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Glosas críticas ao artigo O rei da Prússia e a reforma social Karl Marx

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1 
 
Glosas críticas marginais ao artigo 
 “O rei da Prússia e a reforma 
social. De um prussiano” 
Karl Marx1 
 
1- O no 60 do Vorwärts! contém um artigo intitulado: 
“O rei da Prússia e a reforma social, assinado: Um 
prussiano”. 
2- Em um primeiro momento, o dito Prussiano faz 
referência ao conteúdo das ordens do gabinete do rei 
da Prússia sobre a revolta dos trabalhadores da Silésia 
e à opinião do jornal francês La Réforme acerca 
dessas ordens do gabinete prussiano. O La Réforme 
entende que a ordem do gabinete foi motivada pelo 
"susto (Schrecken) e pelo sentimento religioso" do 
rei. E até descobre nesse documento a previsão das 
grandes reformas que se apresentam à sociedade 
civil. O "prussiano" ensina ao Réforme nestes termos: 
3- "O rei e a sociedade alemã não chegaram ainda a 
pressentir a sua reforma
2
 e menos ainda as 
insurreições silesiana e boêmia deram origem a tal 
sentimento. É impossível, para um país não-político 
como a Alemanha, compreender que a miséria parcial 
dos distritos industriais é uma questão geral, e muito 
menos que representa um problema para o conjunto 
da sociedade. Para os alemães, esse acontecimento 
tem o mesmo caráter de qualquer seca ou carestia 
local. Por isso o rei o considera como um defeito de 
administração ou de falta de caridade. Por esse 
motivo e também porque bastaram poucos soldados 
para liquidar os frágeis tecelões, a demolição das 
fábricas e das máquinas não incute nenhum "susto", 
nem ao rei, nem às autoridades. Além do mais, a 
ordem do gabinete nem sequer foi ditada pelo 
sentimento religioso: trata-se de uma sóbria 
expressão da arte política (Staatskunst) cristã e de 
uma doutrina que não deixa subsistir nenhuma 
dificuldade diante do seu único remédio, "os bons 
sentimentos dos corações cristãos". Miséria e crime 
são duas grandes calamidades: quem poderá repará-
las? O Estado e as autoridades? Não, mas a união de 
todos os corações cristãos". 
 
1 Razões especiais me levam a esclarecer que este artigo é o primeiro 
que autorizo publicar no Vorwärts! (N. do A.). Escrito por Marx em 
Paris, em 3l de julho de l844, e publicado no Vorwärts!, no 63, em 7 de 
agosto de 1844. A segunda parte foi publicada em 10 de agosto de 
1844, no 64. Ambos são uma réplica ao O Rei da Prússia e a Reforma 
Social. De um Prussiano, que havia sido editado no mesmo jornal, no 
60. 
2 Verifica-se a falta de sentido gramatical e estilístico: "O rei da Prússia 
e a sociedade alemã não chegaram ainda a pressentir a sua (a quem se 
refere este "sua"?) reforma" (N. do A.). 
4- O dito prussiano nega o "susto" do rei, entre outras 
coisas, porque bastaram poucos soldados para 
liquidar os frágeis tecelões. 
5- Ora, em um país onde banquetes com brindes 
liberais e espuma liberal de champanhe – lembre-se a 
festa de Düsseldorf – provocam uma ordem do 
gabinete real, pela qual não houve necessidade de um 
só soldado para acabar com os anseios de toda a 
burguesia liberal à liberdade de imprensa e de uma 
constituição; em um país em que a obediência passiva 
está à l’ordre du jour (na ordem do dia); em um tal 
país não seria um acontecimento aterrorizante ter que 
recorrer à força armada contra frágeis tecelões? 
Considere-se ainda o fato de que os frágeis tecelões 
saíram vencedores no primeiro choque. Apenas 
mediante consideráveis reforços de tropas é que 
foram massacrados. A revolta de uma massa de 
trabalhadores é por acaso menos perigosa pelo fato de 
não ser necessário um exército para sufocá-la? Que o 
inteligente prussiano compare a revolta dos tecelões 
silesianos com as revoltas dos operários ingleses e os 
tecelões silesianos lhe parecerão tecelões fortes. 
6- A partir da relação geral da política com os males 
sociais, poderemos esclarecer porque a revolta dos 
tecelões não provocou nenhum medo particular ao 
rei. No momento diremos apenas o seguinte: a revolta 
não era dirigida diretamente contra o rei da Prússia, 
mas contra a burguesia. Como aristocrata e monarca 
absoluto, o rei da Prússia não pode amar a burguesia; 
menos ainda pode se assustar se a submissão e a 
impotência da burguesia forem acrescidas de relações 
tensas e difíceis com o proletariado. E ainda: o 
católico ortodoxo é mais hostil ao protestante 
ortodoxo do que ao ateu, assim como o legitimista é 
mais hostil ao liberal do que aos comunistas. Não 
porque o ateu e o comunista tenham mais afinidade 
com o católico e o legitimista, mas porque eles são 
mais estranhos do que o protestante e o liberal, uma 
vez que se situam do lado de fora do seu círculo. 
Enquanto homem político, o rei da Prússia tem, na 
política, o seu antagonista direto no liberalismo. Para 
o rei, o antagonismo com o proletariado existe tão 
pouco quão pouco o rei existe para o proletariado. O 
proletariado já deveria ter alcançado uma força 
decisiva para sufocar as antipatias, os antagonismos e 
atrair sobre si a total hostilidade da política. Por 
último: para o bem conhecido caráter do rei, desejoso 
de coisas interessantes e significativas, devia 
constituir de fato uma surpresa agradavelmente 
excitante o fato de encontrar no seu território aquele 
"interessante" e "tão falado" pauperismo, e com isso 
uma ocasião para fazer com que falassem novamente 
de si. Como deve ter-lhe sido agradável a notícia de 
2 
 
que ele já possuía o seu "próprio" pauperismo, um 
pauperismo prussiano. 
7- O nosso "prussiano" é ainda mais infeliz quando 
nega que o "sentimento religioso" seja a fonte das 
ordens do gabinete real. Por que o sentimento 
religioso não é a fonte das ordens? Porque estas são 
"uma muito sóbria expressão da arte política cristã", 
uma "sóbria" expressão da doutrina que elimina 
qualquer dificuldade "mediante o seu único remédio, 
os bons sentimentos dos corações cristãos". 
8- O sentimento religioso não é a fonte da arte 
política cristã (christlicher Staatskunst)? Uma 
doutrina que possui sua panacéia no bom sentimento 
cristão não se baseia no sentimento religioso? Uma 
expressão mais sóbria do sentimento religioso deixa 
de ser uma expressão do sentimento religioso? Mais 
ainda: eu afirmo que é um sentimento religioso muito 
cheio de si, muito apaixonado, aquele que procura o 
"remédio para os grandes males" na "união dos 
corações cristãos", e não no "Estado e nas 
autoridades". É um sentimento religioso muito 
apaixonado aquele que – segundo admite o 
"prussiano" – particulariza todos os males na falta do 
sentimento cristão, remetendo as autoridades ao único 
meio para reforçar este sentimento, à "exortação" 
(Ermahnung: advertência, admoestação). A 
disposição cristã é, segundo o "prussiano", a razão 
das ordens do gabinete. O sentimento religioso, 
quando está bêbado e não sóbrio, se considera o 
único bem. Lá onde descobre males, ele os atribui à 
sua ausência, uma vez que, se é o único bem, também 
é somente ele que pode produzir o bem. A ordem do 
gabinete, ditada pelo sentimento religioso, dita por 
sua vez, como conseqüência, o sentimento religioso. 
Um político com sentimentos religiosos sóbrios, na 
sua “perplexidade”, não procurará sua “salvação” na 
“exortação (Ermahnung) do orador religioso às 
convicções cristãs”. 
9- Como o dito prussiano demonstra, então, ao 
Réforme, que a ordem do gabinete não emana do 
sentimento religioso? Já que apresenta sempre a 
ordem do gabinete como uma emanação do 
sentimento religioso. Pode-se esperar que uma mente 
tão ilógica seja capaz compreender os acontecimentos 
sociais? Ouçamos um pouco o que ele diz sobre a 
relação entre a sociedade alemã, o movimentodos 
trabalhadores e a reforma social. 
10- Distingamos aquilo que o "prussiano" 
negligencia, distingamos as diferentes categorias que 
são compreendidas na expressão "sociedade alemã": 
governo, burguesia, imprensa, e enfim os próprios 
trabalhadores. Essas são as diferentes massas de que 
se trata aqui. O "prussiano" agrupa essas massas 
todas e, do alto do seu elevado ponto de vista, 
condena-as todas em massa. Para ele, a sociedade 
alemã nem sequer “chegou ainda a pressentir a sua 
reforma”. 
11- Por que lhe
3
 falta esse instinto? 
12- "Em um país não-político como a Alemanha", 
responde o prussiano, "é impossível compreender que 
a miséria parcial dos distritos industriais é uma 
questão geral e menos ainda que é um dano para o 
conjunto da sociedade. Para os alemães, o 
acontecimento tem o mesmo caráter de qualquer seca 
ou carestia local. Por isso, o rei o considera como um 
'defeito de administração e de assistência'." 
13- O "prussiano" explica então essa compreensão 
errada (verkehrte: às avessas) da miséria dos 
trabalhadores como própria de um país não-político. 
14- Admite-se que a Inglaterra é um país político. 
Admitir-se-á, ainda: a Inglaterra é o país do 
pauperismo; a própria palavra é de origem inglesa. 
Portanto, o exame da Inglaterra é o experimento mais 
seguro para conhecer-se a relação de um país político 
com o pauperismo. Na Inglaterra, a miséria dos 
trabalhadores não é parcial, mas universal; não se 
limita aos distritos industriais, mas se estende aos 
agrícolas. Os movimentos não estão numa fase 
inicial, mas reaparecem periodicamente há quase um 
século. 
15- Como entendem o pauperismo, então, a burguesia 
inglesa e o governo e a imprensa àquela ligados? 
16- Na medida em que a burguesia inglesa acredita 
que o pauperismo é uma responsabilidade da política, 
os Whig consideram os Tory – e os Tory os Whig4 – a 
causa do pauperismo. Segundo os Whig, a causa 
principal do pauperismo está no monopólio das 
grandes propriedades fundiárias e na legislação que 
proíbe a importação de cereais. Segundo os Tory, 
todo o mal reside no liberalismo, na concorrência, no 
exagerado desenvolvimento industrial. Nenhum dos 
partidos encontra a origem na política em geral e sim 
na política do partido adversário; porém, ambos os 
partidos sequer sonham com uma reforma da 
sociedade. 
17- A expressão mais rigorosa da compreensão 
inglesa acerca do pauperismo – referimo-nos sempre 
à compreensão da burguesia inglesa e do governo – é 
 
3 A sociedade alemã (N. do T.). 
4 Partidos ingleses (N. do T.). 
3 
 
a Economia Política inglesa, isto é, o reflexo 
científico da situação econômica inglesa. 
18- Um dos melhores e mais famosos economistas 
ingleses, que reconhece a situação atual e a 
necessidade de se ter uma visão de conjunto do 
movimento da sociedade burguesa, um discípulo do 
cínico Ricardo, MacCulloch, ousa ainda aplicar à 
economia política, numa preleção pública, em meio a 
manifestações de aplauso, aquilo que Bacon diz da 
filosofia: "O homem que, com verdadeira e 
infatigável sabedoria, suspenda o seu julgamento, 
progrida pouco a pouco e supere um a um os 
obstáculos que se interpõem como montanhas ao 
curso dos estudos, atingirá com o tempo o cume da 
ciência, onde se goza a paz e o ar puro, onde a 
natureza se expõe ao olhar em toda a sua beleza e 
onde, por meio de uma senda em cômodo declive, 
pode-se descer até os últimos detalhes da prática". 
19- Bom ar puro a atmosfera pestilenta das 
habitações nos porões ingleses! Grande beleza natural 
os fantásticos trapos com que se vestem os miseráveis 
ingleses e o corpo flácido e encarquilhado das 
mulheres roídas pelo trabalho e pela miséria; as 
crianças que dormem no esterco; os abortos 
provocados pelo excesso de trabalho na monótona 
atividade mecânica das fábricas! E os graciosos 
últimos detalhes da prática: a prostituição, o crime e a 
fôrca! 
20- Até mesmo aquela parte da burguesia inglesa que 
está consciente do perigo do pauperismo concebe este 
perigo, como também os meios para repará-lo, não 
apenas de forma particular, mas, para dizê-lo sem 
rodeios, de forma infantil e sem graça. 
21- Assim, por exemplo, o doutor Kay, no seu 
opúsculo “Recent meausures for the promotion of 
education in England”, reduz tudo a uma educação 
descuidada. Adivinhe-se por que motivo! Por falta de 
educação o operário não entende "as leis naturais do 
comércio", leis que o levam necessariamente ao 
pauperismo. E daí ele se rebela. Isto pode "perturbar a 
prosperidade das manufaturas inglesas e do comércio 
inglês, abalar a confiança recíproca dos homens de 
negócios, diminuir a estabilidade política e social das 
instituições". 
22- De tal monta é a falta de inteligência da burguesia 
inglesa e de sua imprensa sobre o pauperismo, esta 
epidemia nacional da Inglaterra. 
23- Suponhamos, porém, que tenham fundamento as 
críticas que o nosso "prussiano" faz à sociedade 
alemã. Será que a raiz reside na situação não-política 
da Alemanha? Mas, se a burguesia da não-política 
Alemanha é incapaz de perceber o significado geral 
de uma miséria parcial, a burguesia da política 
Inglaterra tampouco reconhece o significado geral de 
uma miséria universal, uma miséria que evidenciou o 
seu significado universal tanto através do seu retorno 
periódico no tempo quanto através da sua extensa 
disseminação no espaço e também através do 
fracasso de todas as tentativas de remediá-la. 
24- O "prussiano" atribui ainda à situação não-
política da Alemanha o fato de que o rei da Prússia 
encontre a causa do pauperismo na falha de 
administração e de caridade e procure, desse modo, 
em medidas de administração e de assistência, os 
meios contra o pauperismo. 
25- Por acaso, será exclusivo do rei da Prússia este 
modo de ver? Dê-se uma rápida olhada à Inglaterra, o 
único país no qual se pode falar de uma grande ação 
política contra o pauperismo. 
26- A atual legislação inglesa sobre a pobreza data da 
lei contida no Ato 43 do reinado de Elisabeth
5
. Em 
que consistem os meios propostos nesta legislação? 
Na obrigação imposta às paróquias de socorrer os 
seus trabalhadores pobres, no imposto para os pobres, 
na caridade legalizada. Essa legislação – a assistência 
por via administrativa – durou dois (Zwei) séculos. 
Depois de longas e dolorosas experiências, quais são 
as posições do parlamento no seu Amendment Bill de 
l834? 
27- Antes de mais nada, atribui o assustador aumento 
do pauperismo a uma "falha de administração". 
28- Por isso, a administração do imposto para os 
pobres, gerenciada por empregados das respectivas 
paróquias, é reformulada. São constituídas uniões de 
cerca de vinte paróquias, unidas em uma única 
administração. Um comitê de funcionários – Board of 
Guardians – eleitos pelos contribuintes, reúne-se em 
um determinado dia na sede da União e avalia os 
pedidos de subsídio. Esses comitês são dirigidos e 
supervisionados por delegados do governo, a 
Comissão Central da Somerset House, o ministério do 
pauperismo, segundo a precisa definição de um 
francês
6
. O capital de que essa administração cuida 
quase equivale à soma que a administração militar 
custa na França. O número de administrações locais 
que dependem dela chega a quinhentas e cada uma 
dessas administrações locais, por sua vez, ocupa, pelo 
menos, doze funcionários. 
 
5 Para o nosso objetivo, não é necessário remontar ao estatuto dos 
trabalhadores sob Eduardo III (N. do A.). 
6 Eugène Buret (N. do T.).4 
 
29- O parlamento inglês não se limitou à reforma 
formal da administração. 
30- Segundo ele, a causa principal da grave situação 
do pauperismo inglês está na própria lei relativa aos 
pobres. A assistência, o meio legal contra o mal 
social, acaba favorecendo-o. E quanto ao pauperismo 
em geral, seria, de acordo com a lei de Malthus, uma 
eterna lei da natureza: "Uma vez que a população 
tende a superar incessantemente os meios de 
subsistência, a assistência é uma loucura, um 
estímulo público à miséria. Por isso, o Estado nada 
mais pode fazer do que abandonar a miséria ao seu 
destino e, no máximo, tornar mais fácil a morte dos 
pobres". 
31- A essa teoria filantrópica, o parlamento inglês 
agrega a idéia de que o pauperismo é a miséria da 
qual os próprios trabalhadores são culpados, e ao qual 
portanto não se deve prevenir como uma desgraça, 
mas antes reprimir e punir como um crime. 
32- Surgiu, assim, o regime das workhouses, isto é, 
das casas dos pobres, cuja organização interna 
desencoraja os miseráveis de buscar nelas a fuga 
contra a morte pela fome. Nas workhouses, a 
assistência é engenhosamente entrelaçada com a 
vingança da burguesia contra o pobre que apela à sua 
caridade. 
33- Como se vê, a Inglaterra tentou acabar com o 
pauperismo primeiramente através da assistência e 
das medidas administrativas. Em seguida, ela 
descobriu, no progressivo aumento do pauperismo, 
não a necessária conseqüência da indústria moderna, 
mas antes o resultado do imposto inglês para os 
pobres. Ela entendeu a miséria universal unicamente 
como uma particularidade da legislação inglesa. 
Aquilo que, no começo, fazia-se derivar de uma falta 
de assistência, agora se faz derivar de um excesso de 
assistência. Finalmente, a miséria é considerada como 
culpa dos pobres e, deste modo, neles punida. 
34- A lição geral que a política Inglaterra tirou do 
pauperismo se limita ao fato de que, no curso do 
desenvolvimento, apesar das medidas 
administrativas, o pauperismo foi configurando-se 
como uma instituição nacional e chegou por isso, 
inevitavelmente, a ser objeto de uma administração 
ramificada e bastante extensa, uma administração que 
não tem mais a tarefa de eliminá-lo, mas, ao 
contrário, de discipliná-lo, perpetuá-lo. Essa 
administração renunciou a estancar a fonte do 
pauperismo através de meios positivos; ela se 
contenta em abrir-lhe, com ternura policial, um 
buraco toda vez que ele transborda para a superfície 
do país oficial. Bem longe de ultrapassar as medidas 
de administração e de assistência, o Estado inglês 
desceu muito abaixo delas. Ele já não administra mais 
do que aquele pauperismo que, em desespero, deixa 
agarrar-se e prender-se. 
35- Até agora, portanto, o "prussiano" não mostrou 
nada de particular nos métodos do rei da Prússia. 
Mas, por que, exclama o grande homem com rara 
ingenuidade: "Por que o rei da Prússia não determina 
imediatamente a educação de todas as crianças 
abandonadas? Por que se dirige antes às autoridades, 
esperando seus planos e projetos?” 
36- O inteligentíssimo prussiano se tranqüilizará 
quando souber que o rei da Prússia é, nisso, tão pouco 
original quanto o é no resto das suas ações e que, pelo 
contrário, trilhou o único caminho que um chefe de 
Estado pode trilhar. 
37- Napoleão queria acabar de um golpe com a 
mendicância. Encarregou as suas autoridades de 
preparar planos para a erradicação da mendicância 
em toda a França. O projeto demorava: Napoleão 
perdeu a paciência, escreveu ao seu ministro do 
interior, Crétet, e lhe ordenou que destruísse a 
mendicância dentro de um mês, dizendo: "Não se 
pode passar sobre essa terra sem deixar traços que 
relembrem à posteridade a nossa memória. Não me 
peçam mais três ou quatro meses para receber 
informações; vocês têm funcionários jovens, prefeitos 
inteligentes, engenheiros civis bem preparados, 
ponham ao trabalho todos eles; não fiquem 
modorrando no costumeiro trabalho de escritório". 
38- Em poucos meses tudo estava terminado. No dia 
cinco de julho de 1808 foi promulgada a lei de 
supressão da mendicância. Como? Por meio dos 
depósitos (Depôts: albergues), que se transformaram 
em penitenciárias com tanta rapidez que logo o pobre 
só chegava aí através do tribunal da polícia 
correcional. E, no entanto, naquele tempo, o senhor 
Noailles du Gard, membro do corpo legislativo, 
exclamava: "Reconhecimento eterno ao herói que 
assegura à necessidade um lugar de refúgio e à 
miséria os meios de subsistência. A infância não será 
mais abandonada, as famílias pobres não serão mais 
privadas de recursos, nem os operários de estímulo e 
ocupação. Não tropeçaremos mais no quadro 
repugnante das enfermidades e da vergonhosa 
miséria”. O último período é a única verdade desse 
panegírico. 
39- Se Napoleão apela ao discernimento dos seus 
funcionários, prefeitos e engenheiros, por que não o 
rei da Prússia às suas autoridades? 
5 
 
40- Por que Napoleão não ordenou a imediata 
supressão da mendicância? O mesmo valor tem a 
pergunta do "prussiano": “Por que o rei da Prússia 
não determina a imediata educação de todas as 
crianças abandonadas?” Sabe o "prussiano" o que o 
rei da Prússia deveria determinar? Nada menos que a 
extinção (Vernichtung) do proletariado. Para educar 
as crianças, é preciso alimentá-las e liberá-las da 
necessidade de trabalhar para viver. Alimentar e 
educar as crianças abandonadas, isto é, alimentar e 
educar todo o proletariado que está crescendo, 
significaria eliminar o proletariado e o pauperismo. 
41- A Convenção teve, por um momento, a coragem 
de ordenar a eliminação do pauperismo, não 
certamente "de modo imediato", como o "prussiano" 
exigiria do seu rei, mas depois de haver encarregado 
o seu Comitê de Saúde Pública de elaborar os planos 
e as propostas necessários, e depois que este utilizou 
os amplos levantamentos da Assembléia Constituinte 
sobre as condições da miséria na França e propôs, 
através de Barrère, a criação do Livro de Caridade 
Nacional, etc.. Qual foi a conseqüência das ordens da 
Convenção? Que houvesse uma ordem a mais no 
mundo e que, um ano depois, mulheres esfomeadas 
invadissem a Convenção. 
42- E, no entanto, a Convenção era o máximo da 
energia política, do poder político e da compreensão 
política. 
43- De modo imediato, sem um acordo com as 
autoridades, nenhum governo do mundo conseguiu 
ditar medidas a respeito do pauperismo. O 
parlamento inglês chegou até a mandar, a todos os 
países da Europa, comissários para conhecer os 
diferentes remédios administrativos contra o 
pauperismo. Porém, por mais que os Estados 
tivessem se ocupado do pauperismo, sempre se 
ativeram a medidas de administração e de assistência, 
ou, ainda mais, desceram abaixo da administração e 
da assistência. 
44- Pode o Estado agir de outra forma? 
45- O Estado jamais encontrará no "Estado e na 
organização da sociedade" o fundamento dos males 
sociais, como o "prussiano" exige do seu rei. Onde há 
partidos políticos, cada um encontra o fundamento de 
qualquer mal no fato de que não ele, mas o seu 
partido adversário, acha-se ao leme do Estado. Até os 
políticos radicais e revolucionários já não procuram o 
fundamento do mal na essência do Estado, mas numa 
determinada forma de Estado, no lugar da qual eles 
querem colocar uma outra forma de Estado. 
46- O Estado e a organização da sociedade não são, 
do ponto de vista político, duas coisas diferentes. O 
Estado é o ordenamento da sociedade. Quando o 
Estado admite a existência de problemas sociais, 
procura-os ou em leis da natureza, quenenhuma força 
humana pode comandar, ou na vida privada, que é 
independente dele, ou na ineficiência da 
administração, que depende dele. Assim, a Inglaterra 
acha que a miséria tem o seu fundamento na lei da 
natureza, segundo a qual a população supera 
necessariamente os meios de subsistência. Por outro 
lado, o pauperismo é explicado como derivando da 
má vontade dos pobres, ou, de acordo com o rei da 
Prússia, do sentimento não cristão dos ricos, e, 
segundo a Convenção, das intenções suspeitas e 
contra-revolucionárias dos proprietários. Por isso, a 
Inglaterra pune os pobres, o rei da Prússia intima os 
ricos e a Convenção guilhotina os proprietários. 
47- Finalmente, todos os Estados procuram a causa 
em deficiências acidentais ou intencionais da 
administração e, por isso, o remédio para os seus 
males em medidas administrativas. Por que? 
Exatamente porque a administração é a atividade 
organizadora do Estado. 
48- O Estado não pode eliminar a contradição entre a 
disposição e a boa vontade da administração, de um 
lado, e os seus meios e possibilidades, de outro, sem 
eliminar a si mesmo, uma vez que repousa sobre essa 
contradição. Ele repousa sobre a contradição entre a 
vida privada e a vida pública, sobre a contradição 
entre os interesses gerais e os interesses particulares. 
Por isso, a administração deve limitar-se a uma 
atividade formal e negativa, uma vez que exatamente 
lá onde começa a vida civil e o seu trabalho, cessa o 
seu poder. Mais ainda, frente às conseqüências que 
brotam da natureza a-social desta vida civil, dessa 
propriedade privada, desse comércio, dessa indústria, 
dessa rapina recíproca das diferentes esferas civis, 
frente a estas conseqüências, a impotência é a lei 
natural da administração. Com efeito, esta 
dilaceração, esta infâmia, esta escravidão da 
sociedade civil, é o fundamento natural onde se apóia 
o Estado moderno, assim como a sociedade civil da 
escravidão era o fundamento no qual se apoiava o 
Estado antigo. A existência do Estado e a existência 
da escravidão são inseparáveis. O Estado antigo e a 
escravidão antiga – francos antagonismos clássicos – 
não estavam fundidos entre si mais estreitamente do 
que o Estado moderno e o moderno mundo das 
negociatas, hipócritas antagonistas cristãos. Se o 
Estado moderno quisesse acabar com a impotência da 
sua administração, teria que acabar com a atual vida 
privada. Se ele quisesse eliminar a vida privada, 
6 
 
deveria eliminar a si mesmo, uma vez que ele só 
existe como oposição a ela. Mas nenhum ser vivo 
acredita que os defeitos de sua existência tenham a 
sua raiz no princípio da sua vida, na essência da sua 
vida, mas, ao contrário, em circunstâncias externas à 
sua vida. O suicídio é contra a natureza. Por isso, o 
Estado não pode acreditar na impotência interior da 
sua administração, isto é, de si mesmo. Ele pode 
descobrir apenas defeitos formais, casuais, da mesma, 
e tentar remediá-los. Se tais modificações são 
infrutíferas, então o mal social é uma imperfeição 
natural, independente do homem, uma lei de Deus, ou 
então a vontade dos indivíduos particulares é por 
demais corrupta para corresponder aos bons objetivos 
da administração. E quem são esses pervertidos 
indivíduos particulares? São os que resmungam 
contra o governo sempre que ele lhes limita a 
liberdade e pretendem que o governo impeça as 
conseqüências necessárias dessa liberdade. 
49- Quanto mais poderoso é o Estado e, portanto, 
quanto mais político é um país, tanto menos está 
disposto a procurar no princípio do Estado, portanto 
no atual ordenamento da sociedade, do qual o Estado 
é a expressão ativa, pretensiosa e oficial, o 
fundamento dos males sociais e a compreender-lhes o 
princípio geral. O entendimento político é 
precisamente político na medida em que pensa dentro 
dos limites da política. Quanto mais agudo ele é, 
quanto mais vivo, tanto menos é capaz de 
compreender os males sociais. O período clássico do 
entendimento político é a Revolução Francesa. Bem 
longe de descobrir no princípio do Estado a fonte dos 
males sociais, os heróis da Revolução Francesa 
descobriram antes nas misérias sociais a fonte dos 
males políticos. Deste modo, Robespierre vê na 
imensa pobreza e na imensa riqueza somente um 
obstáculo à democracia pura. Por isso, ele quer 
estabelecer uma frugalidade espartana geral. O 
princípio da política é a vontade. Quanto mais 
unilateral, isto é, quanto mais perfeito é o 
entendimento político, tanto mais ele crê na 
onipotência da vontade e tanto mais é cego frente aos 
limites naturais e espirituais da vontade e, 
conseqüentemente, incapaz de descobrir a raiz dos 
males sociais. Não é preciso argumentar mais contra 
a insensata esperança do "prussiano", segundo a qual 
o "entendimento político" é chamado a descobrir as 
raízes da miséria social na Alemanha. 
50- Foi insensato não somente exigir do rei da Prússia 
um poder que nem a Convenção e Napoleão juntos 
tiveram; foi insensato exigir dele um modo de ver que 
ultrapassa os limites de toda a política, um modo de 
ver do qual o inteligente "prussiano" está pelo menos 
tão longe quanto o seu rei. Toda essa declaração foi 
ainda mais insensata na medida em que o "prussiano" 
nos confessa: "As boas palavras e as boas intenções 
são baratas, o que é caro são a perspicácia e as ações 
eficazes; neste caso, elas são mais do que caras, são 
impossíveis de serem adquiridas". 
51- Se não são adquiríveis, então é preciso 
reconhecer aquele que faz as coisas da melhor forma 
possível na posição que ocupa. No mais, deixo a 
critério do leitor julgar se, neste caso, a linguagem 
mercantil, cigana, em termos de "barato", "caro", 
"mais do que caro", "impossível de adquirir", possa 
ser incluída na categoria das "boas palavras" e das 
"boas intenções". 
52- Suponhamos, porém, que as observações do 
"prussiano" sobre o governo alemão e sobre a 
burguesia alemã – esta última está, sem dúvida, 
compreendida na “sociedade alemã” – tenham pleno 
fundamento. Será que essa parte da sociedade está 
mais perplexa na Alemanha do que na Inglaterra ou 
na França? Pode-se estar mais perplexo do que na 
Inglaterra, onde a perplexidade foi erigida em 
sistema? Se, hoje, em toda a Inglaterra eclodem 
revoltas de trabalhadores, isso não significa que a 
burguesia e o governo locais estejam mais lúcidos do 
que no último trintênio do século dezoito. Seu único 
expediente é o poder material e, uma vez que o poder 
material decresce na mesma medida em que cresce a 
extensão do pauperismo e o entendimento do 
proletariado, do mesmo modo aumenta, em 
proporção geométrica, a perplexidade inglesa. 
53- Enfim é falso, efetivamente falso, que a burguesia 
alemã desconheça inteiramente a importância geral 
da revolta silesiana. Em várias cidades, os mestres 
artesãos procuram associar-se aos aprendizes. Todos 
os jornais liberais, os órgãos da burguesia liberal, 
estão repletos de referências à organização do 
trabalho, à reforma da sociedade, à crítica aos 
monopólios e à concorrência etc.. Tudo isso em 
conseqüência dos movimentos dos trabalhadores. Os 
jornais de Tréveris, Aquisgrana, Colônia, Wesel, 
Mannheim, Breslau e até de Berlim trazem 
freqüentemente artigos sociais facilmente 
compreensíveis, dos quais o "prussiano" pode até 
aprender alguma coisa. Mais ainda, em cartas da 
Alemanha se exprime constantemente o espanto 
diante da fraca resistência da burguesia contra as 
tendências e idéias sociais. 
54- O "prussiano – se tivesse maior familiaridade 
com a história dos movimentos sociais – teria 
formulado a sua perguntaao contrário. Por que 
também a burguesia alemã vê na miséria parcial uma 
7 
 
miséria relativamente tão universal? De onde provém 
a animosidade e o cinismo dos políticos, de onde 
provém a inércia e as simpatias da burguesia não-
política para com o proletariado? 
Vorwärts!, no 63, sete de Agosto de 1844. 
********** 
55- Vamos agora aos oráculos do "prussiano" sobre 
os trabalhadores alemães. 
56- "Os alemães pobres", graceja, "não são mais 
inteligentes do que os pobres alemães, quer dizer, não 
enxergam nada além do seu lar, da sua fábrica, do seu 
distrito; até agora toda a questão está ainda 
abandonada pela alma política que penetra em tudo". 
57- Para poder comparar a situação dos trabalhadores 
alemães com a situação dos trabalhadores franceses e 
ingleses, o "prussiano" deveria comparar a primeira 
etapa, o início do movimento dos trabalhadores 
franceses e ingleses com o movimento alemão que 
começou agora. Mas ele negligencia isto. Deste 
modo, o seu raciocínio cai em obviedades, como essa 
de que a indústria na Alemanha ainda não está tão 
desenvolvida como na Inglaterra, ou então de que um 
movimento no seu início se apresenta diferente do 
que numa etapa posterior. Ele gostaria de falar das 
particularidades do movimento dos trabalhadores 
alemães. No entanto, não diz uma palavra a respeito 
desse assunto. 
58- Que o "prussiano" se situe, pois, do ponto de vista 
correto. Verá que nenhuma das revoltas dos operários 
franceses e ingleses teve um caráter tão teórico e 
consciente como a revolta dos tecelões silesianos. 
59- Lembremo-nos, antes de mais nada, o canto dos 
tecelões, aquela audaz palavra-de-ordem de luta na 
qual lar, fábrica e distrito não são mencionados uma 
vez sequer e na qual, pelo contrário, o proletariado 
proclama, de modo claro, cortante, implacável e 
poderoso, o seu antagonismo com a sociedade da 
propriedade privada. A revolta silesiana começa 
exatamente lá onde terminam as revoltas dos 
trabalhadores franceses e ingleses, isto é, na 
consciência daquilo que é a essência do proletariado. 
A própria ação traz este caráter superior. Não só são 
destruídas as máquinas, essas rivais do trabalhador, 
mas também os registros da contabilidade, os títulos 
de propriedade, e enquanto todos os outros 
movimentos se voltavam primeiramente contra o 
senhor da indústria, o inimigo visível, este 
movimento volta-se também contra o banqueiro 
(Bankier), o inimigo oculto. Enfim, nenhuma outra 
revolta de trabalhadores ingleses foi conduzida com 
tanta coragem, reflexão e duração. 
 
60- No que concerne ao grau de instrução ou à 
capacidade cultural dos trabalhadores alemães em 
geral, remeto aos geniais escritos de Weitling, os 
quais, sob o aspecto teórico, muitas vezes 
ultrapassam o próprio Proudhon, embora 
permaneçam aquém dele no que se refere à exposição 
(Ausführung). Onde poderia a burguesia – incluídos 
os seus filósofos e eruditos – exibir uma obra, 
relativa à emancipação da burguesia, à emancipação 
política, igual à de Weitling: “Garantias da Harmonia 
e da Liberdade”? Caso se compare a insossa e 
pusilânime mediocridade da literatura política alemã 
com essa enorme e brilhante estréia literária dos 
operários alemães; caso se compare esse gigantesco 
calçado de criança do proletariado com a disforme 
pequenez do gasto calçado político da burguesia 
alemã, deve-se prognosticar para a Cinderela alemã 
um estatuto de atleta. Deve-se admitir que o 
proletariado alemão é o teórico do proletariado 
europeu, assim como o proletariado inglês é o seu 
economista e o proletariado francês o seu político. 
Deve-se admitir que a Alemanha tem uma vocação 
tão clássica para a revolução social quanto é incapaz 
de uma revolução política. Com efeito, assim como a 
impotência da burguesia alemã é a impotência 
política da Alemanha, assim a aptidão do proletariado 
alemão – ainda que prescindindo da teoria alemã – é 
a capacidade social da Alemanha. A desproporção 
entre o desenvolvimento filosófico e o 
desenvolvimento político na Alemanha não é 
nenhuma anormalidade. É uma desproporção 
necessária. Somente no socialismo pode um povo 
filosófico encontrar a prática correspondente, quer 
dizer, somente no proletariado pode encontrar o 
elemento ativo da sua libertação. 
61- Mas, nesse momento, não tenho nem tempo nem 
disposição para explicar ao “prussiano” a relação da 
"sociedade alemã" com a revolução social, e, a partir 
dela, de um lado a fraca reação da burguesia alemã 
contra o socialismo e, de outro, as excelentes 
disposições para o socialismo do proletariado alemão. 
Na minha “Introdução à Crítica da Filosofia do 
Direito de Hegel” (nos Deutsch-Französische 
Jahrbücher), ele encontrará os primeiros elementos 
para compreender esse fenômeno. 
62- A inteligência dos alemães pobres está, portanto, 
em uma relação inversa com a inteligência dos pobres 
alemães. No entanto, pessoas para as quais qualquer 
assunto deve servir para exercícios públicos de estilo, 
acabam caindo, através dessa atividade formal, em 
um conteúdo falso, enquanto este conteúdo, por sua 
8 
 
vez, imprime novamente à forma o selo da 
vulgaridade. Deste modo, a tentativa do "prussiano", 
em uma ocasião como essa das revoltas dos operários 
silesianos, de expressar-se na forma de antíteses, 
leva-o à maior antítese contra a verdade. A única 
tarefa de uma mente pensante e amiga da verdade 
frente à primeira explosão da revolta dos 
trabalhadores silesianos, não consistia em 
desempenhar o papel de pedagogo desse 
acontecimento, mas, pelo contrário, em estudar o seu 
caráter peculiar. Mas para isto requer-se, antes de 
mais nada, uma certa perspicácia científica e um certo 
amor pelos homens, ao passo que, para a outra 
operação, é suficiente uma fraseologia ligeira, já 
pronta, embebida em um amor-próprio vazio. 
63- Por que o "prussiano" julga com tanto desprezo 
os trabalhadores alemães? Porque ele acha que “toda 
a questão” – isto é, a questão da miséria dos operários 
– está abandonada "ainda até hoje" pela "alma 
política que penetra tudo". Eis como ele vai 
derramando o seu amor platônico pela alma política: 
64- "No sangue e na incompreensão serão sufocadas 
todas as revoltas que explodem nesse desesperado 
isolamento dos homens da comunidade e de suas 
idéias dos princípios sociais; mas logo que a miséria 
tiver gerado a compreensão, e o entendimento 
político dos alemães tiver descoberto as raízes da 
miséria social, então também na Alemanha esses 
acontecimentos serão percebidos como sintomas de 
uma grande mudança". 
65- Permita-nos o "prussiano", primeiramente, uma 
observação estilística. Sua antítese está incompleta. 
Na primeira metade, diz-se: a miséria gera a 
compreensão e na segunda metade: o entendimento 
político descobre as raízes da miséria social. A 
simples compreensão, na primeira metade da antítese, 
torna-se, na segunda metade, o entendimento político, 
como a miséria simples da primeira metade da 
antítese torna-se, na segunda, uma miséria social. Por 
que motivo o nosso estilista tratou de maneira tão 
desigual as duas metades da antítese? Não creio que 
tenha notado isso. Vou mostrar-lhe como foi 
verdadeiro seu instinto. Se o "prussiano" tivesse 
escrito: "A miséria social gera o entendimento 
político e o entendimento político descobre as raízes 
da miséria social", nenhum leitor atento teria deixado 
de perceber a falta de sentido dessa antítese. Todo 
mundo se teria perguntado, depois, por que o 
anônimo não opõe o entendimento social à miséria 
social e o entendimento político à miséria política, 
como mandaa lógica mais elementar. Mas vamos ao 
que interessa! 
66- Tão falso é que a miséria social gere o 
entendimento político, como mais verdadeiro é antes 
o contrário, isto é, que o bem-estar social gera o 
entendimento político. O entendimento político é um 
espírito concedido a quem já possui e desfruta das 
comodidades. Que o nosso "prussiano" ouça, a esse 
propósito, um economista francês, o senhor Michel 
Chevalier: "No ano de l789, quando a burguesia se 
sublevou, para ser livre faltava-lhe apenas a 
participação no governo do país. Para ela, a libertação 
consistiu em arrebatar das mãos dos privilegiados que 
tinham o monopólio dessas funções, a direção dos 
negócios públicos, as mais altas funções civis, 
militares e religiosas. Sendo rica e ilustrada, podendo 
bastar-se e dirigir-se a si mesma, ela queria para ela o 
régime du bon plaisir (regime do arbítrio)". 
67- Já demonstramos ao "prussiano" quanto o 
entendimento político é incapaz de descobrir a fonte 
da miséria social. Apenas mais uma palavra sobre 
essa sua concepção. Quanto mais evoluído e geral é o 
entendimento político de um povo, tanto mais o 
proletariado – pelo menos no início do movimento – 
gasta suas forças em insensatas e inúteis revoltas 
sufocadas em sangue. Uma vez que ele pensa de 
forma política, vê o fundamento de todos os males na 
vontade e todos os meios para remediá-los na 
violência e na derrubada de uma determinada forma 
de Estado. Demonstração: as primeiras revoltas do 
proletariado francês. Os operários de Lyon julgavam 
perseguir apenas fins políticos, ser apenas soldados 
da república, enquanto de fato eram soldados do 
socialismo. Deste modo, o seu entendimento político 
lhes tornou obscuras as raízes da miséria social, 
falseou a compreensão dos seus objetivos reais e, 
deste modo, o seu entendimento político enganou o 
seu instinto social. 
68- Mas se o "prussiano" acha que a miséria gera o 
entendimento, por que então coloca junto os 
"sufocamentos no sangue" e os "sufocamentos na 
incompreensão"? Se a miséria é, em geral, um 
remédio, a miséria sangrenta será então um meio 
muito mais agudo para gerar o entendimento. 
Portanto, o "prussiano" deveria ter dito: o 
sufocamento em sangue sufocará a incompreensão e 
trará ao entendimento uma oportuna lufada de ar. 
69- O "prussiano" prognostica o fim das revoltas que 
irrompem no "desesperado isolamento dos homens da 
comunidade e na separação de suas idéias dos 
princípios sociais". 
70- Já demonstramos que a revolta silesiana de modo 
nenhum se realizou num estado de separação entre as 
idéias e os princípios sociais. Temos agora que nos 
9 
 
haver com o "desesperado isolamento dos homens da 
comunidade". A comunidade é entendida aqui como 
comunidade política, o Estado. É sempre a velha 
cantilena da não-politicidade da Alemanha. 
71- Por acaso não rebentam todas as revoltas, sem 
exceção, no desesperado isolamento do homem da 
comunidade? Será que toda revolta não supõe 
necessariamente esse isolamento? Teria havido a 
revolução de l789 sem o desesperado isolamento dos 
burgueses franceses da comunidade? Ela estava 
destinada exatamente a suprimir esse isolamento. 
72- Mas a comunidade da qual o trabalhador está 
isolado é uma comunidade inteiramente diferente e de 
uma outra extensão que a comunidade política. Essa 
comunidade, da qual é separado pelo seu próprio 
trabalho, é a própria vida, a vida física e espiritual, a 
moralidade humana, a atividade humana, o prazer 
humano, a essência humana. A essência humana é a 
verdadeira comunidade dos homens. E assim como o 
desesperado isolamento dela é incomparavelmente 
mais universal, insuportável, pavoroso e 
contraditório, do que o isolamento da comunidade 
política, assim também a supressão desse isolamento 
e até uma reação parcial, uma revolta contra ele, é 
tanto mais infinita quanto infinito é o homem em 
relação ao cidadão e a vida humana infinita em 
relação à vida política. Deste modo, por mais parcial 
que seja uma revolta industrial, ela encerra em si uma 
alma universal; e por mais universal que seja a 
revolta política, ela esconde, sob as formas mais 
colossais, um espírito estreito. 
73- O "prussiano" fecha dignamente o seu artigo com 
esta frase: 
74- "Uma revolução social sem alma política (isto é, 
sem uma visão organizativa do ponto de vista da 
totalidade) é impossível". 
75- É óbvio. Uma revolução social se situa do ponto 
de vista da totalidade porque – mesmo que aconteça 
apenas em um distrito industrial – ela é um protesto 
do homem contra a vida desumana, porque brota do 
ponto de vista do indivíduo singular real, porque a 
comunidade, contra cuja separação o indivíduo reage, 
é a verdadeira comunidade do homem, é a essência 
humana. Ao contrário, a alma política de uma 
revolução consiste na tendência da classe privada de 
influência política a superar o seu isolamento do 
Estado e do poder. A sua perspectiva é o Estado, uma 
totalidade abstrata, que subsiste apenas a partir da 
separação da vida real, que é impensável sem o 
antagonismo organizado entre a idéia geral e a 
existência individual dos homens. Por isso, uma 
revolução com alma política organiza também, de 
acordo com a natureza limitada e discorde dessa 
alma, um círculo dirigente na sociedade às custas da 
sociedade. 
76- Gostaríamos de confidenciar ao "prussiano" o que 
é "uma revolução social com uma alma política"; com 
isso também lhe revelamos o segredo de porque ele 
não consegue, mesmo nos seus torneios estilísticos, 
elevar-se para além do limitado ponto de vista 
político. 
77- Uma revolução "social" com uma alma política 
ou é um completo absurdo, se o "prussiano" entende 
por revolução "social" uma revolução "social" 
contraposta a uma revolução política, e confere à 
revolução social uma alma política no lugar da alma 
social, ou, então, uma "revolução social com uma 
alma política" não é mais do que uma paráfrase do 
que já se chamou uma "revolução política" ou 
simplesmente uma “revolução”. Toda revolução 
dissolve a velha sociedade; nesse sentido é social. 
Toda revolução derruba o velho poder; neste sentido 
é política. 
78- Que o "prussiano" escolha entre a paráfrase e o 
absurdo! Contudo, se é parafrásico ou absurdo uma 
revolução social com uma alma política, ao contrário 
é racional uma revolução política com uma alma 
social. A revolução enquanto tal – a derrubada do 
poder existente e a dissolução das velhas relações – é 
um ato político. Por isso, o socialismo não pode 
efetivar-se sem revolução. Ele tem necessidade dessa 
derrubada e dessa dissolução. No entanto, logo que 
tenha início a sua atividade organizativa, logo que 
apareça o seu próprio objetivo, a sua alma, então o 
socialismo se desembaraça do seu revestimento 
político. 
79- Toda essa digressão foi necessária para rasgar o 
tecido de erros que se esconde em apenas uma coluna 
de jornal. Nem todos os leitores podem ter a cultura e 
o tempo necessários para perceber uma tal 
charlatanice literária. Não tem, portanto, o 
"prussiano", diante do público leitor, o dever de 
renunciar momentaneamente a qualquer atividade de 
escritor com objetivo político e social, bem como às 
declarações sobre a situação da Alemanha, e de 
começar um consciencioso exame da sua própria 
situação? 
 
Vorwärts!, no 64, 10 de Agosto de 1844. 
 
10 
 
 
Comentário Crítico 
(Extrato de “A Crítica da Política”, capítulo III da dissertação 
ONTOLOGIA E POLÍTICA: A FORMAÇÃO DO 
PENSAMENTO MARXIANO DE 1842 A 1846) 
Rubens M. Enderle 
(...) 
Além dos textos publicados nosAnais Franco-Alemães, Marx 
ainda colabora, no ano de 1844, com três artigos para o 
periódico Avante! (Vorwärts!). Dentre estas colaborações, duas 
são de notável importância na consolidação da determinação 
ontonegativa da politicidade. Referimo-nos, aqui, às duas partes 
que compõem as Glosas Críticas ao Artigo “O Rei da Prússia e 
a Reforma Social. Por um Prussiano”, redigidas em franca 
contraposição às teses de Ruge sobre a revolta dos tecelões da 
Silésia. 
Em um artigo publicado no mesmo periódico, Ruge 
argumentara contra a afirmação, feita pelo jornal francês La 
Reforme, de que a ordem de gabinete do rei Frederico 
Guilherme IV diante da greve dos trabalhadores silesianos seria 
o prenúncio de profundas reformas sociais. A idéia central de 
Ruge era a de que a Alemanha, por ser um país apolítico, não 
estava à altura de tais reformas, pois não compreendia a 
“penúria parcial dos distritos fabris” como um “assunto geral”, 
mas sim como um evento localizado. Como ele mesmo afirma 
nesta passagem, citada por Marx na abertura de seu artigo: 
 “O rei e a sociedade alemã não chegaram ainda ao 
„pressentimento de sua reforma‟, e nem tampouco as 
insurreições da Silésia e Boêmia provocaram este sentimento. É 
impossível fazer compreender a um país apolítico como a 
Alemanha que a penúria parcial dos distritos fabris constitui um 
assunto geral e, menos ainda, que representa um dano para todo 
o mundo civilizado. Estes acontecimentos têm para a Alemanha 
o mesmo caráter que pode ter qualquer penúria local 
relacionada com a água ou com a fome. Daí que o rei os 
considere como uma falha administrativa ou uma falta de 
caridade”. 
Para refutar esta tese, Marx toma como exemplo a Inglaterra, 
país político e, ao mesmo tempo, país do pauperismo. Diz ele: 
“Não resta dúvida de que a situação da Inglaterra constitui o 
experimento mais seguro para conhecer a atitude de um país 
político frente ao pauperismo. Na Inglaterra, a penúria dos 
operários não é parcial, mas universal /.../. E estes movimentos 
não se encontram, ali, em sua fase inicial, mas se repetem 
periodicamente há quase um século”. A realidade mostra, no 
entanto, que, nem a burguesia da política Inglaterra, nem 
tampouco o governo e a imprensa associados a esta classe, 
tratam o pauperismo de modo diferente do modo alemão. Ou 
seja, para os ingleses a penúria é, assim como para Frederico 
Guilherme IV e a burguesia prussiana, uma falha 
administrativa, um defeito político a ser resolvido 
politicamente. Cada partido inglês vê a causa do pauperismo na 
política do partido contrário, que deve ceder lugar a sua própria 
política, supostamente resolutiva: “Enquanto a burguesia inglesa 
põe a culpa do pauperismo na política, os whigs acusam os 
tories e os tories acusam os whigs de serem a causa deste mal. 
/.../ Nenhum dos dois partidos encontra a razão na situação 
política em geral, mas somente na política do partido contrário. 
E sequer sonham com uma reforma da sociedade”. De modo 
que, aquilo que Ruge imagina ser a conseqüência do caráter 
apolítico de um país, a saber, a compreensão dos problemas 
sociais como acontecimentos parciais, desprovidos de 
importância geral e decorrentes de falhas administrativas, 
mostra-se, segundo Marx, ao contrário, como o procedimento 
próprio de uma sociedade política. Alemanha e Inglaterra 
partilham, assim, a despeito da diferente magnitude que o 
pauperismo apresenta em cada um destes países, da mesma 
mentalidade política que os impede de visualizar a dimensão 
universal dos problemas sociais. Como afirma Marx: 
“Se a burguesia da apolítica Alemanha não se apercebe da 
importância geral que possui uma penúria parcial, a burguesia 
da política Inglaterra desconhece também, por sua vez, a 
importância geral que reveste uma penúria universal, penúria 
que manifesta sua importância geral tanto por sua reiteração 
periódica no tempo quanto por sua extensão no espaço e pelo 
fracasso de todas as tentativas de remediá-la”. 
À estreiteza da mentalidade política sobre a importância dos 
males sociais corresponde a ineficácia das ações políticas contra 
estes mesmos males. Assim, Marx, detendo-se sobre três 
expoentes da inteligência e da energia políticas – o parlamento 
inglês, Napoleão Bonaparte e a Convenção francesa –, procura 
demonstrar que “todos os Estados que se ocuparam do 
pauperismo limitaram-se a aplicar medidas administrativas e de 
beneficência, ou permaneceram abaixo desta classe de 
medidas”. O Estado dá provas, com isso, de sua limitação 
intrínseca, sua natureza formal, abstrata. Ele é a organização da 
sociedade sob o ponto de vista político, isto é, sob o ponto de 
vista de sua separação em relação à sociedade civil. Fundado 
sobre o “caráter antisocial” da propriedade privada, o Estado 
não pode buscar a origem dos problemas sociais na “essência do 
Estado”, uma vez que, ao eliminar a contradição entre os 
interesses gerais e os interesses particulares, ou entre a 
administração da sociedade civil e a própria sociedade civil, ele 
estaria promovendo sua autodestruição. De acordo com Marx: 
 “O Estado não pode superar a contradição entre a 
disposição e boa vontade da administração, por um lado, e seus 
meios e sua capacidade, por outro, sem destruir a si mesmo, já 
que está assentado nesta mesma contradição. Assenta-se na 
contradição entre a vida pública e a vida privada, na 
contradição entre os interesses gerais e os interesses 
particulares. Daí que a administração deva limitar-se a uma 
atividade formal e negativa, pois sua ação termina lá onde 
começa a vida civil e seu trabalho. Mais ainda, frente às 
conseqüências que derivam do caráter antisocial desta vida civil, 
desta propriedade privada, deste comércio e desta indústria, 
deste saqueio mútuo dos diversos círculos civis, a impotência é 
a lei natural da administração. Com efeito, este desvio, esta 
vileza, esta escravidão da sociedade civil, constitui o 
fundamento natural em que se baseia o Estado moderno /.../. Se 
o Estado moderno quisesse acabar com a impotência de sua 
administração, teria que acabar com a atual vida privada. E se 
quisesse acabar com a vida privada, teria que destruir a si 
mesmo, pois o Estado existe somente em oposição a ela. Porém, 
nenhum ser vivo crê que os defeitos de sua existência radiquem 
no princípio de sua vida, na essência de sua vida, mas sim em 
circunstâncias exteriores a ela. O suicídio é contrário à natureza. 
Decorre daí que o Estado não pode crer na impotência 
intrínseca de sua administração, isto é, de si mesmo. Ele pode 
somente reconhecer e procurar corrigir seus defeitos puramente 
formais e fortuitos. E se estas modificações mostram-se estéreis, 
ele concluirá que os males sociais são uma imperfeição natural, 
independente do homem, uma lei de Deus, ou que a vontade dos 
particulares acha-se demasiadamente corrompida para 
acomodar-se aos excelentes fins da administração”. 
Esfera abstrata dos interesses gerais a flutuar sobre a 
escravidão da vida privada que a engendra, o Estado esbarra na 
lei natural de sua impotência sempre que procura atacar 
problemas que radicam na essência de sua vida. O caráter 
formal e negativo da administração não diz respeito, portanto, a 
uma falha acidental, mas sim a uma determinação ontológica 
11 
 
essencial: para tornar-se uma ação concreta e positiva, ela teria 
que atentar contra sua própria existência. A perfeição do ser do 
Estado é a perfeição de sua incapacidade para compreender e 
solucionar os males sociais. Seus limites são os limites próprios 
da política e do entendimento político, cujo princípio é a 
vontade: 
“Quanto mais poderoso seja o Estadoe mais político seja, 
portanto, o país, menos ele se inclinará a buscar no princípio do 
Estado, e, por conseguinte, na atual organização da sociedade, 
cuja expressão ativa, consciente de si mesma e oficial é o 
Estado, o fundamento dos males sociais e a compreender seu 
princípio geral. O entendimento político o é, precisamente, 
porque pensa dentro dos limites da política. E quanto mais vivo 
e sagaz seja, mais incapacitado estará para compreender os 
males sociais. /.../ O princípio da política é a vontade. Quanto 
mais unilateral e, portanto, mais perfeito seja o entendimento 
político, tanto mais acreditará na omnipotência da vontade, tanto 
mais resistirá a ver as barreiras naturais e espirituais que se 
levantam frente a ela, mais incapaz será, por conseguinte, de 
descobrir a fonte dos males sociais”. 
Para Marx, o “período clássico” do entendimento político foi 
a Revolução francesa. Neste evento, os “defeitos sociais” eram 
vistos, não como problemas originários, localizados no 
“princípio do Estado”, mas sim como um entrave para se atingir 
a perfeição da política. “Assim, diz Marx, Robespierre entende 
que a grande pobreza e a grande riqueza representam 
simplesmente um obstáculo para a democracia pura”. O 
entendimento político não reconhece que o Estado brota da 
“fonte dos males sociais”. Invertendo a ordem determinativa 
entre sociedade civil e Estado, ele entende estes males como 
meros acidentes que impedem a realização do princípio político. 
O que é essencial – a sociedade civil e seus males – aparece 
como acidental, e o que é acidental – a política – aparece como 
a esfera originária, essencial. Desse modo, pode-se conferir à 
idéia de democracia pura uma preponderância ontológica sobre 
a pobreza e a riqueza reais, bem como atribuir à vontade um 
caráter omnipotente, acima das barreiras naturais e espirituais 
que, na realidade, determinam seus limites. 
As Glosas Críticas sobressaem como o momento em que 
Marx, retomando o percurso iniciado a partir da Crítica da 
Filosofia do Direito de Hegel e desenvolvido nos Anais Franco-
Alemães, deixa evidente o caráter ontológico de sua crítica à 
política. Concebido em termos incisivos e inequívocos, este 
artigo representa uma síntese das linhas fundamentais da 
determinação ontonegativa da politicidade, teoria que Chasin 
explicita da seguinte forma: 
“Tratando-se de uma configuração de natureza ontológica, o 
propósito essencial dessa teoria é identificar o caráter da 
política, esclarecer sua origem e configurar sua peculiaridade na 
constelação dos predicados do ser social. Donde, é onto-
negativa, precisamente, porque exclui o atributo da política da 
essência do ser social, só o admitindo como extrínseco e 
contingente ao mesmo, isto é, na condição de historicamente 
circunstancial; numa expressão mais enfática, enquanto 
predicado típico do ser social, apenas e justamente, na 
particularidade do longo curso de sua pré-história. É no interior 
da intrincada trajetória dessa pré-história que a politicidade 
adquire sua fisionomia plena e perfeita, sob a forma de poder 
político centralizado, ou seja, do estado moderno /.../. Esse 
traçado marxiano é o oposto, sem dúvida, de qualquer expressão 
própria ao âmbito secularmente predominante da determinação 
onto-positiva da política, para a qual o atributo da politicidade 
não só integra o que há de mais fundamental do ser humano-
societário – é intrínseco a ele – mas tende a ser considerado 
como sua propriedade por excelência, a mais elevada, 
espiritualmente, ou a mais indispensável, pragmaticamente; 
tanto que conduz à indissolubilidade entre política e sociedade, 
a ponto de tornar quase impossível, até mesmo para a simples 
imaginação, um formato social que independa de qualquer 
forma de poder político”i. 
A crítica ontológica distingue o que é essencial do que é 
acidental, o que é determinante do que é determinado. Ela 
desvenda o modo como as categorias do ser social se engendram 
e se determinam umas às outras, bem como a necessidade de sua 
existência. Sua tarefa principal consiste, desse modo, em 
localizar o pólo determinante do ser do homem; e todo o 
itinerário marxiano desde a Crítica de Kreuznach resulta na 
constatação de que tal pólo não pode ser encontrado na esfera 
política, mas sim na sociabilidade. A esfera política é, pelo 
contrário, a expressão da perda, pelo homem, de seu próprio ser, 
de sua vida genérica, que precisa então ser figurada de modo 
abstrato, como vida política, separada da vida privada. A 
sociabilidade é o locus ontológico do humano, não sua essência 
antropológica. Ela representa a esfera da existência do homem, 
a base a partir de onde se formam as diversas categorias que 
constituem seu ser. Entre tais categorias, figura a política, que 
corresponde a um dado modo de efetivação do ser social, 
justamente aquele modo no qual o homem aliena sua capacidade 
de autodeterminação. Razões pelas quais pode-se afirmar que a 
politicidade constitui, para Marx, um atributo negativo do ser 
social, a separação, do homem e pelo homem, de suas forças 
próprias, suas forças humanas, enfim, suas forças sociais. 
Em Marx, portanto, a política é ontologicamente determinada 
– o que vale para todas as categorias do ser social – pelo modo 
através do qual o homem produz sua existência. O entendimento 
da política remete à análise da “anatomia da sociedade civil”, 
análise que eleva as “categorias econômicas” ao patamar de 
categorias ontológicas, que dizem respeito à autoprodução do 
ser social. Como afirma Lukács, destacando a importância dos 
Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 no conjunto da 
obra marxiana: “/.../ pela primeira vez na história da filosofia, as 
categorias econômicas aparecem como as categorias da 
produção e reprodução da vida humana, tornando assim possível 
uma descrição ontológica do ser social sobre bases 
materialistas”ii. 
(...) 
 
 
i CHASIN, J. Marx: Estatuto Ontológico... Op. cit., pp. 367-368. 
ii LUKÁCS, G. Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1979, p. 15.

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