inerente à sanção pecuniária (CP, art. 49). da dissolução a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime e para que crime de Finalmente, a individualização administrativa é efetuada durante a execução da homicídio não sobre povo que descuidasse da imposição dessa punição; porque pena, quando Estado deve zelar por cada condenado de forma singular, mediante então poderia ser considerada como cúmplice de tal violação pública da Justiça.¹⁰ tratamento penitenciário ou sistema alternativo no qual se afigure possível a integral realização das finalidades da pena. 32.4.2. Teoria relativa e finalidades preventivas 32.4. TEORIAS E FINALIDADES Para essa variante, a finalidade da pena consiste em prevenir, isto é, evitar a prática de novas infrações penais (punitur ne peccetur). É irrelevante a imposição de estudo das teorias relaciona-se intimamente com as finalidades da pena. Podemos castigo ao condenado. ir ainda mais longe. Na verdade, as teorias inerentes aos fins da pena relacionam-se com Adota-se uma posição absolutamente contrária à teoria absoluta. Destarte, a pena a própria origem do Direito Penal. Nas palavras de Jorge de Figueiredo Dias: não está destinada à realização da justiça sobre a terra, servindo apenas para a prote- ção da sociedade. A pena não se esgota em si mesma, despontando como meio cuja problema do fins (rectius, das finalidades) da pena criminal é tão velho quanto a pró- finalidade é evitar futuras ações puníveis.¹¹ pria história do direito penal; e, no decurso desta já longa história, ele tem sido discutido, vivamente e sem soluções de continuidade, pela filosofia (tanto pela filosofia geral, como A prevenção de novas infrações penais atende a um aspecto dúplice: geral e especial. pela filosofia do direito), pela doutrina do Estado e pela ciência (global) do direito penal. A prevenção geral é destinada ao controle da violência, na medida em que busca A razão de um tal interesse e da sua persistência ao longo dos tempos está em que, à diminuí-la e evitá-la. Pode ser negativa ou positiva. sombra dos problemas dos fins das penas, é no fundo toda a teoria do direito penal que A prevenção geral negativa, idealizada por J. P. Anselm Feuerbach com arrimo se discute e, com particular incidência, as questões fulcrais da legitimação, fundamentação, em sua teoria da coação psicológica, tem o propósito de criar no espírito dos potenciais justificação e função da intervenção penal estatal. Por isso se pode dizer, sem exagero, que criminosos um contraestímulo suficientemente forte para afastá-los da prática do a questão dos fins da pena constitui, no fundo, a questão do destino do direito penal e, na Busca intimidar membros da coletividade acerca da gravidade e da imperati- plena acepção do termo, do seu vidade da pena, retirando-lhes eventual incentivo quanto à prática de infrações penais. Demonstra-se que crime não compensa, pois ao seu responsável será inevitavelmente Para a teoria absoluta, a finalidade da pena é retributiva. Por sua vez, para a teoria imposta uma pena, assim como aconteceu em relação ao condenado punido. Nas pala- relativa, OS fins da pena são estritamente preventivos. E, finalmente, para a teoria mista vras de Anabela Miranda Rodrigues: ou unificadora, a pena tem dupla finalidade: retributiva e preventiva. 32.4.1. Teoria absoluta e finalidade retributiva 9 "Dizem uns que a justiça penal, não podendo desinteressar-se da falta moral, deve aplicar a todo delinquente, A pena desponta como a retribuição estatal justa ao mal injusto provocado pelo com capacidade para compreender as disposições da lei, uma pena aflitiva, isto é, um castigo que importe em retribuição proporcional à falta moral. A consciência pública sente a sua necessidade e legislador não pode condenado, consistente na prática de um crime ou de uma contravenção penal (punitur deixar de levar em conta esse estado de alma coletivo" (LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Rio de quia peccatum est). Janeiro: Forense, 1942. V. II, p. 43). 10 KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: 1993. p. 178-179. 11 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 5. ed. Trad. espanhola Miguel Olmedo Car- HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. V. I, p. 86. denete. Granada: Comares, 2002. p. 77. DIAS, Jorge de Figueiredo. Temas básicos da doutrina penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 65-66. 12 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de direito penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999. p. 99.464 DIREITO PENAL PARTE GERAL VOL. 1 CLEBER MASSON CAP. 32 PENA: ASPECTOS GERAIS 465 Os motivos pelos quais a pena deve ser aplicada quia peccatum est são, pois, em Feuerbach, de duas ordens de razões: da exigência de tornar séria - isto é, portadoras de consequências dissolver paradoxo de se pretender preparar a reinserção social em um contexto, por efetivas a ameaça contida na lei penal, de tornar operante a coação psicológica que deve definição, ser efeito daquela ameaça, e da exigência de garantir a legalidade e a certeza do 32.4.3. Teoria mista ou unificadora e dupla finalidade: retribuição e prevenção Atualmente, a finalidade de prevenção geral negativa manifesta-se rotineiramente pelo direito penal do terror. Instrumentaliza-se o condenado, na medida em que serve A pena deve, simultaneamente, castigar condenado pelo mal praticado e evitar ele de exemplo para coagir outras pessoas do corpo social com a ameaça de uma pena a prática de novos crimes, tanto em relação ao criminoso como no tocante à sociedade. Em síntese, fundem-se as teorias e finalidades anteriores. A pena assume um tríplice grave, implacável e da qual não se pode escapar. Em verdade, ponto de partida da prevenção geral possui normalmente uma tendência para terror estatal. Quem preten- aspecto: retribuição, prevenção geral e prevenção especial. Foi a teoria acolhida pelo art. 59, caput, do Código Penal, quando dispõe que a de intimidar mediante a pena, tenderá a reforçar esse efeito, castigando tão duramente quanto possível.¹⁴ pena será estabelecida pelo juiz "conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime". É também chamada de teoria da união eclética, intermediária, Prevenção geral positiva, de outro lado, consiste em demonstrar e reafirmar a conciliatória ou unitária. existência, a validade e a eficiência do Direito Penal. Almeja-se demonstrar a vigência E, se não bastasse, direito penal brasileiro aponta, em diversos dispositivos, a da lei penal. O efeito buscado com a pena é romper com a ideia de vigência de uma "lei particular" que permite a prática criminosa, demonstrando que a lei geral que sua opção pela teoria mista ou unificadora. De fato, Código Penal aponta acolhimento da finalidade retributiva nos arts. impede tal prática e a compreende como conduta indesejada está em 121, e 129, 8.°, quando institui perdão judicial para os crimes de homicídio Em suma, aspecto positivo da prevenção geral repousa na conservação e no culposo e lesões corporais culposas. Nesses casos, é possível a extinção da punibilidade reforço da confiança na firmeza e poder de execução do ordenamento jurídico. A pena quando as "consequências da infração atingirem próprio agente de forma tão grave tem a missão de demonstrar a inviolabilidade do Direito diante da comunidade jurídica e reforçar a confiança jurídica do povo.¹⁶ que a sanção penal se torne Fica claro, pois, ser cabível perdão judicial quando o agente já foi punido, quando já foi castigado pelas consequências do crime Mas não para por aí. A pena ainda é dotada de prevenção especial, direcionada exclusivamente à pessoa do condenado. Subdivide-se também a prevenção especial em por ele praticado. Já houve, portanto, a retribuição. Por sua vez, em diversos dispositivos a Lei 7.210/1984 Lei de Execução Penal negativa e positiva. - dá ênfase à finalidade preventiva da pena, em suas duas vertentes, geral e especial. Para a prevenção especial negativa, importante é intimidar condenado para Nesse sentido, estabelece seu art. 10, caput: "A assistência ao preso e ao internado que ele não torne a ofender a lei penal. Busca, portanto, evitar a reincidência. é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar retorno à convivência Finalmente, a prevenção especial positiva preocupa-se com a ressocialização em sociedade". E, ainda, art. 22: "A assistência social tem por finalidade amparar do condenado, para que no futuro possa ele, com integral cumprimento da pena, preso e internado e prepará-los para o retorno à liberdade". O trabalho do preso ou, se presentes requisitos legais, com a obtenção do livramento condicional, tem finalidade educativa (art. 28). retornar ao convívio social preparado para respeitar as regras a todos impostas pelo E, finalmente, a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, conhecida Direito. A pena é legítima somente quando é capaz de promover a ressocialização do como Pacto de San José da Costa Rica, incorporada ao direito pátrio pelo Decreto 678/1992, estatui em seu art. item "6", no tocante ao direito à integridade pessoal, E, como tem se sustentado atualmente, antes de ser socializadora, a execução que "as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a da pena de prisão deve ser não dessocializadora. Isto, num duplo sentido: por um readaptação social dos condenados". lado, não se deve amputar recluso dos direitos que a sua qualidade de cidadão lhe No sistema penal brasileiro as finalidades da pena devem ser buscadas pelo assegura; por outro lado, deve-se reduzir ao mínimo a marginalização de fato que a condenado e pelo Estado, com igual ênfase à retribuição e à prevenção. Na linha da reclusão implica e efeitos criminógenos que lhe estão associados. Só a incorporação jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: da não dessocialização no conceito de socialização permitirá cumprir a Constituição e Se é assim vale dizer, se a Constituição mesma parece conferir à execução das penalida- des em foco uma paralela função de reabilitação individual, na perspectiva de um saneado retorno do apenado à vida societária esse mister reeducativo é de ser desempenhado 13 RODRIGUES, Anabela Miranda. A determinação da pena privativa de liberdade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. pelo esforço conjunto da pessoa encarcerada e do Estado-carcereiro. Esforço conjunto que p. 170. 14 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, p. 58-59. há de se dar segundo pautas adrede fixadas naquilo que é próprio cerne do regime que 15 JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Finalidades da pena. Barueri: Manole, 2004, p. 69. a lei designa como de execuções penais. Um regime necessariamente concebido para fazer 16 ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte geral. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. Tradução para espanhol de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel y Conlledo e Javier de Vicente Remensal. Madrid: Civitas, 2006. p. 91. 17 HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário. Trad. Regina Greve. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 104. 18 RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo sobre questão penitenciária. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 52.466 DIREITO PENAL PARTE GERAL VOL. 1 CLEBER MASSON CAP. 32 PENA: ASPECTOS GERAIS 467 da efetiva constrição da liberdade topográfica de ir e vir um mecanismo tão eficiente no no tocante a ela a pena tem as tarefas de protegê-la e pacificar seus membros após a plano do castigo mesmo quanto no aspecto regenerador que a ela é consubstancial.¹⁹ prática de uma infração penal. Não basta a retribuição pura e simples, pois, nada obstante a finalidade mista acolhida pelo sistema penal brasileiro, a crise do sistema prisional transforma a pena Teoria absoluta Finalidade retributiva em castigo e nada mais. A pena deve atender aos anseios da sociedade, consistentes (castigo para condenado) na tutela dos bens jurídicos indispensáveis para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da coletividade, pois só assim será legítima e aceita por todos em um Es- Teoria relativa Finalidade preventiva tado Democrático de Direito, combatendo a impunidade e recuperando os condenados (evitar novas infrações penais) para o convívio Em sua aplicação prática, a pena necessita passar pelo crivo da racionalidade con- temporânea, impedindo se torne o delinquente instrumento de sentimentos ancestrais de Negativa represália e castigo. Só assim Direito Penal poderá cumprir a sua função preventiva (contraestimular potenciais criminosos) e socializadora, com resultados mais produtivos para a ordem social e para o próprio Prevenção geral (dirigida aos demais membros da sociedade) Positiva (demonstrar a vigência da lei penal) 32.6. FUNDAMENTOS DA PENA Fundamentos da pena não se confundem com finalidades da pena. Aqueles se Negativa relacionam com motivos que justificam a existência e a imposição de uma pena; (evitar reincidência) estas dizem respeito ao objetivo que se busca alcançar com sua aplicação. Prevenção especial Apontam-se seis principais fundamentos da pena: retribuição, reparação, denúncia, (pessoa do condenado) incapacitação, reabilitação e Positiva (ressocialização) a) Retribuição: confere-se ao condenado uma pena proporcional e corresponden- te à infração penal na qual ele se envolveu. É a forma justa e humana que tem a sociedade para punir os criminosos, com proporção entre o ilícito penal e o Pena com finalidade retributiva Pena com finalidade retributiva castigo. mal que a pena transmite ao condenado deve ser equivalente ao mal Preventiva (geral e especial) produzido por ele à coletividade. O crime deve ter a pena que merece (desvalor do criminoso), semelhante ao desvalor social da conduta. b) Reparação: consiste em conferir algum tipo de recompensa à vítima do delito. 32.4.4. Teoria agnóstica Relaciona-se com a vitimologia, notadamente com a assistência à vítima e à reparação do dano, como forma de recompor o mal social causado pela infração A teoria agnóstica, também chamada de teoria negativa, coloca em desta- penal. que a descrença nas finalidades da pena e no poder punitivo do Estado, nota- damente na ressocialização (prevenção especial positiva), a qual jamais pode c) Denúncia: é a reprovação social à prática do crime ou da contravenção penal. A ser efetivamente alcançada em nosso sistema penal. Essa teoria, portanto, necessidade de aplicação da pena justifica-se para exercer a prevenção geral por sustenta que a única função efetivamente desempenhada pela pena seria a neutralização meio da intimidação coletiva, e não para desfazer o desequilíbrio causado pelo do condenado, especialmente quando a prisão acarreta em seu afastamento da crime. d) Incapacitação: priva-se a liberdade do condenado, retirando-o do convívio so- 32.5. FUNÇÃO SOCIAL DA PENA cial, para a proteção das pessoas de bem. Para Garofalo, a pena é um mal ne- Fala-se atualmente em função social da pena, e, consequentemente, em função cessário à reparação do dano provocado pela conduta criminosa. E, embora na social do Direito Penal, direcionada eficazmente à sociedade a qual se destina, pois aparência o fim da pena seja a vingança social ou o desejo de fazer sofrer ao cul- pado um mal análogo ao que ele produziu, na realidade o que se deseja é isto: em 19 HC 91.874/RS, decisão monocrática do Min. Carlos Britto, j. 31.08.2007. 20 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho penal. Parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002. p. 44. 21 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p.468 DIREITO PENAL PARTE GERAL VOL. 1 CLEBER MASSON CAP. 32 PENA: ASPECTOS GERAIS 469 primeiro lugar, excluir do meio coletivo delinquentes inassimiláveis; depois 32.8. CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS constranger autor de um mal a repará-lo, tanto quanto possível.²² As penas podem ser classificadas com base em variados critérios: quan- e) Reabilitação: deve recuperar-se o penalmente condenado. A pena precisa res- to ao bem jurídico do condenado atingido pela reação estatal (pena), quanto ao taurar o criminoso, tornando-o útil à sociedade. Funciona como meio educativo, critério constitucional e quanto ao critério adotado pelo Código Penal. de reinserção social, e não punitivo. f) Dissuasão: busca convencer as pessoas em geral, e também condenado, de que o crime é uma tarefa desvantajosa e inadequada. A pena insere-se como atividade des- 32.8.1. Quanto ao bem jurídico do condenado atingido pela pena tinada a impedir culpado de tornar-se nocivo à sociedade, bem como instrumento para afastar demais indivíduos de práticas ilícitas perante Direito Penal. A pena pode ser dividida em cinco espécies: 32.7. COMINAÇÃO DAS PENAS a) Pena privativa de liberdade: retira do condenado seu direito de locomoção, em razão da prisão por tempo determinado. Não se admite a privação perpétua Nos moldes do art. 53 do Código Penal: "As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime". da liberdade (CF, art. XLVII, "b"), mas somente a de natureza temporária, Esse dispositivo é desnecessário no tocante às penas privativas de liberdade, pois já pelo período máximo de 40 (quarenta) anos para crimes (CP, art. 75) ou de 5 são cominadas por cada tipo legal de crime ou contravenção penal nos limites mínimo (cinco) anos para contravenções penais (LCP, art. 10). e máximo. Exemplificativamente, art. 155 do Código Penal prevê, para furto simples, b) Pena restritiva de direitos: limita um ou mais direitos do condenado, em subs- o limite mínimo de 1 (um) e máximo de 4 (quatro) anos de reclusão.²³ tituição à pena privativa de liberdade. Está prevista no art. 43 do Código Penal e Entretanto, a função substitutiva atribuída às penas restritivas de direitos e a comi- por alguns dispositivos da legislação extravagante. nação indeterminada das penas de multa explicam a introdução no Código Penal dessas regras de cominação, evitando uma cansativa e indevida repetição em cada tipo legal.24 c) Pena de multa: incide sobre patrimônio do condenado. Em nosso sistema penal as penas podem ser cominadas (previstas em abstrato) d) Pena restritiva da liberdade: restringe o direito de locomoção do condenado, sem por diversas modalidades: privá-lo da liberdade, isto é, sem submetê-lo à prisão. É o caso da pena de bani- mento, consistente na expulsão de brasileiro do território nacional, vedada pelo a) isoladamente: cuida-se da cominação única de uma pena, prevista com exclusi- art. 5.°, XLVII, "d", da Constituição Federal. É possível a instituição, por lei, de pena vidade pelo preceito secundário do tipo incriminador. Exemplo: art. 121, caput, restritiva da liberdade, em face de autorização constitucional (art. XLVI, "a"). do Código Penal, com pena de reclusão. Exemplo: proibir o condenado por crime sexual de aproximar-se da residência da b) cumulativamente: o tipo penal prevê, em conjunto, duas espécies de penas. vítima. A deportação, a expulsão e a extradição de estrangeiros são admissíveis, Exemplo: art. 157, caput, do Código Penal, com penas de reclusão e multa. uma vez que têm natureza administrativa, e não penal, e encontram-se previstas c) paralelamente: cominam-se, alternativamente, duas modalidades da mesma nos arts. 50 a 60 e 81 a 99 da Lei 13.445/2017 Lei de Migração. pena. Exemplo: art. 235, do Código Penal, com penas de reclusão ou deten- e) Pena corporal: viola a integridade física do condenado, tal como ocorre nas pe- ção, pois ambas são privativas de liberdade. nas de açoite, de mutilações e de marcas de ferro quente. Essas penas são vedadas d) alternativamente: a lei coloca à disposição do magistrado a aplicação única de pelo art. XLVII, "e", da Constituição Federal, em face da crueldade de que duas espécies de penas. Há duas opções, mas julgador somente pode aplicar se revestem. Admite-se, excepcionalmente, a pena de morte, em caso de guerra uma delas. Exemplo: art. 140, caput, do Código Penal, com penas de detenção ou declarada contra agressão estrangeira (CF, art. XLVII, "a"), nas hipóteses pre- multa. vistas no Decreto-lei 1.001/1969 Código Penal Militar. 22 GAROFALO, Raffaele. Criminologia: estudo sobre delicto e a repressão penal. São Paulo: Teixeira e Irmão, 1893. p. 114. 32.8.2. Quanto ao critério constitucional 23 Na legislação extravagante existem situações diversas. No Código Eleitoral Lei 4.737/1965, a diversos crimes (exemplo: arts. 289, 290 e 291) legislador impõe somente limite máximo da pena, sem cominar seu mínimo. Para complementar esta opção legislativa, 0 art. 284 do Código Eleitoral estabelece: "Sempre que este Código Essa classificação das penas encontra-se no art. XLVI e XLVII, da Constituição não indicar grau mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para Federal. a de reclusão." Essa técnica se repete no Código Penal Militar Decreto-lei 1.001/1969 (exemplos: arts. 146, No inc. XLVI, art. contempla as penas permitidas. rol é exemplificativo, 147 e 148), estabelecendo seu art. 58: "O mínimo da pena de reclusão é de um ano, e máximo de trinta anos; mínimo da pena de detenção é de trinta dias, e máximo de dez anos." pois se admitem, entre outras, as penas de privação ou restrição da liberdade, perda de 24 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal Parte geral. 2. ed. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2007. p. 549. bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.