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GIARDÍASE 1. Introdução e Importância A giardíase é uma protozoose intestinal causada pelo protozoário flagelado Giardia lamblia (também conhecido como Giardia duodenalis ou Giardia intestinalis). É uma das principais causas de diarreia de origem hídrica e está associada a surtos epidemiológicos e prejuízos ao desenvolvimento infantil. 2. Epidemiologia • Distribuição Geográfica: Cosmopolita (ubíqua). Ocorre em todo o mundo, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. • Transmissão: 1. Via Hídrica: Principal via. Ingestão de água contaminada com cistos (abastecimento público clorado inadequadamente, piscinas, lagos, rios). 2. Via Alimentar: Ingestão de alimentos crus ou mal lavados contaminados com cistos. 3. Via Fecal-Oral (Direta): Muito comum em creches, asilos e entre pessoas com hábitos de higiene precários. A transmissão ocorre através de mãos contaminadas com fezes. • Reservatório: Humanos são o principal reservatório. Animais (cães, gado, castores) podem hospedar genótipos zoonóticos. 3. Ciclo Biolológico O ciclo é direto (monoxênico), necessitando apenas de um hospedeiro. 1. Ingestão: O hospedeiro (humano) ingeste os cistos (forma infectante, resistente) através de água ou alimento contaminado. 2. Excisiação: No duodeno e jejuno (ambiente alcalino), o cisto sofre excisiação, liberando o trofozoíto (forma ativa, móvel). 3. Multiplicação e Colonização: Os trofozoítos se multiplicam por fissão binária e colonizão a mucosa do intestino delgado, fixando-se às vilosidades através de um disco adesivo. 4. Encistamento: Ao migrar para o cólon (ambiente mais ácido), o trofozoíto se transforma em cisto (forma de resistência). 5. Eliminação: Os cistos são eliminados em grande quantidade nas fezes (formadas ou semiformadas) do hospedeiro, contaminando o ambiente e perpetuando o ciclo. 4. Fatores de Risco • Crianças em creches e orfanatos. • Contato próximo com pessoa infectada (familiares, cuidadores). • Viagem para áreas endêmicas ("diarreia do viajante"). • Ingestão de água de rios, lagos ou piscinas não tratadas. • Imunossupressão (pacientes com AIDS, hipogamaglobulinemia). • Sexo oral-anal (prática sexual que facilita a transmissão fecal-oral). 5. Fisiopatologia A doença NÃO é causada por invasão tecidual. Os principais mecanismos são: 1. Aderência e Barreira Mecânica: A fixação maciça dos trofozoítos no epitélio intestinal causa achatamento das vilosidades (atrofia vilositária) e inflamação. 2. Má-Absorção: A atrofia vilositária reduz drasticamente a área de absorção de nutrientes, gorduras e vitaminas lipossolúveis. 3. Disfunção Enzimática: Danifica as bordas em escova das microvilosidades, reduzindo a atividade de dissacaridases (especialmente lactase). 4. Hipermotilidade Intestinal: A resposta inflamatória leva ao aumento da motilidade, causando diarreia. 6. Manifestações Clínicas O espectro varia desde portador assintomático (maioria) até doença sintomática. • Período de Incubação: 1 a 3 semanas. • Fase Aguda: o Diarreia aquosa, explosiva, fétida (odor de "ovo podre"), sem muco ou sangue. o Cólicas abdominais, distensão abdominal, flatulência excessiva. o Náuseas, anorexia, mal-estar. o Pode durar de alguns dias a 2-3 semanas. • Fase Crônica: o Esteatorreia (fezes claras, amolecidas, gordurosas e fétidas). o Síndrome de Má-Absorção: Perda de peso, desnutrição, déficit de crescimento em crianças. o Intolerância à lactose secundária (muito comum). o Fadiga e astenia. 7. Diagnóstico • Método Direto (Padrão-ouro): Pesquisa de Parasitos em Fezes (PPF). o Amostras Seriadas (3 amostras em dias alternados) são cruciais devido à eliminação intermitente de cistos. o As fezes devem ser examinadas preferencialmente frescas ou conservadas. o Técnicas de concentração (ex.: Faust) aumentam a sensibilidade para detectar cistos. o Coloração tricrômica ou permanente pode auxiliar. • Teste Imunológico: ELISA para detecção de antígenos de Giardia nas fezes. Método rápido, sensível e específico, não sujeito à variação intermitente da eliminação de cistos. • Teste Molecular (PCR): Alta sensibilidade, usado em surtos e para tipagem. • Aspirado/Biópsia Duodenal: Usado em casos de forte suspeita com exames de fezes negativos repetidamente. Pode visualizar trofozoítos. 8. Tratamento e Controle • Fármacos de Primeira Escolha: o Metronidazol o Tinidazol (dose única, melhor perfil de adesão). o Secnidazol • Fármacos Alternativos: o Nitazoxanida (boa opção para crianças). o Albendazol • Suporte: o Hidratação e reposição eletrolítica. o Dieta livre de lactose durante e após o tratamento. o Suplementação nutricional em casos crônicos. • Controle e Prevenção: o Saneamento: Tratamento de água e esgoto. o Higiiene Pessoal: Lavar as mãos com sabão após usar o banheiro e antes de manipular alimentos. o Educação: Orientar sobre a lavagem adequada de frutas e verduras e evitar ingestão de água de fonte duvidosa. o Fervura/Filtração da água em situações de risco. AMEBÍASE 1. Introdução e Importância A amebíase é uma protozoose intestinal e extraintestinal causada pelo protozoário Entamoeba histolytica. É uma doença de espectro clínico variável, desde infecções assintomáticas até colite disentérica grave e abscessos hepáticos potencialmente fatais. É fundamental diferenciar a E. histolytica (patogênica) de outras amebas intestinais não patogênicas (comensais), como E. dispar, E. moshkovskii, e E. coli. 2. Epidemiologia • Distribuição Geográfica: Ubíqua, mas com alta endemicidade em regiões tropicais e subtropicais com condições precárias de saneamento (América Latina, África, Subcontinente Indiano). • Transmissão: Via fecal-oral. Ingestão de cistos maduros quadranucleados presentes em: 1. Água contaminada com fezes humanas (principal via). 2. Alimentos (vegetais, frutas) regados ou lavados com água contaminada. 3. Mãos ou objetos contaminados com fezes (prática sexual oro-anal). • Portal de Entrada: Trato gastrointestinal. 3. Ciclo Biológico O ciclo é direto (monoxênico), sem hospedeiro intermediário. 1. Ingestão: O hospedeiro ingere cistos viáveis de E. histolytica através de água ou alimentos contaminados. 2. Excisiação: No intestino delgado (íleo), a parede do cisto é digerida, ocorrendo a excisitação e liberação do metacisto, que se divide em trofozoítos pequenos (forma vegetativa, móvel). 3. Colonização e Multiplicação: Os trofozoítos migram para o intestino grosso (cólon), onde se multiplicam por divisão binária e podem: o (a) Comensalismo: Alimentar-se de bactérias e detritos sem invadir tecidos. o (b) Patogenicidade: Invadir a mucosa intestinal, causando doença. 4. Encistamento: No lúmen colônico, sob condições desfavoráveis, os trofozoítos se desidratam, arredondam-se e secretam uma parede cística, formando cistos pré- e, finalmente, cistos maduros com 4 núcleos. 5. Eliminação: Os cistos maduros são eliminados em grande número nas fezes formadas do hospedeiro (infecção assintomática ou crônica). Trofozoítos podem ser eliminados em fezes diarreicas/disentéricas, mas são frágeis e não sobrevivem no ambiente, não sendo formas de transmissão. 4. Fatores de Risco • Residência ou viagem para áreas endêmicas. • Saneamento básico inadequado. • Populações institucionalizadas (creches, asilos) e homens que fazem sexo com homens (HSH). • Imunossupressão, desnutrição, gravidez e extremos de idade (neonatos) são fatores de risco para formas graves. 5. Fisiopatologia A patogenicidade da E. histolytica envolve uma sequência de etapas: 1. Aderência: Os trofozoítos aderem às células da mucosa colônica através de uma lectina galactose/N-acetilgalactosamina (Gal/GalNAc). 2. Citolise: Após a aderência, o parasita libera ameboporas (proteínas que formam poros na membrana da célula hospedeira) e proteases cisteínicas (que degradam a matriz extracelular). 3. Invasão Tecidual: A lise celular permiteao trofozoíta invadir a submucosa, criando as clássicas úlceras em "flask" ou "garrafa" (com base larga na submucosa e abertura estreita na mucosa). 4. Disseminação: Os trofozoítos podem atingir a circulação portal e disseminar-se para outros órgãos, principalmente o fígado, onde causam necrose liquefativa e formação de abscesso amebiano. 6. Manifestações Clínicas • Portador Assintomático (~ 90% dos casos): Elimina cistos nas fezes, sendo crucial para a transmissão. • Amebíase Intestinal Sintomática: o Colite Não Disentérica: Diarreia mucossanguinolenta, dor abdominal tipo cólica, tenesmo, flatulência. o Colite Disentérica Aguda (Amebíase Disentérica): Diarreia sanguinolenta profusa ("gelatina de framboesa"), dor abdominal intensa, febre baixa. Pode evoluir para megacólon tóxico (complicação grave). o Ameboma: Massa granulomatosa no cólon (ceco ou sigmoide), que pode ser confundida com carcinoma. • Amebíase Extraintestinal: o Abscesso Hepático Amebiano (AHA): Complicação mais comum. Febre alta, sudorese, dor no quadrante superior direito do abdômen que irradia para o ombro direito, hepatomegalia dolorosa, leucocitose. O abscesso é mais comum no lobo hepático direito. o Outras: Abscessos pulmonares (por ruptura do abscesso hepático), cerebrais ou peritonite por perforação intestinal. 7. Diagnóstico • Exame Parasitológico de Fezes (EPF): o Fezes Diarreicas: Pesquisa de trofozoítos hematófagos (com hemácias fagocitadas no citoplasma - patognomônico). o Fezes Formadas: Pesquisa de cistos. IMPORTANTE: A morfologia do cisto é idêntica ao da E. dispar (não patogênica). A diferenciação requer outros métodos. • Sorologia: ELISA para detecção de anticoros anti-E. histolytica. É altamente sensível (~95%) para amebíase extraintestinal (AHA) e colite invasiva. Pode permanecer positiva por anos, não sendo ideal para diagnóstico de infecção recente em áreas endêmicas. • Teste de Detecção de Antígenos: ELISA específico para antígeno de E. histolytica nas fezes. Método preferencial, pois diferencia especificamente a infecção por E. histolytica da infecção por E. dispar. • PCR: Método molecular de alta sensibilidade e especificidade, usado em surtos e para confirmação. • Imagem: Ultrassonografia ou Tomografia Computadorizada são essenciais para diagnosticar e guiar a drenagem do abscesso hepático amebiano. 8. Tratamento O tratamento depende da forma clínica e é dividido em duas categorias de drogas: Forma Clínica Tratamento de Escolha Alternativas Observações Portador Assintomático Agentes Intraluminais (Luminalis): • Paromomicina • Diloxanida furoato • Iodoquinol Crucial para eliminar cistos e interromper a transmissão. Amebíase Intestinal Invasiva (Colite) Agentes Teciduais (Sistêmicos) + Agente Intraluminal: • Metronidazol ou Tinidazol (sistêmico) + • Paromomicina (intraluminal) Secnidazol, Ornidazol O agente sistêmico trata a invasão, e o intraluminal elimina cistos remanescentes. Abscesso Hepático Amebiano (AHA) Agentes Teciduais (Sistêmicos): • Metronidazol ou Tinidazol (drogas de 1ª linha) A drenagem percutânea é reservada para abscessos grandes (>5 cm) ou com risco de ruptura. A resposta ao medicamento é geralmente excelente. Forma Clínica Tratamento de Escolha Alternativas Observações NÃO segue com agente intraluminal após tratamento. 9. Controle e Prevenção • Saneamento Básico: Tratamento adequado de esgoto e fornecimento de água potável. • Educação em Saúde: Higiene pessoal (lavagem das mãos), higiene na preparação de alimentos (lavar bem frutas e verduras). • Identificação e Tratamento dos portadores assintomáticos (que eliminam cistos).