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Criminologia crítica e violência

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CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
CRIMINOLOGIA CRÍTICA E VIOLÊNCIA: O SISTEMA PENAL COMO ULTIMA RATIO 
 
 
Rogerio Dultra dos Santos1 
 
 
“Do mesmo modo que te abriste à alegria 
 abre-te agora ao sofrimento 
 que é fruto dela 
 e seu avesso ardente. 
Do mesmo modo 
 que da alegria foste 
 ao fundo 
 e te perdeste nela 
 e te achaste 
 nessa perda 
 deixa que a dor se exerça agora 
 sem mentiras 
 nem desculpas 
 e em tua carne vaporize 
 toda ilusão 
que a vida só consome 
o que a alimenta.” 
 
Aprendizado – Ferreira Gullar 
 
 
 O ponto de partida do debate contemporâneo sobre violência urbana e 
segurança pública se encontra em uma matriz criminológica perfeitamente 
determinável — a sociologia criminal positiva e a sua idéia de defesa social — e nas 
oposições que foram feitas à mesma durante todo o século XX, culminando com a 
sociologia penal materialista, também conhecida como criminologia crítica. De um lado, 
tem-se um discurso acabado que fundamenta e orienta a atividade repressiva do 
Estado moderno, destacando-se a diferenciação sociológica do criminoso e as 
justificações funcionais da pena de reclusão. De outro, um conjunto de 
questionamentos aos princípios norteadores da idéia de defesa social, e cujo cerne é a 
idéia de que o sujeito criminoso é definido institucionalmente por um conjunto de 
 
1
 Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, mestre em 
Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e graduado em Direito pela Universidade Católica 
do Salvador. Professor de Teoria Política e Pensamento Político Brasileiro no curso de Ciências Sociais 
da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF); de Teorias Políticas do Curso de Relações 
Internacionais da ESPM-Rio e avaliador ad hoc na área do Direito do Ministério da Educação e do 
Desporto. Coordenou a edição do livro Direito e Política (Porto Alegre: Síntese, 2004) (E-mail: 
rogeriodultra@yahoo.com.br). Agradeço as observações de Luiz Werneck Vianna e Maria Alice Resende 
de Carvalho. 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
2 
procedimentos arbitrários, para os quais o ordenamento jurídico é, em parte, 
justificação de caráter político e de classe. O objetivo desse artigo é fazer uma revisão 
dessas matrizes, centrando o foco nas críticas da sociologia criminal materialista ao 
sistema penal contemporâneo e tentar levantar quais as possíveis contribuições que 
esta discussão pode trazer. 
 No que respeita à relação entre teorias sociais que refletem sobre o fenômeno 
da violência e a manifestação da opinião pública, pode-se sustentar que a 
incapacidade de interação entre ambos é um problema razoável. Sendo condição para 
uma possível superação do quadro social de aparente anomia, amplificado pela grande 
mídia, a relação entre teoria e opinião parece cada vez mais difícil pelo acirramento 
passional dos ânimos. As saídas de caráter irracional, como a religião e os vários tipos 
de heroísmos são, na verdade, a derrota, a submissão à lógica da violência. Uma 
questão que despontou depois dos últimos acontecimentos (e especialmente com a 
morte do menino João Hélio) é porque certas pessoas se tornam criminosas ou o que 
determina o desvio de comportamento dessas pessoas, como colocou o poeta Ferreira 
Gullar no artigo “A sociedade sem crime”.2 Escolhendo como antagonista a “teoria 
material do delito”, Gullar cita a carta que o filósofo italiano Norberto Bobbio endereçou 
ao criminólogo Alessandro Baratta para atacar o que seria a idéia fundamental daquela 
escola criminológica. Para Gullar, uma reflexão sobre o argumento de Bobbio é 
oportuna no Brasil, onde se tende a sustentar que 
 
“o combate rigoroso ao crime é uma posição de direita, que ignoraria o fato de 
que as causas da criminalidade estão na desigualdade social. Noutras palavras, 
prender, condenar, segregar os criminosos seriam, no fundo, modos de defender 
a manutenção da desigualdade e, assim, tomar o partido do opressor contra o 
oprimido.” 
 
Atribuindo a Bobbio esta linha de raciocínio, Gullar dialoga com o filósofo, o qual 
considera que a criminologia de caráter materialista acredita e faz acreditar — de forma 
deletéria para a política — “que basta eliminar o capitalismo para eliminar o desvio”.3 
Para Gullar, a persistência de um “diagnóstico da criminalidade” radicado “naquela 
 
2
 GULLAR, Ferreira. A sociedade sem crime. Jornal Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada. São Paulo: 
25 mar 2007. 
3
 BOBBIO, Norberto. Marxismo e a questão criminal: Carta a Alessandro Baratta. In: BOBBIO, Norberto. 
Nem com Marx, nem contra Marx. Organização Carlo Violi. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São 
Paulo: UNESP, 2006, pp. 265-269, p. 267. 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
3 
visão equivocada” da teoria materialista do delito não pode se colocar na sociedade 
brasileira, visto não haver “hipótese concreta de implantação do socialismo”. Autor 
lúcido, Gullar recupera a necessidade de se aportar as paixões à razão para que se 
possa vislumbrar alternativas concretas. Busca no diálogo aberto com a filosofia 
política quais os caminhos possíveis e quais as portas que podem estar fechadas. 
Embora se possa considerar, como Gullar, que posições dogmáticas e doutrinas 
autônomas sejam incapazes de trazer oxigenação ao debate, é possível, no caso 
específico da construção de uma sociologia criminal materialista, recuperar lições 
importantes para compreender a situação limite em que se encontram as sociedades 
aprisionadas ao capitalismo periférico. 
Ainda que o próprio Bobbio sentisse desconforto para participar do debate 
criminológico desenvolvido na Itália nos anos setenta do século passado,4 apontou, no 
mesmo período, que embora não seja possível se desenvolver uma teoria do direito 
marxista, em Marx é clara a existência de uma sociologia do direito “isto é, uma teoria 
que considera o direito em função da sociedade e das relações sociais subjacentes, e 
que não por acaso redefine o direito não mediante a estrutura do ordenamento jurídico, 
como fizeram as teorias formais, mas mediante a sua função”.5 De tal modo, é 
possível, para Bobbio, partindo-se da idéia de fundo segundo a qual o direito é um 
instrumento de dominação de classe, que a teoria marxista possa definir como tarefa a 
plena exposição de uma sociologia do direito marxista, a fim de verificar ou refutar a 
sua validade, retirando dividendos importantes para a compreensão da realidade 
contemporânea.6 Esta afirmação é tão mais interessante se se percebe que Alessandro 
Baratta considera que uma “teoria marxista do desvio”, ou melhor, que a criminologia 
crítica deva se constituir exatamente como uma sociologia do direito penal. 
 A criminologia crítica, assim como proposta por Alessandro Baratta, não tem 
como horizonte de sentido estudar as causas da criminalidade e, portanto, não 
pretende estabelecer um “diagnóstico da criminalidade” nos moldes de uma teoria do 
desvio tradicional. O objeto da criminologia crítica não é o criminoso ou a criminalidade, 
mas os mecanismos estatais e para-estatais de definição e reação ao crime. A partir 
dos diagnósticos possíveis sobre esse diferenciado objeto — que tem natureza 
institucional, ou superestrutural —, a criminologia efetivamente situa uma práxis teórica 
 
4
 Cf. BOBBIO, Norberto. Marxismo e a questão criminal: Carta a Alessandro Baratta,p. 265. 
5
 Cf. BOBBIO, Norberto. Marx e a teoria do direito. In: BOBBIO, Norberto. Nem com Marx, nem contra 
Marx. Organização Carlo Violi. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: UNESP, 2006, pp. 207-
242, p. 219. 
6
 Cf. BOBBIO, Norberto. Marx e a teoria do direito, p. 19. 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
4 
alternativa que considera, sim, a relação entre sistemas de punição e sistemas de 
produção.7 O que não ocorre é considerar simploriamente o desvio como um fenômeno 
específico do capitalismo, mas sim que no sistema socioeconômico capitalista formas 
distintas de se definir e reprimir o desvio são implantadas. A partir desta constatação — 
que, em última instância, é de ordem metodológica —, é possível avaliar o ganho 
analítico que a perspectiva da criminologia crítica traz em relação ao instrumental 
teórico — mais ou menos consolidado no senso comum — de que se lança mão a 
opinião pública brasileira tanto para avaliar o fenômeno da violência quanto para propor 
políticas públicas de segurança. 
 
Estudo do criminoso X Estudo das instituições criminalizadoras 
 
Para uma criminologia tradicional, que historicamente vem fundamentando e 
orientando o senso comum nas discussões acerca da violência e da criminalidade, o 
fator mais relevante para a promoção de políticas públicas de segurança é ser capaz 
de identificar — para posterior repressão, tratamento ou ressocialização — tanto os 
criminosos quanto as suas motivações e fatores geradores. Enrico Ferri, um dos mais 
destacados criminólogos do início do século XX — e conhecido pela classificação dos 
tipos de homem criminoso, na linha do seu antecessor Cesare Lombroso — 
compreendia o estudo do crime como fenômeno natural social, através de uma aliança 
mais ou menos orgânica com as ciências antropológicas e sociológicas, definindo a 
criminologia como uma espécie de “medicina social” que, para erradicar a doença do 
seio da sociedade, necessitava de “remédios” só alcançáveis a partir da investigação 
das causas desse “fenômeno de patologia social” que seria o crime.8 Ferri considerava 
que a função primordial do sistema penal era a de defesa da sociedade contra seus 
inimigos, que podiam ser claramente identificados ainda em tenra idade, tanto por 
programas de medicina social como por critérios de avaliação educacional. A 
erradicação do crime se poderia fazer, portanto, pela neutralização do criminoso que, 
mesmo quando criança, e demonstrando já a possibilidade de futuramente cometer 
delitos, deveria ser isolado fisicamente do convívio social, “como insetos” são isolados 
por uma grade protetora. 
 
7
 Nesse sentido, ver BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução 
à sociologia do direito penal. 3ª edição. Tradução e prefácio Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: 
Revan/Instituto Carioca de Criminologia, 2002. 
8
 Cf. FERRI Enrico. Sociología criminal. Tradução António Soto y Hernández. Madri: Centro Editorial de 
Góngora, 190(?), p.22. 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
5 
Diferentemente do que se pode acreditar, esse discurso, que foi a base para a 
conformação jurídica do direito penal fascista e nacional-socialista, ainda é hegemônico 
tanto na formação do senso comum nacional quanto nos fundamentos do próprio 
sistema penal contemporâneo.9 Como conseqüências institucionais da eleição do 
criminoso como objeto central da criminologia tradicional nas primeiras décadas do 
século XX se pôde observar a paulatina erosão do princípio da legalidade (ou da 
reserva legal) como parâmetro de atuação dos sistemas repressivos.10 A justiça formal, 
o devido processo legal, o procedimento acusatório, a ampla defesa e o contraditório, 
ou seja, os mais básicos requisitos legais e processuais para o exercício do poder 
punitivo foram minimizados em detrimento do princípio da legitimidade do poder 
punitivo, isto é, por uma justiça material preocupada menos com o controle funcional de 
procedimentos e mais com a ampliação da capacidade persecutória do aparelho 
repressivo. 
Esse novo modelo de justiça baseava-se na indistinção, dentro da teoria do 
delito, entre intenção do agente e realização da ação criminosa. Essa fusão, para fins 
de punição, entre atos preparatórios, tentativa e consumação do crime, juntamente com 
a criminalização dos atos de perigo (não lesivos a bens jurídicos) determinou o fim de 
certa garantia técnico-jurídica propiciada pela teoria dos tipos penais e permitiu a 
persecução indiscriminada de quem quer que fosse considerado “inimigo” da 
sociedade. Influenciado por Rocco, Ferri, Freisler, Gramatica e outros penalistas 
italianos e alemães, o direito penal se consolidou como o resultado de uma ideologia 
autoritária centrada na subserviência do poder judiciário ao poder executivo, na 
 
9
 A codificação penal e processual penal brasileira, realizada no início dos anos quarenta pelo então 
Ministro da Justiça Francisco Campos foi largamente influenciada pela reforma do Código Penal italiano 
de 1922 (conhecido como código Rocco, em referência ao ministro fascista) e até hoje está vigente em 
larga medida, vide, por exemplo, a parte especial do Código Penal. 
10
 Nullum crimem, nulla poena sine lege [Não há crime nem pena sem prévia cominação legal]. 
Originalmente o princípio da legalidade está vinculado à escola criminológica contratualista, cujo 
expoente maior é Cesare Beccaria e seu livro Dos delitos e das penas (1764). Beccaria elevou o crime 
ao status de ação humana estabelecida através do livre-arbítrio e dirigida às regras previa e tacitamente 
acordadas num suposto contrato fundador do Estado. A escola de Beccaria centra sua atuação, desse 
modo, menos na figura do “criminoso” — até aqui um homem normal que rompe a regra de convivência 
social —, e se detém preferencialmente no conceito de delito, entendido como violação do direito, isto é, 
do pacto social. Apesar de avaliar especificamente os problemas institucionais e estruturais do sistema 
penal absolutista francês — na tentativa de diminuir a incidência desproporcional e irracional das penas 
— Beccaria, analisando brevemente o fenômeno criminal, acredita que os delitos ou tendem diretamente 
à destruição da sociedade ou a atingir o cidadão em sua existência, bens ou honra, ou ainda a contrariar 
o que a lei determina, considerando o bem público, sendo a medida da punição necessariamente 
proporcional ao dano causado pelo delito à sociedade. Nesse sentido, se aproxima da idéia de defesa 
social, desenvolvida posteriormente em outro contexto histórico, por Enrico Ferri, Cesare Lombroso e 
Rafaelle Garoffalo. Cf. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Humus, 1983, pp. 63-
5. 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
6 
retroatividade de leis e decretos, em punições cada vez mais duras e no 
enfraquecimento do status do réu, chegando ao ponto de estabelecer a intuição como 
método institucional de descoberta do agente criminoso.11 
Para o jurista e sociólogo alemão Otto Kirchheimer, em seu artigo seminal O 
direito criminal na Alemanha nacional-socialista (1940), todo esse movimento, 
capitaneado e alicerçado pela criminologia tradicional, estimulou um processo de 
moralização do direito, isto é, um processo de recepção de códigos morais como 
parâmetros últimos — em detrimento da lei escrita — para a resposta estatal ao crime. 
No caso da Alemanha sob o nacional-socialismo, essa moralização do direito significou 
uma identificação do sistema punitivo com a ordem social racializada e a conseqüente 
legitimação, em nome da sociedade, da violação dos estatutos jurídicos pela burocracia 
do Estado. Nesse sentido,pode-se concluir que o processo histórico de criminalização 
do indivíduo, em detrimento da criminalização do ato — e das garantias mínimas que a 
cercam — gerou a identidade do direito e de suas instituições com costumes sociais 
momentâneos, de forma que o aparato repressivo se transformou em instrumento 
direto de manifestação emocional da sociedade contra aqueles considerados inimigos. 
Com a criminalização baseada simplesmente em uma impressão social imagética, o 
modelo penal fundado na criminologia tradicional chegou às suas últimas 
conseqüências, incorporando a comoção pública aos estatutos penais e permitindo à 
burocracia do Estado o mais profundo arbítrio já visto na modernidade. O resultado 
histórico desta sucessão “lógica” de reformas no direito penal foi o extermínio em 
massa de seres humanos em campos de concentração, cuja dimensão genocida só foi 
devidamente avaliada após o término da 2ª Guerra Mundial. Como desdobramento, a 
permanência de princípios da criminologia tradicional nos ordenamentos jurídicos 
posteriores à década de 1950 acabou por consolidar juridicamente práticas 
institucionais arbitrárias e políticas públicas de exceção.12 
Em resumo, pode-se dizer que a atividade repressiva do Estado se justifica, 
enquanto prática, através discurso de igualdade formal desenvolvido pelo liberalismo 
político europeu, desde o séc. XVII. Como pretensão declarada, seguindo esse 
princípio, procura ser uniforme na aplicação das sanções jurídicas em relação aos 
classificados como desviantes. Entretanto, a uniformidade e igualdade proporcionadas 
 
11
 Cf. KIRCHHEIMER, Otto. Criminal law under national-socialist Germany. In: Rule of law under siege: 
selected essays of Franz L. Neumann and Otto Kirchheimer. Edited by William Sheuermann. Berkley: 
University of California Press, 1996. 
12
 Ver, nesse sentido, SANTOS, Juarez Cirino dos. As raízes do crime: um estudo sobre as estruturas e 
as instituições da violência. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
7 
pela programação normativa do Direito Penal ainda no século XVIII foi posta por terra 
com a ascensão da criminologia tradicional vinculada à escola positiva da defesa social 
de Enrico Ferri. Esse modelo criminológico, que ainda pode ser considerado 
hegemônico seja na estruturação do aparato repressivo do Estado, seja na produção 
de políticas públicas ou na orientação da opinião pública, sustenta: a) a existência de 
criminosos natos, ou seja, que o crime é um dado natural e biopsicológico e não uma 
convenção social, b) que o sistema penal efetivamente consegue identificar e punir a 
maioria dos que cometem delitos, c) que a prisão funciona, portanto, tanto para punir 
quanto para recuperar, ressocializar e reeducar o criminoso e, d) que a criminalidade é 
uma característica restrita a um número ínfimo de pessoas socialmente incapacitadas. 
Segundo esta perspectiva, todas as distorções e mazelas do sistema penal, 
que saltam à vista ao mais singelo exame, são consideradas problemas conjunturais e 
de aplicação, não se relacionando com uma estrutura normativa que informa a sua 
existência e reprodução. Numa direção oposta, a organização de informações esparsas 
sobre o funcionamento real do sistema repressivo informa que somente alguns tipos de 
crimes são perseguidos pelo aparato repressivo, bem como somente alguns extratos 
sociais serão efetivamente objeto de criminalização (tanto a criminalização pela lei 
penal, quanto criminalização pelas instituições encarregadas da repressão). Uma 
ampla quantidade de ações criminosas e/ou violentas passam ao largo do controle 
social e judicial, sendo que as ações efetivamente perseguidas podem sofrer uma 
variância artificial devido à forma como se executa a repressão, do que deriva uma 
visão deturpada sobre os crimes de maior relevância ou ocorrência na comunidade. 
Um exemplo claro é a ampliação da repressão em relação ao tráfico de drogas 
consideradas ilícitas, em se comparando com a deflação punitiva dos crimes sexuais. 
 Diante dessas constatações, que se multiplicam dada a maior penetração das 
pesquisas sociológicas sobre o fenômeno da violência, a criminologia crítica, em 
diálogo com doutrinas que considera de orientação liberal, incorpora e estimula nos 
estudos sociológicos uma mudança metodológica fundamental, trazida pela teoria da 
rotulação ou etiquetamento (labeling approach). Esta deixa de se importar — o que em 
si pode ser objeto de crítica — com os fundamentos ontológicos do crime, ou seja, com 
as causas da criminalidade e passa a centrar esforços analíticos sobre o processo de 
reação social e estatal ao delito.13 A forma que toma a repressão e as características 
 
13
 A problematização das considerações criminológicas de natureza etiológica (causal) e a crítica de 
suas matrizes teóricas podem ser apreciadas, dentre outros, em SANTOS, Juarez Cirino dos. As raízes 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
8 
de funcionamento das instituições repressivas passam a ser o alvo prioritário desse 
enfoque. Imediatamente se pode dizer que se foge do problema fundamental, como 
assim considera Ferreira Gullar, isto é, evita-se a questão de porque pessoas se 
tornam criminosas. Na verdade, esse tema é recolocado de outra forma. Ao se 
considerar que o sistema penal, ao efetuar a repressão escolhe aqueles atos que vai 
determinar como ilícitos, a criminologia crítica não reconhece como válida a tese de 
que o crime é natural, universal, ontologicamente enraizado na natureza de 
determinados indivíduos. 
Para Alessandro Baratta, as teorias criminológicas liberais, como o labeling 
approach dos anos 1960, apontam a realidade da seleção da população criminosa, isto 
é, a definição, dentre todos os sujeitos passíveis de sofrerem punição, de uma 
quantidade específica e geralmente limitada de quem efetivamente realiza 
comportamentos de natureza desviante. Com isso, o problema da criminalidade é, do 
ponto de vista teórico, o da interpretação sócio-política do poder de definição das 
normas penais e de sua aplicação, bem como das instituições que regulam, distribuem 
e exercem esse poder em uma dada realidade social. Do ponto de vista 
fenomenológico, a questão da criminalidade diz respeito aos efeitos que a aplicação do 
poder de definição tem sobre o comportamento sucessivo do indivíduo, ou seja, a 
eventual e provável assunção do papel social de criminoso.14 
Obviamente que a sociologia criminal contemporânea reconhece a existência de 
pessoas com problemas psicológicos graves — em se levando em conta as inúmeras 
discussões relativas à legitimidade da psiquiatria e aos desdobramentos históricos das 
críticas de Michel Foucault à instituição psiquiátrica. Ao considerar válidas algumas 
normas sociais básicas de convívio, que podem incorporar inclusive as mais distintas 
classes sociais, o sistema penal deve funcionar de forma a preservar minimamente 
esses indivíduos (e a comunidade) do próprio caráter lesivo de suas ações. Essa 
“despreocupação” da teoria criminológica em precisar o caráter social do desvio não 
significa uma desconsideração social com o caráter deletério do comportamento 
violento. A complexidade de uma conduta que não vê finalidade outra que não a 
externalização da violência em si, ou seja, a existência de um indivíduo que não utiliza 
a violência como meio para alcançar determinado fim, mas que vê a violência como fim 
em si é, em termos de produção de políticas públicas imediatas, menos complexo do 
 
do crime, Op. Cit. e ANDRADE, Vera ReginaPereira de. A Ilusão de segurança jurídica: do controle 
da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. 
14
 Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal, p. 106-110. 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
9 
que o entendimento do caráter político da definição do que seja criminalidade e do que 
se constitui como resposta repressiva a esse fenômeno. Isso significa dizer que, em 
relação aos casos bárbaros e excepcionais (embora cada vez mais visíveis) de 
violência individual irracional, a resposta de neutralização e/ou tratamento clínico ainda 
é consensual. Não se deve perder de vista, portanto, a radicalização do abismo social 
estimulada por comportamentos que consideram, em desvario, o ser humano como um 
objeto à mercê da força e do capricho individuais. Contudo, em termos macro-
sociológicos, o maior problema ainda é compreender, avaliar e orientar a reação social 
ao crime. 
Voltando à questão metodológica que define a diferença entre a criminologia 
tradicional e a criminologia crítica, dentre os variados elementos que poderiam ser 
desenvolvidos, encontra-se a questão da seletividade da repressão. A seletividade 
pode ser percebida quando se considera um número de crimes e atos violentos que 
são reprimidos em detrimento do grande número de crimes teoricamente ocorridos que 
não são objeto de intervenção real do sistema (ou que não são sequer criminalizados). 
Acontece igualmente quando crimes que ocorrem efetivamente não são objeto de 
persecução penal pelas características da ação e do sujeito ativo, ou seja, quando a 
repressão depende de questões sociais e econômicas que informam os critérios da 
definição de sua ação propriamente dita. 
O aparato repressivo pode acabar atuando exclusivamente sobre a criminalidade 
desorganizada (comum) e sobre os sujeitos social e economicamente fragilizados, o 
que pode ser avaliado através das estatísticas de análise cruzada entre as instituições 
repressivas do Estado.15 Uma razão apontada por diversos estudos empíricos radica 
que, na relação legal entre os indivíduos criminalizados por fatos delitivos e as 
instituições encarregadas de fazer cumprir a lei, a existência de valores sociais e 
culturais conflitantes — normas cultuais (subculturas marginalizadas) x normas sociais 
(socialmente impostas e geralmente legais) — daria origem a processos de 
criminalização de natureza distinta. Dependendo das variáveis existentes na relação 
entre repressão e indivíduos (organização e sofisticação do controle social ou da 
atuação delitiva) o conflito pode ser mais ou menos intenso, dando origem a uma 
variância da própria criminalização: quanto maior a sofisticação do delito, menor a 
capacidade de reação institucional e, conseqüentemente, a possibilidade de ocorrer 
 
15
 Ver, por exemplo, SOARES, Luiz Eduardo. Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 
Relume-Dumará/ISER, 1996. 
CEDES – CENTRO DE ESTUDOS DIREITO E SOCIEDADE – BOLETIM/MARÇO DE 2007 
 
 
10 
conflito entre autoridades e sujeitos; quanto menos sofisticadas as agências de 
coerção, maior a confiança que tributam ao seu próprio poder de coerção e menos 
gabaritadas no manejo de potenciais conflitos através de táticas alternativas de 
evitação, persuasão e compromisso.16 
Assim, a violência também passa por um processo de seletividade qualitativa, 
visto que atos de violência estruturais geralmente não são controlados ou mesmo 
identificados enquanto atos lesivos pelo Estado. Se o são, geralmente ficam relegados 
a segundo plano no que respeita à renovação de políticas públicas encarregadas de 
propor alternativas viáveis de composição e reorganização das relações sociais. Dessa 
forma, o desemprego, os baixos salários, a falta de assistência social, ausência do 
Estado enquanto instituição nas comunidades carentes, mesmo quando gera mais 
exclusão e marginalização, não são considerados atos dignos de pertencer a uma 
pesquisa nos moldes tradicionais sobre criminalidade e violência, apesar de se 
constituírem fatores nucleares para o esgarçamento da tecitura social, para a 
reprodução da desigualdade econômica e para o estímulo a um processo repressivo 
que desconhece suas próprias limitações e deformidades.17 Nesse sentido, o próprio 
Baratta diagnostica que as ciências sociais estão mais qualificadas que o próprio direito 
para avaliar através de pesquisas os paradoxos da sociedade e de sua relação com a 
violência. 
 
Criminologia crítica X Senso comum 
 
 Como conseqüência dessas assertivas, a criminologia crítica permanece como 
um diagnóstico válido das instâncias repressivas e de suas distorções e falácias, 
ajudando, portanto, na construção de saídas concretas para os impasses da gestão da 
segurança pública. Ao se colocar como uma teoria materialista reconhece o caráter 
conflitivo da sociedade capitalista, em oposição à idéia de harmonia social do 
paradigma tradicional de criminologia. Essa assertiva implica em considerar que a paz 
 
16
 Ver, nesse sentido, detalhada análise de CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da reação social. 
Tradução e acréscimos de Ester Kosovski. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 115 e ss. Segundo a 
autora, no momento da criminalização, pelas variáveis apresentadas no processo de interação conflitiva, 
existe probabilidade de que o status social negativo atribuído a determinados indivíduos (rotulação de 
criminoso ou marginal) aconteça fundado em um caráter estritamente político, cujos critérios — para-
legais — seriam definidos pelas agências de controle social através de códigos sociais paralelos aos 
legalmente estabelecidos. 
17
 Cf. SANTOS, Rogerio Dultra dos; GRAZIANO, Sérgio. Sistema penal e gestão da violência: a análise 
da segurança pública na cidade de Criciúma. In: Revista Jurídica, Ano 5, Número 9/10, jan/dez 2001, 
Blumenau: Universidade Regional de Blumenau (FURB), pp. 87-112. 
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11 
social possível deve necessariamente derivar ou de um modelo problemático de 
consenso ou mesmo da coação, não sendo, portanto, natural. Se o conflito é uma 
característica essencial da vida em sociedade, a criminologia crítica não pode causar 
surpresa ao defender o caráter político do sistema penal e da conseqüente definição de 
criminalidade. Foge, assim, à jusnaturalização do direito, ao considerar que muitos dos 
interesses protegidos pelo direito penal não são comuns a todos os cidadãos. 
Para a criminologia materialista, e para manter a referência aos estudos de 
Alessandro Baratta, a construção de um modelo sociológico do conflito aponta para o 
fato deste ser fundamental para a mudança social, para a integração e para a 
conservação dos variados grupos sociais. Para o autor, dada a assunção dessas 
premissas fundamentais, três são as indicações para a construção de uma política 
criminal alternativa, que leve em consideração a possibilidade de emancipar as classes 
subalternas do status de objeto privilegiado do controle social. Para as duas primeiras 
propostas de Baratta, são apontadas sucintamente as críticas que apareceram dos 
anos 1990 em diante, quando algumas dessas políticas alcançaram reverberação 
social: 
a) O reforço da tutela penal em áreas de interesse da comunidade, como a 
economia, saúde, trabalho, ecologia, etc. Esse caminho representa um considerável 
estímulo à legitimação social do sistema penal, desde que se reconheça como 
objetivos válidos a repressão à grande criminalidade organizada e à corrupção. No 
Brasil, essa indicação de política criminal foi classificada como a da “esquerda 
punitiva”, por Maria Lúcia Karam. Para a autora, amplos setores da esquerda,estimulados por uma opinião pública maculada por um furor persecutório e irracional, 
pretendem ver reproduzidos os mecanismos repressores das classes subalternas em 
direção aos abusos de poder econômico e político. A conseqüência possível é a 
relegitimação da persecução penal, exatamente com os mesmos problemas com os 
quais se encontra atualmente: “Não percebem esses setores da esquerda que a 
posição política, social e econômica dos autores dos abusos do poder político e 
econômico lhes dá imunidade à persecução e à imposição da pena”. A crítica ao 
sistema penal acaba, assim, por reforçar a idéia de um maior rigor repressivo, sem que 
alternativas concretas ao sistema possam ser colocadas em pauta;18 
 
18
 Cf. KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. In: Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, 
ano 1, número 1, 1º semestre de 1996., pp. 79-92. 
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12 
b) A idéia da despenalização radical do sistema, isto é, de contração máxima 
seja dos tipos penais que nasceram sob o signo de regimes autoritários, seja das 
sanções de reclusão por formas “não estigmatizantes” de controle legal. A 
conseqüência histórica de longo alcance pretendida por esta estratégia é a abolição do 
cárcere como instituição repressiva. Como etapas para alcançar esse objetivo, surgem 
a ampliação da suspensão condicional da pena, a liberdade condicional, os regimes 
semi-fechados ou abertos de cumprimento da pena e a abertura do cárcere para a 
fiscalização e gestão participativa da sociedade. Quando não se está vivendo 
momentos de comoção nacional em torno da questão da violência, essas propostas 
alcançam muitas adesões, inclusive por reforçar sentimentos cristãos como a caridade 
e a benemerência. Os problemas dessas alternativas, já incorporadas de certo modo 
em vários ordenamentos jurídicos, são: o reforço ideológico das idéias de 
ressocialização e reeducação — que são problemáticas por desconsiderar o caráter 
estigmatizante e deletério de qualquer que seja a instituição responsável pelo 
encarceramento —;19 o reforço do controle social de natureza difusa, através de 
instituições não convencionais; e a sobrevida do próprio sistema carcerário, que 
permanece como possibilidade “temporária” enquanto não é “totalmente substituído” 
pelas “penas alternativas”. Nesse sentido, as alternativas penais podem não substituir o 
cárcere, mas se somar a ele; e 
c) A necessidade de se reverter as relações de hegemonia cultural, mantidas e 
reproduzidas pelos meios de comunicação de massa, através da crítica científica, da 
participação qualificada e da produção de contra-informação que questione: os 
estereótipos da criminalidade, o senso comum sobre as funções e os resultados do 
sistema repressivo, e as campanhas politicamente articuladas do movimento de “lei e 
ordem”. 
Para Baratta, por fim, esse movimento de engajamento orgânico dos intelectuais 
envolvidos com a construção de uma sociologia criminal materialista não significa uma 
luta em prol do fim do direito e do Estado, o que reputa uma estratégia burguesa de 
aceitar recuos ou “concessões” no que respeita à conquista de direitos burgueses de 
cidadania ou mesmo da existência do Estado burguês de direito. Para o autor, 
 
 
19
 Nesse sentido, BECKER, Howard Saul. Outsiders: studies in the sociology of deviance. New York: 
The Free Press, 1966; FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 10ª edição. 
Petrópolis: Vozes, 1993; GOFFMAN, Ervin. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: 
Perspectiva, 1974 e CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da reação social, Op. Cit. 
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13 
“contração ou ‘superação’ do direito penal deve ser contração e superação da 
pena, antes de ser superação do direito que regula o seu exercício. Seria muito 
perigoso para a democracia e para o movimento operário cair na patranha, que 
atualmente lhe é armada, e cessar de defender o regime das garantias legais e 
constitucionais que regulam o exercício da função penal no Estado de direito. 
Nenhum compromisso deve ser feito nesse ponto”.20 
 
 É tendo a dimensão exata deste campo do conhecimento e de algumas de suas 
propostas que se pode retomar a questão inicial posta por Gullar. Para ele, não se 
deve “condicionar” a ação das autoridades contra o crime, não se deve criticar o 
“combate rigoroso ao crime” como sendo “uma posição de direita, que ignoraria o fato 
de que as causas da criminalidade estão na desigualdade social”. Partidário da luta 
contra a desigualdade social, não acredita, entretanto, que esse problema de fundo 
deva obscurecer a complexidade das questões sociais e a necessidade da atuação 
imediata das instituições contra o crime. 
 Gullar, que em seu artigo reflete a opinião pública mais esclarecida sobre o 
tema, não percebe que o ponto de vista que orienta as suas críticas à posição 
supostamente monolítica da criminologia crítica em relação as condicionantes 
superestruturais para o crime é exatamente o ponto de vista que, na origem, representa 
a criminologia tradicional e a idéia de defesa social. Certamente Gullar não corrobora a 
tese de que os homens são criminosos por natureza nem de que o que é considerado 
crime seja algo imutável e presente em todas as sociedades (já que a naturalização do 
crime é uma derivação lógica da naturalização do criminoso). No seu artigo também 
transparece a posição de que as regras de convivência mínima — e não uma idéia 
genérica de direito ou de ordem — é que estão em jogo quando a questão é a 
criminalidade violenta, cuja repercussão midiática tem deixado tão assustada a cidade 
do Rio de Janeiro. Na verdade, o inimigo de Gullar é que parece não estar 
perfeitamente identificado. A idéia de que não se deve tomar nenhuma providência 
concreta de política públicas antes de se resolver o problema estrutural da 
desigualdade não está presente nos postulados da criminologia crítica. O pano de 
fundo — resolver as desigualdades —, que Gullar também considera relevante como 
horizonte de sentido para a edificação de uma sociedade melhor, está de fato presente 
na teoria materialista do desvio. Mas esta teoria não se resume àquele fundamento 
 
20
 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal, p. 206. 
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14 
nem se deixa imobilizar por ele. Todo o conjunto de estudos que a criminologia crítica 
trouxe e tem trazido coloca propostas concretas — e, inclusive, de caráter técnico-
jurídico — para o processo de racionalização do poder punitivo. Talvez a idéia-força da 
criminologia crítica seja considerar a necessidade de reduzir e racionalizar o máximo 
possível o poder punitivo em cada um de seus mecanismos sem, com isso, 
desconsiderar o processo de vitimização que a população em geral tem sofrido. 
 O que ocorre na formação da opinião pública de hoje é que se ela, por um lado, 
desconhece o volume e a qualidade dos debates que existem no campo específico da 
sociologia criminal contemporânea, por outro, parece desconhecer a base em que se 
firmam as propostas de recrudescimento do poder punitivo e da idéia de “combate” ao 
crime. Esse duplo desconhecimento empobrece e torna perigosa a discussão, já que 
os extremismos de todos os lados se tornam simplificadores e estimulam respostas de 
natureza irracional. É claro que qualquer ordem social necessita de lei e de Estado. 
Mas a saída que se vislumbra ao se resenhar as mais variadas fontes da discussão 
pública sobre a violência hoje é a construção de um poder punitivo cada vez mais 
ampliado e cujos limitesse esmigalham ao mais leve anunciar de um acontecimento de 
natureza violenta e brutal. Nota-se claramente a busca por uma resposta bélica, 
extrema, quando, na verdade, diante do extremo é preciso recuperar a razão. 
 As questões técnicas de natureza penal e processual penal sempre estão a 
encobrir alguma ideologia, seja ela garantidora dos direitos fundamentais, seja ela o 
seu oposto. A ampliação do poder punitivo significa o alargamento de um modelo de 
Estado que está longe de ser o do welfare ou qualquer outro que vise a redução da 
desigualdade social. E esse modelo de Estado bélico ou penal está longe de garantir a 
segurança social e jurídica almejada por alguns de seus defensores. Num Estado 
democrático de direito, onde as garantias jurídicas significam a certeza de que a 
cidadania é preservada em qualquer circunstância, o direito penal deve ser, como 
diziam os primeiros modernos, a Ultima ratio, a última solução possível ou o último 
método a ser utilizado quando todas as outras propostas razoáveis forem rejeitadas. 
 
 
 
 
 
 
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Referências Bibliográficas 
 
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão de segurança jurídica: do controle da 
violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 
1997. 
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à 
sociologia do direito penal. 3ª edição. Tradução e prefácio Juarez Cirino dos 
Santos. Rio de Janeiro: Revan/Instituto Carioca de Criminologia, 2002. 
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Humus, 1983. 
BECKER, Howard Saul. Outsiders: studies in the sociology of deviance. New York: 
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______. Marxismo e a questão criminal: Carta a Alessandro Baratta. In: BOBBIO, 
Norberto. Nem com Marx, nem contra Marx. Organização Carlo Violi. Tradução 
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CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da reação social. Tradução e acréscimos de 
Ester Kosovski. Rio de Janeiro: Forense, 1983. 
FERRI Enrico. Sociología criminal. Tradução António Soto y Hernández. Madri: 
Centro Editorial de Góngora, 190(?). 
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 10ª edição. 
Petrópolis: Vozes, 1993. 
GOFFMAN, Ervin. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. 
GULLAR, Ferreira. A sociedade sem crime. Jornal Folha de São Paulo, Caderno 
Ilustrada. São Paulo: 25 mar 2007. 
KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. In: Discursos sediciosos: crime, direito e 
sociedade, ano 1, número 1, 1º semestre de 1996., pp. 79-92. 
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KIRCHHEIMER, Otto. Criminal law under national-socialist Germany. In: Rule of law 
under siege: selected essays of Franz L. Neumann and Otto Kirchheimer. 
Edited by William Sheuermann. Berkley: University of California Press, 1996. 
SANTOS, Juarez Cirino dos. As raízes do crime: um estudo sobre as estruturas e as 
instituições da violência. Rio de Janeiro: Forense, 1984. 
SANTOS, Rogerio Dultra dos; GRAZIANO, Sérgio. Sistema penal e gestão da 
violência: a análise da segurança pública na cidade de Criciúma. In: Revista 
Jurídica, Ano 5, Número 9/10, jan/dez 2001, Blumenau: Universidade Regional 
de Blumenau (FURB), pp. 87-112. 
SOARES, Luiz Eduardo. Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 
Relume-Dumará/ISER, 1996.

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