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1 jorge bacelar universidade da beira interior a letra: comunicação e expressão 2 A Letra: Comunicação e Expressão Série - Estudos em Comunicação Direcção: António Fidalgo Capa e Arranjo Gráfico: Jorge Bacelar Execução Gráfica: Serviços Gráficos da Universidade da Beira Interior Tiragem: 500 exemplares Covilhã, 1998 Depósito Legal Nº 129826/98 ISBN - 972-9209-66-9 3 3 5 7 1 1 12 21 26 30 41 42 43 44 45 48 49 51 52 57 58 60 63 66 68 69 70 73 74 79 80 81 82 83 84 89 90 91 92 97 107 113 117 119 122 Índice Nota prévia Introdução A Racionalização do Alfabeto Caligrafia As formas da Tipografia Os primeiros tempos da Tipografia De Plantin a Bodoni Raízes da Tipografia contemporânea Ligações com a vanguarda artística De Constable a Kandinsky Impressionismo Post-impressionismo e expressionismo Fauvismo Art-Nouveau Cubismo Futurismo Da Evolução à Revolução A Irracionalidade (Dada) Surrealismo Arte não-figurativa Descobrir a ordem no caos A vanguarda Russa Arte pela Arte / Arte pela Sociedade El Lissitszky e Alexandr Rodchenko Theo van Doesburg Piet Zwart O Ponto fulcral - Bauhaus Origem A Ideia Tipografia na Bauhaus Johannes Itten Laszló Moholy-Nagy Herbert Bayer Joost Schmidt El Lissitszky e van Doesburg O Fim e o (re)Começo A Nova Tipografia Meios Electrónicos e Formas Tipográficas Conclusão Bibliografia Glossário Índice onomástico 4 A Letra: Comunicação e Expressão Peço-vos que imaginem, perante vós, uma garrafa de vinho e duas taças - uma de ouro maciço, lavrada com a filigrana mais requintada; a outra do cristal mais fino e transparente - os verdadeiros apreciadores de vinho escolherão, a meu ver, a taça de cristal, porque nela tudo está pensado para revelar, e não para esconder, a beleza do seu conteúdo. Beatrice Warde, The Crystal Goblet, Londres, 1955 (cit. por McLEAN, Tipography, Londres, 1980) A Robert Heinlein, Paul Klee e Rolando Sá Nogueira por me terem ensinado a olhar com fascínio para o mundo. A ti, para que não penses que o dedico a outra... (Almada Negreiros) 5 Nota prévia Era intenção deste projecto desenvolver uma investigação sobre a evolução estética dos signos tipográficos (letras, números e caracteres especiais), avaliando-a através de referências contemporâneas nas artes plásticas. Mas, para justificar a invenção da tipografia, há que descrever o Renascimento nas suas vertentes históricas, filosóficas, sociais e económicas. Para compreender a opção de Gutenberg em copiar literalmente o desenho da caligrafia gótica, haveria que recuar um milénio na nossa História para traçar o desenvolvimento da caligrafia e da letra decorada nos scriptoria monásticos, a sua estética própria, as características formais desenvolvidas localmente devido ao isolamento, às guerras territoriais e à miscigenação de tribos “bárbaras” com a civilização romana em declínio. Seria necessário passar pela normalização imposta por Carlos Magno na caligrafia e na produção de documentos. Eventualmente seria necessário recuar ainda mais, até Roma, onde nasce um desenho de letra que ainda hoje é utilizado, bastando para tal observar as letras maiúsculas presentes nesta página, descendentes directas das formas gravadas na pedra dos monumentos romanos... Foi portanto necessária a imposição de limites, pois corria-se o risco de embarcar numa viagem interminável, tantas são as ramificações que cada assunto permite, os motivos de fascínio e pistas de investigação em cada época ou autor. E os limites ficaram assim bastante mais estreitos no aspecto temporal: de meados do século passado até à fundação das bases da tipografia contemporânea. 6 A Letra: Comunicação e Expressão Desde o período romântico até Jan Tschichold, com o estabelecimento e divulgação dos princípios operativos e estéticos do design tipográfico, após o desmantelamento da Bauhaus pelos nazis. Existe uma ideia subjacente (talvez preconceituosa) à investigação proposta: a tipografia reflecte as tendências das artes plásticas, influenciando-as por seu turno. É essa suposição que se pretende confirmar, seguindo esta premissa: cada época possui as suas características históricas, económicas, sociais, religiosas, filosóficas, que condicionam todos os campos da actividade humana. A pintura tem sido vulgarmente utilizada pelos historiadores como padrão para confirmar e ilustrar as suas teses. E a tipografia? O desenho das letras, a forma dos livros, o arranjo das páginas, não estarão igualmente condicionados por esses mesmos factores? Não poderão contribuir igualmente para uma com- preensão mais lata da época? Daí a hipótese da existência dum paralelismo entre a evolução das escolas pictóricas e da estética tipográfica. Produção e comércio do livro. Xilogravura, 1491 7 Introdução No início era o pictograma. Poderia iniciar-se desta forma uma História da Comunicação Não Verbal. Desde que o Homem descobre a possibilidade de estabelecer registos que o transcendam no tempo, que lhe sobrevivam, passando testemunhos de conquistas e derrotas, angústias e alegrias, temores de deuses e demónios. Sobre os mais diversos suportes, com as mais diversas formas e instrumentos, evoluindo no conteúdo, abstractizando-se. Distanciando-se cada vez mais da forma primordial. Mas há um e outro refluxo. E se o pictograma é reapropriado uma e outra vez pelas artes plásticas, o fonograma, descendente distante, adquire uma dimensão estética impensada pelos seus inventores. A letra deixa de ser unidimensional, de poder expressar apenas um som, de estar submetida a um conjunto rígido de regras. Pode tornar-se veículo de significados múltiplos, universalmente reconhe- cidos, ou código secreto, cuja chave é exclusiva do seu autor. É neste intervalo, limitado a um tempo de algumas décadas, que se fará este levantamento sobre a evolução formal dos signos tipográficos. Desde o seu constrangimento à rígida norma gramatical, até à sua emancipação, por parte das vanguardas artísticas do princípio do nosso século, libertando-os do seu significado meramente fonético, extraíndo-os do alinhamento das palavras e das frases, convulsionando as páginas dos livros e dos jornais. Pretende-se encontrar uma linha de coincidências, de inter-relações entre as correntes estéticas que marcaram 8 A Letra: Comunicação e Expressão as artes plásticas e a evolução do design gráfico, nomeadamente ao nível do desenho de letra. Apesar de se tratar de mundos diversos, de questões técnicas divergentes, existe algo em comum entre a pintura e as artes gráficas: comunicação visual. Pressupondo a existência dessa linha de influências recíprocas entre a tipografia e a pintura, seguir-se-á um fio condutor baseado no tempo cronológico: iniciando-o em Gutenberg, terminando em Jan Tschichold, uma espécie de apóstolo da Bauhaus e da tipografia moderna, incidindo uma maior atenção no período de cerca de 100 anos, desde o surgimento da pintura romântica e dos primeiros jornais diários, ao fim da Bauhaus e do estabelecimento do design gráfico como disciplina de comunicação, pois é neste período da nossa História recente que a comunicação visual é elevada à categoria de ciência, passando a desempenhar um papel fulcral na cultura contemporânea, constituindo um dos pilares da Civilização da Imagem. E essa hipotética linha de intersecção, de influências recíprocas, teria o seu início no preciso momento da invenção da imprensa, em meados dos século XV. Os primeiros tipos teriam sido desenhados, gravados, fundidos e utilizados por Gutenberg na sua publicação inicial, supostamente uma Bíblia de 42 linhas, terminada em 1456. 0 invento de Gutenberg consistiu em grande parte na integração de várias tecnologias disponíveis na época (gravação com punçãode aço, moldagem e fundição em matriz metálica ou de areia, prensagem mecânica, tintagem e impressão xilográficas), com a criação de um sistema de fundição de letras individuais que poderiam ser combinadas num número infindável de sequências1. Este sistema passou a constituir a base mecânica da impressão (Silveira, 1985). 1- O princípio de impressão de letras e imagens a partir duma superficie em relevo já era conhecida e aplicada desde a antiguidade. Contudo, esta tecnologia confinava-se à produção de estampas com motivos religiosos e cartas de jogar. 9 Os desenhos de letra baseados nos manuscritos medievais, foram gravados, fundidos e utilizados nos primeiros 50 anos de existência da imprensa. Alguns dos desenvolvimentos técnicos alcançados nesta primeira fase, viriam a tornar-se nas bases de alfabetos tipográficos ainda hoje em uso, não obstante as modificações estruturais sofridas com o desenvolvimento da fotomecânica e da foto- composição. Por exemplo, as letras negras gravadas por Gutenberg, continuaram a ser utilizadas praticamente sem alterações na Alemanha, até meados do século passado. Mas existem outros desenhos tipográficos primitivos que, reflectindo igualmente sensibilidades medievais acabariam por ser abandonados, sendo hoje tão estranhos e invulgares aos nossos olhos como as letras manuscritas que lhes deram origem. É o caso do primeiro alfabeto gravado em Inglaterra por Wiliam Caxton, baseado numa letra negra Inglesa, que ostenta um aspecto muito mais grosseiro e desagradável, se comparado com os tipos huma- nísticos seus contemporâneos, tipos estes que viriam a determinar por muito tempo as normas estéticas dos caracteres de imprensa. A dificuldade e o extremo trabalho necessário para a produção de tipos, condicionaria a proliferação de estilos e corpos, que só se tornaria viável com o aumento do número de gravadores, impressores e desenhadores treinados para este novo ofício. Letra negra Inglesa, de Williarn Caxton, 1477 Caracteres Humanísticos, de Aldus Manutius, Veneza, 1475 Introdução 1 0 A Letra: Comunicação e Expressão Contudo, estimam-se entre 8 e 10 milhões de volu- mes produzidos até 1500, ou seja, menos de 50 anos após a conclusão da primeira obra impressa (Drucker, 1995). O princípio inventado por Gutenberg permitiu imitar a escrita manuscrita, conseguindo a transformação desta numa escrita mecanizada. A forma tipográfica adquire, a partir da sua origem e do seu constante confronto e coexistência com a escrita manuscrita, uma permanente tendência cursiva no seu sistema normalizado. Daqui surge uma oposição típica entre cursividade e normalização, entre a pulsão individualizante e a norma socializante, entre a individualidade2, e os códigos sociais que facilitam a comunicação (Blanchard et al, 1992). A imprensa será para a caligrafia o que a fotografia é para o desenho: uma imitação mecanizada do acto manual de traçar, escrever, desenhar ou pintar. Por isso, a industrialização converterá a tipografia na grande difusora da mensagem escrita. A tipografia começa no Ocidente com a imprensa gutenberguiana e situa os pontos chave do seu desenvolvimento sucessivamente na Alemanha, Itália e França, com as letras Gótica, Humanística e Romana Moderna. Após Gutenberg, a tipografia seria reinventada inúmeras vezes: os tipógrafos tentariam perma- nentemente ajustar um sistema mecânico à evolução da escrita manual. Desde que se iniciou a multiplicação dos caracteres, de início artesa- nalmente (sobre madeira e, mais tarde, sobre metal), e depois de forma industrial, as tradições da escrita (ou das escritas) estabeleceram uma série de referências sobre as formas da tipografia. Destas referências extraíram inspiração os sucessivos criadores. Obtiveram-se assim formas 2 - Por individualidade, neste contexto, entenda-se não só a grafologia dos indivíduos, mas também a dos povos e das épocas. 1 1 alteradas, modificações e simplificações, numa série de evoluções e involuções, marcando percursos para futuros diferentes ou para um regresso ao passado. A Racionalização do Alfabeto É pacífica a ideia de que a invenção da imprensa trouxe alguma normalização à escrita alfabética. No entanto, deveremos ter em conta que a própria escrita continuou a diversificar-se formalmente, à medida que as suas funções se especializavam. A palavra impressa é apenas uma das áreas do território mais vasto das formas escritas produzidas no Renas- cimento. Tal como na Idade Média, em que as tradições da gravação em pedra subsistiram em simultâneo com o desenvolvimento de métodos altamente diferenciados, tanto para a produção de textos manuscritos, como para uso em documentos da actividade secular, também no Renascimento essas tradições foram mantidas, reinterpretadas de acordo com as necessidades das diversas áreas da actividade humana servidas pela linguagem escrita. Gutenberg ficaria relacionado com a imitação da chamada letra gótica, que se empregava na sua época e região. Aldus Manutius, entre outros, situa-se no período da escrita latina cursiva, “descoberta” pelos humanistas e utilizada nas chancelarias (ministérios e repartições oficiais do Vaticano) até aos começos do século XVI. Adoptada e adaptada dos grafismos romanos, a capital monumental das inscrições lapidares e a capital rústica, formaram o esqueleto original, sendo esta tipografia a que mais tempo prevaleceu como norma estética, persistindo ainda hoje em grande medida por todo o mundo ocidental. Introdução 1 2 A Letra: Comunicação e Expressão A Didot caberia a criação do primeiro sistema de medida de corpos de letra, o ponto didot, sistema que ainda hoje vigora em todo o mundo ocidental3 (Blanchard et al, 1992). Bodoni estabeleceria finalmente um sistema conceptual que auto-nomizaria o desenho tipográfico da caligrafia, imprimindo aos signos tipográficos um carácter de rigor e formalismo mecânico, reflexo da racionalidade cada vez mais presente na produção tipográfica. Caligrafia O milénio compreendido entre a queda do Império Romano e a invenção da Imprensa testemunhou o desenvolvimento da escrita, tanto como efectivo meio de comunicação, como na sua vertente decorativa. Fortemente localizada no contexto das actividades da Igreja, nomeadamente nos mosteiros, a caligrafia também se desenvolveu nos domínios do poder secular. 3- A tipografia anglo-saxónica desenvolveu um sistema de medidas alternativo ao ponto Didot, no qual se utiliza o ponto pica como unidade de medida. No entanto, o ponto Didot coexistiu com este sistema até à universalização dos sistemas de edição electrónica, vindo a cair em desuso, desde então. Tipografias gótica (fragmento da Biblia de Gutenberg), humanística (“Opera... nella qualle si insegna a scribere”, Aldus Manutius, Veneza, 1554) e bodoniana (“Manuale Tipografico” de Bodoni, 1818) 1 3 Neste período, várias escritas adquiriram identidades gráficas próprias, assim como se desenvolveram formas altamente sofisticadas de decoração, transformando as formas das letras iniciais em ornamentos visuais de grande beleza e variedade. Apesar de individualizadas, as formas escritas na Europa da Idade Média derivam todas da mesma fonte Romana, vindo a ser gradualmente modificadas por influências diversas. No entanto, a decoração das letras iniciais revela a presença de influências anteriores a Roma, oriundas nomeadamente das artes metalúrgicas de tribos que migraram para a Europa Setentrional ainda antes da era Cristã. À medida que o Império Romano declinava, o papel da escrita foi apropriado pelos monges, passando os scriptoria monásticos a ser os centros de maior produção de escrita durante esta época (com o estabelecimento, entre 400 e 900 d.C., de mosteiros por todo o continente Europeu e Ilhas Britânicas), aí se garantindo a perpetuação do saber atravésda cópia e iluminação de manuscritos. A escrita só voltaria aos domínios da vida secular com o desenvolvimento das universidades, a partir do século XII. As mudanças foram ocorrendo, adaptando-se a escrita às transformações sociais. A escrita mudou de campo: das inscrições monumentais, da poesia clássica, do registo de textos legais e históricos, para a cópia de textos religiosos e clássicos no seio das comunidades religiosas. Estas transformações foram acompanhadas por algumas inovações técnicas: o vellum (vel ino) subst i tuiu o pergaminho como suporte material e o codex (folhas agrupadas em livros) substituiu definitivamente os rolos. Introdução 1 4 A Letra: Comunicação e Expressão As capitais monumentais, concebidas para inscrições na pedra, foram substituídas por configurações gráficas originadas pelo uso da pena em vez do cinzel. Três formas de escrita foram legadas por Roma: a capital monumental, que se degradou na sua adaptação à escrita manual, a capital rústica, originada pela escrita a pincel ou estilete, cuja adaptação à forma caligráfica foi muito mais fácil e imediata, e a uncial4, escrita cursiva latina, ainda de configuração maiúscula, que seria a fonte donde viria a derivar a maior parte da produção caligráfica medie- val. Surgiram igualmente novas formas cursivas, provenientes dos grafismos rápidos da escrita à pena, caracterizando-se por uma simplificação gráfica dos caracteres. Este cursivo, tal como outras escritas de chancelaria produzidas por uma escrita rápida, era muito utilizado em documentos oficiais que não requeriam o carácter grandioso dos desenhos de letra utilizados para as gravações lapidares (Ansel- mo,1991). No entanto, cada escriba possuia o seu próprio sistema de notação gráfica, o que provocava enormes dificuldades na interpretação dos registos. Finalmente, a divisão dos elementos ao longo do texto passa a ser visualmente marcada de modo a Caracteres unciais 4- o termo uncial é atribuído a uma declaração de S. Jerónimo, no século IV, condenando a utilização nos manuscritos de caracteres excessivamente grandes, com a altura de uma polegada, que os tornava ineficazes e deselegantes (Drucker, 1992). Do termo latino para polegada, uncia, derivou uncial. 1 5 que títulos, inícios de frase, conclusões e comentários se organizem espacialmente, indiciados por diferentes tamanhos e desenhos, num grau de maior complexidade do que era praticável nas inscrições monumentais. No século IV existiam mosteiros por toda a Itália e Sul de França, onde formatos romanos como a uncial e a meia-uncial tiveram o seu desenvolvimento. No século seguinte as tradições célticas emergiram, interligando-se com o estabelecimento do Cris- tianismo na Irlanda. Com a expansão para Inglaterra, a escrita viria a sofrer novas influências de origem Anglo-Saxónica. Nos inicios do século VII estavam já estabelecidos scriptoria por todo o Norte da Europa. Sendo locais muito sensíveis dos mosteiros, estavam muitas vezes instalados em torreões fortificados ou em zonas interiores, em busca de uma maior invul- nerabilidade em caso de ataque5. Em meados do século IV uma forma modificada, conhecida como meia-uncial, surgiu no sul da Europa, ganhando rapidamente popularidade. Foi este o primeiro alfabeto a apresentar uma minúscula regularizada, vindo a tornar-se norma para toda a produção escrita referente aos assuntos da Igreja por todo o continente (Drucker, 1995). Nos séculos IV e V, aproveitando a desagregação do Império, movimentos migratórios de tribos não romanizadas iam ganhando terreno e, das misturas culturais provenientes da sua fixação, emergiram entidades política, social e culturalmente isoladas. A consequente diversidade cultural exarcebaria a diferenciação das formas escritas de tal modo que em vez de traçar uma simples linha de evolução, seria necessário fazer referência às escritas de localidades específicas, povos e períodos históricos. 5 - O valor atribuido aos livros era de tal modo elevado, que o roubo de um manuscrito era considerado um crime grave. Os copistas por vezes invectivavam os potenciais ladrões, gravando maldições nos manuscritos: “Se alguém levar este livro, que sinta a morte, que seja frito em óleo fervente, que as doenças e as febres tombem sobre ele, que seja quebrado na roda e enforcado. Amén.” (Drucker 1995: 94) Introdução 1 6 A Letra: Comunicação e Expressão Enquanto a uncial romana e a meia-uncial se estabeleciam e desenvolviam nos Estados Italianos, foi nas Ilhas Britânicas que estas formas adquiriram características de excepção e um grau de sofisticação estética inultrapassadas na escrita medieval. É de notar que a Irlanda nunca fizera parte do Império Romano, tendo a escrita latina entrado no território com os missionários cristãos. Aí introduzida, a meia-uncial rapidamente evoluiu para um estilo regional, conhecido como uncial artificial, com uma elaboração formal muito mais cuidada. Entre os séculos VI e IX os monges Irlandeses trabalharam num relativo isolamento das influências continentais (e mesmo Britânicas), desenvolvendo uma forma escrita que atingiria o seu apogeu por volta do ano 800, com a produção de obras como o Livro de Kells. Neste livro estão presentes os elementos plásticos que caracterizaram o estilo Hiberniano (Irlandês). Nesta forma caligráfica, fez- -se uma utilização sistemática de ligações entre letras, definindo-se um formato original com sarifos densos, quase triangulares, proporcionando aos caracteres uma sugestão de movimento fluído e gracioso (Meehan,1994). A flexibilidade dos copistas perante a forma dos caracteres permitiu-lhes modificar a sua aparência (enquanto letras individuais ou mesmo enquanto palavras) sem grandes constrangimentos, de modo a poderem acomodá- las com elegância dentro dos limites da página. Não condicionados por fórmulas que impusessem sequências lineares, os copistas deram largas à sua criatividade, descobrindo processos originais para o tratamento gráfico dos textos. Além das complexas soluções descobertas para a resolução dos problemas impostos pelo tratamento dos 1 7 textos, as páginas do Livro de Kells contêm algumas das mais elaboradas iluminuras jamais produzidas. Entretanto, o desenvolvimento de escritas locais na Europa nos séculos V e VI reflectia a contínua redistribuição do poder, as sucessivas vagas de invasão e as alterações na composição cultural das diferentes regiões. No final do século V o primeiro rei dos francos, Clovis, consolidou as tribos estabelecidas ao longo do Reno, constituindo o reino Merovíngio. A escrita de livro Merovíngia que surgiu nesses territórios passou a constituir a norma da Livro de Kells. Evangelho segundo S. Lucas, pormenor do folio 250v. Introdução 1 8 A Letra: Comunicação e Expressão escrita dos francos. Esta caligrafia caracterizava-se pelas suas verticais muito pronunciadas, formas tortuosas, ramificações e convulsões gráficas. Um dos problemas que estes documentos viriam a provocar no futuro, seria o da extrema dificuldade na sua interpretação, pois para além dos já referidos grafismos intrincados que os caracterizavam, muitos copistas ignoravam o seu significado por não dominarem o latim, limitando-se a reproduzir os textos que tinham perante si por simples observação visual. O período seguinte de relativa estabilidade e unidade na escrita europeia surgiu nos finais do século VIII, com a consolidação do poder de Carlos Magno, estabelecendo uma unidade administrativa nos domínios políticos e culturais. Em 789, a minúscula Carolíngia foi instituída por decreto e floresceu, como instrumento e como signo desta ordem política, mantendo-se como padrão de escrita por toda a Europa, até cerca do ano 1000 (Drucker, 1995). As minúsculas carolíngias denotavam claras influências Romanas, nomeadamente no formatoda meia-uncial, influências essas que teriam sido deliberadamente marcadas e promovidas pelo próprio Carlos Magno, no sentido de demonstrar que o seu poder e o seu reinado derivavam em linha recta da antiga ordem Romana. Esta continuidade seria ainda mais enfatizada pela adopção do desenho das capitulares quadradas romanas como norma para a titulação dos manuscritos carolíngios. Ainda nesta fase de normalização da escrita, foram determinadas as proporções verticais das letras, eliminando-se os exageros estilísticos dos seus ascendentes e descendentes (porções da letra que ultrapassam as linhas que delimitam a altura do seu corpo), através do estabelecimento duma Escrita Merovíngia 1 9 estrutura de orientação e contenção do texto, composta por quatro linhas horizontais (Wilson, 1991). O resultado final foi um desenho de letra que viria a influenciar os calígrafos Italianos dos séculos XV e XVI, atraídos pela sua clareza, legibilidade e elegância, bem como pela aura clássica que possuía e transmitia. Os modelos destes primeiros calígrafos do Renascimento, por seu lado influenciariam o desenho dos primeiros tipos fundidos em Itália. Através desta linhagem, a minúscula carolíngia teve uma influência marcante no design de muitas caracteres tipográficos ainda hoje em uso. No fim do século IX o império de Carlos Magno começaria a desintegrar-se, devido tanto aos conflitos internos entre os seus descendentes, como devido às incursões agressivas de várias tribos em migração. Vikings, no norte, Magiares, vindos da Ásia Central, a leste, e a pressão dos Árabes por todo o Mediterrâneo, Palestina e Península Ibérica, contri- buiriam decisivamente para o restabelecimento do caos na Europa. Apesar da persistência da escrita carolíngia durante algum tempo, em meados do século XI a diversidade tinha reassumido o terreno das formas escritas. Nos Minúsculas Carolíngias Introdução 2 0 A Letra: Comunicação e Expressão séculos XII e XIII, com a fundação das primeiras Universidades em vários pontos da Europa e, em consequência, com o ressurgir de uma cultura laica, a escrita deixa de ser património quase exclusivo das ordens religiosas. A maior procura de textos, por um público cada vez mais vasto e exigente (nobres, professores e estudantes das Un- versidades), contribui para o surgimento de um novo ofício, o de amanuense, que se torna cada vez mais importante e difundido, sobrevivendo até muito tempo depois da invenção da imprensa com caracteres móveis. Estes escribas laicos organizaram oficinas (chegando mesmo a constituir corporações) onde cada exemplar do livro a copiar era dividido em cadernos distribuídos a diversos copistas de modo a suprimir um pouco a lentidão dos processos de cópia, acelerando a sua produção (McMurtrie, 1965). A pesquisa de novas técnicas para acelerar o processo reprodutivo torna-se rapidamente numa exigência, dada a crescente procura de livros por uma sociedade que descobre o valor e a necessidade de instrumentos idóneos para o seu desenvolvimento cultural. E são estas exigências e estas experiências organizativas que vão criando o cenário para o surgimento de um dos maiores inventos da História: a imprensa de caracteres móveis. Mesmo após a aparição e consolidação deste invento, devido à normalização estabelecida com a fundição dos tipos de imprensa, os copistas e os amanuenses não desapareceram, continuando em linha paralela com a imprensa de caracteres móveis, concorrendo com ela, influenciando-a formalmente, estabelecendo e desenvolvendo a caligrafia como forma autónoma de arte. 2 1 As formas da Tipografia No Ocidente existem dois grandes grupos tipográficos: os Latinos (conhecidos como Antiqua, na tradição anglo-saxónica) e os Góticos (Letra negra ou Inglesa antiga). Cada um está subdividido em numerosas famílias, que frequen- temente não apresentam fronteiras claramente definidas. O desenvolvimento das formas tipográficas que mais nos dizem respeito começou em Roma. A escrita Romana com formas básicas provenientes do quadrado, triangulo e círculo, era realizada em letras capitais. Estas, enriquecidas por entradas posteriores - G, J, K, U, W, X, Y e Z - quando reduzidas à sua estrutura, apresentam um ritmo visual único e agradável, independentemente da sequência l inear em que se encontrem organizadas. Esta escrita, originalmente utilizada apenas na gravação em pedra, foi entrando noutros domínios, passando a ser registada diariamente em tábuas de cera, adaptando-se ao instrumento de escrita utilizado, o estilete, bem como à velocidade de registo que este permitia. A escrita foi-se tornando cada vez mais estenográfica. Quando a pena de ganso passou a ser utilizada, assim como o papiro e o velino adoptados como materiais de escrita, surgiram as capitais rústicas. Geralmente apresentavam-se inclinadas devido à velocidade a que podiam ser escritas. As capitais rústicas corriam (do Latim currere): daqui provém a designação de cursivas às letras que imitam a escrita caligráfica. São igualmente a fonte dos tipos classificados como itálicos, pois a sua primeira Introdução 2 2 A Letra: Comunicação e Expressão versão surge em Itália, criada pelo impressor veneziano Aldus Manutius em l501. A escrita dos primeiros séculos do Cristianismo era a uncial, derivada do arredondamento do desenho das antigas capitais Romanas. Nem as rústicas nem as unciais possuíam letras minúsculas. Apenas existiam algumas tentativas para melhorar a sua legibilidade pelo recurso aos ascendentes ou descendentes. A primeira tentativa de construção de um alfabeto com maiúsculas e minúsculas verifica- se com a meia-uncial, onde existem variações na escala dos caracteres, no sentido de obter contraste e hierarquia entre as letras grandes (maiúsculas) e as pequenas (minúsculas). Com o renascimento científico no reinado de Carlos Magno, a preocupação com a preservação e uso da palavra escrita teve novo incremento. Era necessária uma forma de escrita que fosse fácil de produzir e ler. Desenvolveu-se então uma caligrafia a partir da uncial e da meia-uncial com uma grande variedade de formas, tanto rectilíneas como redondas, que podia ser rapidamente produzida com uma pena de ganso. Trata-se da primeira escrita a apresentar uma minúscula normalizada e com um desenho próprio, independente do formato da maiúscula corres- pondente. No norte da Europa, o período gótico influenciaria igualmente as formas caligráficas, que se tornariam ponteagudas, quebradas e esguias, originando assim a letra negra, fonte de uma das duas grandes famílias tipográficas ocidentais. A classificação de formas caligráficas e tipográficas é um campo em que calígrafos, designers tipo- gráficos, gravadores, pintores, editores e estudiosos de várias áreas do saber devotaram a sua atenção ao 2 3 longo dos séculos, com graus de sucesso variáveis. Nenhum sistema foi estabelecido, apesar dos esforços para encontrar uma classificação aceitável universalmente. Uma situação semelhante ocorre na classificação das artes: os mesmos estilos e períodos foram baptizados com nomes diversos, épocas distintas numa classificação, uniformizadas noutra, provocando a desorientação e o erro. Sem entrar em detalhes profundos, os caracteres tipográficos em uso na nossa época podem ser assim caracterizados: A primeira família, os caracteres latinos (ou romanos), tem três classes: 1 - Veneziana, incorrecta mas tradicionalmente conhecida como Medieval. Representativos desta classe são os caracteres de Garamond, Aldus Manutius e Jenson, desenhados e utilizados nos séculos XV e XVI. As maiúsculas deste período reproduzem as inscrições em pedra feitas mais de mil anos antes em Roma. Os pés, diagonais e sarifos, que foram acrescentados no século VII às letras pequenas, devido ao grafismo dos aparos de pena manipulados numa posição oblíqua ao plano de escrita,evoluiram gradualmente até à sua fixação definitiva em tipo metálico. 2 - Romana Antiga, que surge no período barroco. Os exemplos mais marcantes provêm das tipografias de Janson, Caslon, Baskerville e Fournier, caracterizados pelo reforço do contraste entre bastões e filetes, bem como do aumento da variedade de formas de letra, possíveis com as técnicas de gravura em chapa de cobre. 3 - Romana Moderna, o formato do período neoclássico, utilizado até à época Vitoriana. Os Introdução 2 4 A Letra: Comunicação e Expressão nomes mais representativos são os de Bodoni e Didot. Muitas versões destas Romanas Modernas foram feitas até às primeiras décadas do século XIX, mantendo-se algumas delas ainda em uso, transformadas e adaptadas aos gostos e tecnologias actuais. Surge então outra grande familia tipográfica de caracteres lineares, mas morfologicamente descendente da latina, conhecida com designações tão diversas como Gótica, Grotesca, Egípcia, Italiana ou Clarendon. Estes nomes pouco ou nada têm a ver com as características morfológicas desta família, devendo-se a fantasias e tradições surgidas no meio tipográfico. Pode ser subdividida em duas classes: - Lineares Sans-Sarif, cujas linhas uniformemente finas reflectem a estrutura dos caracteres latinos. Eram escritas ou desenhadas com um aparo redondo. - Lineares com sarifos, à semelhança da classe an- terior que se caracteriza pela (quase) uniformidade na espessura dos seus traços, mas que possui sarifos. As Egípcias apresentam sarifos com a mesma espessura das linhas estruturais, sendo caracterizadas pela sua ortogonalidade, sem arredondamentos nas intersecções. A Italiana (que nada tem a ver com os tipos itálicos), é legível e tolerável apenas em palavras isoladas. Tem linhas horizontais e sarifos densos, contrastando com a ligeireza das verticais. As Clarendon, diferem das Egípcias pela diferença de espessura entre bastões e sarifos, bem como pelo seu arredondamento nos pontos de intersecção com a estrutura do caractere. Os tipos Cursivos desenvolvidos a partir dos textos escritos nas Chancelarias, bem como pelo 2 5 interesse por eles demonstrado no Renascimento, tiveram um período de cerca de dois séculos a partir da invenção da imprensa em que se podiam considerar uma família tipográfica autónoma. Ao longo do tempo foram perdendo essa autonomia, passando actualmente a ser apenas variantes de qualquer classe tipográfica. A sua função resume-se à diferenciação de partes do texto (citações e destaques). Por último, os tipos de Fractura, Góticos ou Letra Negra, estão a ser cada vez mais postos de parte. No tempo de Gutenberg, em meados do século XV, a Letra Negra Estreita ou Escrita de Livro era o padrão em vigor em quase toda a Europa. As curvas das letras eram decompostas em pequenos segmentos lineares originados pelo aparo cortado em bisel, originando páginas com uma textura notável, mas de difícil leitura. Desde o início da tipografia que os artistas gráficos (tipógrafos, gravadores, designers) têm feito inú- meras experiências no campo da concepção e desenvolvimento de novos desenhos tipográficos. No nosso século, essas tentativas são inúmeras, veiculando na maior parte dos casos mais o cunho do seu autor do que propriamente uma inovação marcante, seja nas características formais, seja na eficácia e legibilidade do tipo. Muitas demonstraram, com o passar dos anos, ter tanta qualidade como as antigas, enquanto a maioria simplesmente se desvaneceu, dado se limitarem a ser forma sem conteúdo, simples ecos de modas. A letra n em sete variações de tipo redondo. Da esquerda para a direita: Veneziana (também chamada Medieval), Romana Antiga, Romana Moderna, Sans Sarif (ou Grotesca), Egípcia, Italiana e Clarendon. Introdução 2 6 A Letra: Comunicação e Expressão Os primeiros tempos da Tipografia No princípio do século XV os livros eram inteiramente manuscritos. Apesar de se utilizar ainda o pergaminho ou o velino (pele de vitela especialmente tratada), o uso do papel, feito de desperdícios e trapos de linho, era cada vez mais comum. O comércio de livro já existia, e a sua manufactura estava, como já foi referido, organizada em rudimentares linhas de produção. No entanto, o livro continuava muito longe de ser um objecto de uso quotidiano. Dada a situação quase universal de analfabetismo, os conhecimentos continuavam a transmitir-se oralmente, sendo os eruditos abastados, instituições eclesiásticas e algumas casas da alta nobreza, os únicos que poderiam dar-se ao luxo da sua compra, pois um simples livro de papel poderia custar até dez vezes o salário de um operário qualificado. Mas a instrução ia-se alargando, fundavam-se Universidades, e era imperioso descobrir um método de produzir livros mais eficiente e rápido do que a reprodução manual de cada uma das suas letras. Gutenberg, ourives de ofício, sabia como fundir objectos metálicos, moedas, por exemplo, como cunhar ou estampar letras ou imagens no metal. A sua ideia consistia no estabelecimento de um processo de mecanizar a produção de livros, adoptando estas técnicas para copiar os seus textos. Ignora-se como ou quando concebeu a ideia de fundir caracteres metálicos individuais, combináveis em palavras que, uma vez impressas, seriam desmontadas para reorganizar os caracteres em no- vas palavras que seriam de novo impressas. O 2 7 Introdução importante é que essa ideia foi levada à prática, provocando assim uma das maiores mudanças na história da humanidade. Gutenberg teve a visão de conjugar todas as técnicas e matérias primas já existentes e ao seu dispor, acrescentando-lhes o conceito inovador do caractere móvel. O papel e o velino que existiam em quantidade suficiente, tintas, prensas de madeira utilizadas para o linho e as uvas, modelos para copiar com uma caligrafia de grande regularidade, bem como os conhecimentos de metalurgia e de ourivesaria que possuía, constituíram os ingredientes necessários para pôr em marcha a sua ideia. Gutenberg tinha também a sensatez necessária para saber que o êxito do seu invento dependia da total verosimilhança entre o produto impresso e o livro manuscrito. Para o conseguir, teve de cunhar e fundir várias versões dos mesmos caracteres, bem como diferentes ligações entre letras, de modo a poder imitar todas as variações do manuscrito escolhido para reproduzir. Fundiu assim uma familia tipográfica que ultrapassava os trezentos tipos, número exorbitante, se comparado com uma qualquer família tipográfica moderna que, com caixa alta, caixa baixa e caracteres especiais, em pouco ultrapassará os cinquenta tipos. O processo de fundição dos caracteres consistia numa sequência de operações iniciada com a gravação de cada letra ou sinal em relevo num bloco de aço, originando os punções correspondentes a cada caractere. Estampando estes punções num bloco de metal mais maleável, obtinham-se as matrizes, que por sua vez eram aperfeiçoadas até se transformarem no molde final. Nestes moldes era vertida uma liga metálica que tinha de responder aos seguintes Algumas das cerca de 300 letras e ligações alternativas necessárias para simular as páginas manuscritas. 2 8 A Letra: Comunicação e Expressão quesitos: permitir uma fusão fácil, uma fluidez uniforme do metal dentro do molde e uma resistência ao desgaste que permitisse pressioná-lo inúmeras vezes contra o velino ou o papel, mantendo a nitidez do desenho inicial. Esta liga era composta por chumbo, antimónio (que aumenta a dureza e reforça os filetes) e estanho (que impede a oxidação e facilita a fusão do chumbo), e a sua fórmula manteve-se praticamente inalterada até ao advento da fotocomposição (McLean, 1980). No capítulo da impressão, Gutenberg constatou que a melhor tinta era uma mistura de óleo de linhaça e de pigmentos utilizada pelos pintores de óleos. É de referir que a sua qualidade,no que respeita à densidade dos negros e indelebilidade, nunca foi superada. Gutenberg compôs a sua Bíblia com caracteres cujo desenho imitava a caligrafia que a Igreja do Norte da Europa utilizava para produzir as suas Bíblias e missais6. Trata-se de uma letra classificada como gótica negra ou gótica de forma (Fioravanti, 1983). Tem um desenho esguio, rectilíneo, praticamente sem curvas, mais desenhada que escrita. O seu formato, para além das semelhanças morfológicas com a arquitectura da Europa Setentrional, seria motivado pela necessidade de colocar em cada linha o maior número possível de letras, dado o custo do velino e do papel (McLean,1980). Quanto à sua legibilidade, o mínimo que se pode dizer é que é deficiente. Os caracteres não são suficientemente diferenciados entre si: o n, por exemplo, é composto por dois ii e o m por três, fazendo com que combinações como mni se tornassem confusas. Mas a legibilidade não ocupava grande espaço entre as preocupações dos copistas 6- A Bíblia de 42 linhas é considerada o primeiro livro impresso no ocidente: a sua realização foi uma tarefa tão imensa e onerosa que terá provavelmente sido a causa da ruína de Gutenberg. Consta de 1286 páginas no formato 290 x 409 mm, repartidas em dois volumes. Calcula-se que os exemplares realmente impressos por Gutenberg rondassem os duzentos, sendo cerca de trinta sobre velino. Dos 48 exemplares conhecidos (36 sobre papel e 12 sobre velino), só 21 estão completos (McMurtrie, 1965). 2 9 Introdução medievais. Esta caligrafia formal permitia realizar páginas muito densas, com uma textura muito característica. O que se perdia em legibilidade, ganhava-se em beleza. Enquanto a letra gótica, nas suas diversas variantes, seria o tipo mais utilizado na Alemanha até meados do nosso século, os estudiosos humanistas da Itália do século XV preferiam os caracteres redondos; os impressores que protagonizaram a expansão da tipografia a todos os cantos da Europa, iam fundindo famílias de caracteres copiadas das caligrafias que os seus Página da Biblía de 42 linhas de Gutenberg 3 0 A Letra: Comunicação e Expressão clientes preferiam. Nas obras dos impressores que, tendo ultrapassado os Alpes, se iam fixando cada vez mais para sul, pode verificar-se a substituição da gótica negra pela redonda (ou humanística). Numa outra direcção geográfica, Inglaterra, a imprensa também se expandia. Em 1476 já aí se encontrava, pela mão de William Caxton. Todos os tipos utilizados por Caxton eram variantes da gótica negra, ou adaptações da caligrafia medieval anglo-saxónica, que originariam a letra negra inglesa. Gradualmente, os impressores ingleses foram adoptando os critérios estéticos seguidos em França, abandonando a gótica, substituindo-a pela redonda (Fioravanti, 1983). De Plantin a Bodoni No princípio do século XVI, os livros impressos começavam a tornar-se objectos verdadeiramente autónomos, e não meras cópias de manuscritos. O que não aconteceu sem oposição: os copistas, vendo no avanço da imprensa uma séria ameaça para o seu ofício, cerraram fileiras, tentando lançar a suspeita sobre a legitimidade dum processo que pretendia reproduzir a palavra de Deus sem a intervenção do Homem. Havia igualmente repulsa da parte de alguns bibliófilos, que declaravam jamais admitir a presença dum livro impresso na sua biblioteca (McLean, 1980). Ao princípio lenta e cautelosamente, e depois cada vez mais depressa, o progresso da imprensa praticamente acabou com o ofício de copista; só então houve liberdade e terreno para se estabelecerem convenções e características próprias. A portada 3 1 Introdução (ou página de rosto), que quase nunca existira nos manuscritos, tornou-se norma. Geralmente era aí impressa a marca e o nome do impressor (que era cumulativamente, o editor). Foi desenhada a cursiva em Itália (motivo por que também foi conhecida por itálica), inspirada na caligrafia rápida usada na produção de documentos nas cancelarias do Vaticano e das Cortes (daí ser igualmente conhecida como Chanceleresca). A cursiva tornou- -se rapidamente numa alternativa tipográfica para os caracteres redondos, já que tinha a vantagem de ser simultaneamente compacta e elegante, mantendo-se como família tipográfica autónoma durante cerca de dois séculos, vindo a transformar- se gradualmente no que é hoje, uma variação da redonda. A mais antiga representação conhecida de uma prensa tipográfica. Xilogravura, com a marca de um impressor francês (Josse Bade, sécs. XV e XVI). 3 2 A Letra: Comunicação e Expressão Neste mesmo período verificou-se que já não havia necessidade de decorar manualmente os livros impressos, pois as técnicas de gravação e impressão com chapa de cobre ou aço já estavam perfeitamente conhecidas e dominadas. Entre os impressores-editores do século XVI, o mais célebre terá sido Plantin, que estabeleceu uma oficina que se manteve em actividade por mais de 300 anos. Plantin estabeleceu algumas das características formais do desenho tipográfico em França que viriam a influenciar toda a produção livreira na Europa Ocidental nos séculos seguintes. Nesta casa editora ter-se-ia dado início à colaboração regular entre artistas plásticos e gráficos. Rubens, por exemplo, desenhava e gravava portadas em chapa de cobre para as edições de Plantin (Drucker, 1995). Nas artes plásticas deste século verifica-se a solidificação dos princípios filosóficos do Renas- cimento. O fascínio pelas civilizações clássicas, o ideal humanista tendente a tornar o Homem na medida de todas as coisas, a procura da verdade pelo estudo com o abandono gradual do dogma religioso. Até ao surgimento do capitalismo moderno e do estado absoluto, as imagens eram escassas, tinham um carácter único, o seu preço (mesmo para as de pior qualidade) era elevado, eram concebidas como instrumento didáctico ou político de uso colectivo (igrejas e edifícios públicos) e, em qualquer caso, apenas as classes dominantes podiam deter, a título privado, um grande número de imagens para uso e fruição particular. Esta situação adquire novo aspecto no fim do período medieval. Por um lado, o sistema feudal começou a ser ultrapassado pelo moderno Estado centralizado, graças a um complexo movimento social que traria 3 3 Introdução consigo o fim da servidão da gleba e o crescimento das cidades. O aumento da circulação monetária permitiria, sobretudo nalgumas regiões, iniciar um movimento expansionista para a indústria e o comércio. O descobrimento de novos territórios e de novas vias comerciais, incrementando o crescimento geral da riqueza traria consequencias psicológicas notáveis, de que se pode destacar o desenvolvimento do individualismo. Coincidindo com a aparição do capitalista, o industrial ou o comerciante independentes, que triunfam a título exclusivamente pessoal, de um modo similar ao do general ou do escritor, o artista, produtor de imagens, afirma mais do que nunca a sua posição privilegiada na tentativa de alcançar a independência relativamente às antigas mas ainda poderosas corporações profissionais. No seu campo de acção, o antigo repertório temático (iconografia religiosa) é ampliado graças à importância que é atribuida à mitologia e à história clássica, sabiamente utilizadas em função dos interesses do cliente. Por outro lado, outros géneros menos comuns até então, como o retrato ou a paisagem, testemunham a crescente importância dada ao indivíduo e a progressiva utilização figurativa do meio natural (ruínas, paisagens ideais). Sem sair do campo da arte tradicional, é de salientar que as inovações nas técnicas pictóricas e escultóricas contribuiram de modo significativo para aumentar a “densidade iconográfica” (Ramirez, 1976:23). A pintura sobre madeira, de pequeno formato e custo, em comparação com o fresco, seria quase abandonada graçasaos novos suportes como o cobre e, sobretudo, o linho. Com este último puderam obter-se grandes formatos, facilidade de transporte dado o seu reduzido peso e consideráveis reduções nos custos. 3 4 A Letra: Comunicação e Expressão O pintor não precisava agora de sair do seu atelier e podia executar, graças a uma adequada racionalização do seu trabalho (que incluia em muitos casos a participação de vários ajudantes e aprendizes), um número de obras muito superior num reduzido prazo de tempo. O óleo, que manteria durante séculos uma supremacia indiscutível, proporcionaria imensas possibilidades pela sua facilidade de trabalho, poder de cobertura e subtileza e brilho resultantes. Os quadros tornaram-se mais baratos e muitos sectores da baixa nobreza e da burguesia nascente passaram a rodear-se de imagens de si próprios, de familiares ou de acontecimentos célebres da história, da religião, dos mitos ou da natureza. Nos Países Baixos surgiram mercados abertos de imagens pintadas, iniciando um processo de separação entre o artista e o comprador, que culminaria com a total dessacralização da imagem. A linearidade que caracterizava as relações sociais e culturais da Idade Média desaparece no Renascimento, em que estas relações se tornam cada vez mais complexas. A imprensa de caracteres móveis surgiu e difundiu-se a uma velocidade vertiginosa. Com ela surgem os autores de todos os géneros, graças aos quais a consagração, contestação e/ou proposição de novos valores sociais, passando pelas prensas, será difundida. No campo da arte, este novo meio de produção intelectual assumirá um papel ambíguo e contraditório: por um lado permitirá a exaltação da vida e da obra de grandes artistas, divulgando sobre eles opiniões críticas e valorações, numa escala sem possibilidades de comparação com a capacidade de produção e difusão dos produtores de imagens. Enquanto o que se afirmava sobre uma imagem poderia chegar a um público virtualmente 3 5 Introdução ilimitado, essa mesma imagem, dado o seu carácter de obra única (passível de cópia mas não de repetição), ficava necessariamente reservada à contemplação por um ínfimo grupo populacional, o que permitia a manutenção da “aura” de certas obras, criando-se assim mitos e hábitos de percepção icónica fortemente impregnados de “literatura”. Por outro lado, o livro foi o principal veículo de difusão de outras imagens, o motor de uma verdadeira democratização da imagem, antecedendo os modernos mass-media. Esta função foi possível graças à gravura nas suas diversas aplicações: incorporada nos frontispícios, vinhetas e caixilhos decorativos, nas ilustrações interiores em inúmeros tratados literários ou científicos. Com estes paradoxos e contradições, o livro e os conteúdos por si veiculados serão porventura responsáveis por algumas das ambiguidades e insuficiências das noções sobre arte que herdamos. No campo específico da tipografia e da caligrafia, surgiram tratados sobre a construção de alfabetos baseados nos mesmos princípios da Em cima: Albrecht Dürer, construção de maiúsculas, 1525 Ao lado: Alfabeto de Leonardo da Vinci e Fra Luca Pacioli, C.1540 3 6 A Letra: Comunicação e Expressão razão que nortearam o pensamento dos estudiosos da época. Albrecht Dürer e Leonardo da Vinci, entre outros, deixaram o seu contributo neste campo, influenciando o desenho de caracteres tipográficos e o ressur- gimento de uma tradição caligráfica que entrara em declínio com o surgimento da imprensa. Os livros Franceses do século XVII, decorados com ornamentos tipográficos, ilustrações e margens xilogravadas, estabeleceram padrões para o design de livros que se mantiveram em vigor até ao fim da tipografia metálica. Alguns nomes, como Estienne, Geoffrey Tory, Garamond, Granjon, deixaram nesta época a sua marca na história da tipografia. O gosto pelo excesso ornamental e estilístico do Barroco marca fortemente o panorama das artes plásticas deste período, sendo a imprensa (nomea- damente a francesa) um espelho desse fascínio pelo ornamento. Um grande impulso é dado com a criação da Imprimerie Royale, uma espécie de editora do Estado que, com a participação da Academie des Sciences, desenvolve um projecto para a criação de um tipo oficial, exclusivo da casa real, as Romains du Roi (McLean, 1980), que se tornaria a curto prazo no padrão estético de praticamente toda a produção tipográfica na Europa. No século XVIII, a tipografia sofre novos desenvolvimentos, agora na Grã-Bretanha, que se liberta das influências francesas do século anterior, tentando estabelecer padrões próprios. Dois nomes marcantes dessa evolução são William Caslon e John Baskerville, autores de várias famílias de caracteres ainda hoje em uso, bem como de um estilo editorial muito próprio (poder-se-ia dizer Britânico), clás- sico, sóbrio, sem ilustrações ou ornamentos de De Imitatione Christi Imprimerie Royale, 1640 T e K de Geoffrey Tory, baseados nas proporções humanas (Champfleury, 1529) 3 7 Romana Moderna (Catálogo de Didot, 1800) Introdução qualquer espécie. A arte de imprimir e os cuidados nos acabamentos das suas edições faz com que os seus livros sejam referenciados pelos seus nomes e não pela obra ou autor neles impressos. Os tipos romanos de Caslon baseavam-se no desenho produzido pelas plumas caligráficas de aparo quadrado: deslocando-se lateralmente, a linha é fina, movendo-se para baixo, grossa. Esta variação de espessuras provoca um efeito sobre as letras redondas como o e e o o, conhecida na tipografia como modulação oblíqua (Wilson,1991). No século XVIII, também chamado século das Luzes ou da Razão, os caracteres tipográficos abandonariam as ligações que ainda mantinham com a escrita caligráfica, convertendo-se em formas autónomas sujeitas a desenvolvimentos tanto formais como intelectuais. Foi um francês, Firmin Didot, que deu esse passo, criando a romana moderna, com uma modulação vertical (perpendicular à linha de escrita) e cujos remates, ou sarifos, são filiformes. Apesar de se tratar de uma solução intelectual e teoricamente lógica, nunca foi muito popular entre os tipógrafos anglo-saxónicos, que preferiram continuar na linha estabelecida por Caslon e Baskerville. No entanto em França, e nos restantes países da Europa me- ridional, os tipos modernos foram adoptados rapidamente para quase todo o material de leitura. Estes tipos de Didot pareceriam no século XVIII tão lógicos e racionais como os tipos lineares para os modernistas dos anos vinte do nosso século. Este conceito das romanas modernas teria o seu desenvolvimento final com o tipógrafo italiano Giambattista Bodoni. Os seus tipos foram-se 3 8 A Letra: Comunicação e Expressão Alfabeto tipográfico de Bodoni tornando gradualmente mais formais, rígidos e geométricos, “(...) engrossando os traços grossos, adelgaçando os finos. Tão perfeitos eram estes caracteres nos seus detalhes, que conferiam aos livros um estilo tão oficial como uma coroação e tão frio como os vizinhos Alpes”. (McLean,1980:22). Neste período as artes plásticas refletem o retomar das ideias Renascentistas, abandonando os excessos do Barroco e do Rococó, retratando situações do presente cronológico através de alegorias e referências morais da cultura greco-romana, utilizadas pelos poderes surgidos da Revolução Francesa tanto para ilustrar a ruptura com o antigo regime, como para apresentar didacticamente um modelo a seguir nos novos tempos. Modelo que se imporia nas artes, no vestuário, no mobiliário, na organização social e política. Estas transformações radicais abririam fendas nas estruturas mentais da sociedade europeia, algumas com séculos de existência, levando-as à sua desintegração e originando uma sucessão de revoluções de cariz ideológico e cultural que ainda hoje não terminaram. Uma destas fendas surge com a ideia de considerar odireito à informação e à cultura, em algo tão uni- versal e sagrado como o direito ao alimento e à cidadania. Para cumprir este ideal democrático, a imprensa seria o veículo de eleição, pois permitiria reproduzir em milhares de exemplares as ideias, as notícias e as descobertas que cada vez mais rapidamente se produziam. Surgem assim os jornais, os folhetos, os cartazes, que, numa cadência cada vez mais acentuada vão conquis- 3 9 Introdução tando um espaço na sociedade ocidental, vindo a ser a curto prazo algo tão essencial à existência, como o pão e a liberdade, tal como tinham postulado os revolucionários em França. Naturalmente que o súbito incremento na produção e no consumo de materiais impressos teria custos ao nível da qualidade: a tipografia começou a perder gradualmente os padrões de excelência que a nortearam desde a sua génese, respondendo apenas a critérios de rapidez, rentabilidade e de resposta aos níveis mais banais de gosto provenientes da sociedade burguesa em expansão nos grandes centros urbanos. 4 0 A Letra: Comunicação e Expressão Paul Klee, “E”, 1919 4 1 Raízes da tipografia contemporânea As raizes da tipografia contemporanea estão mais ligadas à poesia, arquitectura e pintura da primeira metade do século XX, do que a qualquer grande mudança tecnológica sentida na indústria gráfica. O período do grande salto em frente, um tempo com cerca de 20 anos que separa a tipografia moderna da tipografia clássica teria o seu início com a publicação do Manifesto Futurista em 1909. O desenvolvimento da fotografia, de novas forças políticas e sociais, novas atitudes filosóficas, contribuíram igualmente para o estabelecimento de novas atitudes que viriam a estabelecer as bases operativas do design de comunicação. Invenções, guerras, colapsos económicos, revoluções políticas, mudaram não só a aparência das coisas, mas também violentaram valores tidos como absolutos até então. Tradições anteriormente respeitadas e veneradas tornaram-se incómodas ou, pior ainda, obstáculos ao progresso e à adaptação ao novo mundo que se formava. O advento do automóvel em 1885, da telefonia sem fios e do cinema em 1895, das máquinas voadoras em 1903 e de um inúmero rol de inventos e descobertas científicas, em contraste com as chacinas das guerras e o avolumar da miséria e da doença, fez surgir o sentimento que “deve existir outro modo”. Era um tempo de revolução, tanto cultural como política. E se as forças que directamente afectavam a tipografia neste período foram as vanguardas poéticas, a arquitectura e a pintura, estas, por seu lado, eram afectadas pelos fenómenos tecnológicos, económicos, sociais e políticos que estavam então em curso. Na segunda metade do século XIX, as 4 2 A Letra: Comunicação e Expressão transformações sentidas na tipografia e no design tipográfico ligavam-se às novas tecnologias de fundição, composição e impressão. Em contrapartida. não havia surpresas de nível visual. O período seguinte (1880-1920) foi, pelo contrário, uma época de fomento artístico que afectou as artes e o design de um modo irreversível. As ligações com a vanguarda artística O que poderão ter Picasso, Mondrian ou Kandinsky, por exemplo, a ver com o design de novos tipos ou com a escolha e aplicação de ilustrações e letterings no projecto de um cartaz ou de uma brochura? Artistas plásticos, arquitectos e poetas do fim do século XIX e início do século XX, desenvolveram novos processos para a representação das relações espaciais, das formas, texturas e cores. O seu trabalho inovador, apresentando imagens e palavras de modos inéditos, era contagioso: os desenhadores de caracteres aperceberam-se das novas correntes artísticas, leram os novos poetas, viram as novas pinturas, abrindo os seus olhos e as suas mentes para novas ideias, e o seu espírito criativo e perícia técnica foram estimulados para aplicar esta lufada de ar fresco no seu trabalho. A influência das belas- artes não era tão subtil e remota como isso: poetas como Guillaume Apollinaire, pintores como El Lissitzky ou Theo van Doesburg, arquitectos como Henry van de Velde descobriram possibilidades insuspeitas nos elementos tipográficos existentes, aplicando-os de modo inovador. Além disso, havia um convívio estreito entre os criadores artísticos e tipográficos, com a consequente permuta de ideias e saberes. Os designers tipográficos estavam a 4 3 Raízes da Tipografia Contemporânea aprender a não depender de formulários estabelecidos, desenvolvendo soluções originais, surgidas de necessidades concretas, levantadas por problemas especificos de comunicação. De Constable a Kandinsky Desde o Renascimento até meados do século XIX, os assuntos tradicionais da pintura, frequentemente heróicos ou religiosos, baseavam-se no respeito aos códigos clássicos da composição, na exaltação da técnica pictórica e do saber-fazer, no uso de paletas de cores harmoniosas, perspectivas correctas e bom desenho. Se na arte existiu sempre algo de abstracto, manteve-se sempre dentro de limites muito restritos. Nos meados do século XIX o mecenato das artes pelo Estado, pela Igreja e pela aristocracia entrou em declínio, e os artistas tornaram-se, ou antes, foi-lhes possível tornarem-se mais subjectivos. Os retratos e paisagens que caracterizavam muita da produção da época foram marcados pelos trabalhos de Corot e Millet, em França, e, em Inglaterra, de Constable e Turner, entre outros, que apesar de representarem a natureza de um modo muito realista, imprimiam algo de poético no resultado final. Estes autores foram classificados como românticos, pela interpretação dramática, por vezes inquietante que faziam da natureza. Pela perspectiva actual, a sua distância da representação convencional é praticamente nula. A partir de 1870, os pintores tornaram-se mais ousados, mais subjectivos no modo de ver e representar a realidade. Os impressionistas como Monet, Pissarro, Renoir serão porventura os nomes mais marcantes dessa viragem. 4 4 A Letra: Comunicação e Expressão As paisagens de Monet, muitas vezes representando o mesmo cenário em diversos momentos do dia, revelavam as suas sensações perante as variações de aspecto dos objectos provocadas por diferentes luminosidades. Pintavam-se impressões pessoais e não apenas paisagens. Uma nova emoção, uma vitalidade subjectiva, gráfica e espiritual, ia emergindo dos seus trabalhos. A pintura impressionista marcou a primeira grande fractura com os tradicionais valores pictóricos, já velhos de séculos. Impressionismo Uma interpretação mais livre do tema Renoir, Pissarro, Monet usaram os seus pincéis mais livremente do que era então regra. Faziam manchas de cor ao acaso. Desenhavam contornos que não correspondiam necessariamente ao objecto que estavam a pintar. Mas formavam, no fim, relações coerentes entre as partes que constituíam as suas pinturas. O olhar concentrava-se nas características físicas do objecto e nas impressões de cor dele provenientes. Modificavam então a representação do óbvio com a finalidade de obterem os efeitos visuais de textura, cor e sentimento que pretendiam exprimir e partilhar. Mas a sua ruptura com a representação tradicional foi ainda mais longe: libertaram-se gradualmente das normas da perspectiva cónica, recorrendo a dois ou mais pontos de fuga numa mesma composição, ou, de forma ainda mais extrema, representando o tema dum modo bidimensional, anulando a perspectiva. No que diz respeito à composição, existem também sinais de mudança, recorrendo à organização assimétrica do campo. A cor, para além da já referida característica 4 5 Raízes da Tipografia Contemporânea emocional, passa a ser um elemento dinâmico da obra: liberta-se da sua função de preencher os contornos dos objectos (desenho pintado), transbordando dos mesmos. Nem todas as folhas têm o mesmo verde. As sombraspossuem cor. A iluminação artificial (primeiro a gás e depois eléctrica) tem também as suas características cromáticas e psicológicas. Os impressionistas aperceberam-se delas e das suas potencialidades para a obtenção de certas atmosferas nocturnas e decadentes. As pinceladas passam a ser deliberadamente marcadas e a superfície deixa de ser plana. O objecto representado torna-se menos nítido, obrigando o espectador a observar não só a história, mas também a superfície da pintura. Se hoje o seu trabalho é aceite e admirado, nem sempre assim foi. Se hoje há gente (alguns de nós também) que reage negativamente à arte gerada por computador ou às pinturas de Pollock ou Mother- well, também os apreciadores de arte rejeitaram os Impressionistas quando eles se apresentaram publicamente, rejeitando os seus trabalhos. De qualquer modo, apesar da recusa quase geral, o movimento vingou, abrindo à actividade artística percursos até então impensados. Post-Impressionismo e Expressionismo: Cada vez mais longe do realismo absoluto Um maior afastamento do acto de pintar meramente aqui lo que os o lhos vêem, caracterizou as obras dos Expressionistas Alemães, bem como de Van Gogh, Cézanne e Gauguin. Seurat desenvolveu uma técnica de aplicação das tintas através de pontos de cor pura, em vez das pinceladas convencionais. Van Gogh 4 6 A Letra: Comunicação e Expressão e Gauguin utilizaram massas de cor saturadas e vibrantes, trazendo uma vivacidade e intensidade emocional sem precedentes à pintura. As suas imagens tinham origem tanto na sua imaginação como naquilo que os seus sentidos continuavam a captar do exterior. Do mesmo modo, Cézanne, esforçando- -se para representar algo para além do real, procurando uma clareza estrutural nas suas pinturas, ignorou muitas vezes as leis da perspectiva e reduziu formas naturais a figuras geométricas simples. Novos padrões e tramas espaciais caracterizavam muitas das suas paisagens e naturezas mortas. Os últimos trabalhos de Cézanne mostravam as primeiras linhas do cubismo. O modo livre com que interpretava a forma humana, marcaram as correntes seguintes, Fauves e Cubistas, que tiveram em Cézanne um percursor7. No início deste século existia na Europa uma considerável desilusão com os modos de vida e as instituições anteriormente aceites. O descrédito abatia-se por toda a parte. Em 1905, a fé na sociedade e os slogans do progresso estavam de tal modo deteriorados, que interrogações sobre todos os aspectos e todas as coisas da vida, todos os valores sociais, as relações humanas e as artes, tiveram campo para se colocar. Van Gogh, nos seus primeiros trabalhos, assemelhava-se a Courbet, um realista romântico. Posteriormente, algumas paisagens manifestavam tendências impressionistas. Finalmente, em Arles, o seu trabalho entrou em território virgem: Van Gogh foi um dos primeiros a olhar (e a ver) para além da superfície aparente das coisas, remodelando a realidade. Ele queria criar imagens que fossem “mais reais que a própria realidade” (Kandinsky, 1910:84). 7 - As distorções da forma humana em Cézanne, teriam derivado dos seus estudos de El Greco. O domínio das verticais e o alongamento dos corpos são exemplos de distorção, não para obter efeitos dramáticos, mas para compensar a visão distorcida provocada pela altura elevada em que os painéis eram colocados, sobre os altares. Vistos do chão, e portanto de um ponto de vista não frontal, a distorção desaparece em grande medida. De qualquer modo, as reproduções fotográficas dos trabalhos de El Greco, teriam dado a Cézanne a percepção do poder expressivo que pode residir na distorção. 4 7 Raízes da Tipografia Contemporânea Van Gogh e outros artistas não só misturavam imagens soltas de cenários diferentes, retratos e naturezas-mortas, com aquilo que os seus olhos de facto observavam no sentido de obter um quadro melhor estruturado, como se questionavam se a superfície aparente das coisas seria o limite para a total expressão da realidade. Não podendo satisfazer-se com o mero registo daquilo que viam, passaram a expressar nas suas pinturas aquilo que sentiam acerca do objecto ou do momento retratado. As emoções e paixões pessoais passaram a ter direito de cidadania nas suas telas. A subjectividade ia ganhando terreno nos seus trabalhos. O Expressionismo na pintura tomou tantas formas quantos os pintores, que trouxeram as suas atitudes sociais e paixões pessoais para o seu trabalho. Linhas elegantes e requintadas eram substituídas por traços grosseiros e massas de cor agressivas que, reverberando umas contra as outras, substituíram a harmonia plástica e cromática pelo drama visual, inquietante e perturbador. Muitos destes autores foram influenciados pelo exotismo expressivo dos povos de que o mundo ocidental ia tomando conhecimento, graças às expedições e à exploração crescente dos territórios ultramarinos, que se exprimiam com cores fortes e contrastantes, em que as linhas e os planos sugeriam, mais do que definiam, a realidade visível . Para os Expressionistas, cor e forma não descreviam apenas um objecto, mas transportavam uma emoção. Este percurso de Constable a Kandinsky acabava de transpor mais um marco. O Expressionismo implica a recusa da depuração, do refinamento. É uma simplificação da linguagem e do conteúdo que pretende muitas vezes interpretar 4 8 A Letra: Comunicação e Expressão as novas atitudes sociais perante a vida, transpondo círculos mais vastos do que os dos artistas e dos apreciadores da arte. Fauvismo Um grupo de pintores Franceses entre 1904 e 1908 foi ainda mais longe na distorção das formas e na utilização das cores puras. Foram chamados Fauves, animais selvagens. Apesar de ter durado pouco tempo como movimento, o seu impacto foi notável. Outros artistas, nomeadamente Kandinsky, perante os trabalhos de Rouault, Braque ou Matisse, viram nessa altura despertar os seus sentidos para o uso inovador das dissonâncias cromáticas. Para entender a amplitude do impacto social das atitudes destes artistas, deveremos ter em conta que escritores, músicos, filósofos, em muitos países nesta mesma época, passavam por metamorfoses idênticas. As ideias antigas estavam em permanente mutação, sendo muitas vezes literalmente eliminadas. O espírito que dominava estas mudanças permanentes de atitude influenciava igualmente todos os outros modos de vida: não apenas nas artes, mas na sociedade em geral, nas suas facetas económicas, políticas, científicas e tecnológicas. E, naturalmente, em todas as disciplinas aplicadas da arte, como a arquitectura, o design gráfico e tipográfico. Antes de passar ao estudo mais detalhado das evoluções sentidas na tipografia, continuemos a seguir o percurso dos movimentos artísticos neste século. Há que ter em conta que tipógrafos e designers, desde meados do século passado até ao dia de hoje, sempre se mantiveram atentos aos movimentos das Artes Plásticas, sendo permanentemente influen- 4 9 Raízes da Tipografia Contemporânea ciados por eles. Uma mente, uma vez aberta a uma nova ideia, nunca mais regressa à sua condição ante- rior, e os desenvolvimentos das Belas Artes abriam as mentes dos que se dedicavam à comunicação e às artes aplicadas. Hoje, quando um designer tipográfico escolhe um tipo de letra, controlando a sua espessura, forma, corpo e cor, posicionando elementos tipográficos e pictóricos relativamente uns aos outros e ao plano onde vão ser impressos, manipulando espaços vazios e blocos de texto e imagem, está, na realidade a compor um cenário de equilíbrios e desequilíbrios, de formas e linhas, tons e cores, tensões e harmonias. As linhas sóbrias e contidas de alguns designs, o dinamismo e a vibração de outros, o imenso manancial de elementos tipográficos e pictóricos disponíveis, bem como critérios estéticos e operativos existentes devem muito àslições aprendidas com vários movimentos artísticos deste século. Art-Nouveau A arte como decoração Alguns artistas do período de 1890-1910 fizeram evoluir os seus trabalhos noutro sentido. Onde os impressionistas e expressionistas usavam como referente a imagem realista como partida para o retratar de uma reacção emocional perante o tema, os artistas da Arte Nova focaram a sua atenção nas facetas decorativas do assunto ou do modelo. A Arte Nova infiltrou-se em todas as artes aplicadas, incluindo a arquitectura, o design de objectos, artes do fogo, têxtil, encadernação, artes gráficas e design tipográfico. 5 0 A Letra: Comunicação e Expressão Era o ressurgir do estilo barroco numa perspectiva romântica. Linhas entrelaçadas e formas florais tornaram-se comuns. As entradas para o Metro de Paris, de Hector Guimard, as jóias de René Lalique, a arquitectura de António Gaudi, o logotipo da Coca-Cola, os posters de Alphonse Mucha e Tou- louse-Lautrec, são alguns exemplos de como a Arte Nova influenciou e influencia ainda, muitos aspectos da nossa vida e ambiente. Nos Estados Unidos, o período da Arte Nova coincidiu (e de algum modo estimulou) o desenvolvimento de novos meios de publicidade, como os painéis laterais dos autocarros, posters, outdoors, catálogos e direct-mailings. A Arte Nova inspirou-se num emaranhado de fontes desde a caligrafia japonesa às formas ondulantes das pinturas de Van Gogh, dos ornamentos célticos ao estilo barroco, passando ainda pelas cores planas e contornos estilizados das obras de Gauguin. Orna- mentação e linhas sinuosas eram parte integrante do design, e não meros elementos adicionais da composição. Este período marcou a transição do pas- sado, caracterizado pela representação clássica das formas, para os movimentos experimentais do início deste século. Os designers gráficos e tipográficos que participaram na Arte Nova (em todas as suas variantes regionais) tinham formação de belas-artes, sendo igualmente sensíveis às Exemplos de desenho de letra da Arte Nova (Henri van de Velde, pormenor da capa do livro “Assim falava Zaratustra” e titulagem de um projecto de arquitectura de Joseph Maria Olbrich, c.1900) 5 1 Raízes da Tipografia Contemporânea Pablo Picasso, Les Demoiselles d’Avignon, 1907 condicionantes e às necessidades da impressão artística. Fazendo a ponte entre as belas-artes e a indústria gráfica, foram responsáveis pela melhoria da qualidade das ilustrações e do design tipográfico, numa época em que a comunicação se tornava rapidamente massiva. Cubismo Outra divergência de monta com a pintura realista, foi o surgimento do cubismo nos primeiros anos deste século. Tratava-se de um processo de representação de objectos (portanto não totalmente abstracto) de um modo diferente. A realidade tridi- mensional passava a ser interpretada pela decomposição dos planos em que se situava e dos volumes que a compunham, ignorando deliberadamente as regras Renascentistas da perspectiva. Em Les Demoiselles d ‘Avignon, obra emblemática deste movimento, são fundamentalmente visíveis as linhas, as lâminas de cor sugerindo volumes, mas no fim, visualizamos um grupo de mulheres e seremos capazes de as individualizar. O resultado é, portanto, uma abstracção parcial. A evolução do cubismo levada a cabo por Picasso, Braque, Juan Gris, entre outros, marcava mais um fortíssimo corte com os quatro séculos de tradição de representação picto- rial Renascentista. Os Impressionistas modificaram a pura representação figurativa, pela introdução de novos processos de manipulação da luz e da cor; os Post-Impressionistas e Expressionistas avançaram um passo ao distorcerem os conceitos clássicos da forma real e da perspectiva para obterem o desejado efeito 5 2 A Letra: Comunicação e Expressão artístico e expressivo. Os autores da Arte Nova concentraram-se sobretudo nos aspectos decorativos do objecto representado. Mas o objecto não deixava ainda de ser óbvio e linearmente interpretado. No cubismo8, a técnica e o estilo sobrepuseram-se ao objecto. Os pintores cubistas, fortemente influenciados pelas estilizações geométricas das esculturas africanas e igualmente por Cézanne, que gozava então de um considerável prestígio e ascendente sobre os novos pintores vanguardistas, desenvolveram finalmente um processo de representação de formas inventadas que resulta da análise e justaposição dos planos de um objecto visto de diferentes pontos de vista, e da construção de uma pintura, criando ritmos e relações formais à medida que os planos se vão compondo, substituindo, reforçando. Não é arte fotográfica. Envolve o espectador, desafiando-o a interpretar aquilo que vê. Outra importante faceta do Cubismo, no que concerne a este estudo, foi a atribuição às Letras, aos Números, às Notações Musicais e a outros caracteres tipográficos a importância de formas visuais concretas, e não de meros símbolos fonéticos ou aritméticos, passíveis de manipulação e interpretação, tal como um corpo humano ou uma árvore. O Futurismo O Futurismo marcou finalmente a ruptura definitiva com as tradições clássicas, levando a arquitectura, a escultura, a pintura e a literatura a um novo nível de interpretação e representação da realidade, conseguindo igualmente subverter e aniquilar o conservadorismo que ainda persistia no 8 - A expressão cubismo teria sido usada pela primeira vez em 1907, quando Matisse viu um quadro de Braque, “Casas em l’Estaque”, falando depreciativamente em “pequenos cubos”. Esta observação teria inspirado Apollinaire a baptizar este estilo como cubismo. Georges Braque, Statue d’Epouvante, 1913 5 3 Raízes da Tipografia Contemporânea design tipográfico. Para muitos artistas do século XIX (como para a maioria das pessoas), a realidade era essencialmente estática, inalterável. Mas as alterações ao pensamento social que estavam em curso, as desilusões com a existência, com os governos e com os modos estabelecidos de fazer as coisas, afectaram a percepção da realidade como algo inerte, e, consequentemente, a percepção da sociedade sofreu igual mutação. O terreno para a proliferação de novas tendências artísticas, de novos processos de interpretação da realidade, estava pronto a dar frutos abundantes. Um desses frutos foi o surgimento do design de comunicação. Os Futuristas ignoraram as limitações da tipografia metálica e da impressão de texto. A ortogonalidade estava banida. Tipos em qualquer ângulo, cor e corpo eram o novo modelo. E isto muito antes do desenvolvimento das actuais técnicas de fo tocomposição ou edição electrónica. No design futurista o mote era provocar o choque e o contraste, em corpos de letra, nos ângulos em que as palavras e as frases eram colocadas, na distribuição aparentemente aleatória de letras, números e outros caracteres tipográficos pela superfície da página. Na tentativa de expressar sensações, de evocar ideias, a legibilidade e a clareza, assim como a ordenação gráfica, deram lugar ao ritmo, entoação e ênfase. Por vezes letras enormes eram utilizadas como focos visuais, enquanto linhas de caracteres oblíquas faziam a ligação entre blocos de texto, no sentido de proporcionar ritmo visual e continuidade de leitura. 5 4 A Letra: Comunicação e Expressão De qualquer modo existia ordem no aparente caos. Filippo Tommaso Marinetti escreveu na revista Lacerba: “Estou a fazer uma revolução tipográfica que é dirigida, acima de tudo, contra a idiota e doentia noção do livro de poemas, feito em papel artesanal, no seu estilo do século XVI, decorado com vinhetas, Minervas e Apolos, capitulares, ornamentos florais e vegetais e com os seus numerais romanos. Um livro deve ser a expressão futurista do pensamento futurista. Melhor ainda: a minha revolução é, en- tre outras coisas, contra a chamada harmonia tipográfica da página
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