Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CAPÍTULO 5 Ponto 5: Princípios do Direito do Trabalho. Princípios Constitucionais do Direito do Trabalho. Distinção entre Princípios e Norma. 1. Norma, princípio e regra: De acordo com doutrinadores pós-positivistas, o ordenamento jurídico é composto não só por Regras, como também por Princípios. A Norma é gênero da qual as Regras e os Princípios são espécies. Norma (gênero): a) Regra b) Princípio Diante de tal constatação, é correto afirmar que: a) Toda regra é uma norma, mas o contrário não é verdadeiro (v.g. princípio). b) Todo princípio é uma norma, mas o contrário não é verdadeiro (v.g. regra). c) Não é adequado distinguir princípio de norma, pois esta é o gênero daquele. d) É possível distinguir princípio de regra, os quais são espécie do mesmo gênero (norma). Apesar das regras e dos princípios derivarem do mesmo gênero, inúmeras são as suas diferenças sistematizadas por Rui Espinola1: i) grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida; ii) grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, julgador ou administrador), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta; iii) caráter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito), o que não acontece com as regras; 1ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de Princípios Constitucionais – Elementos para uma dogmática constitucional adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 65. iv) proximidade da idéia de direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser vinculantes com um conteúdo meramente formal; v) natureza normogenética: os princípios são fundamentos das regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio das regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante. Em resumo, enquanto as regras estabelecem mandados, proibições, ou permissões de atuação em situações concretas previstas nas mesmas (permitindo assim uma aplicação mecânica); os princípios proporcionam critérios para tomar posição ante situações concretas indeterminadas. No conflito de regras, uma é derrogada, já no conflito de princípios, ocorre a ponderação, prevalecendo a aplicação de um deles no caso concreto 1.1 Funções dos princípios: Os princípios possuem múltiplas funções. Baseado em um paradigma positivista, doutrinadores apontavam uma tríplice missão da espécie normativa. Nesta esteira, Américo Plá Rodriguez indica como funções dos princípios: “a) informadora: inspiram o legislador, servindo de fundamento para o ordenamento jurídico; b) normativa: atuam como fonte supletiva, no caso de ausência de lei. São meios de integração de direito; c) interpretadora: operam como critério orientador do juiz ou do intérprete.”2 A variedade de funções demonstra a importância dos princípios, principalmente os que regem o Direito do Trabalho, devendo ser utilizados pelos juristas, tanto na fase pré- jurídica, como na jurídica. Na fase pré-jurídica, também denominada de política, os princípios “atuam como verdadeiras fontes materiais do Direito, na medida em que postam como fatores que influenciam na produção da ordem jurídica.”3 Exercem a função informadora, orientando e influenciando os legisladores no processo de construção das regras. 2 Américo Plá Rodriguez apresenta tais funções, tomando como base os ensinamentos de Frederico de Castro. (RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p.18.). Para as provas objetivas, adotar a concepção positivista. 3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 187. Já na fase jurídica4, após a elaboração das regras, os princípios desempenham as funções normativa e interpretadora. Além de atuar como proposições ideais que viabilizam uma direção coerente na interpretação da regra e dos institutos jurídicos, iluminando a compreensão dos mesmos (função interpretadora); atuam como fonte normativa aplicável ao caso concreto (normativa). Todavia, não é mais possível entender a função normativa como no período positivista, quando os princípios serviam como elemento integrador. Com o modelo pós-positivista, tornaram-se fonte primária de normatividade, corporificando os valores da ordem jurídica. Perderam o caráter supletivo, passando a ser utilizados como fonte imediata do Direito e aplicados a diversos casos concretos. Portanto, o princípio deve ser aplicado mesmo na hipótese de haver regra regulando o caso concreto, sendo desnecessária a existência de lacunas no ordenamento para a sua utilização. Apesar da pluralidade de funções, os princípios normalmente as exercem de forma cumulada. Um único princípio pode ser utilizado tanto na fase pré-jurídica, como na jurídica propriamente dita, influenciando os legisladores na elaboração das leis, servindo como norte interpretativo e como norma contida no ordenamento apta a ser aplicada ao caso concreto. 2. Princípios aplicados no Direito do Trabalho: O Direito do Trabalho, assim como qualquer ramo jurídico, é composto de regras e princípios. Os princípios aplicáveis ao podem ser classificados em três classes: a) Princípios gerais do direito; 4 A função informativa apesar de encontrar-se, cronologicamente, inserida na fase pré-jurídica, ou seja, na fase de elaboração das normas-regras, não deixa produzir efeitos jurídicos. Por esse motivo, é preferível acrescentar a expressão propriamente dita à denominação fase jurídica (fase jurídica propriamente dita). b) Princípios constitucionais trabalhistas; c) Princípios peculiares ao Direito do Trabalho. a) Princípios gerais do direito Os Princípios Gerais do Direito são valores que tendem a incorporar às diretrizes centrais da própria noção de Direito ou dos sistemas jurídicos contemporâneos. Por permear todo o ordenamento jurídico, acaba por influir em seus ramos, em especial no Direito do Trabalho. A sua aplicação no Direito do Trabalho, não se dá de forma incondicionada. É necessário conferir a sua compatibilização com os princípios e regras peculiares da seara trabalhista. São exemplos típicos de princípios gerais do direito utilizados no âmbito laboral: a) inalterabilidade dos contratos de trabalho (pacta sunta servanda); b) lealdade; c) boa-fé; d) não alegação da própria torpeza; e) vedação do abuso do direito; f) razoabilidade; g) dignidade da pessoa humana; h) proporcionalidade; i) não discriminação; j) igualdade; justiça. Podem estar positivados ou de forma implícita no ordenamento. Quando estiver expressamente na Constituição Federal, além de princípio geral do direito, também será considerado um princípio constitucional (ex. dignidade da pessoa humana). As classificações não se excluem. b) Princípios constitucionais trabalhistas; Os princípios constitucionais são as sínteses dos valores mais relevantes daordem jurídica. Podem ser classificados em: a) Princípios fundamentais: sãos os princípios constitucionais que contem decisões políticas estruturais do Estado; b) Princípios gerais constitucionais: são os princípios gerais que foram constitucionalizados c) Princípios constitucionais setoriais: são os princípios constitucionais que estão vinculados a certos ramos jurídicos. Dentre os princípios constitucionais setoriais, encontram-se aqueles que estão relacionados diretamente com o ramo laboral. Ao Direito do Trabalho são aplicadas as três classes de princípios constitucionais, não só os setoriais. São exemplos de princípios constitucionais trabalhistas: a) dignidade do trabalhador (art.1, III); b) valores sociais do Trabalho e da livre iniciativa (art. 1, IV e art.170); c) busca do pleno emprego (art.170, VIII); d) redução dos riscos a saúde (art. XXVI); e) liberdade individual; f) isonomia entre os empregados (art. 5 caput); g) não- discriminação (art. 5, XXX); h) proteção contra a não contratação e dispensa arbitrárias ou sem justa causa; i) reconhecimento das convenções e acordos coletivos. c) Princípios peculiares ao Direito do Trabalho. Os Princípios Peculiares do Direito do Trabalho são linhas, diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas trabalhistas e configuram a regulamentação das relações de trabalho, conforme critérios distintos dos que podem encontrar-se em outros ramos do direito. Não há uniformidade quanto a terminologia e a quantidade de princípios peculiares trabalhistas5, o que dificulta uma classificação. A classificação mais adotada é a elaborada por Américo Plá Rodriguez, a qual elenca como princípios peculiares do Direito do Trabalho: i) Princípio da proteção; ii) Princípio da irrenunciabilidade; 5 Américo Plá Rodriguez, indicando a variedade das denominações conferidas aos princípios do Direito do Trabalho, assevera que: “entre 14 autores que abordavam alguma enumeração de princípios, havia podido contar 25 princípios diferentes. O mais curioso é que nenhum autor aceita mais de seis ou sete, havendo alguns só admitem dois ou três. Isto revela que, às vezes, se englobam vários em um só. Outras vezes se desdobra um em vários princípios diferentes. Alguns negam o que os outros enumeram. Outros se defrontam com concepções absolutamente diversas.” (RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1978, p. 25). iii) Princípio da continuidade; iv) Princípio da primazia da realidade; v) Princípio razoabilidade; vi) Princípio da boa-fé. Faz-se necessário, salientar, que na concepção de parte da doutrina, os princípios da razoabilidade e da boa-fé não são peculiares ao Direito do Trabalho, mas sim, aplicáveis a todos os ramos, uma vez que se caracterizam como princípios gerais do direito. I. Princípio protetor O princípio protetor é a pedra de toque do Direito do Trabalho. Tem como fundamento a própria essência e a razão de existir desse ramo jurídico. Diante da desigualdade fática existente entre os sujeitos da relação de emprego (empregado x empregador), fez-se necessário a intervenção Estatal. A produção de normas direcionadas a proteção das relações laborais, impôs a sua separação do Direito Civil, o qual era centrado na igualdade formal e na autonomia das partes. A criação de um ramo jurídico pautado na proteção do hipossuficiente (em regra, o empregado), teve como objetivo alcançar a isonomia substancial, ou seja, o equilíbrio entre a força econômica do empregador e a proteção jurídica atribuída ao empregado. O princípio da proteção é subdividido em três regras6, denominadas de: a) in dúbio pro misero ou pro operario (interpretação); b) norma mais favorável (aplicação); c) condição mais benéfica. (aplicação) a) Regra do in dúbio pro misero A regra do in dúbio pro misero é uma regra de interpretação. Existindo dúvida quanto a interpretação mais adequada ao caso concreto, deve-se adotar aquela que seja mais favorável ao empregado. É também conhecida como in dúbio pro operario, uma vez 6 Alguns autores preferem denominá-los de princípios (Pinho Pedreira). Independentemente da sua qualidade de regra ou princípio, o entrelaçamento destes preceitos com o princípio da proteção é indiscutível. Esta vinculação que é importante ter em mente para as provas objetivas. que o empregado é, em regra, o hipossuficiente da relação jurídica de emprego7. É uma adaptação da regra do in dubio pro réu, utilizada no Direito Penal. Apesar da regra do in dubio misero ser explicita em alguns países (v.g Uruguai, Argentina, Venezuela, El Salvador, Colômbia, México, República Dominicana), no Brasil, a mesma encontra-se de forma implícita no mandamento da justiça social. Sua utilização está condicionada a existência de dúvida (pluralidade de interpretações razoáveis) e ao respeito à vontade do legislador. O questionamento mais freqüente quanto esta forma de interpretação, está relacionada com a sua aplicação no processo do trabalho. Há doutrinadores, em especial Carlos Henrique Bezerra Leite, que defendem a adoção desta regra no âmbito processual, por entender que o processo deve instrumentalizar o direito material, acabando por incorporar alguns de seus princípios. Afirmam ainda que, as mesmas razões de desigualdade compensatória que deram origem à aplicação desta regra no direito substancial, justificam a sua adoção na seara processual, uma vez que o trabalhador, além de estar normalmente desempregado, tem mais dificuldade em se desincumbir do seu ônus probatório. No entanto, existem outros juristas (v.g. José Augusto Rodrigues Pinto) que não aceitam a utilização de princípios do direito material no âmbito processual. Para eles, o processo do trabalho é um ramo do Direito Público, decorrente da Teoria Geral do Processo, com princípios próprios, como o da isonomia processual. Os sujeitos do contrato de trabalho seriam desiguais no plano fático, sendo necessária a aplicação dessa face do princípio da proteção. No entanto, esses sujeitos ao ajuizar uma reclamação trabalhista passariam a ser parte processual, com igualdade jurídica e 7 A singularidade desta regra de interpretação consiste na inversão da diretriz geral do Direito Privado de favorecer o devedor quando da hipótese de dúvida interpretativa. Se o Direito Privado aceita o princípio do favor pro reo é porque, na generalidade das relações civis ou comerciais, o devedor é mais débil e necessitado. Mas nas relações de trabalho ocorre exatamente o contrário, porquanto a generalidade dos casos o trabalhador, cuja situação em face do empregador constitui pressuposto básico do Direito do Trabalho, se apresenta como credor diante de seu empregador (devedor) (SILVA, Luiz Pinho Pedreira de. Principiologia do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999.p. 30). proteção do Estado-Juiz. No processo, por serem iguais, as partes teriam o mesmo tratamento, sob pena de ferir o equilíbrio já estabelecido no plano processual e a imparcialidade do julgador. É valido ressaltar que grande parte da doutrina não aceita a aplicação da regra do in dúbio pro misero no campo probatório, pois este já possui regras próprias de julgamento. Na hipótese de dúvida, devem ser aplicadas as regras do ônus da prova, estabelecidas no arts. 818 da CLT e 333 do CPC, bem como na súmula nº 6, VI do TST. O empregado possuindo dificuldade em se desincumbir do ônus probatório,em face da sua hipossuficiencia, poderá pleitear a inversão do ônus da prova, consubstanciado nas normas consumeristas, aplicadas supletivamente ao direito processual do trabalho. Os Tribunais do Trabalho têm adotado o entendimento doutrinário majoritário: TRT-PR-04-03-2005 PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO OPERARIO- ALCANCE-APLICAÇÃO. O princípio do In Dubio Pro Operario, corolário do Princípio da Proteção, aplica-se no âmbito de interpretação das normas de direito material do trabalho. No entanto, não tem aplicação no plano processual, onde as partes são tratadas sem qualquer distinção (à exceção das hipóteses legamente previstas). (TRT-PR-03736-2003-005-09-00-3-ACO-05409-2005, Relator: SERGIO MURILO RODRIGUES LEMOS, Publicado no DJPR em 04-03-2005). (TRT 8º, 2005). TST - RR - 2554/2001-003-02-00 - DJ - 03/03/2006 - PROVA ORAL CINDIDA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL DO ARTIGO 131 DO CPC EM DETRIMENTO DA APLICAÇÃO DAS REGRAS DO ÔNUS SUBJETIVO DA PROVA. I - Malgrado o Regional bem se orientasse sobre a inaplicabilidade do duvidoso princípio do in dubio pro operario, na hipótese de a prova oral se mostrar contraditória, não se houve com acerto ao adotar a tese de que nessa circunstância impõe-se priorizar a aplicação das regras do ônus subjetivo da prova. [...]. Recurso provido.”(TST, 2006). (grifo nosso) Por fim, há de ressaltar que parte da doutrina majoritária vem aceitando a aplicação da regra do in dubio pro operário, apenas na hipótese de “prova empatada”, isto é, quando ambos os litigantes se desincumbiram do seu ônus probatório, mas mesmo assim, restou-se dúvida quanto à valoração das provas. Diversas vezes julgamos casos em que nos defrontamos com “prova empatada”, isto é, em que não houve negligência do empregado, pois desincumbiu-se do seu ônus, levando a juízo testemunhas no mesmo número e de credibilidade igual às apresentadas pela parte contrária `a das testemunhas do trabalhador, em processos nos quais não havia possibilidade de outra espécie de prova. Pelas maiores dificuldades com que arca o empregado para a produção de provas, numa situação como esta, a dúvida gerada no espírito do julgador há de ser dirimida pro operario e foi sempre nesse sentido nosso pronunciamento8. Outro debate travado pelos juristas é quanto a aplicação da regra do in dubio pro operário no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho. O dissenso se justifica em razão do princípio da equivalência dos contratantes em matéria de Direito Coletivo, o que afasta o componente da debilidade e, conseqüentemente a adoção da regra do in dubio pro misero.9 b) regra da aplicação da norma mais favorável A regra da aplicação da norma mais favorável ganha relevo no contexto de pluralidade de fontes do Direito do Trabalho, pois esta consiste no procedimento de opção pela norma mais vantajosa ao obreiro quando, para uma mesma situação, encontram-se vigentes mais de uma norma jurídica. Ou seja, havendo pluralidade de normas, com vigência simultânea, aplicáveis à mesma situação jurídica, deve-se optar por aquela mais favorável ao trabalhador. Assim, não se deve confundir a regra do in dúbio pro misero, que é adotada no processo de interpretação, com a regra da aplicação da norma mais favorável, que é utilizada no processo de aplicação. Neste último, não há uma única norma com diversas interpretações aplicáveis ao caso concreto, mas sim, diversas normas regulando o caso concreto, em sentidos diferentes, devendo jurista adotar aquela que seja mais benéfica ao empregado. É comum se afirmar que esta regra é utilizada como critério para estabelecer a hierarquia flexível das normas trabalhistas, prevalecendo, no caso concreto, a norma mais favorável, desde que a superior não seja proibitiva. 8 SILVA, Luiz Pinho Pedreira de. Principiologia do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 58. 9 Murilo Sampaio ressalta que a equivalência entre os entes coletivos brasileiros é apenas formal. A noção de equivalência dos contratantes, além de não se materializar na realidade social brasileira em virtude do contexto de crise do Direito do Trabalho, limita-se apenas ao momento da elaboração da norma (negociação coletiva). Na oportunidade de sua interpretação, o que ocorre normalmente no conflito individual demarcado pela hipossuficiência, há que se, na dúvida, conferir interpretação mais favorável ao obreiro, tornando válida o princípio in dubio pro operario em matérias de normas autônomas. No entanto, em analise mais apurada, a regra da norma mais favorável não afeta a hierarquia das normas, mas a preleção de sua aplicação; não modifica a ordem rigorosa em que as normas se colocam e que tem seu ápice na Constituição, mas que, com respeito a essa hierarquia e sem alterá-la, determina qual, em caso de coexistência e colisão de normas, deve ser aplicada no caso concreto, sendo esta a mais proveitosa para o trabalhador10. Produzindo efeito apenas na aplicação e não na determinação da hierarquia das fontes, não é adequado atribuir ao processo de determinação da norma mais favorável a derrogação – no sentido da invalidade – da norma preterida. Tem-se apenas uma eleição pontual e momentânea para o caso em discussão, porque a subsunção do caso concreto à norma inferior mais favorável não derroga a norma superior menos favorável, que continua a reger as hipóteses para as quais não seja pertinente a primeira.11 Portanto, quando uma norma inferior excluir direitos sociais previstos em norma superior, aquela deverá ser declarada inconstitucional ou ilegal, bem como, ser excluída do ordenamento jurídico. Nesta hipótese, não haverá a adoção da teoria da hierarquia flexível das normas trabalhistas, mas sim os critérios da revogação ou da não recepção. Um dos questionamentos relacionados à regra em questão reside no método adequado de determinação da norma mais favorável. Os principais são: a) do conglobamento; do conglobamento por instituto e; c) da acumulação ou atomista. Para um estudo sobre o tema, remetemos os leitores para o Capítulo 3, item 2. c) regra de observância da condição mais benéfica A regra de observância da condição mais benéfica também é considerada uma regra de aplicação. Existindo uma situação já concretamente estabelecida pela norma preexistente, deve prevalecer sobre a que vier a ser criada pela nova norma, desde que a situação anterior já tenha sido reconhecida e se mostre mais favorável ao hipossuficiente. 10 SILVA, Luiz Pinho Pedreira de. Principiologia do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p 70. 11 SILVA, Luiz Pinho Pedreira de. Principiologia do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 72. É, portanto, uma regra de aplicação intertemporal. E justamente, por ser aplicado em hipóteses de sucessão normativa, que esta regra se distingue das anteriores. Na regra do in dubio pro operario, tem-se uma única norma frente a uma pluralidade de interpretações. Na regra da norma mais favorável, a pluralidade aloca-se nas fontes, havendo mais uma norma vigente relativa ao caso concreto, que a colidem entre si. Enquanto que na regra da condição mais benéfica, há pluralidade de normas no processo de sobreposição temporal (sucessão). Daí o entendimento de que o princípio da condição mais benéfica resolve o fenômeno de direito transitório ou intertemporal12 Por estar atrelada à eficácia temporal das normas trabalhistas, remetemos o leitor ao Capítulo 5, item 1.4.4, para o estudo da teoria da aderência irrestrita (ou da ultratividade), a qual melhor se adéqua com a presente regra.II. Principio da continuidade da relação de emprego A relação de emprego é a categoria jurídica básica do Direito do Trabalho. É dessa relação jurídica que o empregado subtrai a sua remuneração, fonte de subsistência individual e familiar. Não deve possuir natureza efêmera, mas sim resistir no tempo. A durabilidade do vínculo empregatício não só interessa ao obreiro, mas também ao Estado (interesse social), uma vez que gera estabilidade nas relações produtivas, implicando em maior harmonia social. Teoricamente, a durabilidade do contrato de trabalho interessa ao Estado, ao Trabalhador e até ao empregador. Tanto o empregado como o empregador deveriam satisfazer-se com uma pactuação demorada, incidindo maior fidúcia, intimidade, produtividade, enfim, acarretando vantagens recíprocas às partes.13 12 SILVA, Luiz Pinho Pedreira de. Principiologia do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999. p. 90. 13 DUARTE NETO, Bento Herculano. Manual de Direito do Trabalho. Estudos em Homenagem a Cássio Mesquita Barros Júnior (Coord), São Paulo, LTr, 1988, p. 134. Em face dos benefícios atrelados à durabilidade do contrato de trabalho, de ordinário, os mesmos são pactuados por prazo indeterminado, sendo admitida, excepcionalmente, a sua celebração por prazo determinado. O princípio da continuidade da relação de emprego faz presumir que todo contrato de trabalho é por prazo indeterminado. As exceções a essa regra são mitigações ao referido princípio fruto da flexibilização trabalhista. Estão previstas em lei e devem ser provadas em juízo, sob pena de serem aplicadas a estas hipóteses excepcionais as regras previstas para o contrato por prazo indeterminado. O TST consagra o princípio da continuidade da relação de emprego na sua súmula nº 212: DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. A adoção do FGTS como regime obrigatório e da indenização compensatória (art. 7º, I, da CF/88), também deve ser considerada como uma mitigação ao principio em questão, uma vez que converteu a dispensa sem justa causa num mero ato potestativo do empregador. III. Princípio da primazia da realidade. Em regra, o contrato de trabalho é consensual e informal. Consensual, pois não necessita de qualquer formalidade, bastando o consentimento das partes para se formar. Informal, pois não é necessária solenidade para sua celebração, salvo nos contratos especiais em que a lei exigir. Por ser consensual e informal, é comum haver divergência entre as condições ajustadas para a relação de emprego e as verificadas em sua execução. Nessas hipóteses, deverá prevalecer a realidade dos fatos, já que existe uma primazia da realidade sobre os fatos. No entanto, é valido ressaltar que, para que haja a prevalência dos fatos sobre o formalizado, é necessária a produção de provas, não bastando a simples alegação, como pode ser observado na súmula nº 12 do TST: Nº 12 CARTEIRA PROFISSIONAL (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 As anotações apostas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção "juris et de jure", mas apenas "juris tantum". No Direito do Trabalho, o princípio da primazia da realidade é utilizado para combater as tentativas de fraudes, em especial, a de mascarar a relação de emprego existente. O artigo 9 º da CLT, cominado com o referido princípio, caracteriza-se como uma das munições que o magistrado do trabalho possui no combate às fraudes trabalhistas, podendo ser aplicada em qualquer fase contratual (pré-contratual, contratual e pós- contratual). IV. Princípio da irrenunciabilidade Entende-se o principio da irrenunciabilidade como a inviabilidade técnico-jurídica de poder o empregado despojar-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato. Os direitos trabalhistas são indisponíveis. Essa característica dos direitos laborais tem fundamento na desigualdade existente entre empregado e empregador. Não possível dar liberdade enquanto não houver igualdade. Apesar de alguns doutrinadores adotarem a terminologia princípio da irrenunciabilidade, o termo mais adequado é princípio da indisponibilidade, já que este a transação e renúncia. A transação é a concessão recíproca de direitos incertos. Por existir res dúbia na transação, cada uma das partes cede um pouco. Já na renuncia há a abdicação de um direito certo por apenas uma das partes. A indisponibilidade dos direitos trabalhistas não é absoluta. É possível transacionar bens relativamente disponíveis. Já a renúncia é vedada pelo ordenamento jurídico. Podemos assim concluir: é vedado renunciar, bem como transacionar bens absolutamente indisponíveis, bens considerados patamar civilizatório mínimo (direitos fundamentais, normas constitucionais, normas internacionais), salvo as hipóteses de flexibilização autorizadas pela própria constituição, por meio de negociação coletiva (art. 7, incisos VI, XIII, XVI da CF/88). Só é possível transacionar bens relativamente indisponíveis. Essa conclusão pode ser observada na Súmula 437 do C. TST: SÚM 437 DO TST - INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTA-ÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 [...] II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva
Compartilhar