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1 CURSO DE PSICOLOGIA Disciplina Psicologia escolar Professor Célia Anselme 2 EMENTA A escola, o processo educativo e a Psicologia Escolar. Psicologia Escolar: conceituação, campo de ação e funções. Psicologia Escolar e níveis de prevenção. Análise da estrutura e da dinâmica escolar. A Escola enquanto entrecruzamento de variáveis históricas, políticas e culturais. OBJETIVOS Ao final do Curso o aluno deverá ser capaz de: Fazer uma análise crítica das ações na instituição escolar, tecendo uma ordem de compreensão profissional sintetizadora da diversidade e da complexidade do sistema social. Conhecer a ação do psicólogo na escola e na inserção com os diferentes segmentos profissionais, na prevenção e na intervenção dos problemas desta área. PROGRAMA DETALHADO Unidade I – A Escola enquanto depositária, transmissora e geradora de investimentos históricos, sociais e políticos 1.1 A Instituição Escola 1.2 A Escola e o processo educativo Unidade II – Psicologia Escolar 2.1 Conceituação e campo de atuação 2.2 Evolução histórica 2.3 Ação do psicólogo escolar Unidade III – A formação teórico-epistemológica do psicólogo escolar 3.1 A relação teoria e prática 3.2 As teorias psicológicas 3.3 A relação psicologia e educação Unidade IV – O psicólogo e a ação psicopedagógica 4.1 Psicologia e Educação 4.2 Conceito e objeto de estudo da Psicopedagogia Unidade V – Estratégias dinamizadas para diferentes segmentos na escola 5.1 Corpo discente 5.2 Corpo docente 5.3 Grupo de pais 5.4 Funcionários 5.5 Comunidade METODOLOGIA DE ENSINO PLANO DE ENSINO CURSO DE PSICOLOGIA CAMPUS TIJUCA Disciplina PSICOLOGIA ESCOLAR Código PSI 8067 Período 7º Período Pré-requisito Responsável Profa. Celia Anselmé Carga Horária 60h 3 A metodologia utilizada visa possibilitar aos alunos condições fazer uma análise crítica das ações na instituição escolar, tecendo uma ordem de compreensão profissional sintetizadora da diversidade e da complexidade do sistema social. Para se atender a tal proposta, as atividades didático-pedagógicas serão planejadas para que o aluno possa identificar a ação do psicólogo na escola e na inserção com os diferentes segmentos profissionais, na prevenção e na intervenção dos problemas desta área. As aulas se realizarão num interjogo didático onde os conteúdos serão expostos e debatidos através de leituras e discussões de textos, debates de filmes, seminários, estudo de casos e atividades de pesquisa, com apoio de roteiros de aula. LABORATÓRIOS E SOFTWARE NECESSÁRIOS AO ENSINO DA DISCIPLINA BIBLIOGRAFIA BÁSICA MACHADO, Adriana Marcondes & SOUZA, Marilene Proença R. de (org,). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. MARINHO-ARAUJO, Claisy Maria. Psicologia Escolar: novos cenários e contextos de pesquisa, formação e prática. Campinas, SP: Alínea, 2009. VALLE, Luiza Elena L. R.; ASSUMPÇÃO Jr, Francisco (org.). Aprendizagem, linguagem e pensamento. Rio de Janeiro: WAK, 2008. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ANTUNES, Mitsuko A. M.; MEIRA, Marisa Eugênia M. (org.). Psicologia Escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. GUZZO, Raquel S. L. (org.). Psicologia Escolar: LDB e Educação hoje. São Paulo: Editora Alinea, 2004. SCOZ, Beatriz. Identidade e subjetividade de professores: sentidos do ensinar e do aprender. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. SOUZA, Beatriz de Paula (org.). Orientação à queixa escolar. SP: Casa do Psicólogo, 2007. MARASCHIN, C.; FREITAS, L. B. e CARVALHO, D. C. (Orgs.) Psicologia e Educação: multiversos sentidos, olhares e experiências. Porto Alegre: UFRGS, 2003. Periódicos: “Psicologia Escolar e Educacional” revista@abrapee.psc.br Sites / Vídeos / DVD’s Um Adorável Professor Guerra do Arco Íris www.abrapee.psc.br 4 Texto I – DA EDUCAÇÃO FORMAL A TÉCNICA DE ‘ELABORAÇÃO DIRIGIDA’ Fonte: Cap. III da tese de doutorado- Metacognição aplicada a Educação –Celia Anselme “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” Karl Marx, o 18 brumário de Luís Bonaparte. 3.1- História crítica da educação: Uma breve apresentação. Nosso trabalho visa não só uma revisão de alguns postulados piagetianos, como também e principalmente, propor uma nova técnica psicopedagógica, por nós designada como ‘elaboração dirigida’. Assim sendo, se fez necessário acrescentar uma discussão que abarque não só as questões relacionadas ao desenvolvimento cognitivo, mas também o sistema educacional no qual ele se insere. Desde dos anos de 1989, quando a proponente iniciou suas atividades no Laboratório de metacognição da UFRJ, tivemos oportunidade de presenciar em diversas escolas, a real condição de trabalhos de nossos professores, em particular das escolas municipais e estaduais, que é muito diferente do discurso oficial que propaga “avanços” da educação no Brasil. Maria Helena Guimarães de Castro, então, Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) afirma no relatório 2000, referente ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) que: “[o Brasil] em admirável sintonia com a última geração de reformas no mundo, o projeto do ensino médio no Brasil expressa a contemporaneidade, e tem a ousadia de ser prospectivo.” Tal otimismo de nossos governantes e de seus representantes é por si só, contraditória se compararmos com os resultados do exame nacional do ensino médio (ENEM) e do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Intuitivamente todos sabemos que algo está errado no sistema educacional brasileiro. Docentes de todos os níveis percebem, em suas atividades em sala de aula, a queda da qualidade intelectual dos seus alunos. Alguns especialistas inventam novos nomes para explicar esse fenômeno, como por exemplo, o conceito de ‘analfabeto funcional’, que se refere às pessoas que sabem decodificar o que está escrito, mas não reconhecem o seu significado dentro do contexto, ou seja, são alunos que sabem ler um texto mas não conseguem interpretá-los, outros enfatizam a importância do afeto em sala de aula e a necessidade de reciclagem do professor, mas, de um modo geral, omitem ou desconsideram a problemática da estrutura social. Poucos são os que discutem a educação num campo maior, incluindo as condições de trabalho dos professores, assim como, o tráfico de drogas e a violência que hoje se instauraram dentro das escolas. É por essa razão, que, para nós, se tornou muito difícil falar sobre a psicologia da aprendizagem sem falar da Educação como um todo, a fim de evitar o risco de ser mais uma teoria utópica, sem nenhum eco dentro da realidade de nosso sistema educacional. Não tenho a pretensão, descabida, de me propor a dar conta plenamente da relação dialética entre problemas sociais e problemas da aprendizagem, mas oferecer alguns indicativos das posições fundamentais que abordam essa problemática. Partimos do princípio de que o entendimento de cada posição levará à uma concepção de educação e conseqüentemente a um modelo pedagógico. Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, a nossa proposta não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a atual estrutura dos serviços educacionais, artificial e superficial, como mostraremos no desenvolver de nosso 5trabalho. Pretendemos que a educação e os meios de desenvolvimento através dela, deixem de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para tornar-se um instrumento a mais a serviço do equilíbrio social. Reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado com a mesma qualidade de ensino, temos como objetivo oferecer uma pequena contribuição para fomentar o desenvolvimento de meios de ação durável com o fim de dirigir o desenvolvimento natural, porém não espontâneo, e integral do ser humano em cada uma das etapas de desenvolvimento. Considerando que a educação tem uma função social, e que a marginalidade, no sentido amplo da palavra, freqüentemente lhe é atrelada, nossa responsabilidade aumenta, dependendo do uso que dela se faz, pois que podemos manter a sociedade tal como se encontra ou contribuir para sua transformação numa sociedade mais justa. Desde já chamamos a atenção para o fato de que se nós não pararmos para pensar sobre qual é a função da escola, não poderemos também saber qual é a nossa função dentro desse sistema. A fim de auxiliar a nossa reflexão sobre a aprendizagem e estrutura social. Resolvemos dar um pequeno passeio no passado da Educação demarcando as conseqüências sociais e ideológicas de cada época. Se voltarmos no tempo em que não havia escola, perceberemos que o homem sempre teve a capacidade de ensinar e aprender espontaneamente. Porém, conhecimento e senso comum misturavam-se na única forma de saber possível, não havendo então uma distinção entre conhecimento científico e opinião particular. Os nômades, por exemplo, enquanto vagavam a esmo agiam mais por intuição do que por perícia. Ao se fixarem na terra, começaram a fazer seus projetos de plantio e colheita através do conhecimento empírico da regularidade das estações e da lua. Surgiu então, a necessidade de ordenar tais informações para determinados fins e objetivos. Na comunidade primitiva todos os membros da tribo tinham direito à educação, em função da vida e para a vida. A escola era a própria aldeia. Com a divisão do trabalho, surgiram as especialidades. A escola deixou de ser a aldeia e passou a funcionar como um lugar especializado onde uns aprendem e outros ensinam. Podemos afirmar que esse foi o primeiro passo para uma sistematização dos conhecimentos. A escola como instituição formal, surgiu como resposta à divisão social do trabalho e ao nascimento do estado, da família e propriedade privada. Nesse sentido, podemos afirmar que a história da educação se desenrolou baseada na história das desigualdades econômicas. A educação primitiva era única e igual para todos. Com a divisão social do trabalho aparece também a desigualdade na educação. Entretanto, coube aos egípcios a valorização ao ato de ensinar. Criaram casas onde ensinavam a leitura, a escrita, a história dos cultos, a astronomia, a música e a medicina. A eles devemos o uso prático das bibliotecas. Na República de Platão, encontramos a síntese entre a educação e a cultura, que ainda figura na atualidade, porém de um modo cada vez mais fragmentado. Os gregos valorizaram a arte, a literatura, as ciências e a filosofia. A educação do homem integral estava baseada na formação do corpo pela ginástica, na formação da mente através da filosofia e ciências, e na moral e dos sentimentos através da música e das artes. Os Romanos, tal como os Gregos, não valorizavam o trabalho manual. A educação romana era responsabilidade do estado e para o estado. Tinham uma visão utilitária e militarista da educação, que era organizada pela disciplina e pela justiça. Começava pela fidelidade administrativa, tinham como lema: educação para a pátria, paz só com vitórias e escravidão aos vencidos. Aos rebeldes, a pena de morte. Com a queda do Império Romano do ocidente em 476 – já tendo, a partir do século IV, o Império adotado o Cristianismo como religião oficial, criou-se pela primeira vez, o que Althusser, recentemente, chamaria de aparelho ideológico do Estado. A ascensão da Igreja mudou não só os valores morais como também, o arcabouço ideológico. 6 Na Idade média ocorreu a criação das universidades (notadamente, Paris, Bologna, Salerno e Oxford). Nesta época discutia-se a gratuidade do ensino e o pagamento dos professores. O domínio do saber foi aos poucos se elitizando, guardado em Academias, submetido à censura da Igreja e burocratizado pelas Cortes. Os estudos medievais compreendiam: - As artes do trivium: gramática, dialética e retórica; - As artes do quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música. Desenvolveram-se três métodos, ainda hoje muito utilizados nas práticas educacionais tradicionais: as lições, as repetições e as disputas. A ideologia da predestinação e a idéia de pecado ganharam força, por isso a Igreja não se preocupava com a educação física, pois considerava o corpo pecaminoso tendo que ser sujeitado e dominado, opondo-se ao ideal grego de culto da aparência e do vigor físico. A partir do desenvolvimento das grandes navegações do século XIV e, principalmente, da invenção da imprensa, emerge um novo momento revolucionário na educação, o movimento renascentista. Este pensamento caracterizou-se por uma revalorização da cultura greco-romana, abafada pela visão teológica cristã, da Idade Média. Essa nova mentalidade influenciou a educação tornando-a mais prática, resgatando a cultura do corpo. A educação renascentista preparou a formação do homem burguês e, por isso, essa educação não chegou às massas populares. Foi caracterizada por uma nova modalidade de elitismo e pelo individualismo liberal. Em conseqüência da reforma protestante, iniciada por Martinho Lutero em 1517, surge a primeira escola pública, mas esta ainda não consistia, em uma escola pública, leiga, obrigatória, universal e gratuita. Tratava-se de uma escola pública religiosa. Se a Idade Média foi marcada pela força da igreja e revoluções religiosas, já os séculos XVI e XVII, foram marcados pela a ascensão da burguesia que se opunha ao modo de produção feudal. Nesta época iniciou-se um sistema de cooperação e, dessa forma, a produção deixou de se apresentar em atos isolados para se constituir num esforço coletivo. John Locke é uma das figuras mais importante desta época. A criança, segundo ele, ao nascer, era uma tábula rasa, um papel em branco sobre o qual o adulto em particular, o professor podia escrever tudo. O educando era tido como um receptor passivo das informações. Esse período é conhecido como o da pedagogia realista. Pregava a superioridade do domínio do mundo exterior sobre o domínio do mundo interior. A paixão curvava-se à razão e ao estudo da natureza. Se até então, havia uma visão humanista da educação, esta se tornou científica. Atendia principalmente o clero, a nobreza e a burguesia nascente. No século XVIII, na França, ainda de modo embrionário, alguns intelectuais da nobreza reivindicaram, para a classe trabalhadora, o direito à educação. O direito de todos à educação, decorria da decadência do clero e da nobreza e da ascensão da nova classe social que firmava seu lugar no poder: a burguesia. Nesse quadro, a causa da marginalidade passou a ser identificada com a ignorância. É marginalizado, na nova sociedade, quem não for esclarecido. Nesse período resgata-se não somente a figura do docente, mas criam-se cursos especializados em determinadas áreas, como a navegação, tal como a Escola de Sagres, fundado por D. Nuno, em Algarve, sul de Portugal. Se por um lado, a educação aumentou o seu limite antes circunscrito ao clero e à nobreza, por outro lado, ainda não conseguiu resolver a questão da marginalidade. Depois de tantos séculosde sujeição feudal à Igreja, a burguesia estava arrancando daquela, o monopólio da educação. Apresentava uma teoria educacional nova, revolucionária, que afirmava os direitos dos indivíduos. Entretanto, a nova classe mostrou que não estava presente de todo, em seu projeto, a igualdade dos homens na sociedade e na educação. Uns acabaram recebendo mais educação do que outros. A educação popular deveria fazer com que os pobres aceitassem a pobreza, esse era o princípio 7 fundamental da educação burguesa. À classe dirigente era dada a instrução para governar e à classe trabalhadora, a educação para o trabalho. A Revolução Francesa pôs fim a Idade Moderna, na qual predominou o regime absolutista. Nunca se havia discutido tanto a formação do cidadão através das escolas como durante o tempo da Revolução Francesa.Surgiu assim, um novo olhar sobre a educação. Esse período ficou conhecido como Iluminista, pelo predomínio atribuído à racionalidade. Dentre os maiores pensadores dessa época, sem dúvida, foi Kant o mais revolucionário de todos. Foi o primeiro a por em cheque as duas correntes dominantes: inatista e empirista. Kant supera essa contradição -inato versus adquirido- mostrando que alguns princípios eram a priori como, por exemplo, as formas a priori envolvendo tempo, e espaço, bem como as categorias do entendimento, que não existem fora da realidade da mente, mas apenas como regras de conhecimento. Sustentava ainda que o mundo exterior é inaccessível, e que só temos acesso aos fenômenos, que nada mais são, que a organização pelo conhecedor do que for captado pelos sentidos. Tal fato explica a universalidade das regras para conhecer, isto é,o sujeito transcendental. Entretanto, acreditava que o homem social era o produto do que a educação fazia dele através da disciplina, da didática, da formação ética e da cultura. Nesse período, predominou o culto à razão e o declínio das doutrinas de predestinação divina, consolidando assim, as concepções burguesas sobre a educação, que já não mais aceitava sua condição como sendo um produto de um decreto divino, mas sim como resultado de diferenças de domínio de conhecimento. Tal período foi denominado Iluminismo, que quer dizer dar a luz e sair da escuridão das trevas da ignorância. Surge então uma nova corrente pedagógica na qual o sujeito se distingue não mais por um desejo divino ou predestinação e sim pelo seu mérito. Os precursores da meritocracia defendiam que o esforço pessoal associado aos “tons naturais” garantiria uma justiça social. Rousseau pode ser considerado como o marco entre a velha escola e a nova. Suas obras são usadas como referência até hoje, dentre elas podemos destacar: ‘Sobre a desigualdade entre os homens’; ‘O contrato social’ e ‘Emílio’. Ele resgatou a relação entre a educação e a política, já anunciada por Platão. Baseado na teoria da bondade natural do homem, sustentava que só os instintos naturais deveriam ser direcionados. A partir dele, a criança não seria mais considerada um adulto em miniatura, mas sim como um ser que vive em seu mundo próprio; a criança nasce boa, o adulto e a sociedade, é que pervertem a criança. Divide a educação em três momentos: o da infância, o da adolescência e o da maturidade. Só na adolescência deveria haver desenvolvimento científico mais amplo e estabelecimento da vida social. (citado em Gadotti, 2001). Rousseau é considerado o precursor da tese de Dewey e do experimentalismo sócio-pedagógico. Um verdadeiro prolegômeno da Escola Nova, movimento que surgiu se contraponto ao modelo da escola tradicional, como veremos mais adiante. Outra figura importante foi Froebel que idealizou os jardins de infância, ampliando e estendendo os limites dos processos educacionais. Acreditava contudo,que o desenvolvimento da criança dependia de uma atitude espontânea, uma atitude construtiva. Depois dele, os jardins de infância se multiplicaram até fora da Europa. Suas idéias ultrapassaram a educação infantil. O período iluminista cedeu lugar ao período positivista. A influência de muitos pensadores dessa época, no começo do século XIX, se faz presente até hoje em nossa cultura. Comte é considerado o pai do Positivismo. Pregou a necessidade da objetividade e neutralidade da ciência, afirmando que a derrota do iluminismo deveu-se à ausência de concepções científicas. De acordo com Comte, a humanidade passou por três estados sucessivos: o estado teológico, no qual o homem explicava a natureza por agentes sobrenaturais, o estado metafísico, no qual tudo se justificava através de noções abstratas como por exemplo, a essência, a substância, a causalidade e, finalmente, o estado 8 positivo, o estado atual onde se buscam as leis científicas. A partir do princípio dos três estados, Comte deduziu o sistema educacional afirmando que em cada ser humano as fases históricas vão se reproduzindo. O desenvolvimento da sociologia e da sociologia da educação fortaleceu a tendência cientificista na educação. Num caminho inverso a Rousseau encontramos Durkheim. Enquanto o primeiro afirmava que o homem nasce bom e a sociedade o perverte, o segundo afirmava que o homem nasce egoísta e somente a sociedade, através da educação, poderia torná-lo cooperativo e solidário. A pedagogia positivista passa, aos poucos, ao pragmatismo que só considerava as experiências práticas da vida presente, atual, imediata. Entre os principais pensadores dessa linha de pensamento podemos citar Whitehead, para quem a “educação é a arte de utilizar conhecimentos”, Bertrand Russell, e Wittgenstein. (citados em Gaddotti, 2001) Durkheim foi um dos mais importantes expoentes da sociologia da educação, que ganhou força no final do séc. XIX e início do século XX. Considerado o sucessor de Comte, acreditava na educação como imagem e reflexo da sociedade. Ele dizia que a educação é um fato fundamental e, assim, a pedagogia seria uma teoria da prática social. A educação era a transmissão de conhecimentos e valores de uma geração mais idosa para a mais jovem. O positivismo tinha como doutrina a superação da manipulação mística e mágica do real pela visão científica e, dessa forma, estabeleceu uma nova fé, a fé na ciência e na neutralidade da mesma. Acreditava que para alcançar o progresso era preciso ordem. Para os pensadores positivistas, a libertação social e política passavam pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, sob o controle das elites. Esta doutrina passou a ter uma influência decisiva nas transformações sociais e educacionais do Brasil. Segundo Gadotti (2001) No Brasil, este pensamento inspirou a Velha República e o golpe militar de 1964. Segundo essa ideologia da ordem, o país não seria mais governado pelas ”paixões políticas” mas pela racionalidade dos cientistas desinteressados e eficientes: os tecnocratas. A tecnocracia instaurada a partir de 1964 é um exemplo prático do ideal social positivista, que estava preocupado apenas com a manutenção dos fatos sociais [...] O pensamento pedagógico positivista trouxe muitas contribuições para o avanço da educação no Brasil, principalmente pela crítica que exerceu sobre o pensamento humanista cristão. Foi este pensamento que já havia influenciado o primeiro projeto de formação do educador no final do século passado. Sua contribuição ao estudo científico da educação é inegável. (p 110) Ainda hoje, se percebe a influência do pensamento positivo, não só na nossa bandeira, símbolo Nacional, onde se lê “ordem e progresso”, como também no discurso oficial da neutralidade da educação. Nesse período positivista ainda predominava o modelo, atualmente denominado Escola tradicional, onde o professor detém o saber e os alunos passivamenteassimilam esse conhecimento. Tenta-se, então, estabelecer uma nova proposta pedagógica fundada numa ideologia mais igualitária. Alegam, ainda hoje, seus defensores que este novo modelo deveria desenvolver a consciência crítica e respeitar as necessidades do aluno, negligenciadas pelo modelo tradicional. Nesse caso, a marginalidade deixa de ser a ausência do conhecimento, ou seja, a ignorância, para ser identificada com a rejeição social. Propõe-se então uma pedagogia centrada nas diferenças individuais. Esse movimento é conhecido como Escola Nova, um dos seus pioneiros Ferrière. Suas idéias se basearam em concepções biológicas. Entretanto Dewey (citado por Gadotti, 2001) foi o primeiro a formular o novo ideal pedagógico, afirmando que o ensino deveria dar-se pela ação e não pela instrução. 9 Nesta perspectiva, não existiria um fim a ser atingido, uma vez que a educação se confundiria com o próprio processo de viver. O importante era aumentar o rendimento da criança segundo seus próprios interesses vitais. Só o aluno podia ser o autor de sua experiência. Tal discurso é recorrente na plataforma da Multieducação, base do núcleo curricular básico (NCB), obrigatório nas escolas públicas do Município do Rio de Janeiro desde de 1996. Nele encontramos a seguinte afirmação: Sendo a escola um espaço eminentemente social, é de sua responsabilidade que o aluno aprenda a aprender, para encontrar o que precisa saber, analisar e compreender informações para interagir com o meio social, trabalhar em equipe, desenvolvendo valores de autonomia, respeito e solidariedade. ‘Enfim, dando ao aprendizado um sentido de vida e não de preparação para a vida. (Prefeitura da cidade do Rio - 2000, p. 07). Cabe destacar que embora a Escola Nova apareça como uma reação a Escola Tradicional, ela não questionava a estrutura social. As diferenças sociais se justificavam como sendo naturais, provenientes das diferenças individuais. Nesse contexto a escola é considerada um lugar neutro, desvinculada das transformações políticas-sociais. Podemos dizer que Paulo Freire foi um dos primeiros brasileiros a denunciar que “Educar não significa ser omisso, neutro diante da sociedade atual. Deixar a criança à educação espontânea é também deixá-la ao autoritarismo de uma sociedade nada espontânea”. Enfatiza que o papel do educador é intervir, mostrar um caminho, e não se omitir. Em 1975, na parte final de seu pronunciamento no Simpósio Internacional para a Alfabetização, no Irã, Paulo Freire diz que: “os defensores da neutralidade da alfabetização não mentem quando dizem que a clarificação da realidade simultânea com a alfabetização é um ato político. Falseiam, porém, quando negam o mesmo caráter político a ocultação que fazem da realidade”. (citado em Gadotti, 2001, p.255). O traço mais original deste século, na educação, é o deslocamento da formação puramente individual do homem para o social, o político. A educação deste fim de século, no Brasil e nas Américas, tornou-se predominantemente social. Não podemos negar que nos dois últimos séculos, ocorreram várias conquistas, principalmente nas ciências da educação e nas metodologias de ensino. Entretanto, segundo nosso ponto de vista, trata-se de transformações que não discutem a estrutura social, que conserva uma desigualdade social. Mantendo-se numa postura “ingênua”, baseada não só, na crença da neutralidade positivista como também, na crença de que a educação por si só, promoverá uma sociedade mais justa para todos. Podemos comprovar tal atitude na propaganda do governo usada ainda hoje em rede nacional de televisão. Dentre essas propagandas, podemos destacar, dentro outras de igual conteúdo, uma em que aparece uma dona de casa, narrando o quanto foi difícil terminar seus estudos. Relata que em diversas ocasiões, teve que levar seus filhos pequenos para sala de aula, mas que com apoio dos colegas e professores conseguiu atingir seu objetivo: terminar seus estudos. No final dessa narrativa, ouve-se uma voz possante repetindo o slogan: “telecurso segundo grau, dando oportunidades iguais, a quem a vida deu caminhos diferentes”. Nessa propaganda, passa-se a idéia de que basta a obtenção de um certificado, para se estabelecer a equidade social. Ignora-se as condições de ensino e qualidade do mesmo. Até agora fizemos uma pequena viagem no tempo, mostrando as variações de perspectiva de cada momento histórico em relação a educação, porém pouco, falamos sobre qual seria a função da escola no contexto social. Consideramos que, se não ponderarmos sobre a verdadeira função da escola, não podemos refletir sobre a nossa própria função nesse sistema. Resolvemos então, descrevê-la do ponto de vista de alguns pensadores ilustres de nosso tempo. Adiantamos que muitos pensadores foram omitidos, menos pela sua 10 relevância e mais pela extensão do tema, que nos afastaria em demasiado da meta do nosso trabalho, que é discutir a possibilidade de, através da elaboração dirigida, desenvolver o pensamento formal. Ressaltamos, porém, como já foi dito, ser incompleta uma discussão sobre a aprendizagem se se omite a questão do ensino. Para Saviani (2000a) o movimento da educação pode ser dividido em dois grandes grupos, no primeiro haveria as “teorias ingênuas”, que entendem ser a educação um instrumento de equalização social, denominadas pelo autor de Escolas não-críticas e no segundo, as teorias que entendem a educação como instrumento de discriminação social, consideradas pelo autor, como sendo teorias crítico- reprodutivistas. As primeiras tendem a compreender as dificuldades de aprendizagem como sendo um problema pedagógico, já as teorias crítico-reprodutivas procuram justificá-la a partir da estrutura social, portanto diferente das primeiras posições que se prendem ao imediato, ao que é percebido. As teorias criticas- reprodutivas perdem aquela ingenuidade, não alimentando a crença de as coisas são tal como elas parecem ser e tentam desvendar, por detrás das aparências, determinados elementos estruturais e, a partir dos quais, se pode compreender o funcionamento da educação e portanto, os problemas da aprendizagem. (SAVIANI, 1991) Cada grupo tem uma determinada maneira de entender a função da educação e sua relação com a sociedade. Nas Teorias não-críticas, “A sociedade é concebida como essencialmente harmônica, que busca integração de seus membros. A marginalidade é uma contingência, que pode e deve ser evitada, porém sem alterar a estrutura social”. (SAVIANI, 2002, p.4) No conjunto destas teorias o autor destaca: a) Pedagogia Tradicional – Na qual a marginalidade é vista como sinônimo de ignorância. A função da escola é difundir a instrução, transmitir o conhecimento acumulado pela humanidade. A escola se organiza como agência centrada no professor, o qual detém e transmite o conhecimento, segundo uma gradação lógica. Aos alunos caberia aprender e assimilar passivamente as informações dadas pelo professor. Trata-se de um enfoque conservador e adaptativo da criança à escola. b) Pedagogia Nova – A marginalidade é vista como sinônimo de desajuste. Se o aluno fracassa é porque não se adaptou devido a diferenças individuais. Nesse momento se fortalece o movimento de investigação e diagnóstico de problemas apresentados pelas crianças no processo de inserção escolar marcado pelo "modelo médico”, fato que justifica o uso abusivo da psicometria. A função da escola é a equalização social, centralizada no aluno, nesse caso o importante não é aprender e sim o ato aprender a aprender. Nesse caso, o eixo central passa a ser o aluno. Cabe ressaltar que tais conseqüências foram mais destrutivas do que construtivas,visto que houve um afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão do conhecimento, o que acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares as quais, muitas vezes, tem na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. c) Pedagogia tecnicista – A marginalidade é vista como sinônimo de incompetência, isto é, ineficiência e improdutividade. A função da escola é formar sujeitos eficientes, isto é, aptos a dar sua parcela de contribuição para o aumento da produtividade social. Nesse caso a ênfase não é dada à figura do professor e nem ao aluno e sim à Técnica. O importante é aprender a fazer. O segundo grupo proposto por Saviani, teorias crítica-reprodutivistas, surge a partir da segunda metade do século XX. O otimismo em relação a Educação como instrumento de justiça social, foi substituído por uma crítica radical. Entre os maiores críticos da Educação, Saviani destacou Althusser, Bourdieu e Passeron. Saviani define tais teorias como sendo aquelas que: 11 Concebem a sociedade como sendo essencialmente marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicas que se relacionam à base da força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material [...] Nesse contexto, a educação é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de marginalidade, cumprindo aí a função de reforçar a dominação e legitimar a marginalidade. (p.5) Fazem parte desse grupo: a) Teoria do Sistema de Ensino como Violência Simbólica – Pierre Bourdieu O conceito de capital cultural é a espinha dorsal da teoria de Bourdieu. Ele faz uma analogia entre a economia e a cultura, afirmando que ambas possuem a mesma estrutura e organização. O capital cultural, da mesma forma que o capital econômico, é produzido, distribuído e consumido pelos indivíduos e grupos. Sobre esse aspecto, ele analisa a cultura, levando em consideração não só os seus aspectos materiais, manifestados na aquisição de bens culturais, obras de arte, livros, dicionários, instrumentos, computadores, como também, os seus aspectos pragmáticos: visitas aos museus, teatros, possibilidade de viagens, e ainda, o acesso a instituições credenciadas de ensino. Em todos esses casos, percebe-se a distribuição desigual do capital cultural. Os membros da elite, ao herdarem as formas de atividade cultural mais valorizadas, de modo direto ou indireto de seus pais, estariam automaticamente revertendo o capital cultural em melhor desempenho acadêmico. É muito interessante como Bourdieu, em seus primeiros escritos, demonstra a maneira pela qual os antecedentes culturais dos pais afetam o desempenho acadêmico dos filhos. Para isso ele utiliza dois conceitos: O primeiro é o que chama de “ethos de classe” que se refere a “um sistema de valores implícitos e profundamente internalizados que, entre outras coisas, participa na definição das atitudes em relação ao capital cultural”. (citado por Patto, 1997) Segundo Bourdieu, a probabilidade do jovem permanecer, ou não, na escola, está diretamente relacionada com a perspectiva das pessoas da sua classe social têm de ser academicamente bem sucedidas. O autor afirma que: “existe uma correlação estreita entre esperança subjetiva e oportunidades objetivas; estas últimas modificam efetivamente as atitudes e o comportamento agindo através das primeiras” (The school as a conservative force, p.44, citado em Patto, 1997). No Brasil, essa perspectiva em relação ao sucesso acadêmico está diretamente relacionada com o posterior sucesso econômico. Entretanto, como essa relação está cada vez mais distante das classes menos favorecidas, com muita freqüência escutamos os jovens afirmarem de que não vale a pena estudar, visto que conhecem muitas pessoas que, apesar de terem concluído o curso universitário, continuam exercendo atividade no campo de trabalho informal- taxistas, ambulantes, dentre outras. Ou em atividades não ligadas a sua especialidade – recepcionistas, vendedores, entre outras. Essa atitude desencadearia uma rede circular de auto-seleção. Para Bourdieu, as democracias ocidentais contemporâneas convivem num paradoxo: por um lado têm que levar o grupo dominado a crer que “todos são iguais” e ao mesmo tempo, têm que se manter no lugar de grupo dominante. Como resolver esse impasse? A violência física levaria à revolta, recorre-se então a formas mais sutis de coerção e herança social, ou seja, através da violência simbólica, cujo papel é reforçar, por dissimulação, as relações de força material. Pela reprodução cultural, ela contribui especificamente para a reprodução social, visto que os grupos dominados são marginalizados socialmente porque não possuem força material - capital econômico- e também marginalizados culturalmente porque não possuem força simbólica - capital cultural. A função da educação é a de reprodução das desigualdades sociais. 12 A violência simbólica se manifesta de múltiplas maneiras: televisão, jornais, cinemas, pregação religiosa, moda, etc. Todos esses veículos são fontes formadoras de opiniões e valores, entretanto, iremos nos ater nas questões educacionais. O objetivo de Bourdieu e Passeron é a ação pedagógica institucionalizada, isto é, o sistema escolar. Entendem a ação pedagógica (AP) como imposição arbitrária da cultura dos grupos dominantes aos grupos dominados. Para que essa ação seja eficiente, faz-se necessário a autoridade pedagógica (AuP) que permite a coerção. Essa imposição por não ser explicita, é facilmente reconhecida como autoridade legitima. A ação pedagógica (AP) que se concretiza através da autoridade pedagógica (AuP) realiza-se através do trabalho pedagógico (TbP). Na teoria da violência simbólica, a classe dominante, por dissimulação, manipulação e sedução, exerce um poder de tal modo absoluto que se torna impossível qualquer reação por parte da classe dominada. b) Teoria da escola enquanto aparelho ideológico do Estado (AIE) e Aparelho repressor do Estado (ARE) Althusser (s/d), diferente de Bourdieu e Passeron, não nega a luta de classe. Ele afirma que a função da escola capitalista consiste na reprodução da sociedade e que toda ação pedagógica seria uma imposição arbitrária da cultura das escolas dominantes. Althusser considerava que a “ideologia tinha uma existência material” ou seja, a ideologia existe sempre radicada em práticas materiais reguladas por rituais materiais definidos por instituições materiais (s/d, pp. 88-89). Assim sendo, a ideologia se materializa em aparelhos, daí o nome aparelhos ideológicos do Estado. Ao analisar a constituição da sociedade e sua manutenção distinguiu dois “aparelhos” ideológicos utilizados pelo Estado, os quais denominou de: “Aparelho Ideológico do Estado” (AIE) e Aparelho Repressor do Estado (ARE) “A distinção entre ambos, se assenta no fato de que o Aparelho Repressivo do Estado funciona massivamente pela violência e secundariamente pela ideologia, enquanto, inversamente, os Aparelhos Ideológicos do Estado, funcionam massivamente pela ideologia e, secundariamente pela repressão (Althusser, s/d. pp. 46-47)”. Os aparelhos repressores do estado são representados pelo governo, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc. Porém, em diversos momento a história já mostrou, que o Estado não pode se manter no poder, lançando mão apenas da repressão, então faz uso de um modo mais sutil de persuasão, ou seja, faz uso do aparelho ideológico do estado, que se manifesta através da religião, do sistema escolar (público e privado), familiar, jurídico, político, e cultural em geral Cabe ressaltar que o AIE familiar dependerá da adesão da famíliaao sistema dominante, tanto num país progressista como num país conservador. Há famílias que realmente funcionam como AIE, inculcando nas cabeças das crianças os valores do Estado, entretanto há outras, que fazem o contrário, nesse caso a influência da família estará a “serviço” ou não, do Estado, dependendo de sua própria ideologia. Em relação ao AIE escolar, apesar de sua força, temos a impressão de que esse instrumento, pouco possa auxiliar no processo de mudança da sociedade, pois segundo esse autor, a maioria dos professores não percebe o que está fazendo e pior, crêem que está contribuindo para formar uma sociedade mais justa e melhor. Para fundamentar essa nossa conclusão, farei uso das próprias palavras do autor, que sintetiza muito bem essa idéia, da qual compartilhamos: 13 Peço desculpas aos professores que, em condições terríveis, tentam voltar contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas que este os encerra, as armas que podem encontrar na história e no saber que “ensinam”. Em medida são heróis. Mas não raros, e quantos (a maioria) não tem sequer um vislumbre de dúvida quanto ao “trabalho” que o sistema (que os ultrapassa e esmaga) os obriga a fazer, pior, dedicam-se inteiramente e em toda a consciência à realização desse trabalho (os famosos métodos novos!). Tem tão poucas dúvidas, que contribuem até pelo seu devotamento a manter e a alimentar a representação ideológica da Escola que a torna tão ”natural”, indispensável-últil e até benfazeja aos contemporâneos, quanto a Igreja era “natural”, indispensável e generosa para os nossos antepassados de há séculos. (Althusser, s/d. pp. 67-68) c) Teoria da escola dualista. Para Baudelot e Establet, não pode haver uma escola unitária numa sociedade dividida em classes. Propunham uma compreensão da escola a partir dos vínculos entre sua produção de trabalhadores e de dirigentes, e a produção econômico-social. Só se pode entender o que acontece dentro da escola através do que ocorre fora dela, ou seja, pela divisão capitalista do trabalho. A função da escola seria, segundo esses autores, impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária. Tal dualidade da escola se faz perceber mais facilmente no ensino secundário/superior, entretanto a raiz dessa divisão se faz desde o ensino primário. De acordo com esses autores é “a escola primária que assegura, sob o manto da democracia, o essencial da polarização social de uma geração escolar.” (citado em. Gadotti, 2001). Do mesmo modo que Althusser, tais autores não acreditam na educação como instrumento de mudança social. Baudelot e Establet (citado em Gadotti, p.198) consideram que: [...] os educadores estão em uma posição particularmente ruim, para perceber esse processo em seu conjunto, bem como suas conseqüências. Afastados e protegidos das condições da produção capitalista, eles têm dificuldades em perceber, e mais ainda em admitir, que o trabalho exigido dos educadores dentro da escola é, de fato, regido pelo que ocorre fora da escola.[...] Partindo do princípio da impossibilidade da unidade da escola, formulam seis proposições fundamentais, que se tornaram a base de toda as suas obras. Na primeira proposição afirmam haver uma rede de escolarização, a qual chamou de rede S-S (rede secundária-superior,) Na segunda proposição afirmam que haveria também uma rede P-P (rede primário-profissional). Na terceira proposição concluem que não existe outro tipo de rede. São essa as três proposições básicas, as demais são derivadas das primeiras. A quarta proposição, por exemplo, define que esses dois tipos de rede: secundária-superior e primário-profissional, constituem, pela própria relação que as define, o aparelho escolar capitalista, assim sendo são aparelhos ideológicos do estado capitalista. Como aparelhos ideológicos, cumpre duas funções básicas: 1) contribuir para a formação de força de trabalho e 2) efetuar a inculcação da ideologia burguesa. Cabe assinalar, que não se trata de duas situações que ocorrem em separado. 14 Na quinta proposição estabelece-se que enquanto aparelho ideológico do estado capitalista, este contribui em definitivo para a divisão da sociedade em classes em proveito da classe dominante. Finalmente na sexta proposição conclui que “é a divisão da sociedade em classes antagonistas que explica em última instância, não somente a existência das duas redes, mas ainda (o que as define como tais) os mecanismos de seu funcionamento, suas causas e seus defeitos” (BAUDELOT & ESTABLET, 1971, citado em Gadotti, 2001). Podemos concluir que para Baudelot e Establet, há uma de luta de classes, porém esta se dará fora dos limites da escola. Caberia a escola enfraquecer a ideologia do proletariado reforçando, através da inculcação, a ideologia burguesa. Nesses dois grupos sistematizados por Saviani, podemos perceber que num primeiro momento (Tradicional, Escola Nova e Tecnicista), predomina uma euforia, um otimismo frente a educação e as relações sociais. Negam, portanto, serem qualquer tipo de conflito social. Num segundo momento, nas chamadas escolas críticas-reprodutivas, percebemos um mal estar generalizado, tendo a escola um papel mantenedor das diferenças sociais, um determinismo fatalista proveniente da própria estrutura social. Se por um lado, há uma ingenuidade generalizada, por outro há um determinismo unilateral, então qual a solução? Saviani propõe uma saída e desenvolve a teoria denominada pedagogia histórico-crítico da qual faremos uma sucinta apresentação. Saviani (2002) rompe com essas duas perspectivas apresentadas – não-crítica e crítica-reprodutiva – por considerar que as primeiras são ingênuas, ao negar haver um conflito de interesses entre as classes sociais. Cada um desses modelos: Tradicional, Escola Nova e Tecnicista, acreditavam ser o modelo capaz de resolver todos os problemas escolares da população, da humanidade, para todo o sempre e portanto, a- histórico. Em relação ao segundo grupo, este não chega a se configurar como modelo pedagógico, trata-se de uma reflexão crítica, descritiva, porém que não propõem nenhum tipo de intervenção. Empenham-se tão somente em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como está constituída (SAVIANI, 2002), chegando mesmo a ser fatalista, pois consideram que a escola não poderia ser diferente do que é. Por isso ele as denominas crítica-reprodutiva. Saviani, entretanto, absorve da concepção crítica-reprodutiva a idéia de que a escola é determinada socialmente e sendo a sociedade dividida em classes com interesses opostos, tal fato refletirá na própria estrutura da escola e portanto a escola sofre determinação do conflito de interesses que caracteriza a sociedade. Saviani, se questiona se é possível articular a escola com os interesses dos dominados, ou seja, se é possível haver uma teoria que capte criticamente a escola como instrumento capaz de contribuir para a superação do problema da marginalidade. Desenvolve então, uma teoria que propõe “a tarefa de superar tanto o poder ilusório (que caracteriza as teorias não críticas) como a impotência (decorrente das teorias crítica-reprodutiva), colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda que limitado” (SAVIANI, 2000, p. 31). Ao desenvolver sua teoria, Saviani se coloca explicitamente e radicalmente contra o sistema educacional, implementado pelas Leis de diretrizes e bases (LDB), enfatizando a problemática do ensino que se desenvolve no interior da escola, em particular no ensino fundamental (antigo 1 0 grau). Dá ênfase às questões políticas, formulandotrês teses. A primeira por ser mais geral, denomina como sendo filosófico-histórico, a segunda como sendo pedagógica-metodológico e finalmente a terceira como sendo uma derivada das outras duas. A primeira enuncia da seguinte maneira: do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência. Num sentido amplo, considera a pedagogia nova equivalente a pedagogia da existência, visto que ambas apresentam características da “concepção humanista moderna de filosofia da Educação” 15 (SAVIANI, 2002). Tal concepção humanista centra-se na vida, na existência, na atividade, por oposição a escola tradicional que se centralizava no intelecto, na essência, no conhecimento. Ressalva que nesta concepção, há um amplo movimento filosófico que abarca correntes tais como: pragmatismo, vitalismo, historicismo, o existencialismo e a fenomenologia com relevante repercussões no campo educacional e do mesmo modo que há um diversidade de correntes filosóficas, há também diferentes ações pedagógicas no bojo da “concepção humanista moderna de filosofia da Educação”. Nesse sentido, ao dizer que a pedagogia nova e pedagogia da existência são equivalentes, não podemos reduzir a primeira à pedagogia da existência e nem vice versa. Historicamente, podemos observar a passagem da concepção pedagógica da essência (escola tradicional) que parte da concepção igualitária à concepção pedagógica existencial (escola nova) que considera as diferenças individuais. Ambas são reacionárias por justificarem os privilégios de alguns. Podemos dizer que o caráter revolucionário da escola tradicional se constitui na defesa incondicional da igualdade da essência dos homens. Saviani acrescenta que: O seu conteúdo revolucionário é histórico, isto é modifica-se historicamente. Assim, o acesso das camadas trabalhadoras à escola implica a pressão no sentido de que a igualdade formal (todos são iguais perante a lei) própria da sociedade contratual instaurada com a revolução burguesa se transforma em igualdade real. Nesse sentido a importância da transmissão do conhecimento, de conteúdos culturais, marca distintiva da pedagogia da essência, não perde seu caráter revolucionário. ( SAVIANI, 2001, p.64) Porém, se por um lado havia uma igualdade factual, por outro lado, havia também uma desigualdade real. De onde decorre que, sendo a história um processo dinâmico, mudam-se também os interesses. Nesse caso, já não interessava mais à burguesia promover uma igualdade real da classe trabalhadora que freqüentava a escola. É nesse contexto que surge o movimento da escola nova, denunciando o caráter mecânico artificial, desatualizado dos conteúdos da escola tradicional. Este talvez tenha sido o grande mérito desse movimento, porém, segundo Saviani (2000), a Escola Nova ao reconhecer e absorver as pressões contra o caráter formista e estático, transmitidos pela escola, funcionou como mecanismo da hegemonia burguesa. Essa crítica à escola tradicional levou, conseqüentemente, ao esvaziamento da transmissão do conhecimento. A escola passou a ser subordinada a uma pedagogia das diferenças individuais, centrada nos métodos e processos ou seja a pedagogia da essência é substituída pela pedagogia da existência. É importante marcar que, nesse momento, o papel da psicologia foi de vital importância para ratificar “científicamente” a questão das diferenças individuais e implementar a inserção da psicologia no campo educacional, e podemos citar Galton, na Grã-Bretanha, pela criação de instrumentos de medida de inteligência, que seriam usados pelos psicólogos nas escolas; e , na França, pela criação, juntamente com seu colaborador Simon, da primeira escala métrica da inteligência infantil, dando origem à Psicometria. Num primeiro momento a atuação do psicólogo carrega um enfoque conservador e adaptativo da criança à escola, onde os problemas centram-se na figura do aluno. A atuação do psicólogo refere-se a investigação e diagnóstico de problemas apresentados pelas crianças no processo de inserção escolar. Esse momento foi marcado pelo "modelo médico" e pelos modelos das "ciências naturais". Partindo do pressupondo de "neutralidade" dos sujeitos e não envolvimento do experimentador, se justifica então, o uso abusivo da psicometria. O segundo momento é marcado pela idéia de "homem certo no lugar certo". Tem como questão central o problema da orientação educacional. 16 Esses momentos históricos vão consolidar o "ideário do fracasso escolar". Surgem vários mitos para explicá-lo: "mito da carência ou privação cultural, da desnutrição, do QI, das diferenças lingüísticas” (PATTO, 1997). A pedagogia histórico-crítico resgata a igualdade essencial entre os homens. Entende porém, a igualdade em termos reais e não apenas formais. A fim de torna-se um instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária, condena a secundarização do conhecimento e considera a difusão dos conteúdos, vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais do processo educativo em geral e da escola em particular. Saviani (2002) reconhece que sua teoria não poderia deixar de estar também condicionada pela estrutura social, mas se diferencia das teorias críticas reprodutivas por levar em consideração o aspecto dialético desse condicionamento. Nesse sentido, “ainda que elemento condicionado, não deixa de influenciar o elemento determinante” (p. 66). Supera assim as pedagogias da essência e da existência, incorporando-as. O cerne de sua teoria consiste na superação da crença na autonomia ou dependência absolutas da educação em face das condições sociais. A pedagogia histórico-critico é bastante complexa, e ninguém melhor do que o próprio autor para sintetizar essa idéia, diz ele: Assim, se fosse possível traduzir os métodos de ensino que estou propondo na forma de passos à semelhança de Herbart e Dewy, eu diria que o ponto de partida não é a preparação dos alunos, cuja iniciativa é do professor (pedagogia tradicional), nem a atividade que é de iniciativa do aluno (escola nova). O ponte do partida seria a prática social (primeiro passo), que é comum a professor e aluno... entretanto do ponto de vista pedagógico há uma diferença essencial que não pode ser perdida de vista: o professor de um lado e o aluno do outro, encontram-se em níveis diferentes de compreensão (conhecimento e experiência) da prática social. Enquanto o professor tem uma compreensão que poderíamos chamar de precária, a compreensão dos alunos é sincrética. por mais conhecimento e experiência, sua própria condição de aluno implica uma impossibilidade, no ponto de partida, de articulação da experiência pedagógica na prática social em que participam. O segundo passo, não seria a apresentação de novos conhecimentos por parte do professor (pedagogia tradicional) nem o problema como obstáculo que interrompe a atividade dos alunos (pedagogia nova). Caberia nesse momento, a identificação dos principais problemas postos pela prática social. Chamemos a este segundo passo de problematização.Trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em conseqüência, que conhecimento é necessário dominar. Segue-se o terceiro passo que não coincide com assimilação de conteúdos transmitidos pelo professor (pedagogia tradicional) nem com a coleta de dados (pedagogia nova), ainda que por certo envolva transmissão e assimilação de conhecimento podendo eventualmente, envolver levantamento de dados. Trata-se de se apropriar dos instrumentos teóricos e práticos necessário ao equacionamento dos problemas detectadosna prática social...Chamemos esse terceiro passo de instrumentalização. O quarto passo não será a generalização (pedagogia tradicional) e nem a hipótese (pedagogia nova). Adquiridos os instrumentos básicos, ainda que parcialmente, é chegado o momento da expressão elaborada da forma de entendimento da prática 17 social que se ascendeu. Chamenos a este quarto passo de catarse, entendida na concepção gramsciana de “elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens”. O quinto passo, finalmente também não será a aplicação (pedagogia tradicional) nem a experimentação (pedagogia nova), o ponto de chegada é a própria prática social, compreendida agora não mais em termos sincréticos pelos alunos...” (s/d grifo do autor) Nessa perspectiva a educação é uma atividade que supõe uma heterogeneidade real e uma homogeneidade possível, uma desigualdade no ponto de partida e uma homogeneidade no ponto de chegada. (SAVIANI, 2000a). Num artigo ainda no prelo intitulado “A materialidade da ação pedagógica e os desafios da pedagogia histórico-crítica”, Saviani chama a atenção para o fato que são muitos os obstáculos que impedem a implementação de sua teoria, um deles seria a falta de um sistema de educação no Brasil. Explica que a prática é o critério de verdade da teoria, em nome dessa teoria são formulados determinados conceitos e determinadas hipóteses que precisam ser testadas para serem validadas e ao mesmo tempo verificar em que grau ela de fato atende às necessidades pelas quais ela fora elaborada. Conclui que: “À medida, porém, que a prática tem tal grau de precariedade o que torna inviável a possibilidade de se testar essas hipóteses, de verificar no âmbito da ação as proposições que a teoria formula, essa formulação fica represada e, portanto, isto dificulta o seu avanço” (SAVIANI, prelo). Um outro problema seria a organização escolar acoplada à teoria. Ele chama a atenção para o fato de que muitas vezes ao se propor a transformação da prática, esta é acompanhada por uma nova teoria, e nem sempre atentamos para o fato de que é necessário também mudar a organização objetiva da escola ou seja, a organização acompanha o modelo teórico, como por exemplo o modelo tradicional que exigia um ambiente tranqüilo, silencioso, sem muito estímulos visuais, a fim de não tirar a atenção dos alunos dos estudos, já no modelo da escola nova, o ambiente tem que ser arejado, com bastante estímulos visuais, objetivando motivar o aluno e promover novos interesses. Seria, portanto inviabilizado qualquer projeto que não levasse em consideração também a mudança organizacional. Assim sendo, não basta formular uma nova teoria e propor uma nova prática, se mantivermos uma estrutura organizacional da educação que está montada segundo uma perspectiva teórica diversa, ou até mesmo, oposta à perspectiva proposta. Esse panorama geral sobre a educação não encerra a discussão e nem abarca todos os pontos polêmicos desse tema, que merecem ser aprofundados, entretanto aponta algumas questões relevantes para nossa reflexão. Cabe agora situar a questão do ensino dentro do panorama nacional. 18 Texto II (a)-ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR E EDUCACIONAL Basicamente o Psicólogo Escolar age como um facilitador do processo ensino-aprendizagem, atuando junto a direção e coordenação da escola, professores, funcionários, estudantes e pais. Apesar de muitos ainda confundirem, a Psicologia Escolar não é Psicologia Clínica ou Psicopedagogia dentro da Escola. A atuação do Psicólogo escolar é mais macro, e visa trabalhar a instituição como um todo, sempre dentro de uma perspectiva crítica. Texto II (b) - PSICÓLOGO ESCOLAR – ESSE DESCONHECIDO Patrícia Pereira Teixeira Psicóloga Escolar A Psicologia Escolar é uma área da Psicologia que tem suscitado inúmeras reflexões acerca da identidade dos profissionais que nela atuam sobretudo a necessidade de uma redefinição do papel do psicólogo na escola e de reestruturação da formação acadêmica (Almeida,1999; Jobim e Souza,1996). O surgimento da área esteve ligado à psicometria e à aplicação de testes, com o predomínio de um modelo clínico de atuação do psicólogo escolar. Nesse modelo, a causa do problema estava centrada no aluno, enquanto que fatores externos: sociais, institucionais e pedagógicos eram ignorados. De acordo com Jobim e Souza (1996), há a necessidade de se refletir sobre a especificidade desse profissional devido ao fato de existir uma superposição de papéis e funções dentro da escola, em que vários profissionais reivindicam o mesmo espaço. Segundo a autora, há uma miscigenação de papéis entre o psicólogo, o pedagogo e o psicólogo escolar (poderíamos incluir ainda o psicopedagogo), e a atuação do psicólogo deve ser realizada de maneira crítica e contextualizada. As escolas ainda demandam um trabalho clínico, terapêutico, individualizado, e os psicólogos sem consciência do seu papel enquanto profissionais ligados à educação, respondem a essa demanda clínica. Esta reflexão é resultado do trabalho desenvolvido em uma instituição de Educação Infantil de Curitiba, de pequeno porte e que atende a crianças de classe média alta. Busca-se discutir uma proposta de intervenção baseada em uma visão preventiva, contemplando o atendimento aos alunos, pais e professores. Fundamentado basicamente em uma visão vygotskiana em relação ao ensino e a aprendizagem, pretende-se reafirmar o papel do psicólogo escolar e suas contribuições como profissional da educação. A atuação como psicóloga escolar abrange as seguintes atividades: observações dos alunos em diferentes momentos a fim de obter dados sobre o desenvolvimento de cada criança durante o bimestre; supervisões quinzenais com professores para discutir aspectos específicos de determinados alunos (comportamento e falta de limites, sobretudo); reuniões com pais (anamnese de alunos novos, reuniões convocadas pela escola ou pelos próprios pais). Tratando-se de um enfoque preventivo, os pais são chamados, com freqüência, para um retorno sobre o desenvolvimento do filho ou sempre que se notam alterações de conduta; reuniões bimestrais e reuniões com equipe (com realização de dinâmicas de grupo, trabalho com textos e explanações com caráter informativo e formativo). Entre as dificuldades encontradas para a inserção da psicologia escolar, ressalta-se o desconhecimento por parte dos pais e da instituição quanto ao papel efetivo deste profissional. Sabem que o papel não é clínico, mas ao mesmo tempo não vêem o psicólogo como um facilitador das relações de ensino-aprendizagem. A direção da instituição não vê o papel do psicólogo escolar na sua totalidade, o que restringe a atuação ao acompanhamento dos alunos (através de observações sistemáticas registradas em fichas individuais) e orientações a pais e professores sobre questões emocionais e de relacionamento. 19 Não se realiza o atendimento clínico na escola, no entanto a visão ainda é de um clínico trabalhando dentro de uma escola. A diferença está na ausência de um enfoque curativo individualizado, mas sim preventivo. Um fator fundamental para a atuação institucional é o trabalho em equipe multidisciplinar, especialmente com a equipe pedagógica e direção. Sem a troca constante de idéias, saberes e informações sobre os diferentes sub-sistemas, o trabalho tende a ser menos efetivo. Alguns pontos podem ser considerados um avanço na conquista ou re-conquista do contexto escolar: Contrato para período integral (poucas escolas mantêm um psicólogo escolar no quadro de funcionários); Foco de atuação não é o aluno com dificuldade (enfoque preventivo). Conquistar um lugar e transformar as expectativasé um trabalho diário que envolve: a diferenciação constante dos papéis; a construção de uma parceria efetiva com direção e coordenação; demonstração de conhecimento sobre a realidade escolar; embasamento teórico. E, sobretudo, consistência na fala e nas ações e a realização de intervenções pertinentes. O psicólogo escolar deve articular teoria e prática; diagnosticar o contexto escolar e propor a execução de um plano de ação; encarar a prática como pesquisa e produção de conhecimento; buscar aprimoramento constante; saber trabalhar em equipe multidisciplinar; desenvolver atividades de transformação social; propiciar saúde mental. É necessário resgatar o papel social do psicólogo escolar, mas para isso deve-se mostrar o que é possível fazer. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, S. F. C. (1999). O psicólogo no cotidiano da escola: resignificando a atuação profissional. In: GUZZO, R.S. (org.) Psicologia Escolar: LDB e educação hoje. Campinas:Editora Alínea. JOBIM E SOUZA, S. (1996). O psicólogo na educação: identidade e transformação. In: NOVAES, M. H. & BRITO, M. R. (orgs.) Psicologia na educação: articulação entre pesquisa, formação e prática. ANPEP: Teresópolis, V.1. PATTO, M.H.S. (1984).Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à Psicologia Escolar. São Paulo:T. A. Queiroz. Texto II (c) Lei nº 4298/2004 Data da Lei 24/03/2004 Texto da Lei [ Em Vigor ] O Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em conformidade com o que dispõe o § 5º combinado com o § 7º do artigo 115 da Constituição Estadual, promulga a Lei nº 4.298, de 24 de março de 2004, oriunda do Projeto de Lei nº 1.136, de 1999. LEI Nº 4.298 DE 24 DE MARÇO DE 2004. Dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação do programa de Atendimento psicopedagógico nas escolas que integram a rede pública de ensino de 1º e 2º graus do estado do Rio de Janeiro. A assembléia legislativa do estado do Rio de Janeiro D E C R E T A: Art. 1º - É obrigatória a implantação do Programa de Atendimento Psicopedagógico em todas as unidades escolares integrantes da Rede de Ensino Público de 1º e 2º graus do Estado do Rio de Janeiro. 20 Art. 2º - Cada Unidade de Ensino de 1º e 2º graus, que integra a Rede Pública Estadual deverá contar com equipe interprofissional habilitada a prestar atendimento psicopedagógico ao estudante matriculado. § 1º - A equipe interprofissional referida no “caput” deverá estar composta por, no mínimo, um(a) psicólogo(a), um(a) pedagogo e um(a) assistente social. § 2º - A equipe interprofissional prestará atendimento preventivo ou terapêutico ao estudante, conforme a situação ou caso detectado no dia-a-dia da Unidade de Ensino. § 3º - A equipe interprofissional dará suporte técnico à direção e aos professores da Unidade de Ensino Público de 1º e 2º graus do Estado do Rio de Janeiro. § 4º - A equipe interprofissional dará orientação aos pais, familiares ou responsáveis pelos estudantes, sempre que necessário ou sempre que solicitado a fazê-lo. Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor no ato de sua publicação, e a surtir efeitos práticos no ano letivo de 2004, revogadas as disposições em contrário. Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 24 de março de 2004. DEPUTADO JORGE PICCIANI Presidente Ficha Técnica Projeto de Lei nº 1136/1999 Mensagem nº Autoria PAULO MELO 21 Texto III- Tese “atuação do Psicólogo Escolar na Educação Superior Cynthia Bisinoto Evangelista de Oliveira ORIGEM E CONSOLIDAÇÃO DA PSICOLOGIA ESCOLAR O Advento da Psicologia Escolar no Mundo e no Brasil. Uma revisão ainda que breve sobre a história da Psicologia Escolar no mundo aponta para o reconhecimento, nos mais diferentes países, de várias iniciativas que contribuíram para o surgimento e consolidação da área. Em relato histórico voltado à compreensão da evolução mundial da Psicologia Escolar, Oakland e Stenberg (1993) apontam que nos 50 anos que seguiram ao nascimento da Psicologia científica – em 1879, na Alemanha, com Wundt e a criação do primeiro laboratório de Psicologia – houve um grande crescimento desta área de conhecimento e também da Psicologia Escolar, especialmente nos países da América do Norte e da Europa Ocidental. Segundo Correia e Campos (2004), os primeiros trabalhos nos quais se reconhece uma Psicologia preocupada com o processo educativo são os de Francis Galton, Alfred Binet e James Castell, na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, respectivamente. Em 1886, Galton criou em Londres o primeiro laboratório de psicometria, dedicado ao estudo das diferenças individuais entre alunos a partir da mensuração de suas capacidades mentais. Tendo transitado pela biologia, estatística, psicologia experimental e pelos testes psicológicos, o principal objetivo de Francis Galton era medir a capacidade intelectual das pessoas buscando comprovar sua determinação hereditária (Patto, 1999). Galton acreditava que as aptidões humanas eram herdadas, o que o levou a se preocupar com as diferenças individuais, assumidas por ele como sendo de origem biológica, e com a identificação dos mais e menos aptos em virtude de tais diferenças. Por sua tentativa de estimar o nível intelectual das pessoas, Galton pode ser considerado o precursor dos testes psicológicos, apesar de ter sido somente em 1905, na França, com Binet e Simon, que se deu a construção da primeira escala métrica de inteligência infantil, voltada à classificação das crianças de acordo com sua capacidade mental. O desenvolvimento dessa escala decorreu de preocupações com o diagnóstico e a educação de crianças que apresentavam dificuldades para aprender e se pautava na intenção de orientar programas especiais com objetivo de favorecer o crescimento e progresso dessas crianças. Em 1916, a escala Binet-Simon foi modificada nos Estados Unidos, o que favoreceu ainda mais a divulgação e aceitação do trabalho com testes psicológicos. Também neste país é que se atribuiu a James Castell, aluno de Galton, a criação do termo “testes mentais” para designar osinstrumentos de medida que possibilitam comparar as capacidades das pessoas em diferentes domínios (Correia & Campos, 2004). Na medida em que a psicometria ia ao encontro das necessidades de entender as diferenças existentes entre as pessoas e de explicar as dificuldades de algumas crianças para aprender, o uso de testes psicológicos se difundiu e ganhou reconhecimento. Os testes passaram a ser largamente utilizados nas escolas para seleção e classificação dos alunos, respaldando a separação entre os bons e maus alunos, os aptos e não aptos, os capazes e incapazes, os normais e anormais. Tanto é assim que Oakland e Stenberg (1993), em menção a dados de pesquisa sobre o trabalho da Psicologia no ano de 1948, dizem que “na maioria dos países, os psicólogos escolares eram responsáveis pelo diagnóstico de crianças excepcionais para identificar e tratar várias dificuldades educacionais” (p. 16). Diante do apresentado, constata-se que o surgimento da Psicologia Escolar, internacionalmente, esteve atrelado ao desenvolvimento e aplicação de testes psicológicos voltados à investigação das condições mentais ou intelectuais dos alunos como forma de identificar aqueles que apresentavam dificuldades específicas e, portanto, demandavam intervenções diferenciadas,adaptações. Conforme resumem Correia e Campos (2004), “o grande sucesso da psicometria indica a perspectiva assumida pela Psicologia Escolar, desde o seu nascimento, da identificação com um modelo de aplicabilidade técnica voltada para a classificação, seleção e adaptação dos indivíduos” (p. 140). Em sua articulação inicial com a Educação, a Psicologia, entre outras áreas do conhecimento, contribuiu para camuflar as desigualdades sociais, historicamente construídas, sob o argumento de desigualdades pessoais, biologicamente determinadas (Patto, 1999). A produção da Psicologia no mundo ocidental esteve influenciada pelo controle ideológico de uma classe dominante, tendo a Psicologia Escolar carregado esta influência ao longo de seu desenvolvimento. No contexto brasileiro, os rumos tomados pela Psicologia Escolar seguiram aqueles que a caracterizaram mundialmente, ou seja, marcado pela psicometria. A presença da Psicologia Escolar no Brasil pode ser identificada desde os tempos coloniais, época em que já haviam preocupações com fenômenos psicológicos que participam do processo educativo (Antunes, 2003, 2007, 2008; Correia & Campos, 2004; Cruces, 2003). Entretanto, neste período, só é possível fazer referência a ideias psicológicas, uma vez que ainda não eram desenvolvidas pesquisas e investigações que expressassem preocupação com a produção de conhecimento científico. Apesar da existência de tais ideias no período colonial, a aproximação inicial da Psicologia com a Educação, no Brasil, é associada à preocupação com o estudo de métodos de ensino e processos envolvidos na aprendizagem e no desenvolvimento, no contexto das faculdades de Medicina e de Direito que se estabelecerem no país após a transferência da corte portuguesa. Estas faculdades tinham a responsabilidade de formar os quadros administrativos do país e foram nelas que se reuniram os primeiros cientistas brasileiros, principalmente médicos, leitores da produção científica europeia. Neste período, a Medicina ocupou importante papel na sociedade brasileira, de forma que na segunda metade do século XIX “o campo educacional emerge como campo conformado pelo discurso médico, uma vez que os médicos passam a definir regras para a organização e funcionamento da educação escolar” (Zucoloto, 2007, p. 138). Sobre a influência da Medicina nas questões educacionais, Patto (1999) complementa dizendo que os primeiros especialistas a se ocuparem dos casos de dificuldade de aprendizagem escolar foram os médicos que transferiram dos hospitais para as escolas o conceito de anormalidade vinculado aos loucos. “As crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem escolar passaram a ser designadas como anormais escolares e as causas de seu fracasso são procuradas em alguma anormalidade orgânica” (Patto, 1999, p. 63). Um importante desdobramento da ação da Medicina sobre a Educação foi a geração do fenômeno descrito como medicalização da sociedade (Zucoloto, 2007), que se refere ao compromisso da Medicina e do Estado com a higienização das cidades e das populações em decorrência do reconhecimento de que a ordem e o progresso sociais dependiam da construção de conceitos, regras de higiene, normas de moral e prescrição de comportamentos aceitos socialmente. Em defesa da higiene mental escolar criaram-se redes de clínicas psicológicas e de orientação infantil focadas em corrigir os desajustamentos das crianças. Estas clínicas serviam às escolas por meio do diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem. Acerca da influência médica na compreensão dos fenômenos educativos, Collares e Moysés (1994) a descrevem muito apropriadamente indicando que a medicalização é uma tentativa de encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas de origem eminentemente social e política. Transformavam-se, assim, questões não-médicas em questões médicas; centrava- se o processo saúde-doença no indivíduo, privilegiando a abordagem biológica, o que, entre outros desdobramentos, fez com que o diagnóstico da não-aprendizagem fosse atribuído ao sujeito individual - o aluno -, ou no máximo à sua família. O que se denominou de modelo médico de atuação em Psicologia Escolar, corresponde, então, à prática psicológica pautada em concepções deterministas e reducionistas que camuflam problemas sociais, historicamente construídos, através da atribuição de causas individuais. Em vez de uma compreensão multideterminada sobre os fenômenos humanos e as dificuldades de aprendizagem, o modelo médico adotado pela Psicologia Escolar centrava-se em aspectos orgânicos individuais para explicar as diferenças entre as pessoas. Como bem lembra Patto (1999), “hoje sabemos que desse expressivo movimento das décadas de vinte e trinta restou a prática desubmeter a diagnósticos médico-psicológicos as crianças que não respondem às exigências das escolas” (p. 67). Dessa forma, as explicações para as causas das dificuldades de aprendizagem e para o rendimento desigual entre os alunos tiveram como contribuição principal os instrumentos de avaliação das aptidões. Muitos foram os profissionais da Psicologia que, a exemplo dos médicos, se empenharam em desenvolver e aplicar instrumentos de medidas com a intenção de verificar o quanto uma pessoa era mais apta do que outra. Desconsiderando as influências ambientais e relacionais que agem sobre o desenvolvimento humano, os testes psicológicos ingressaram nas escolas e passaram, desde então, a fazer parte de seu cotidiano. Conforme destacam Guzzo e Wechsler (1993), os serviços psicológicos brasileiros priorizavam a avaliação da prontidão escolar, a organização de classes especiais, o diagnóstico e encaminhamento para serviços especializados, contribuindo para que se constituísse “uma atuação marcadamente remediativa com nuances do modelo médico dentro da situação escolar” (p. 43). Diante do exposto, evidencia-se que a entrada da Psicologia na Educação se deu mediante a preocupação com os problemas apresentados por alunos que demonstravam dificuldades para aprender e não se adequavam às expectativas das escolas. Estas últimas, por sua vez, baseavam-se em um modelo ideal de aluno segundo o qual todas as crianças, submetidas a condições iguais de ensino, deveriam aprender da mesma forma e no mesmo ritmo. Com base nesse modelo, supunha-se que os alunos que tinham dificuldade para aprender não tinham as condições intelectuais necessárias para tal aprendizado, uma vez que foram submetidos a um ensino padrão, igualmente oferecido a todos. Estes alunos, portanto, apresentavam alguma deficiência que devia ser identificada e tratada. Abriram-se, assim, portas para a inserção da Psicologia nas escolas, a qual se vinculou a objetivos de corrigir e adaptar à escola o aluno portador de um problema de aprendizagem (Correia & Campos, 2004; Tanamachi, 2000). Para efetivar esta adaptação o psicólogo lançava mão, essencialmente, da avaliação psicológica por meio de recursos psicométricos, tida como função do psicólogo. A esse respeito Campos e Jucá (2003) afirmam que a adoção dos instrumentos psicológicos de classificação
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