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Práticas discursivas e práticas sexuais na construção de masculinidades

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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder 
 
Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 
 
Práticas discursivas e práticas sexuais na construção de masculinidades 
 
José Vaz Magalhães Néto (Universidade Federal da Paraíba) 
Palavras-chave: Discursos; Sexualidades; Masculinidades. 
ST 09 – Discursos, políticas e representações no masculino 
 
 
Neste artigo pretendo demonstrar uma análise das práticas discursivas de alunos 
secundaristas acerca de uma prática sexual específica e suas implicações para a construção da 
identidade masculina. Os estudos sobre masculinidade foram ampliados de maneira significativa a 
partir da década de 90 do século passado. Nos últimos anos pesquisadores de diversas áreas se 
debruçaram com maior ênfase sobre esse campo de investigação. No Brasil Lins (1998), Lopes 
(2002), Gastaldo (2005), Vicente e Souza (2006) e no exterior Connel (1995), Bourdieu (1999), 
Almeida (2000), Olavarría (2004), para citar alguns. Os estudos sobre a identidade masculina nas 
camadas populares ainda são pouco significativos dentro das pesquisas de gênero. Essa tendência 
pode nos levar a inferir, equivocadamente, que as transformações pelas quais passam os homens de 
classe média urbana na trilha das mudanças dos papéis sociais de gênero na atualidade possam ser 
estendidas aos homens de todas as categorias sócio-econômicas. 
As transformações sociais ocorridas nas últimas décadas teriam feito surgir uma nova 
identidade masculina (BADINTER, 1993) que abdica dos traços identificatórios hegemônicos 
(branco, heterossexual, cristão) em favor de uma identificação com atributos historicamente 
definidos como femininos, tais como a sensibilidade e a passividade. Para Rodrigues (2003), a 
existência deste novo homem se restringe a certos grupos sociais e cita as pesquisas de Lopes 
(2002) e Connel (1995) que confirmam a preponderância da figura masculina patriarcal nas esferas 
pública e privada. Tílio (2003) refere que o surgimento desse novo homem, apontado em estudos 
como os de Nolasco (1993; 2001) e Badinter (1993) pode ser questionado; posição também 
compartilhada por Vicente e Souza (2006). Connel (2003) lembra que a masculinidade hegemônica 
não corresponde a um caráter fixo, situado sempre da mesma forma em um mesmo lugar. Essa 
posição hegemônica é um constante objeto de disputa em qualquer tempo, onde se sobressai uma 
forma de masculinidade em detrimento de outras. De qualquer forma, é sempre uma prática 
discursiva que legitima uma posição dominante dos homens e uma subordinação das mulheres e 
daqueles a estas identificados. Para Amâncio (2004), a masculinidade hegemônica caracteriza-se 
por contradições e está à mercê de freqüentes crises; para ela, uma sociedade onde homens e 
mulheres possam viver livremente na diversidade requer uma ruptura com esse modelo de 
masculinidade prevalecente. Já Alsina e Castanyer (2000) conjeturam sobre a ampla perspectiva 
 2 
que se abre a partir da compreensão de que se a masculinidade se constrói, também pode 
transformar-se. Em seu artigo sobre a construção do masculino, Welzer-Lang (2001) alude sobre as 
novas possibilidades identitárias da masculinidade propostas a partir de modelos de homem não 
afinados com a hegemonia heterossexual, a exemplo do que sugere o movimento defendido pela 
teoria queer. Os ativistas desse movimento (gays, lésbicas, transgêneros, bissexuais, simpatizantes, 
etc.) criticam o binarismo masculino/feminino e o predomínio da heterossexualidade como norma, 
propondo como alternativa a descategorização das identidades de gênero e/ou sexuais. Como nos 
lembra Levy (2004, p. 203) seguindo o pensamento de Butler (2004): a compreensão do sexo como 
político é parte necessária de movimentos “[...] contra binarismos e hierarquizações expressas nos 
espaços públicos e privados, sedimentadas e legitimadas por um discurso no masculino.” 
Mesmo a masculinidade hegemônica sendo predominante surgem questionamentos a ela e 
novos posicionamentos do homem frente às mais diversas situações do cotidiano social. As diversas 
masculinidades se confrontam na dinâmica social, possibilitando intercâmbios que sempre vão 
interferir na compreensão e nos relacionamentos dos homens entre si e destes com as mulheres. Os 
novos espaços de subjetivação, os intercâmbios comerciais e culturais, as novas configurações 
familiares e as tecnologias de transformação dos corpos são alguns dos mecanismos pós-modernos 
de construção de novas identidades. Mecanismos fundamentados em discursos que dialogam em 
maior ou menor conflito para se firmarem como hegemônicos. Discurso aqui entendido em acordo 
com a definição de Iñiguez e Antaki (1994, p. 63), como “[...] um conjunto de práticas lingüísticas 
que mantém e promovem certas relações sociais” (tradução minha), uma prática social constituinte 
e reguladora. 
Partindo da compreensão do discurso como agente reprodutor e transformador da estrutura 
social, a Análise Crítica do Discurso (doravante ACD) abandona qualquer postura que se diga 
neutra, pois reconhece o cunho ideológico existente nas práticas sociais discursivas e o toma como 
um de seus objetos. Ao sustentar que a análise do discurso tem que combinar-se a uma crítica 
social, a ACD assume como uma de suas metas a desmistificação dos discursos revelando as 
ideologias neles embutidas. Van Dijk (1999, p. 23) define bem qual o papel da ACD diante disso ao 
referir: “A análise crítica do discurso, em sua forma peculiar de investigação, toma explicitamente 
partido e espera contribuir efetivamente na resistência à desigualdade social” (Tradução minha). 
Demarco como objeto desta investigação os discursos masculinos sobre o intercurso sexual 
de homens com travestis nas camadas populares, extraídos das interações discursivas de alunos do 
ensino médio público de um município da Grande Vitória/ES. A entrevista grupal (sobre esse 
método ver IÑIGUEZ et al. 2002 e IÑIGUEZ, 2002) foi realizada com uma amostra de alunos do 
ensino médio noturno de uma escola que oferece essa modalidade de ensino, localizada em um 
bairro do município pesquisado. Este bairro está situado mais distante do entorno de Vitória e 
 3 
guarda características mais próximas às de cidades interioranas com forte penetração da fé católica. 
Nos demais bairros há o predomínio das igrejas evangélicas missionárias e pentecostais, 
característicos nos anéis que circundam as sedes metropolitanas do Brasil (JACOB et al., 2003). O 
guião da entrevista grupal foi elaborado, a princípio, com 13 frases ou temas geradores. Para o 
alcance deste artigo apresentaremos os discursos produzidos a partir do tema gerador “variações das 
práticas sexuais; atividade/passividade”. A seguir apresento o excerto da entrevista onde os alunos 
dialogaram sobre a prática sexual com travestis e suas implicações para a construção da 
masculinidade. Esclareço que para preservar o sigilo da identidade dos participantes foram adotados 
onomatóposes, exceto para o entrevistador e para o auxiliar de pesquisa. 
 
“Códigos de transcrição: 
… -pausa breve (até 2’’) 
…;… -pausa longa 
(?) -inaudível 
(rs) -riso do falante 
(rsrs) -riso de todos 
Participantes: 
1-Vaz, entrevistador; 
2-Bruno, adulto, católico, HOMOSSEXUAL; 
3-Paulo , adulto, NÃO RELIGIOSO; 
4-Dedé, adulto, evangélico, RELIGIOSO; 
5-Fernando, adulto, católico, HETEROSSEXUAL; 
*6-Carlos, graduando em psicologia da UFES, também colaborou na logística da 
entrevista, sem manifestação oral. 
Vaz – E os jovens do sexo masculino que tem experiências com travestis. O que 
vocês pensam a respeito disso? 
Bruno – Só travestis ou o homossexualismo completo? 
Vaz – Só travestis, agora por enquanto, só travestis. 
Bruno – Tipo assim, se o cara tá transando com o travesti… Tem pessoas que às 
vezes conta que foi ficar com travesti que… “Ah,tem peito, tem também a 
vagina”. Aí quebrou a cara. Às vezes, depende muito do travesti; porque tem 
travestis que ficam muito parecidos com mulheres mesmo, enganam bastante. Aí 
eles falam assim “ah, vou ficar”. E o garoto pega e sai. Aí chega na hora H, ele 
pega e fala “sou travesti”, entendeu? Mas tem casos assim que engana, né? Mas eu 
acho uma coisa normal, entendeu? A pessoa tá ficando com o travesti, tá ficando 
porque quer, não tá ali obrigado. Acho que se ela vai sentir prazer, acho que não 
vai atrapalhar em nada. Eu acho que ser travesti é um ato de você ser um 
pouquinho mais… Tipo assim, o cara que é travesti; você vai ser uma pessoa da 
escolha que você teve. Tipo assim, você vai pegar e dizer “ah, eu quero ser 
travesti”. Porque ele quer ser muito parecido com mulher mesmo e ele põe isso na 
cabeça e ele vai. Aí pega o garoto, vai transar com ele, entendeu? No caso, se ele 
for transar, ele vai sentir prazer, não foi por acaso. 
Paulo – Repete a pergunta. 
Vaz – Os rapazes que transam com travestis, o que que você pensa? 
Paulo – Ah, eu penso… No meu modo de pensar é assim: tem travesti que dá de 
dez a zero em mulher mesmo, que dá prazer mesmo. Eu acho normal as pessoas, 
igual no meu caso assim… Igual muito travesti que eu já vi muito parecido com 
mulher gostosa, vamos pôr assim. Eu sairia, eu sairia com um travesti. O meu 
modo de pensar é esse, sem preconceito nenhum. 
Dedé – Eu poderia até beijar um travesti pensando que seja uma mulher, mas eu 
descobrindo, não sairia não. Não desperta nenhum desejo. Pôxa, eu poderia sair 
 4 
com uma mulher feia e sair mais feliz do que com um travesti, por mais bonito que 
ele seja. Eu sei lá, eu sou bem decidido nessas opiniões, eu num... Com certeza eu 
podia estar bom, estar normal, consciente. Eu, nem inconsciente, alcoolizado ou 
alguma coisa, eu não sairia. Quem sai… Cada um tem direito de fazer o que quiser, 
mas eu não saía. E quem sai… Cada um tem uma mente, faz o que quiser. Mas no 
meu caso, não rola não, não tem chance não. Poderia até dar um beijo num travesti 
pensando que é uma mulher, porque realmente tem muito parecido. Mas 
descobrindo, sabendo o que que está acontecendo… É igual carne de cobra, você 
come como carne de peixe, mas é carne de cobra. Mas você vê carne de peixe e 
sabe que é de peixe. Mas não rola não. 
Fernando – Comigo nunca aconteceu. Mas assim, quem vai, quem gosta, não tenho 
nada contra. Eles vão ter o prazer deles pra lá, né? Cada um tem sua cabeça, faz o 
que vier primeiro na mente. Eu não tenho nada contra não. Tão se divertindo lá, tão 
feliz… 
Vaz – Vocês acham que o fato de um homem transar com um travesti, isso diminui 
a masculinidade dele, a virilidade dele? 
Bruno – Eu acho que tem um lado também que… Eu acho que se a pessoa tá 
transando com um travesti ela não pode se considerar um homem, ela vai se 
considerar um bissexual. Porque ela vai sentir prazer com um homem na cama. Só 
porque colocou silicone, tá parecido com mulher, ele não vai deixar de ser homem. 
Vai ter o pênis ainda no local, a não ser que ele faça uma operação e seja 
transexual. Aí pode se considerar uma mulher. Aí, se o homem tá transando com 
um travesti ele pode se considerar bissexual. Porque dá mesma forma que ele tá 
sentindo tesão com ele, ele tá sentindo tesão por mulher. Então, no caso, ele pode 
se considerar um bissexual mesmo. 
Dedé – Eu consideraria, sei lá… Até um homossexual. Porque, pô, esse cara sabe 
que não é uma mulher. Se você sabe que não é uma mulher, tem a masculinidade 
ainda, tem o pênis ainda, então não sei… Na minha cabeça não consigo encaixar. 
Então acho que não funcionaria não, no sério. Pôxa, muito melhor uma mulher. 
Cada um tem um gosto, faz o que quiser, mas pra mim ele também é um 
homossexual. 
Fernando – Eu também concordo. Porque deixa se o cara… Se o cara for homem 
mesmo e não sair com o travesti ele é homem. Agora deixa, se ele já saiu com 
travesti, acho que ele não é muito mais homem não (rsrs). Porque se invertir a 
coisa lá, na hora que tá fazendo o sexo lá… E se o travesti quiser e se ele se virar 
pro travesti também? (rsrs) Eu acho que, isso, ele não é homem mais não, ele é… 
Igual ele falou lá, bissexual também. Ele vai rolar, vai curtir a mesma coisa. Eu 
acho pra mim. 
Paulo – Eu respeito a decisão dos três lá, mas eu discordo. Por que eu acho normal 
se o cara… e a pessoa sentir prazer pelo que ele viu é porque ele é homem. Mesmo 
porque se ele não sentir prazer com o travesti, que é quase uma mulher, a mesma 
coisa pode se dizer… O que atrapalha é o pênis mesmo. Aí eu acho que ele não 
deve ser considerado bissexual nunca. Porque conheço também pessoas casadas, 
que têm suas esposas, e já saíram com homem… Com travesti, entendeu? E eles 
são homem cara! Eu acho, na minha opinião, eu não sei se eles vão ser 
considerados bissexual só porque saíram com travesti. Acho que isso aí depende 
deles ter um conhecimento maior. Na minha opinião. 
Bruno – Pelo lado que o Paulo falou “que a pessoa é muito homem, só porque ele 
gosta de travesti não quer dizer…”; tá, ele pode ser considerado sim como um 
bissexual. Porque chega dentro de quatro paredes ele não sabe o que tá fazendo, 
entendeu? Mas se ele saiu… Sabe lá o que ele tá fazendo? Sabe lá se ele tá virando 
uma passiva também? Saiu com o travesti e o travesti é ativo, dependendo do caso. 
Ele pega e sai: se ele for ser ativo tudo bem, mas se ele for passivo ele vai em 
frente também. 
Paulo – Qual deles? Porque o travesti nunca ele é ativo, ele só é passivo. Eu acho 
muito difícil o travesti, o negócio dele endurecer. Acho que não existe isso não. 
 5 
Bruno – Existe sim. Porque eu freqüento muito boate GLS. E conheço muitas 
travestis que sai ali e me contam sobre suas vidas sexuais. E que saem e pegam… 
Sai com homem, e chega na hora H -tem um corpão lindo, maravilhoso mesmo- 
sai, vai pra um motel, pra qualquer lugar e vai ter relações sexuais. E ele pega o 
travesti e troca com o travesti: “não eu não quero ser ativo, eu quero ser passiva”, 
com travesti. O que ele vai fazer? Vai ser ativo. 
Dedé – Eu acho que pra ser homem tem que ser com mulher mesmo. Ser homem e 
mulher e se não é, sei lá, é homossexual ou gay. Eu não sei nem que palavra eu vou 
usar, mas eu acho que o homem, ele foi feito pra mulher. Se ele não se enquadra 
nesse quadro, aí já virou a página. Então, se é homem tem que ser com mulher. 
Pôxa, não tem possibilidade de ser homem e sair com homossexual ou travesti ou 
sei lá… Qualquer coisa.” 
 
A aparente contradição entre o discurso condenatório e a prática sexual com travestis pode 
ser compreendida a partir do modelo de interação homem/mulher presente na cultura brasileira, 
onde o que assegura a virilidade do homem é a sua postura ativa diante da passividade da parceira. 
Este modelo é reproduzido em grande parte dos relacionamentos entre parceiros do mesmo sexo, 
sejam eles circunstanciais ou não (PARKER, 1993). A homossexualidade em nosso país 
caracteriza-se por uma multiplicidade de formas de expressão, dificultando uma categorização 
única. Como refere Parker (p. 331), a homossexualidade no Brasil deve ser caracterizada: “[...] não 
como um fenômeno unitário e sim como fundamentalmente diversificado – um caso, no mínimo, de 
uma variedade de homossexualidades um tanto diferentes, em vez de uma homossexualidade única 
e unificada.” Essa fluidez e flexibilidade da cultura homossexual brasileira podem ser 
compreendidas, no contexto específico dos sujeitos da pesquisa, como manifestação de um 
comportamento semelhante ao que ocorre em outros ambientes onde o intercurso sexual com 
travestis se apresenta como uma alternativa de prática sexual ao alcance de homens auto-declarados 
heterossexuais. 
Pode-se inferir que a variação estatística de práticas sexuais, em geral, e práticas 
homossexuais em particular, não seja tão diferenciada nos distintos períodos da história.Segundo 
Taylor (1997) os espanhóis se escandalizaram com a homossexualidade e o travestismo encontrados 
entre os indígenas americanos do século XVI; o que nos leva a colocar em dúvida a noção corrente 
sobre a homossexualidade ser um fenômeno de incidência maior nos meios urbanos mais evoluídos. 
Baseado em Foulcault, Costa (1996, p. 86) coloca que “a invenção dos homossexuais e 
heterossexuais foi uma conseqüência inevitável das exigências feitas à mulher e ao homem pela 
sociedade burguesa européia”; aliado a isso, o autor coloca que a noção psicanalítica inicial de que 
a homossexualidade decorria de uma interrupção no desenvolvimento psico-sexual do homem, 
ajudou a compor boa parte das crenças sexuais civilizadas da atualidade. Então não seria o caso de 
falar de uma homofobia dos alunos pesquisados, mas da sedimentação de valores e crenças imposta 
pela heteronormatividade cristã que os leva a rejeitar ou praticar (via transgressão) o sexo com 
travestis, pagando o preço que o conflito traz. 
 6 
A homossexualidade surgiu de maneira polarizada nos quatro discursos. As identidades 
sexuais dos sujeitos se sobrepuseram, evidenciando a mutabilidade e os rearranjos discursivos 
utilizados para justificar a aceitação ou rejeição de práticas sexuais específicas. É interessante 
observar que muitas vezes ocorre a compreensão no discurso homossexual de uma essência da 
homossexualidade. Ao definir o desejo homossexual como um impulso independente da vontade 
dos sujeitos, essa compreensão alinha-se ao discurso de vários grupos ativistas gays e lésbicos, 
particularmente aos estadosunidenses, que reivindicam a aceitação social dos homossexuais 
alegando uma origem genética da homossexualidade. Essa explicação naturalista da 
homossexualidade recai, a meu ver, no mesmo equívoco que o discurso hegemônico masculino 
utiliza para justificar a natureza perfeita da heterossexualidade. Aparentemente, essa perspectiva 
reduziria o preconceito, pois a aceitação da diferença seria conquistada por força das vicissitudes 
inevitáveis da natureza. Convém lembrar que este mesmo argumento levou vários grupos de 
pessoas a crerem que a confirmação pela biologia de que não existem raças significaria o fim do 
racismo. O argumento naturalista confere legitimidade apenas à sexualidade dominante, infirmando 
todas as outras. Por essa via, a heterossexualidade autoriza-se como a única orientação sexual que 
está em acordo com as leis naturais, sendo as demais desviantes ou patológicas e sujeitas a políticas 
discriminatórias ou até mesmo de elisão. A livre escolha para o exercício da sexualidade fica 
comprometida e é reprimida por grupos de qualquer orientação sexual defensores de uma essência 
na etiologia das sexualidades. 
Interessante também observar como a aparente aceitação da homossexualidade 
subentendida na fala de alguns sujeitos pode trazer consigo uma definição do homossexual como 
um ser imperfeito. Essa imperfeição é atribuída desde os tempos medievais àqueles que não são 
homens. A princípio, as mulheres foram consideradas seres imperfeitos, com o tempo essa 
significação estendeu-se para homossexuais, bissexuais, transexuais e demais identidades 
consideradas desviantes do padrão normal de homem. Nas interações discursivas ocorridas entre os 
entrevistados, ficaram patentes as disputas de poder que as diferentes posições identitárias dos 
sujeitos provocam nas suas relações. Ficou claro também que, nessas disputas discursivas de poder, 
as identidades se deslocam, transmutam-se, sobrepõem-se de acordo com a aceitação, discordância 
e acordos temporários que os sujeitos fazem para convencer uns aos outros. Mecanismos de 
inclusão e exclusão apareceram nos diálogos, evidenciando a dinâmica de dominação e resistência 
de cada posição identitária demonstrada pelos sujeitos. Desvelou-se no grupo o caráter ambíguo dos 
discursos de masculinidades. Estes se transmutam e não se fixam nas identidades sociais assumidas 
pelos participantes das entrevistas grupais. Portanto evidencia-se a partir das conversações 
analisadas, que a masculinidade hegemônica não segue um padrão único e que possibilita, através 
 7 
das interações discursivas, o seu questionamento e processos cambiantes que apontam para 
masculinidades alternativas. 
 
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