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Capítulo 7 Cozimento MARCOS OMIR MARQUES 98 7. COZIMENTO 7.1. Introdução Quando o caldo é submetido ao processo de concentração sua viscosidade aumenta de forma rápida e concomitante com o Brix, de tal forma que quando este alcança 70 a 80 o inicia-se o surgimento dos cristais de sacarose. Nesse momento a massa transforma-se, passando progressivamente do estado líquido a um estado meio sólido, meio líquido, caracterizando a massa cozida. Essa redução da fluidez torna imperativa a mudança completa na forma da sua manipulação. Sua consistência não mais permite fervê-la em tubos estreitos, nem faze-la circular com facilidade de um corpo a outro. A evaporação passa, então, a ser realizada em evaporadores de simples efeito com detalhes e adaptações efetuadas em função das características do produto a ser concentrado. 7.2. Evaporadores de simples efeito. Os evaporadores de simples efeito ou cozedores são semelhantes a um corpo do conjunto evaporador múltiplo-efeito. Os cozedores são independentes e cada um acha-se ligado a um condensador e uma bomba de vácuo. Trabalham em condições de baixa temperatura ( 60oC) e baixa pressão (62-65 cm de Hg). O cozimento exige um rigoroso controle por parte do operador e o seu sucesso é fundamental para permitir a obtenção de um açúcar de boa qualidade. Entre o cozedor e o corpo evaporador de um múltiplo efeito algumas diferenças podem ser notadas: a forma do fundo dos cozedores é cônica visando facilitar a descarga da massa cozida; é nessa região cônica que se encontra a válvula de descarga; o sistema de aquecimento dos cozedores emprega tubos de maior diâmetro, visando facilitar a circulação da massa cozida e o maior contato possível dessa com a superfície de evaporação, e dos cristais formados com o licor mãe, facilitando assim a migração da sacarose e o crescimento dos cristais em tamanho; a alimentação dos cozedores com xarope é feita é feita de forma que o nível de massa dentro do cozedor fique vários decímetros acima do espelho superior da calândria, em função da necessidade de novas alimentações de xarope, visando o crescimento dos cristais em tamanho. Entre os acessórios que compõem os cozedores encontram-se lunetas, termômetros, vacuômetros, válvula de vapor, válvula quebra-vácuo, tubos amoniacais, sonda para a retirada de amostras, além de torneira, pia metálica, válvulas para o controle da vazão de água, xarope e méis; em cozedores que trabalham com massa cozida de baixa pureza a dificuldade de movimentação da massa é grande, o que justifica a instalação de um sistema mecânico de agitação que consta de um eixo vertical dotado de hélices que, uma vez acionadas forçam a movimentação descendente da massa pelo tubo central da calândria. O sistema de aquecimento dos cozedores é o que determina o seu tipo. Assim, tem- se cozedores de calândria, de serpentinas, misto e de placas. Capítulo 7 Cozimento MARCOS OMIR MARQUES 99 7.2.1. Cozedores de calândria Cozedores de calândria são semelhantes aos corpos evaporadores. A calândria é constituída de um tubo de circulação, de maior diâmetro, que ocupa a parte central da calândria. O sistema trabalha com vapores de baixa pressão, o que reduz a possibilidade de ocorrência de caramelização do açúcar. Figura 7.1. Cozedores de calândria flutuante (à esquerda) e fixa (à direita) e respectivas correntes de convecção da massa cozida. 7.2.2. Cozedores de serpentinas Neste tipo de cozedor as serpentinas distribuem-se de maneira que existe espaço suficiente entre elas e o corpo do aquecedor. A grande vantagem desse aparelho é a possibilidade de se produzir açúcar dos mais variados tipos de granagem, podendo-se atender os mais variados tipos de mercado. 7.2.3. Cozedores mistos Esses aparelhos aliam as vantagens dos dois sistemas citados anteriormente. São equipamentos que contemplam aspectos que valorizam a circulação da massa cozida sobre Capítulo 7 Cozimento MARCOS OMIR MARQUES 100 a superfície de aquecimento, através da formação das correntes de convecção formadas: ascendente pelos tubos da periferia e descendente pelo tubo central de circulação. 7.2.4. Cozedores de placas Esse sistema é adotado em aquecedores horizontais, onde é possível trabalhar com alturas menores dentro do cozedor, facilitando as correntes de convecção e a movimentação da massa cozida. 7.3. Alimentação de xarope nos cozedores. Novas alimentações de xarope nos cozedores são necessárias para viabilizar o crescimento dos cristais em tamanho. Visando vencer as dificuldades para aumentar o contato da massa em cozimento e o xarope de alimentação, em função da grande diferença de viscosidade existente entre ambos, o local de alimentação no interior do cozedor é de grande importância. A melhor maneira de se realizar essa alimentação é de cima para baixo, sendo o tubo central de circulação o melhor local pois aí a massa cozida movimenta-se para baixo e ao atingir o fundo, do centro para a periferia. Figura 7.2. Vista geral dos cozedores de xarope. Usina Guaira – Guaira, SP, Brasil. Capítulo 7 Cozimento MARCOS OMIR MARQUES 101 7.4. Concentração da massa cozida. O Brix da massa cozida é proveniente dos sólidos dissolvidos no licor mãe, mais o açúcar contido na massa de cristais. No cozimento eleva-se a concentração até o máximo possível, podendo-se atingir um Brix de 100 o , o que corresponde a 94% de matérias dissolvidas reais. Na prática não se ultrapassa a 96 o , mesmo nos cozimentos mais concentrados. Partindo-se de 1000 kg de caldo a 13 o Brix concentrados pelo múltiplo efeito até 65 o Brix, a quantidade de água evaporada pode ser calculada da seguinte forma: peso de sólidos do caldo = peso de sólidos no xarope 1000 . 13 = px . 65 px = 200 kg quantidade de água evaporada = 1000 - 200 = 800 kg. A quantidade de água evaporada no cozedor, considerando que a massa cozida foi concentrada até 96 o Brix pode ser calculada através da seguinte equação: peso de sólidos solúveis no xarope = peso de sólidos solúveis na massa cozida px . Brixx = pmc . Brixmc 200 . 65 = pmc . 96 // pmc = 135,42 kg Quantidade de água evaporada no cozimento = 200-135,42 = 65kg. Como pode-se observar, a quantidade de água evaporada na evaporação é muito maior do que a evaporada no cozimento. Isso é desejável pois torna o processo mais barato em função do menor consumo de vapor nos evaporadores múltiplo efeito. Entretanto, o limite máximo de concentração do xarope é 70 o Brix, sendo a faixa ideal entre 60 e 70 o Brix. Valores acima de 70 o Brix são interessantes do ponto de vista econômico porém causam problemas na fase de cozimento, dificultando a obtenção de cristais uniformes. 7.5. Saturação A solubilidade da sacarose em água varia de forma direta com a temperatura. A 40 o C é possível dissolver 2,334 kg de açúcar em 1 kg de água. Por outro lado, se elevarmos a temperatura a 80 o C esse valor aumenta para 3,703 kg. Dessa forma uma solução é denominada de saturada quando ela contém a quantidade total de açúcar que é capaz de dissolver. Na prática somente se trabalha com soluções impuras, isto é, soluções que contém dissolvidos, além da sacarose, também outras substâncias como glicose, sais orgânicos ou minerais, etc., que influenciam a solubilidade doaçúcar de forma diferente em função da sua natureza. Exemplos distintos dessa influência se fazem presentes no caldo de beterraba açucareira e no caldo de cana-de-açúcar. O caldo de beterraba tem como impurezas Capítulo 7 Cozimento MARCOS OMIR MARQUES 102 elementos minerais que constituem a fração cinzas do mesmo. As cinzas atuam no sentido de aumentar a solubilidade da sacarose, ou seja, para uma mesma quantidade de água, em iguais condições de temperatura, a presença de cinzas permite a dissolução de maior quantidade de sacarose. O caldo de cana contém cinzas na sua composição, mas também apresenta, em teores bem maiores, açúcares redutores (glicose e frutose) que exercem efeito contrário, ou seja, atuam no sentido de diminuir a solubilidade da sacarose, facilitando a sua cristalização. Dessa forma, a pureza das soluções é um importante fator que influencia a solubilidade da sacarose. A avaliação dessa influência pode ser feita através do coeficiente de saturação ou coeficiente de solubilidade - S , o qual é definido pela relação entre a quantidade de sacarose possível de ser solubilizada em um determinado peso de água de uma solução impura e a quantidade de sacarose possível de ser solubilizada no mesmo peso de água de uma solução pura. 7.6. Supersaturação A saturação é um estado de equilíbrio estável que, para as soluções de açúcar não é alcançada rápida nem facilmente. Apesar disso, ao se concentrar uma solução além do ponto de saturação, empregando-se a evaporação ou o esfriamento, nem sempre se consegue a cristalização da sacarose, a qual se mantém em solução. Essa condição caracteriza uma solução supersaturada. Assim sendo, o coeficiente de supersaturação - C.S.S. - pode ser definido através da relação entre o peso de sacarose contido num determinado peso de água de uma solução supersaturada e o peso de sacarose contido no mesmo peso de água de uma solução saturada, ambas na mesma temperatura e com a mesma pureza. Assim sendo, para que, na fase de cozimento, haja a formação de cristais na massa é necessário se obter uma acentuada supersaturação. À medida em que os cristais se formam e crescem em tamanho há redução da condição de supersaturação. Para a manutenção da mesma fazem-se necessárias novas alimentações de matéria açucarada juntamente com mais evaporação de água. 7.6.1. Zonas de supersaturação Na Figura 7.3. estão representadas as curvas referentes às concentrações de sacarose % de água de soluções açucaradas a diferentes temperaturas, identificando as zonas de não saturação (c.s.s. < 1,0), zona saturada (c.s.s = 1,0), e zonas de supersaturação (c.s.s. > 1,0). Entre as zonas de supersaturação identificam-se a zona metaestável (c.s.s. = 1,0 - 1,1), zona intermediária (c.s.s = 1,2) e zona lábil (c.s.s > 1,3). A zona metaestável tem como característica promover o crescimento de cristais já existentes, sendo que na ausência de cristais também nada ocorre. A zona intermediária caracteriza-se por promover o aparecimento de novos cristais quando na presença de cristais já formados. Na ausência de cristais nada ocorre. A zona lábil, por sua vez, caracteriza-se por ser a zona de supersaturação em que ocorre a granagem, ou seja, o aparecimento espontâneo de cristais. Capítulo 7 Cozimento MARCOS OMIR MARQUES 103 7.7. Métodos de condução do cozimento. 7.7.1. Método de “Espera”. A condução do cozimento pelo método de “espera” faz-se dentro das condições normais de funcionamento do cozedor. O método consiste em alimentar o cozedor com xarope ao mesmo tempo em que se processa a evaporação da sua água. Essa evaporação faz com que haja aumento progressivo do coeficiente de supersaturação. Ao atingir valores de entre 1,1 e 1,2, que corresponde à zona metaestável, nada ocorre, tendo em vista que há ausência de cristais. Em seguida, atinge-se o coeficiente de 1,2, o qual corresponde à zona intermediária. Como também é característica dessa zona de supersaturação, nada ocorre uma vez que cristais ainda não se fazem presentes. Figura 7.3. Curvas de Saturação e Supersaturação de soluções de sacarose a diferentes temperaturas. Capítulo 7 Cozimento MARCOS OMIR MARQUES 104 Porém, quando o coeficiente de supersaturação atinge valores superiores a 1,3, o qual corresponde à zona lábil, ocorre a granagem ou o surgimento espontâneo dos cristais, ou seja, moléculas de sacarose deixam a solução, passando a constituir a fase cristalina. Com isso, o coeficiente de supersaturação da fase líquida (licor mãe) se reduz em conseqüência da mobilização da sacarose em direção aos cristais formados. Nesse percurso de retorno em direção à condição de saturação, passa-se pela zona intermediária. Ao atingi- la, agora na presença de cristais, ocorre a formação de novos cristais, que são os “cristais poeira”, assim denominados por serem menores do que os cristais formados na zona lábil que, desde a sua formação até esse momento tiveram, inclusive, tempo para crescimento. Dessa forma, os cristais poeira são indesejáveis pois causam desuniformidade à massa de cristais e, por serem menores, causam também obstrução da tela da centrífuga de açúcar, dificultando a separação do mel que envolve os cristais, resultando na obtenção de açúcar escuro. Esses cristais devem ser eliminados. Na prática isso se faz injetando certo volume de água dentro do cozedor, de forma a solubilizar esses pequenos cristais recém formados e contribuir para a redução do coeficiente de supersaturação até a zona metaestável. A zona metaestável caracteriza-se apenas proporcionar o crescimento, em tamanho, dos cristais presentes. Assim, novas alimentações de xarope devem ser realizadas, dando prosseguimento ao cozimento, de forma a manter o coeficiente de supersaturação até o final da operação. 7.7.2. Método de Choque. Esse método consiste em promover a concentração do xarope até a zona intermediária. Para isso, procura-se trabalhar com a temperatura acima da temperatura normal de funcionamento do cozedor. Quando a zona intermediária é atingida, promove-se uma redução do aquecimento às condições normais do aparelho, promovendo redução da temperatura do xarope dentro do cozedor. Isso faz com que haja aumento do coeficiente de supersaturação, atingindo-se a zona lábil, quando ocorre a cristalização da sacarose. Uma vez ocorrida a cristalização, há redução do coeficiente de supersaturação na solução que envolve os cristais, tendendo a retornar à condição de saturação. Assim, novas alimentações de xarope devem ser realizadas para manter o coeficiente de supersaturação na zona metaestável, para que haja crescimento dos cristais em tamanho. 7.7.3 Método de Semeadura Esse método consiste em concentrar o xarope até a zona metaestável e, em seguida, injetar, no interior do cozedor, uma suspensão de microcristais preparada em laboratório através da clivagem de cristais de sacarose suspensos em etanol absoluto, utilizando-se de batedor de bolas, específico para essa finalidade. Esses microcristais, uma vez dentro do cozedor, passarão a crescer em tamanho, pois a concentração do xarope é mantida na zona metaestável através de novas admissões de xarope durante o cozimento. Capítulo 7 Cozimento MARCOS OMIR MARQUES 105 7.7.4. Método de indução. Por esse método, a granagem é induzida na zona intermediária. O cozimento é conduzido até a zona intermediária, quando uma pequena quantidade de microcristais é introduzida no interior do cozedor. Como é característica dessa zona, na presença decristais há a formação de novos cristais, os quais agora são a maioria. Com isso, há redução do coeficiente de supersaturação da solução, o qual deve ser mantido na zona metaestável através de novas alimentações de xarope seguida de evaporação da sua água. Dessa forma haverá crescimento dos cristais em tamanho. Independentemente do método de condução do cozimento, uma vez obtida a granagem, deve-se propiciar o crescimento dos cristais em tamanho. O acompanhamento da evolução do processo se faz através da retirada de amostras da massa cozida com o auxílio da sonda amostradora de massa cozida, a qual constitui-se num dos acessórios dos cozedores. São avaliadas características relacionadas ao tamanho, cor, e uniformidade dos cristais sobre placa de vidro observada contra a luz.
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