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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 
CAMPUS DE LARANJEIRAS 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA 
MODALIDADE BACHARELADO 
 
 
 
 
 
MÁRCIA JAMILLE NASCIMENTO COSTA 
 
 
EGITO SUBMERSO: A ARQUEOLOGIA MARÍTIMA EGÍPCIA 
 
 
 
 
 
 
Laranjeiras 
Núcleo de Arqueologia/UFS 
2010
 
 
MÁRCIA JAMILLE NASCIMENTO COSTA 
 
 
EGITO SUBMERSO: A ARQUEOLOGIA MARÍTIMA EGÍPCIA 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de 
Bacharelado em Arqueologia do Núcleo de 
Arqueologia da Universidade Federal de 
Sergipe, como requisito parcial à obtenção 
do grau de Bacharel em Arqueologia. 
Orientador: Prof. Dr. Gilson Rambelli 
 
 
 
 
 
 
Laranjeiras 
Núcleo de Arqueologia/UFS 
2010 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para Anita 
 
 
 
 
Agradecimentos 
 
 
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Gilson Rambelli pelo apoio incondicional a minha 
pessoa e pela paciência com todos os meus erros; 
Aos professores do Núcleo de Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe (NAR/UFS), 
em especial à Profa. Dra. Olivia Alexandre de Carvalho, Prof. Dr. Albérico Nogueira de 
Queiroz, Profa. Dra. Suely Gleyde Amâncio Martinelli, Prof. Dr. Paulo Jobim C. Mello e 
porque não mencionar mais uma vez o Prof. Dr. Gilson Rambelli. A todos devo gratidão; 
Ao Prof. Dr. Julio Gralha, sempre tão disposto a ajudar, mesmo estando tão distante; 
Aos meus familiares que com extrema paciência me guiaram e cuidaram de mim sempre que 
precisei; 
Aos colegas fundadores e participantes do G.A.P, os quais tenho certeza que serão grandes 
profissionais na área da arqueologia; 
Aos componentes do V. Street Team que em menos de uma semana me ensinaram o valor da 
união e aos amigos da VK; 
E por fim aos leitores do Arqueologia Egípcia que sempre apoiaram não só a arqueologia 
africana, mas tem a esperança que a brasileira um dia receba o seu devido valor. 
 
 
 
Resumo 
 
 
Este trabalho demonstra de maneira geral alguns aspectos da sociedade egípcia, buscando 
apontar algumas características que pode defini-la como uma civilização com uma forte 
cultura marítima, a exemplo do uso rotineiro de embarcações e sua concepção de mundo 
divino (composto, em parte, por água), o que nos leva a questionar por que a Arqueologia 
Marítima ainda é tão pouco abordada, apesar do seu potencial para o estudo nesta área. 
 
 
Palavras-Chaves: Arqueologia Marítima, Antiguidade Egípcia, ambientes aquáticos, Egito 
antigo. 
 
 
Abstract 
 
 
This research demonstrates some aspects of Egyptian society, seeking to identify some 
characteristics that can define it as a civilization with a strong maritime culture, such as the 
routine use of boats and his understanding of the divine world (composed in part by water), 
which leads us to question why the Maritime Archaeology is still so little attention, despite its 
potential for study. 
 
 
Key Words: Maritime Archaeology, Ancient Egyptian, aquatic environments, ancient Egypt. 
 
 
 
Lista de Imagens 
 
 
FIGURA 1: Imagem de satélite da área do Egito. (Fonte: Google Maps). ............................. 30 
FIGURA 2: Forte Buhen, Alto Egito. (Fonte: WILDUNG, 2009, p. 79)................................ 32 
FIGURA 3: Nilómetro do templo de Kom Ombo. (Fonte: Nilómetro de Kom Ombo - 
Imágenes y fotos de Egipto). .................................................................................................... 33 
FIGURA 4: Carpinteiros preparando madeira para barco. Tumba de Ti. Saqqara. (Fonte: 
STROUHAL, 2007, p. 144)...................................................................................................... 37 
FIGURA 5: Homens em barco de papiro. Tumba de Ptahhotep (V Dinastia). Saqqara. (Fonte: 
STROUHAL, 2007, p. 123)...................................................................................................... 37 
FIGURA 6: Navio cargueiro. Tumba de Ipi (V Dinastia). Saqqara. (Fonte: STROUHAL, 
2007, p. 178). ............................................................................................................................ 38 
FIGURA 7: Barco como adorno. Tumba de Tutankhamon (XVIII Dinastia). Vale dos Reis. 
(Fonte: GARRET. 2000; National Geographic: Tesouros do Egito) ....................................... 42 
FIGURA 8: Hapi acompanhado pelo deus da fertilidade. Livro dos Mortos de Ani (XIX 
Dinastia). British Museum, Londres. (Fonte: MARIE; HAGEN, 1999, p. 20). ....................... 44 
FIGURA 9: Detalhe de um dos Colossos de Memnon. (Fonte: BOURBON, 2006, p. 164). . 45 
FIGURA 10: Deus dentro de relicário transportado por uma barca. “Capela Vermelha” de 
Hatshepsut (Karnak). (Fonte: MARIE, 1999, p. 205). ............................................................. 51 
FIGURA 11: Detalhe de Deus coberto por véu transportado por uma barca. (Fonte: 
O’CONNOR, 2007, p. 67). ....................................................................................................... 51 
FIGURA 12: Detalhe de coluna plantiforme. (Fonte: WILDUNG, 2009, p. 21). ................... 53 
FIGURA 13: Colunas papiriformes. (Fonte: WILDUNG, 2009, p. 18). ................................. 53 
FIGURA 14: Deus Hapi em sítio submerso. (Fonte: Fundação Hilti. Franck Goddio Society. 
Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2010) . 57 
FIGURA 15: Hag Ahmed Youssef Moustafa com uma maquete de embarcação. (Fonte: 
O’CONNOR et al., 2007, p. 63) ............................................................................................... 58 
FIGURA 16: Barca solar de Khufu. (Fonte: MARIE; HAGEN, 1999, p. 23) ........................ 59 
 
 
FIGURA 17: Barco de Dashur. Fonte: The Cairo Dahshur Boats, a Digital Exhibit. 
Disponível em: . Acesso em: 31 de outubro de 2010. ........... 60 
FIGURA 18: Maquetes de barcos da tumba de Meketre. Saqqara. (Fonte: MARIE; HAGEN, 
1999, p. 22) ............................................................................................................................... 61 
FIGURA 19: Marca de patas de bovídeos em sítio submerso. Fonte: Fundação Hilti. Franck 
Goddio Society. Disponível em: . Acesso em: 19 de 
maio de 2010. ........................................................................................................................... 62 
 
 
 
 
Lista de Quadros 
 
 
QUADRO 1: Estações egípcias. (Fonte: OLIVEIRA, 2005, p. 88.) ........................................ 50 
QUADRO 2: Calendário com festividades. (Fonte: OLIVEIRA, 2005, p. 88) ........................ 52 
 
 
11 
 
Sumário 
 
 
Resumo ....................................................................................................................................... 6 
Abstract ....................................................................................................................................... 7 
Lista de Imagens ......................................................................................................................... 8 
Lista de Quadros ....................................................................................................................... 10 
Introdução ................................................................................................................................. 12 
1º Capitulo: A Arqueologia Marítima ...................................................................................... 14 
1.1: Naufrágio ....................................................................................................................... 21 
1.2: Descarte ou abandono .................................................................................................... 23 
1.3: Santuário ........................................................................................................................ 23 
1.4: Sítios terrestres submersos .............................................................................................o tempo em que 
permaneceram instalados em Punt). Um detalhe da viajem é que parte da travessia foi feita 
por terra e a solução pratica foi transportar os navios desmontados e remontá-los assim que 
chegassem ao Mar Vermelho ou ao Nilo. Cada navio era composto por quarenta homens, dois 
quais trinta eram remeiros que trabalhava igualmente ao ritmo marcado por um tambor, uma 
flauta ou um chocalho (DERSIN, 2007, p. 120). A descrição dos produtos arrecadados e das 
pessoas de Punt que prestaram homenagens a rainha-faraó estão hoje gravados em seu templo 
mortuário em Deil el Bahari, isto porque entre os tripulantes encontravam-se artistas. 
Outro registro de expedições para fora do Egito por mar foi encontrada no templo mortuário 
de Sahure (Antigo Império; V Dinastia) em alguns relevos do calçamento de Unas e em el-
Lisht (BAINES, 2008, p. 153). 
Outro texto, mas com teor fictício, sobre as grandes expedições feitas com navio é o Conto do 
Náufrago. Existe somente uma versão atualmente, mas o que de fato lhe garante um caráter 
único é por se tratar de um material que nos traz estória de um náufrago. O conto encontra-se 
no papiro Ermitage 1115. Sua origem é desconhecida, pois antes do conhecimento público ele 
era mantido na reserva técnica do egiptólogo russo Wladimir Golénischeff (1856-1947). Hoje 
o texto está no Museu Imperial de São Petersburgo (JUNIOR, 2008). 
O papiro narra a estória de um egípcio que falha em ir as Minas Reais após o seu navio sofrer 
um acidente. Foi o único a sobreviver graças a um pedaço da embarcação que o permitiu boiar 
40 
 
e chegar a uma ilha mágica comandada por uma serpente gigante. Apesar do seu caráter 
presumivelmente folclórico o Conto do Naufrago trás algumas informações relevantes sobre 
as embarcações, nomes de produtos e lugares. A tradução dos trechos abaixo é da autoria do 
Prof. Dr. Antonio Brancaglion Junior (JUNIOR, 2008): 
(6) nossa tripulação retornou sã e salva, 
(7) sem perdas para a nossa armada. Nós atingimos 
(8) os limites do Uauat (e) ultrapassamos Senmut. 
O trecho acima ressalta a sempre preocupação em retornar para casa sã e salvo após passar 
por Uauat e Senmut que Brancaglion aponta como sendo a Núbia setentrional, onde se 
localizava o reino de Kush e a ilha de Bigeh, respectivamente. 
(20) Eu vou contar exatamente o que me ocorreu 
(21) quando parti para as Minas Reais 
(22) descendo pelo Grande Verde em um navio 
(23) com 120 côvados de comprimento e 40 côvados de largura. 
(24) Com 120 marinheiros a bordo, 
“Grande Verde” é uma expressão para denominar o mar Mediterrâneo (LESKO, 2008, p. 
142), mas Brancaglion ressalta que pode ser também uma expressão utilizada para denominar 
o rio Nilo. Outra nota interessante é sobre o tamanho do navio (dado em côvados, uma medita 
referente ao tamanho de um braço), Brancaglion calculou que seriam 63 m de comprimento 
por 21 m de largura. 
Fala do marinheiro: 
(145) Eu farei com que te tragam ibi, hekenu, 
(146) iudeneb, khesait 
(147) e os incensos dos templos, 
(148) (com os quais) apaziguam cada deus. 
A serpente gigante responde: 
41 
 
(165) Eu sou o Soberano de Punt, 
(166) a mirra me pertence 
Ibi, hekenu, iudeneb e khesait são todas substâncias com aromas, e todas importantes para os 
antigos egípcios. O que sabemos hoje sobre as terras de Punt é a fama dos seus incensos, mas 
embora a Grande Serpente se apresente como o senhor de Punt não dá para precisar 
exatamente em que local ocorre o enredo do conto. 
Além dos cargueiros existiam os barcos para passeio daqueles que podiam pagar remadores e 
a manutenção da sua embarcação, os para as atividades de pesca e os privados, usados dia 
após dia pelo cidadão que necessitava de um meio de transporte para ir ao trabalho, ir a casa 
de algum amigo, ou cruzar o Nilo para visitar um ente querido falecido. 
Outro uso conhecido para os barcos foi o militar. Durante a luta contra a dominação hicsa10 o 
faraó Amósis ingressou na tripulação de um navio chamado O Touro Selvagem que 
patrulhava as águas do Nilo e transportou os soldados por diversas batalhas (DERSIN, 2007, 
p. 108). Devido a algumas autobiografias da época sabemos detalhes de uma das incursões 
que seguiam para a Núbia quando a tropa de Amósis se viu no desafio de atravessar a 
primeira catarata. A travessia se deu a pé com os egípcios puxando o navio até se livrar do 
que eles chamavam de mu bin, ou “águas ruins” (DERSIN, 2007, p. 110). Após a morte do 
faraó seu sucessor Tutmés I continuou o processo de invasão do sul do Nilo e, após assassinar 
o rei da Núbia, ordenou que o cadáver fosse amarrado na proa de sua embarcação (DERSIN, 
2007, p. 110, 111). 
A utilização de embarcações ia bem mais além que seu uso no Nilo ou em mar. Modelos de 
navios e botes foram encontrados em vários sepulcros. A paixão egípcia por barcos e a crença 
de que eles eram necessários na vida do além-túmulo é percebível através de alguns artefatos 
de uso cotidiano como objetos de decoração em casas ou em palácios como foi o caso de uma 
pia em forma de barco (FIG. 7) encontrado na tumba de Tutankhamon (Novo Império; XVIII 
Dinastia) que, embora não se saiba qual o seu uso real, Howard Carter sugeriu durante a 
pesquisa na KV-62 que se trataria de uma peça decorativa para armazenar grinaldas de flores 
e frutas, já que foi isto que ele encontrou no recipiente (TIRADRITTI,1998, p. 220). Ainda na 
tumba deste faraó foram encontradas trinta e oito maquetes de embarcação dos quais dezoito 
 
10
 Hicso: povo semita cujo nome significa “governante de terras estrangeiras”. Os hicsos invadiram o Egito no 
Médio Império, acabando por enfraquecer o poder central egípcio. 
42 
 
encontrados na câmara do tesouro foram tidos como de uso ritual para a viagem para a outra 
vida, já que foram encontrados todos virados para o lado oeste. Dentre os modelos foram 
encontrados barcos de papiro, barcos de proa e popa, barcaças sem velas e alguns com varas 
para o deslocamento, dentre outros exemplos com teto para passeio ou com decorações de 
flores do Nilo e figuras geométricas (JAMES, 2005, p. 283). 
 
 
FIGURA 7: Barco como adorno. Tumba de 
Tutankhamon (XVIII Dinastia). Vale dos Reis. 
(Fonte: GARRET. 2000; National Geographic: 
Tesouros do Egito) 
 
Outro exemplo que chegou até nós foi através de uma missão do Museu Metropolitano de 
Artes de Nova Iorque em 1920 na tumba de um homem chamado Meketre (TT 280; Médio 
Império; XI Dinastia) que já tinha sido pesquisada outras duas vezes: uma em 1895 e outra 
em 1902. O trabalho estava sob a responsabilidade de Herbert Eustis Winlock e seu objetivo 
no local era realizar um estudo das inscrições e mapear o túmulo, para tal Winlock decidiu 
esvaziar o sepulcro, o que proporcionou que seus funcionários encontrassem um buraco entre 
43 
 
o chão e a parede, fazendo com que pedras deslizassem para dentro dele. Após fazer uma 
abertura maior foi encontrado no local maquetes de afazeres da vida cotidiana. Mas tarde 
sobre a descoberta Winlock escreveu que se viu “olhando o meio de uma infinidade de figuras 
de homenzinhos brilhantemente pintados que faziam isto e aquilo” (O’CONNOR et al., 2007; 
p.12). Dentre estes objetos estavam modelos de embarcações munidos de tripulantes onde, 
algumas vezes, o próprio Meketre é figurado a bordo. 
De uma forma geral a vida egípcia era calcada pelo o Nilo, de onde captavam todos os 
recursos necessários para sobreviver e se distrair. Mas não faziam idéia da origem da água 
que semeava seus campos, como Heródoto denotou em seus registros após uma tentativa 
frustrada de entender as cheias do Nilo: 
Não consegui aprender nada da Natureza do Nilo, nem dos sacerdotes 
nem do que quer que seja. Gostaria de saber por que razão sobem as 
águas do Nilo. Nenhum egípcio me pôde responder quando eu 
perguntava por que fazia o Nilo o contrario de todos os outrosrios 
(MARIE; HAGEN, 1999, p. 17). 
Como sublinha Rose-Marie e Hagen em seu livro “Egipto”, o “contrario de todos os outros 
rios” se refere à cheia do Nilo ocorrer “no Verão, e não depois da fusão das neves” (MARIE; 
HAGEN, 1999, p. 17). Sem uma explicação para tal fenômeno e nem de onde as águas saiam, 
os egípcios relacionaram o rio com o deus Hapi, cuja crença popular o considerava 
responsável pelas inundações. 
Hapi estaria oculto em uma caverna nos montes de Assuã protegido por serpentes, e lá 
seguraria uma jarra sem fundo de onde verteria, sem parar um instante sequer, as águas 
abundantes. Os egípcios, como forma de agradecimento, ofereceriam ao deus o sacrifício de 
animais, e assim esperavam impedir que Hapi de distraísse e provocasse cheias catastróficas 
ou secas mortíferas (BREGA; CRESCIMBENE, 2007, p. 159). Seguindo isto é possível que 
em alguma época o Nilo tenha servido como um depósito ritual para oferendas já que, se o 
agradecimento é ao deus das inundações não seria incomum pensar em jogar no Nilo 
“agrados” na esperança de que ele recebesse o presente. 
Uma das imagens mais icônicas do deus Hapi o retrata segurando a rama de uma folha de 
palmeira que é a forma hieroglífica para “um ano”, ligado precisamente a cheia anual, cujo 
exemplo pode ser conferido na FIG. 8 onde ele está acompanhado pelo deus da fertilidade que 
44 
 
tem sob suas mãos lagos. Uma rama com um girino na ponta traria o significado de “milhares 
de anos” (MULLER; THIEM, 2006, p. 250). 
 
 
FIGURA 8: Hapi acompanhado pelo deus da fertilidade. Livro dos Mortos 
de Ani (XIX Dinastia). British Museum, Londres. (Fonte: MARIE; 
HAGEN, 1999, p. 20). 
 
Uma dupla de rama de palmeira poderia ser oferecida ao faraó, para que os anos de seu 
reinado pudessem ser renovados e abençoados pela fertilidade. Hapi, o ambiente aquático e o 
faraó faziam parte de uma unidade cósmica da qual poucos privilegiados participariam – onde 
estavam inclusos o faraó, sua consorte e seu sucessor -, mas do qual todos se beneficiariam. 
Se o poder divino do rei estivesse em dia ele teria uma boa comunicação com Hapi, e as 
cheias chegariam. 
Hapi também é corriqueiramente representado em uma forma dupla segurando as plantas 
aquáticas lótus e papiro (símbolo do Alto e Baixo Egito) entrelaçadas, cujos exemplos podem 
ser encontrados nos monumentos de vários faraós como nos Colossos de Memnon, 
pertencente a Amenhotep III, como mostra a ilustração elaborada por David Roberts em 1838 
(FIG. 9). 
 
45 
 
 
FIGURA 9: Detalhe de um dos Colossos de 
Memnon. (Fonte: BOURBON, 2006, p. 164). 
 
Paradoxalmente o rio não é uma divindade em si, o que é divino é a sua inundação provocada 
por Hapi (SILVERMAN, 2002, p. 50), no entanto, a importância do meio aquático é muito 
mais complexa do que podemos sugerir, além de um motivo prático – comunicação entre 
Nomos, capitação de recursos para a sobrevivência, etc - os egípcios encaravam o ambiente 
aquático como um lugar sagrado. O firmamento, lugar onde se encontra o mundo divino, seria 
feito de água e as estrelas eram os deuses navegando em barcas (LESKO, 2002, p. 144). As 
inscrições mortuárias sempre nos sugerem que o mundo divino é cercado por água. Os Textos 
das Pirâmides, em especial, apontam muito para isto: 
As bóias de juncos dos céus estão preparadas para Hórus, para que ele 
possa cruzar nelas até o horizonte, até Horakhty11, as bóias de juncos 
dos céus estão preparadas para o rei, para que ele possa cruzar nelas 
até o horizonte, até Horakhty, as bóias de juncos dos céus estão 
preparadas para Shesemty12, para que ele possa cruzar nelas até o 
horizonte, até Horakhty. 
As bóias de juncos dos céus estão preparadas para o rei, para que ele 
possa cruzar nelas até o horizonte, até Horakhty. 
 
11 “Hórus do Horizonte” (LESKO, 2002, p 120). 
12 “O de Shesmet” (LESKO, 2002, p 120). 
46 
 
O canal nutriz está aberto, a via aquática recurva está inundada, os 
campos de juncos estão cheios d’água, e o rei por eles é lavado ao 
lado leste do céu ao lugar onde os deuses o criam e onde ele renasce 
novo e jovem. (LESKO, 2002, p. 120) 
Um dos pontos em que a água se faz extremamente importante para a cosmologia egípcia é 
durante o mito da criação que ficou popular na cidade de Mênfis. Tendo sido a primeira 
capital da era faraônica Mênfis era conhecida também por sua teologia antiga, principalmente 
no que diz respeito a criação dos deuses. Em um destes mitos o deus-criador Atum proclama 
que ele fora criado por Ptah – patrono da cidade - na forma de Ptah-Ta-Tjenen, que também 
teria criado todo o cosmo (CÉSAR, 2009, p. 29). Nesta versão do mito – que varia de acordo 
com a época - a concepção se iniciou sob uma colina - que serviria como assentamento para 
Ptah dar início a criação de todas as outras coisas - acima das águas primordiais, cujo nome 
em egípcio antigo era Nun. Outro mito da criação saiu da cidade de Iunu (“Heliópolis” para os 
gregos), situada no Baixo Egito e importantes do ponto de vista religioso e político durante a 
época do Império Antigo, e usava o Nun também como ponto de partida para a criação: no 
principio só existia o mar primordial, silencioso e parado. Do seu interior surgiu o deus Atum 
e depois dele uma massa de terra em forma de pirâmide, o benben (bnbn). O Ba13 de uma das 
formas de Atum, o deus Rá, que seria a ave Benu14 (Bnw) também participa de forma 
significativa da formação do mundo. Na era faraônica o Benu foi cultuado devido a sua 
relação com o rio, afinal, após a inundação das margens do Nilo, estas aves imediatamente se 
posicionavam nas águas rasas e de acordo com o mito da criação, quando as águas 
primordiais estavam em total silêncio foi o Benu, com o seu grito, que lançou o primeiro som 
ao mundo. Esta é uma relação criada pelos egípcios entre a chegada das águas do sul e os 
gracejos destas aves ao se prostrarem as margens férteis que trariam o alimento – ou seja, a 
sobrevivência – para o Egito. 
Após a criação do mundo o deus Sol passou a viajar de um canto a outro do Egito no céu –
dentro do corpo da deusa Nut -, criando então o dia e a noite. Este trajeto era realizado em 
uma barca divina navegada inicialmente pelo o deus Khepri, que de acordo com a crença era a 
forma inicial do deus Sol15 no momento em que nasceu nas águas primordiais, deitado dentro 
 
13 Ba é um termo egípcio para designar aproximadamente o conceito ocidental de alma. 
14 A garça egípcia, semelhante a garça real. 
15 Para um melhor entendimento o deus Sol teria algumas formas de acordo com o passar do dia. Durante as doze 
horas que ele navegaria no seu com a sua barca mágica ele assumiria a denominação de Khepri, que era o Sol da 
47 
 
de uma flor de lótus (planta aquática que flutua sob a água). A barca do final do dia é 
associada a Rá-Atum (CÉSAR, 2009, p. 35). No Texto das Pirâmides, Khepri é visto como 
“aquele que está em Nun”, ou seja, nas águas primordiais. Devido a este mito muitos dos 
templos egípcios adotaram um lago artificial que nos tempos de festividades tornavam-se 
palcos dos cultos, representando o mar primordial. 
A crença em um ambiente aquático divino responsável pela a criação interferiu, inclusive, na 
dieta egípcia: o peixe não constava habitualmente nas listas de oferendas provavelmente 
devido a crença popular de que o morto deveria renascer dentro da água sob a forma deste 
animal, inclusive existem textos que proíbem a ingestão de algumas espécies, embora ele não 
deixasse de ser um dos alimentos centrais da dieta egípcia (OLIVEIRA, 2005, p. 82) e 
pescarias serem representadas em iconografias mortuárias. 
Embora não tenha relação direta com o uso do meio aquático para justificar algum ato divino, 
o mito da Grande Contenda se utiliza em alguns momentos do ambiente do Nilo como plano 
de fundopara o desenrolar do mito, já que o rio era tão presente na vida social egípcia. 
Ísis é uma deusa bastante popular na mitologia egípcia, uma vez que fora escolhida para 
governar ao lado do seu marido e irmão Osíris. Sua proeza é conhecida através do mito do 
Nome Verdadeiro de Ra, que narra que este deus escolhera para si diversos nomes para 
ocultar o seu verdadeiro, que ficava guardado em seu estomago, mas Ísis, conhecida por sua 
prática da magia, sabia quase todos os mistérios do mundo, exceto qual o nome do deus 
criador. Assim se aproveitou do Sol em sua forma idosa e pegou um pouco da sua saliva, 
criando então uma serpente venenosa. Tal serpente foi usada contra o próprio Ra em um 
momento de distração fazendo-o sentir uma dor latente que o faz gritar e chamar a atenção 
dos demais deuses. Neste momento Ísis se compromete em retirar o veneno, mas ela só pode 
fazê-lo se souber o nome verdadeiro do deus. Assim, Ra se descreve como aquele que criou o 
mundo físico, a inundação do Nilo, as estações e completa a dizer que é Khepri no amanhecer, 
Ra ao meio dia e Atum no início da noite, mas nenhum destes é o seu verdadeiro nome que é 
revelado a deusas somente mais alguns momentos de agonia. Ísis, desde então conhecia todos 
os mistérios do mundo. Ísis e Osíris são irmãos de Seth e Nefits, e os quatros são filhos de 
 
manhã, e seguia como Rá, o da tarde e por fim Atum, o sol do crepúsculo. O sentido de Khepri ser o Sol da 
manhã está na crença de que ele seria o deus renascido. 
48 
 
Geb (terra) e Nut (céu), que por sua vez são filhos de Shu (ar) e Tefnut (umidade), estes 
surgidos quase espontaneamente de Atum16. 
A Grande Contenda inicia-se porque o Seth não se contenta por Osíris assumir o trono e, 
juntamente com cúmplices, prepara uma armadilha: Num jantar em sua residência, Seth inicia 
um jogo que consistia em que todos os convidados tentassem entrar em um caixão para ver 
quem neste cabia, e aquele que conseguisse entrar ganharia uma obra de arte. O problema era 
que o caixão era exatamente do tamanho de Osíris que, ao entrar foi imediatamente preso e 
em seguida jogado ao Nilo. Ísis, ao perceber o sumiço do esposo parte em sua busca até 
acabar por encontrar seu corpo em Biblos, na costa do Líbano (HALLAM, 2002, p. 208). Ao 
voltar ao Egito a rainha esconde o corpo do esposo nos pântanos do Delta, mas sem sucesso, 
já que Seth o encontra e desarticula o cadáver do irmão em vários pedaços. Existem textos 
que dizem que Osíris foi cortado em 42 partes e cada uma escondida em um Nomo, outra 
versão aponta que foi dividido em 14 e que as águas as espalhariam por todo o território 
egípcio. Nos locais onde teriam parado seria o endereço dos principais centros de rituais do 
período faraônico (ASSMANN, 1989, p.138 apud CÉSAR, 2009, p. 31). 
A deusa logo entra em outra jornada, mas desta vez para encontrar as partes dissipadas do 
marido para então mumificá-lo – a única forma de manter as partes soltas unidas - e trazê-lo 
de volta a vida, mas acaba não encontrando o falo, parte importante para dar continuidade a 
sua geração, e de uma forma mágica copula com o corpo de Osíris dando a luz a Hórus. 
Ressuscitado, Osíris torna-se rei dos mortos e deus da vegetação, sendo assim o responsável 
pela a renovação da vida através do ciclo das semeaduras e colheitas resultantes da cheia 
anual do Nilo, simbolizando a vitória da vida sob a morte. De acordo com a crença antiga 
enquanto Osíris representava a vegetação e a fecundidade gerada pelo o Nilo, Seth era o 
deserto, a personificação do caos, violência e da destruição, responsável pelo calor e seca, 
provocador do Khamsin, um vento sul letal, disposto a destruir as plantações e a vida. Sobre o 
Khamsin alguns autores europeus fizeram descrições alarmantes das suas experiências durante 
o fenômeno. Uma das narrativas mais completas – e recheada de licença poética – que pode 
nos descrever a ocorrência de um Khamsin foi feita por Lawrence Durrell (1912 - 1990), 
dramaturgo britânico, em seu livro “Justine” (1957): 
 
16 Existem várias versões de como ambos os deuses teriam nascido, uma delas fala que foi após um ato de 
masturbação de Atum, outro exemplo diz que Shu teria sido expelido e Tefnut cuspida (GRALHA, 2009, p. 15). 
49 
 
A cidade retraiu-se, como quando uma tempestade se aproxima. 
Golfadas de ar e uma chuvinha penetrante anunciam a obscuridade 
que apaga a luz do céu. Agora, impalpável, imprevisível na escuridão 
dos quartos e das janelas fechadas, a areia invade tudo, aparece como 
num passe de mágica nas roupas há muito guardadas nos armários, 
insinua-se nas páginas dos livros, deposita-se nos quatros e nos 
talheres. Nas fechaduras e sob as unhas. O ar soluça, vibra, resseca as 
mucosas e injeta os olhos (...). Quando o vento estala como um 
chicote, fazendo rodopiar toda a cidade, tem-se a impressão de que as 
árvores, os minaretes, os monumentos e as pessoas estão sendo 
levados pelo o último turbilhão de um tornado gigantesco, levados 
pelas areias do deserto de onde tinham saído, para assim retornar ao 
imenso nada formado pelas planícies infinitas das dunas (SOLÉ, 2003, 
p. 261 e 262). 
Embora Durrell tenha criado todo um drama em torno do Khamsin, ele não adentrou 
totalmente no campo da irrealidade. O escritor e fotografo francês Maxime Du Camp (1822 – 
1894) certa vez escreveu sobre sua experiência durante o fenômeno em 1850 “É um oceano 
de poeira levado por um furacão. O céu adquire um tom cinza esmaecido. Atrás do véu escuro 
que o envolve o sol parece um grande escudo de prata fosca” (SOLÉ, 2003, p.261). Para os 
egípcios, uma sociedade que tem fortemente em sua essência uma cultura marítima a 
experiência não devia ser menos assustadora. E com o vento sul varrendo suas plantações 
seria como presenciar empiricamente as investidas de Seth contra Osíris. Para estes povos da 
antiguidade o espaço do Nilo era o habitat da vida, além dele, na terra vermelha dominada por 
Seth era o espaço da morte e das criaturas sinistras como chacais, serpentes e escorpiões, o 
próprio deus do caos não tinha uma forma definida, o que atestava a sua obscuridade. 
Com a acessão de Seth e o nascimento de Hórus começa a batalha cósmica mais importante 
da mitologia, o filho de Osíris – representado pelo o falcão e a representação alegórica do 
faraó – passa a lutar a vida inteira contra o tio em diversos embates, alguns deles dentro 
d’água: quando ambos os deuses se transformam em hipopótamos e lutam para ver quem 
consegue ficar mais tempo embaixo d’água, depois lutam utilizando barcos, Hórus faz o seu 
de madeira, mas o pinta como rocha, em compensação Seth faz um totalmente de rocha que 
acaba afundando (CÉSAR, 2009, p. 32). 
50 
 
A Grande Contenda faz parte do calendário egípcio que por sua vez era dividido em três 
estações, cada uma com quatro meses, e cinco dias adicionais, onde eram comemorados o ano 
de nascimento de Osíris, Ísis, Seth, Nefits e Hórus. As estações eram divididas de acordo com 
a inundação do Nilo, como mostra a QUADRO 1: 
 
QUADRO 1 
Quadro com a divisão das estações do ano para os egípcios. 
 
1ª Estação: Akhet 
Inundação 
 
 
1ª Estação: Peret 
Semeadura 
 
 
1ª Estação: Shemou 
Colheita 
 
 
1º Mês: Thot 
Julho a Agosto 
 
1º Mês: Tybi 
Novembro a Dezembro 
 
1º Mês: Pachons 
Março a Abril 
2º Mês: Phaophi 
Agosto a Setembro 
2º Mês: Mechir 
Dezembro a Janeiro 
2º Mês: Payni 
Abril a Maio 
3º Mês: Athyr 
Setembro a Outubro 
3º Mês: Phamenoth 
Janeiro a Fevereiro 
3º Mês: Epiphi 
Maio a Junho 
4º Mês: Choiak 
Outubro a Novembro 
4º Mês: Pharmuthi 
Fevereiro a Março 
4º Mês: Mesore 
Junho a Julho 
Quadro 1: Estações egípcias.(Fonte: OLIVEIRA, 2005, p. 88.) 
 
Como o número daqueles autorizados para assistir aos cultos habituais parece ter sido 
relativamente pouco - em verdade os rituais eram reservados praticamente ao faraó, sua 
família e às vezes a alta nobreza -, os festivais públicos parecem ser a principal (e única) 
ocasião em que as pessoas comuns poderiam se aproximar das divindades. Mesmo assim, 
quando os deuses eram levados para fora dos templos, quase sempre estavam escondidos em 
relicários - a exemplo do retratado na Capela Vermelha da rainha Hatshepsut (FIG. 10) - ou 
do caso contrário por véus - como demonstrado no painel de Ramsés II (FIG. 11) – em cima 
de suas barcas sagradas, isto porque a “audiência podia saber que os deuses estavam ali, 
porém não podia vê-los” (BAINES, 2002, p. 182). Estes festivais periódicos que retiravam a 
 
divindade de dentro do templo e as levava em procissões se sustentavam por 
patrimônio dos deuses não se tornou economicamente expressivo até o Novo Império 
(PIERCE, 1957, p. 15-17 
das festividades mais significativas do período. 
 
FIGURA 
uma barca. “Capela Vermelha” de Hatshepsut 
(Karnak). (Fonte: MARIE, 1999, p. 205).
 
FIGURA 11: Detalhe de Deus coberto por véu transportado por uma barca. 
(Fonte: O’CONNOR, 2007, p. 67).
 
divindade de dentro do templo e as levava em procissões se sustentavam por 
patrimônio dos deuses não se tornou economicamente expressivo até o Novo Império 
 aput BAINES, 2002), onde vemos o Festival Opet 
das festividades mais significativas do período. 
FIGURA 10: Deus dentro de relicário transportado por 
uma barca. “Capela Vermelha” de Hatshepsut 
(Karnak). (Fonte: MARIE, 1999, p. 205). 
: Detalhe de Deus coberto por véu transportado por uma barca. 
(Fonte: O’CONNOR, 2007, p. 67). 
51 
divindade de dentro do templo e as levava em procissões se sustentavam por donativos, mas o 
patrimônio dos deuses não se tornou economicamente expressivo até o Novo Império 
onde vemos o Festival Opet tornar-se uma 
 
: Deus dentro de relicário transportado por 
uma barca. “Capela Vermelha” de Hatshepsut 
 
: Detalhe de Deus coberto por véu transportado por uma barca. 
52 
 
O Festival Opet era celebrado anualmente em Tebas e consistia na saída da estatua do deus 
Amon de seu templo em Karnak até o templo de Luxor numa travessia feita a barco para 
encontrar no final a sua esposa Mut e seu filho Khosu e assim assegurar a descendência divina 
do poder real e sua regeneração. 
Os egípcios faziam uma série de celebrações em agradecimento ao Nilo (QUADRO 2), 
algumas delas foram amplamente divulgadas em paredes de templos. 
 
QUADRO 2 
Três exemplos de destas anuais ligadas a cheia do Nilo e a renovação do poder do faraó. 
Festa Período Motivo Duração 
 
Festival do Nilo 
 
 
Inundação 
 
Abria as festas anuais. 
 
 
15 dias 
 
Festival Opet 
 
Mês de Phaophi 
(de Agosto a 
Setembro) 
 
O deus Amon saia de Karnak e 
navegava pelo o Nilo até o templo 
de Luxor. 
 
 
11 dias 
 
Festival de Osíris 
 
 
Fim da estação 
de inundação 
 
 
Em nome de uma boa safra. 
 
18 dias 
Quadro 2: Calendário com festividades. (Fonte: OLIVEIRA, 2005, p. 88) 
 
O ambiente aquático influenciou também a arte e a arquitetura. São conhecidas as colunas 
egípcias e suas formas que lembram algumas plantas que nasciam comumente as margens do 
Nilo como o papiro e a lótus. Tais colunas são as plantiformes – capitel de papiros que podem 
ser acompanhados por lírios ou flores de lótus (FIG. 12)-, papiriforme (FIG. 13), as grupadas 
– que podem trazer a imagem de um lótus aberto em sua base - e as lotiforme. 
53 
 
 
FIGURA 12: Detalhe de coluna 
plantiforme. (Fonte: WILDUNG, 2009, p. 
21). 
 
 
FIGURA 13: Colunas papiriformes. 
(Fonte: WILDUNG, 2009, p. 18). 
 
Alguns dos momentos de lazer retratados na arte funerária ocorriam inclusive em áreas 
pantanosas onde estas plantas eram sempre abundantes. Fato que os influenciou a criar jardins 
artificiais em suas próprias residências que não raramente poderia imitar este ambiente 
54 
 
contando inclusive com a presença de animais normalmente encontrados nestas áreas como os 
peixes e gansos. 
Egípcios se viam inteiramente ligados ao ambiente aquático ao ponto de ter sua arte, religião e 
forma de ver e gerir o mundo baseado nele. Este já é um motivo importante para que os 
trabalhos de Arqueologia Marítima no Egito sejam mais evocados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
55 
 
4º Capítulo: Arqueologia Marítima no Egito 
 
 
Ao decorrer do 3º Capítulo foi visto o imenso potencial para a pesquisa de cultura marítima 
que o Egito proporciona, mas a disciplina a muito não foi reconhecida desta forma e hoje 
encontra problemas de definição, assim como tem ocorrido em outras partes do mundo, não 
só entre os amadores, mas também na academia. 
Embora alguns possam julgar que a Arqueologia Marítima se estabeleceu no Egito na década 
de noventa, achados relacionados a arquitetura naval ou de capitação de recursos do meio 
aquático já tinham sido encontrados e examinados décadas antes. Algumas explorações do 
meio marinho também já tinham ocorrido, no entanto, uma escavação submersa realizada por 
arqueólogos só se deu em 1994 pelo o Centro Francês de Estudos Alexandrinos, cujo trabalho 
era encontrar a base de Faros, ou, como hoje é conhecido, do Farol de Alexandria, destruído 
ainda na antiguidade por dois terremotos. O trabalho de busca se iniciou após protestos contra 
o governo egípcio devido a blocos de concreto que estavam sendo jogados em 1993 na costa 
para proteger as fundações de um forte do século 15, o Quait Bey17, das agitações do mar. 
Como não se sabia a localização do Faros os blocos poderiam acabar não só ocultado, como 
destruindo os seus vestígios. O trabalho foi realizado com trinta mergulhadores que enquanto 
mapeavam a costa encontraram blocos de setenta toneladas, que poderiam ter pertencido ao 
farol. Nesta mesma época o Jean-Pierre Cortegiani, membro da missão, alertou para a 
possibilidade de se fazer um museu submerso, no caso das pedras terem pertencido ao Faros, 
e não retirá-las do fundo do mar18. Também em 1994 o Instituto de Arqueologia Náutica fez a 
primeira escavação submersa na costa do mar Vermelho, o que ocasionou a descoberta de um 
naufrágio próximo da ilha Sadana. 
Desde então vários projetos e missões de escavação subaquática se espalharam pelo o Egito. 
Até o final da década de noventa eram cerca de dez grupos trabalhando em mergulhos 
(KHAIL, 2009). Em 1996 é formado então o Departamento de Arqueologia Subaquática 
dentro do Supremo Conselho de Antiguidades. Mas, ao mesmo tempo em que a Arqueologia 
Marítima prosperava, questões problemáticas começaram a surgir, um deles era quanto a 
 
17
 “Egito dá prazo para descoberta de farol: equipe de mergulhadores européia tenta achar partes do Farol de 
Alexandria, destruído por terremotos”. Folha de São Paulo, 24 de Julho de 1995. 
18
 “Mesmo que eles façam parte de Faros, creio que nós teremos que deixar os blocos lá. O melhor seria criar um 
sítio submarino”, disse Cortegiani em 1995 ao “The Times”. 
56 
 
educação na área para os arqueólogos nativos do Egito. Em semelhança aos pioneiros da 
arqueologia em terra no Egito, os pesquisadores que trabalham em mergulhos são 
essencialmente estrangeiros, sendo poucos os egípcios que se dedicam a área, fato ocasionado 
pela a ausência de programas de formação de profissionais no nordeste da África. Em outras 
palavras a participação dos egípcios na pesquisa do seu próprio patrimônio cultural 
subaquático é praticamente nula, salvo exceções como o resgate e restauração de alguns 
barcos encontrados em contextos terrestres. Para complementar a ausência da matéria ou 
simplesmente aspectos da Arqueologia Marítima no currículo de ensino superior egípcio faz 
com que arelação entre ela e outras disciplinas como a antropologia, história, etnografia e 
oceanografia, não seja notada, desmanchando as chances de colaboração entre pesquisadores 
e estudiosos destas áreas (KHAIL, 2009). Devido a este afastamento da Arqueologia 
Marítima da grade de formação dos futuros arqueólogos egípcios o equivoco que ocorre no 
mundo inteiro está ocorrendo lá: mesmo entre acadêmicos, em relação a verdadeira natureza 
desta disciplina, portos ou navios que são encontrados na terra são desconsiderados da 
Arqueologia Marítima, pelo o simples motivo de não se encontrar submerso, assim, “esta 
perspectiva tem suas implicações para a maneira como estes sítios são estudados e 
apreciados” (KHAIL, 2009). 
Mesmo com menos de duas décadas de estabelecida no nordeste da África, algumas 
descobertas conhecidas feitas por profissionais da Arqueologia Marítima em escavações de 
sítios submersos foram realizadas, algumas delas pelo arqueólogo francês Franck Goddio, por 
exemplo, que encontrou em 1996 o bairro real de Alexandria, que consiste no palácio da 
rainha Cleópatra. 
Alexandria foi fundada em 331 A.C. por Alexandre (O Grande), antes deste ocorrido a 
civilização egípcia praticamente ignorava esta parte do seu território, mas com a chegada dos 
gregos esta área inóspita do delta floresceu e abrigou dois dos monumentos mais importantes 
durante a dominação ptolomaica, a Biblioteca de Alexandria e o Faros. Esta primeira tendo 
encontrado a decadência após um incêndio e o último, destruído após agitações sísmicas. Com 
a morte de Alexandre, anos antes do auge destes edifícios, a cidade passou para o comando do 
seu general, Ptolomeu, o fundador da dinastia ptolomaica que teve fim após a morte de 
Cleópatra VII. O seu palácio acabou submergido após uma série de abalos tectônicos. 
Outra descoberta feita por Goddio foram os restos das cidades de Heracleion e o subúrbio de 
Canopus em 2000, na baía de Abukir, ambos submergidos ainda na antiguidade após uma 
57 
 
acomodação tectônica que elevou o nível do mar. As escavações no local revelaram um 
fragmento de um muro cujo texto deu um vislumbra maior sobre o calendário egípcio, partes 
do templo de Hércules e uma estátua de 5,2 metros do deus Hapi (FIG. 14), fato curioso, pois 
até então nenhuma em uma escala tão grande tinha sido encontrada19. Na mesma baía, dois 
anos antes, Goddio encontrou alguns sítios de naufrágio, dentre eles aqueles referentes aos 
restos da frota de Napoleão Bonaparte em sua batalha contra os ingleses. O local do naufrágio 
do L'Orient, um dos navios mais importantes da frota, foi localizado. 
 
 
FIGURA 14: Deus Hapi em sítio submerso. (Fonte: 
Fundação Hilti. Franck Goddio Society. Disponível em: 
. Acesso em: 19 de 
maio de 2010) 
 
Os artefatos ligados a Arqueologia Marítima encontrados em terra não merecem menos 
dedicação em termos de pesquisa, como mostrou o trabalho de escavação – ou seria remoção 
sistemática, já que estava dentro de um fosso praticamente protegido das areias do deserto – 
do barco do faraó Khufu. Tendo sido, em 1954, encontrada uma estrutura em pedra durante a 
limpeza de rotina próxima a Grande Pirâmide, pensou-se inicialmente que se tratava de um 
muro que cercaria o edifício, mas após uma escavação mais profunda, realizada pelo 
arqueólogo egípcio Kamal El Mallakh, foram encontrados dois fossos cuja parede é feita de 
pedra calcária e que guardava em seu interior as peças desmontadas de um barco feito de 
 
19
 Fundação Hilti. Franck Goddio Society: PROJECT CANOPIC REGION Gallery Canopic Region. Disponível 
em: . Acesso em: 19 de maio de 2010. 
 
madeira de cedro (O’CONNOR 
contratado o restaurador 
experiência de vinte anos trabalhando na restauração de tumbas tebanas, 
conhecimentos e os conhecimentos dos cientistas eram limitados quanto a montagem dos 
antigos barcos. Sobre isto escreveu 
absolutamente nada sobre construção de barcos, e parecia que aquele trabalho necessitava 
mais de um carpinteiro ribeirinho que de um restaurador
Assim, durante três meses visitou artesões loc
praticando para a tarefa que o esperava no platô de Giza. Quanto a um dos barcos 
encontrados, e o escolhido para ser montado, possuía mais de 1.200 peças que foram migradas 
uma a uma para um galpão próximo ao
preservação de cada peça variava, as esteiras de junco e as cordas de linho, por exemplo, eram 
tratadas em resinas para que não se esfarelassem. Ao todo foram treze camadas de madeira e 
todas elas fotografadas e catalogadas (O’CONNOR 
 
FIGURA 
com uma maquete de embarcação. (Fonte: 
O’CONNOR 
 
(O’CONNOR et al., 2007; p. 61). Para o trabalho de montagem foi 
 egípcio Hag Ahmed Youssef Moustafa que, apesar da sua 
experiência de vinte anos trabalhando na restauração de tumbas tebanas, 
conhecimentos e os conhecimentos dos cientistas eram limitados quanto a montagem dos 
. Sobre isto escreveu “Senti-me ansioso e cheio de receio. Não sabia 
absolutamente nada sobre construção de barcos, e parecia que aquele trabalho necessitava 
mais de um carpinteiro ribeirinho que de um restaurador” (O’CONNOR 
Assim, durante três meses visitou artesões locais e fez modelos de navios 
praticando para a tarefa que o esperava no platô de Giza. Quanto a um dos barcos 
encontrados, e o escolhido para ser montado, possuía mais de 1.200 peças que foram migradas 
uma a uma para um galpão próximo ao local para a sua restauração. O tratamento de 
preservação de cada peça variava, as esteiras de junco e as cordas de linho, por exemplo, eram 
tratadas em resinas para que não se esfarelassem. Ao todo foram treze camadas de madeira e 
catalogadas (O’CONNOR et al., 2007, p. 62). 
FIGURA 15: Hag Ahmed Youssef Moustafa 
com uma maquete de embarcação. (Fonte: 
O’CONNOR et al., 2007, p. 63) 
58 
o trabalho de montagem foi 
Moustafa que, apesar da sua 
experiência de vinte anos trabalhando na restauração de tumbas tebanas, acreditava que seus 
conhecimentos e os conhecimentos dos cientistas eram limitados quanto a montagem dos 
so e cheio de receio. Não sabia 
absolutamente nada sobre construção de barcos, e parecia que aquele trabalho necessitava 
” (O’CONNOR et al., 2007, p. 62). 
de navios em escala (FIG. 15) 
praticando para a tarefa que o esperava no platô de Giza. Quanto a um dos barcos 
encontrados, e o escolhido para ser montado, possuía mais de 1.200 peças que foram migradas 
local para a sua restauração. O tratamento de 
preservação de cada peça variava, as esteiras de junco e as cordas de linho, por exemplo, eram 
tratadas em resinas para que não se esfarelassem. Ao todo foram treze camadas de madeira e 
 
 
: Hag Ahmed Youssef Moustafa 
com uma maquete de embarcação. (Fonte: 
59 
 
Mesmo com toda a preocupação de conviver e tentar aprender com os ribeirinhos a arte de 
fazer barcos de madeira, a técnica dos egípcios faraônicos não foi preservada, logo Moustafa 
não sabia quais as disposições das peças para montá-las, mas tentou segui-las de acordo com a 
ordem que foram postas dentro do fosso. Como o estibordo e bombordo estavam lado a lado 
isto deu uma idéia de como prosseguir com o trabalho. Estando as cegas a equipe de Moustafa 
precisou iniciar e reiniciar o processo de montagem quatro vezes, todas com insucessos até 
que um dos ajudantes notasse que as peças que se encaixavam perfeitamente possuíam 
símbolos comuns que pareciam servir como guias. Apesar da ajuda antiga os remos não 
possuam as indicações e foram postos onde os restauradores supunham que seria o seu local 
original (O’CONNOR et al., 2007; p. 65). Ao final de dezesseis anos de trabalho a 
embarcação foi formada (FIG. 16). 
 
 
FIGURA 16: Barca solar de Khufu. (Fonte: 
MARIE; HAGEN, 1999, p. 23) 
 
Como é estreito e comprido o seu desenho é de característica papiriforme, tentando imitar o 
aspecto dospequenos barcos de papiro e a embarcação por inteira não utilizou nenhum tipo de 
metal para a sua fixação, os operários da antiguidade fizeram uso das cordas de linho, o que 
atesta uma maestria na construção naval faraônica, já que os antigos construtores conseguiram 
60 
 
fazer um bom uso das cordas e de sua experiência de tal forma que as madeiras conseguiam 
ficar rigidamente unidas. Esta união, para nós tão incomum, ajudou a especular que o navio 
não foi usado de forma ritual, mas que também já navegou outrora devido ao desgaste por 
fricção das cordas com a madeira possivelmente causada pelo o inchaço desta ultima ao ficar 
em contato com a água. Em uma consideração Moustafa levantou que o barco pode ter 
transportado o corpo de Khufu de Mênfis para Giza e no final, como uma relíquia sagrada, foi 
guardado próximo a sua pirâmide (O’CONNOR et al., 2007, p. 64). 
Hoje o barco está exposto em um museu construído em cima do fosso onde permaneceu por 
séculos guardado. Um segundo poço, encontrado no mesmo ano, também contém uma 
embarcação, mas que permanece intacta e guardada em seu local original. 
Outro achado semelhante ao da embarcação de Khufu são os barcos de Dashur, encontrados 
em pelo arqueólogo francês Jean-Jacques de Morgan, no complexo funerário do faraó 
Sesóstris III. Hoje é conhecida a localização de quatro dos barcos encontrados: dois 
continuam no Egito e ou demais nos Estados Unidos20. Os barcos foram feitos com a junção 
de pequenas tabuas (FIG. 17) através do uso da ensambladura. 
 
 
FIGURA 17: Barco de Dashur. Fonte: The Cairo 
Dahshur Boats, a Digital Exhibit. Disponível em: 
. Acesso em: 31 de 
outubro de 2010. 
 
20
 The Cairo Dahshur Boats, a Digital Exhibit. Disponível em: . Acesso em: 31 
de outubro de 2010. 
61 
 
 
Não só a descoberta de embarcações de verdade foi importante durante as pesquisas que se 
seguiram no Egito. Na FIG. 18, que mostra quatro dos modelos de barcos encontrados na 
tumba de Meketre, podemos ter uma idéia de uma das formas como era praticada a pesca no 
Nilo que poderia consistir entre duas embarcações paralelas com uma rede no meio para 
arrastar os peixes para a superfície. 
 
 
FIGURA 18: Maquetes de barcos da tumba de Meketre. Saqqara. 
(Fonte: MARIE; HAGEN, 1999, p. 22) 
 
Algumas observações importantes podem ser tiradas dos achados da tumba de Meketre, uma 
delas é sobre o trabalho a bordo, como é ocaso da função dos marinheiros em uma 
embarcação a vela ou a disposição dos remadores, outras informações é sobre as formas dos 
barcos, o que levantou uma importante advertência: já que muitos deles eram estreitos não 
possuíam cozinha, que eram posta em uma segunda embarcação (O’CONNOR et al., 2007, p. 
13). 
Durante a sua pesquisa Winlock observou que alguns dos objetos possuíam marcas de uso, o 
que o fez concluir que as peças foram construídas tempos antes da sua morte e permanecido 
armazenadas em algum lugar onde foram invadidas por alguns insetos e membros da família 
(O’CONNOR et al., 2007, p. 13). 
62 
 
A criação do lago Nasser também trouxe novas perspectivas para o trabalho de Arqueologia 
Marítima em sítios submersos, já que, embora muitos egiptólogos acreditem que as 
edificações submergidas após a construção da represa Saad el-Ali tenham se perdido para 
sempre eles ainda estão lá a espera para ser pesquisados. O antigo território dos Núbios ainda 
possui muito a nos mostrar, o templo de Abu Simbel as margens do Nilo era só uma 
advertência ao viajante, mas outros avisos, menos chamativos, foram deixados também para 
que os estrangeiros seguindo rumo ao norte pudessem vê-los (DERSIN, 2007, p. 111). 
A importância da interação entre profissionais de várias áreas com a Arqueologia Marítima 
também está se fazendo necessária. É importante ressaltar que os sítios arqueológicos 
terrestres que se tornaram submersos precisam ser escavados como sítios terrestres devido as 
suas camadas de ocupação (RAMBELLI, 2002, p. 55), pois guarda ainda os vestígios das 
atividades ali praticadas, como ressalta uma descoberta em Timor-Canopus de um matadouro 
que ainda hoje conserva as marcas das patas dos bovídeos que ali viviam a espera do abate 
(FIG. 19). 
 
 
FIGURA 19: Marca de patas de bovídeos em sítio submerso. Fonte: 
Fundação Hilti. Franck Goddio Society. Disponível em: 
. Acesso em: 19 de maio de 2010. 
 
63 
 
Para completar, de acordo com a convenção de 2001 da UNESCO para a preservação do 
patrimônio subaquático, os artefatos submersos devem, preferivelmente, permanecer 
submersos, uma vez que a água, meio em que permaneceram durante anos, os preserva. Desta 
forma em 2008 foi anunciado o projeto para a criação do Museu Subaquático na baia de 
Alexandria, embora a UNESCO ainda estivesse organizando uma equipe para estudar se a 
presença de tal estrutura prejudicaria a integridade das peças imersas (BOSSONE, 2008). A 
proposta do edifício seria fazer uma amostra tanto terrestre como subaquática a fim de criar 
uma experiência de um museu tradicional, ao mesmo tempo em que proporcionaria aos 
visitantes apreciar os artefatos que ainda estão dentro d’água. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
64 
 
Conclusão 
 
 
O objeto de estudo da Arqueologia Marítima é o aspecto humano agregado ao ambiente 
aquático - independente de qual tipo for, seja mares, lagos ou rios -. Ela não se dedica 
somente aos sítios submersos, mas aos edifícios e objetos ligados a cultura marítima que são 
usados em ambientes fora d’água ou vice-versa. 
Os ambientes aquáticos também estão sujeitos a transformações e modificações causadas pela 
atividade humana. Neste sentido ele tem servido, desde sempre, como arquivos de vestígios 
materiais da cultura que podem nos contar não apenas um pouco mais sobre as diferentes 
sociedades (presentes e passadas), mais também e principalmente sobre atividades, 
comportamentos, valores e símbolos específicos dos grupos sociais que neles viveram. 
Quando observamos isto percebemos que não há motivos para disparidades entre ela e a 
Arqueologia praticada em terra. 
Desde meados da década de 1990 os arqueólogos no Egito não têm mais olhando somente os 
sítios terrestres, ampliaram desde então seu campo de visão para os sítios submersos, muito 
embora ainda estejam imaturos quanto a real definição de Arqueologia Marítima, por isto esta 
pesquisa ressaltou a idéia de que a arqueologia em ambientes aquáticos não deveria ser 
realizada por mergulhadores sem formação na academia, e sim por arqueólogos que 
aprenderiam a mergulhar. 
Quando observamos os egípcios de uma maneira geral, podemos considerá-los como um povo 
de forte cultura marítima, pois são vários os mitos associados ao ambiente aquático ou aos 
artefatos ligados a eles. Ao observar o seu regime de inundações associado à religião e 
inclusive ao modo de gerir o dia a dia da população faraônica percebemos isto mais 
facilidade. Ao longo de suas correntezas naturais ele uniu as diferentes regiões do país, 
tornando-se a via de transporte, comunicação e orientação principal na antiguidade, que foi 
aperfeiçoada com a construção de canais que tinham múltiplas finalidades, dentre elas a 
irrigação e a captação de recursos como alimentos. Aproveitaram também esta ferramenta 
para se situar não só no tempo – com o calendário baseado nas inundações -, mas também no 
espaço. 
65 
 
Assim é percebível que a cultura egípcia não pode ser mais estudada somente de um ponto de 
vista da terra, mas também a partir do Nilo, uma vez que ele era a extensão do lar das pessoas 
que ali viviam. Os primeiros passos já foram dados, mas é necessário muito mais para que o 
patrimônio arqueológico egípcio não continue a pagar um preço tão caro, como tem ocorrido 
nas últimas décadas.66 
 
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70 
 
 “Tesouros sem fim: novas técnicas ampliam descobertas e lançam luzes sobre a vida 
cotidiana no Egito antigo”. Veja, 14 de Janeiro, 1998.24 
2º Capitulo: Arqueologia no Egito ........................................................................................... 25 
3º Capítulo: Sociedade egípcia, uma civilização marítima ...................................................... 30 
4º Capítulo: Arqueologia Marítima no Egito ........................................................................... 55 
Conclusão ................................................................................................................................. 64 
Referencias Documentais ......................................................................................................... 66 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
Introdução 
 
 
Dizem que o ambiente aquático é o que gere a nossa vida, nós nos desenvolvemos nele no 
útero da nossa progenitora, grande parte do nosso corpo é composto por líquidos e o nosso 
próprio planeta é coberto quase que totalmente por água. Mesmo assim atualmente seguimos 
com um pensamento pesadamente terrestre e conseqüentemente ignoramos o fato de que as 
sociedades viventes no passado poderiam circundar sua vida em um translado entre terra e 
água. 
Nosso desprezo e fascínio pelo o mundo aquático vão muito além do medo de se afogar. Para 
nós a água é um ambiente intransponível e quando adentrado torna-se hostil, não é a toa que o 
roteirista do filme King Kong1 tenha escolhido uma ilha sinistra escondida no meio do oceano 
nebuloso para guardar a temível criatura que é o famoso macaco Kong, mas, diga-se de 
passagem, este não é um medo tão moderno, Homero em seu livro “A Odisséia” descreve 
mares terríveis e a água como a morada de seres tenebrosos. A crença sobre um dilúvio de 
destruição é encontrada em diversas culturas, alguns exemplos são o mito de Viracocha 
(América), da Arca de Noé (judaísmo e cristianismo) e a epopéia de Gilgamesh 
(Mesopotâmia) onde a água é uma das ferramentas usadas por deus para dizimar os humanos, 
é como se ela fosse a ferramenta perfeita para começar o mundo do zero. 
Ela também está ligada ao mito de criação de várias sociedades: Vishnu-Narayana (Índia) deu 
a vida ao universo enquanto chupava o dedão do pé flutuando nas águas primordiais, deitado 
sob uma flor de bananeira; Viracocha (Inca) como já citado alagou a terra, mas em vez de 
gigantes (sua obra anterior) criou os seres humanos da nossa estatura; Odin, Vili e Ve (Norte 
da Norte) após matarem o gigante de gelo Imir usaram o sangue deste para criar o oceano e a 
partir dos pedaços de madeira que flutuavam nas suas águas criou a humanidade; os próprios 
egípcios acreditavam que o seu deus criador, Atum, tinha nascido de um oceano primordial, 
mas especificamente dormindo em uma flor de lótus, que é uma planta aquática. 
Hoje o oceano tem os sinônimos de perigo, imensidão e algo muito caro. Estas três definições 
dão para nós a liberdade de imaginar que um trabalho de Arqueologia Marítima em um 
 
1 King Kong, 2005, Universal Pictures. 
13 
 
ambiente submerso está muito distante do nosso alcance, uma atividade reservada somente 
aos corajosos com o investimento de pessoas ricas. 
Como já observamos tudo o que é relativo ao ambiente aquático acaba despertando algum 
tipo de sentimento entre as pessoas, mas não devemos esquecer as atividades rotineiras, pois é 
neste momento em que mais vemos a atuação ferrenha da água, seja quando é usada para a 
higiene, como área para o descarte, a socialização, moradia, transporte, comunicação, etc. 
Quando lhe damos com a arqueologia egípcia não raramente, se não na grande maioria das 
vezes, nos preocupamos com o mito do deus do Nilo, as cheias anuais e o festival Opet que 
tanto movimentou aquela sociedade, mas esquecemos da cultura material gerada pelo o 
cotidiano e que está esquecido dentro deste ambiente ou é relativo a este ambiente. Para os 
egípcios antigos o espaço aquático não era uma existência a parte, ele estava agregado as mais 
variadas atividades cotidianas que iam desde a agricultura, comércio, moradia e até local 
usado pelas almas para ir além-mundo. Assim, com este trabalho proponho olharmos o lado 
“aquático” desta sociedade - com o auxilio de autores que empenharam algumas de suas 
páginas para se dedicar ao tema, percebendo o quanto ele é relevante, mas tão pouco tratado - 
e conhecer um pouco mais da influência deste ambiente para a antiga sociedade egípcia 
durante o período faraônico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
1º Capitulo: A Arqueologia Marítima 
 
 
A arqueologia possui múltiplas origens e muitas áreas de especialização, estas distinções 
podem ser feitas de forma temporal – Pré-Histórica, Histórica, etc - ou geográfica –. Egípcia, 
Japonesa, etc -. Na Europa, na imagem da pioneira Arqueologia Clássica, ela surgiu derivada 
da filologia, estudo das línguas antigas, que estava sendo desenvolvida pelos primeiros 
pesquisadores a explorar as ruínas de cidades gregas e romanas e que não raramente 
ingressavam nos exércitos de ocupação tendo como principal trabalho catalogar e detalhar os 
artefatos encontrados, além de selecionar quais iriam para o seu país natal. Neste caminho 
praticamente todos os países da Europa, para provar ou exercer poder, entram sucessivamente 
numa corrida frenéticas para fazer descrições de artefatos e monumentos das ditas sociedades 
bárbaras, ou não europeizadas, e então futuramente arrecadar para si objetos de tais 
comunidades para abastecer seus museus ou gabinetes formando assim as famosas coleções 
do Museu Britânico, Museu do Louvre e do Museu de Berlim, só para citar três exemplos. 
Pode-se dizer também que a arqueologia fez parte da engrenagem do imperialismo, pois era 
uma das ferramentas, se não a principal, utilizada como discurso para a apropriação dos bens 
culturais de sociedades dominadas. Um destes discursos era de que a Europa, além de 
suprema – logo, teria que ter um pedaço de cada história antiga – era o único local em que as 
peças estariam mais protegidas, do que se permanecesse em seu país natal. Tal discurso ainda 
é hoje utilizado para justificar a não repatriação de peças arqueológicas. 
Embora a arqueologia possa ter surgido parcialmente em um contexto pouco benigno, com o 
passar dos séculos ela procurou uma roupagem mais científica, que justificasse tantos 
investimentos por parte do governo ou universidades (JOHSON, 2000, p. 56). Enquanto que 
na Europa acabou surgido como parte de um argumento artístico e em prol do antiquarismo, 
na América do Norte – se expandindo mais tarde para o restante do continente – ela buscou 
uma identidade própria, e a conseguiu em meados da década de 1960. Anterior a este período 
o pensamento dominante considerava que a arqueologia tinha um propósito de simplesmente 
colecionar, descrever e classificar os objetos antigos, mas a criação de idéias relativas a 
processos culturais (evolução cultural) para compreender o comportamento humano de uma 
forma geral (ou seja, o difusionismo), tornou-se, particular entre os então seguidores da New 
Archaeology (EUA) que tinha uma proposta de ciência arqueólogo-antropologica voltada para 
15 
 
a mera tentativa de recuperação de resquícios do passado através das regras universais. A 
sugestão era procurar nas antigas sociedades leis pré-definidas que seriam validas para 
qualquer ser humano, independente do seu ambiente e espaço de convívio. Tais regras 
partiriam do pressuposto de que o homem age buscando a saída mais fácil, ou seja, 
minimizando os esforços e maximizando os seus resultados. 
O ambiente criado na América e a busca por uma arqueologia própria - não raramente usada 
como máscara para os discursos de poder2 -, criaram uma ramificação nova que trata das 
sociedades com escrita, a Arqueologia Histórica, que surgiu no final da década de 1970, se 
expandindo efetivamente na America Latina a partir da década de 1990 (FUNARI, 2006, p.25), e ignorando quaisquer sociedades anteriores a dominação européia no continente. 
Quando observamos este contexto se desenvolvendo nas Américas, ao chegar ao chamado 
“Novo Mundo”, a Arqueologia Clássica e suas derivadas como a Egípcia e a Bíblica 
mantiveram-se separadas da disciplina que era praticada e difundida nos cursos e trabalhos 
realizados no continente. Mas estas disciplinas permaneceram com um ponto em comum: o 
seguidor da New Archaeology, assim como os históricos-culturalistas não conseguiam se 
desvencilhar da fixação pelos artefatos, esquecendo das mãos humanas que um dia os 
construiu. Desde então, começou a nascer um grupo de arqueólogos que acreditam que a 
arqueologia deve se preocupar não só com catálogos, mas com a transformação da sociedade 
e seu funcionamento (FUNARI, 2006, p. 18). 
Com correntes de pensamento e especializações surgindo, o interesse em proteger o 
patrimônio arqueológico foi se consolidando em todo mundo. No entanto, o patrimônio 
arqueológico subaquático manteve-se, e ainda se mantém, em uma posição desfavorável em 
relação a sua versão terrena. E o problema não está relacionado somente a como ela é vista 
pelo o público amador, mas também como é vista inclusive dentro da própria academia: 
Arqueologia Marítima, objeto principal deste trabalho, não raramente é apontada como 
pertencente a um universo a parte da disciplina, embora, apesar do seu caráter 
corriqueiramente submerso, seja todavia Arqueologia. 
E ainda com os riscos (sejam físicos ou financeiros) que com tanta insistência são associados 
à prática do mergulho os acadêmicos são afastados da tarefa de pesquisar as áreas de sítios 
submersos. Este não é um pensamento atual, o Mar era – como ainda o é por muitos - 
considerado um local inacessível, apático, caprichoso e mortal, o que fez nascer um visível 
 
2 O uso da arqueologia para ocultar um passado turbulento do país é um exemplo. 
16 
 
preconceito ou repulsa pela a idéia de se trabalhar com o corpo totalmente imerso. Esta 
aversão decompôs a arqueologia estranhamente entre “Arqueologia” e “Arqueologia 
Subaquática” como se esta última, como mencionado anteriormente, fosse um universo a 
parte da disciplina. Pior do que ser desvinculada da própria Arqueologia em si, é ser 
desvinculada da ciência, como se os sítios submersos estivessem livres das escavações 
sistemáticas e tendo como única preocupação recolher peças e levá-las à superfície. Assim, 
com o descaso por parte de alguns profissionais da área, a arqueologia em seu caráter 
agrocêntrico é a legitima, passível de atenção e preocupada com o contexto e disposição do 
sítio, enquanto a praticada em ambientes aquáticos é marginalizada e usada como máscara 
para o exercício de caça ao tesouro, este último sendo o fruto do interesse de pessoas em obter 
um pedaço do passado, ou lucrar à custa dele. 
O interesse histórico e/ou cultural por artefatos e estruturas submersas surgiu da mesma forma 
que acontecia com os artefatos em terra: por parte de uma conduta antiquarista remontando ao 
século XI D.C., e se desenvolvendo a partir dos séculos XV e XVI (MUCKELROY, 1978, p. 
11 apud DURAN, 2008, p. 77), possivelmente devido ao movimento renascentista, que se 
destaca por seu apresso as antigas sociedades clássicas. E foi justamente durante esta época 
que vemos um crescente interesse pelo o mundo submerso como também pelos tesouros lá 
“abandonados”. Assim, em 1535, após décadas sem praticar atividades subaquáticas como era 
no caso dos urinatores da Roma imperial, o italiano Francesco Demarchi utilizou um capacete 
de madeira com um visor de cristal para visitar um dos barcos romanos naufragados no lago 
Nemi (RAMBELLI, 2002, p. 23). Com esta capacidade de visitar o meio imerso os tidos 
“aventureiros” enxergariam várias possibilidades de exploração dos artefatos ali conservados. 
Os objetos coletados dos ambientes marinhos eram guardados nos então já citados gabinetes 
de curiosidades, que nada mais eram que oficinas particulares mantidas por famílias influentes 
da Europa ou reutilizados pela a economia local. Em 1616 foi criado o sino de observação 
imersa fabricado por Frans Kessler e aperfeiçoado posteriormente pelo o inglês Edmund 
Halley, mas que foi desenhado séculos antes por Aristóteles durante a antiguidade. Este sino 
permitiu a exploração do navio Vasa em 1664 (RAMBELLI, 2002, p. 23). No final do século 
XVIII, Klinger criou o primeiro escafandro, um aparelho de mergulho alimentado, na época, 
por um reservatório de ar comprimido não renovável, e em 1819 o alemão Auguste Siebe 
alterou o sino de mergulho que cobria a cabeça do mergulhador por um capacete de cobre - 
alimentado por ar comprimido através de uma bomba instalada na superfície - e uma roupa 
rústica e pesada. Este novo aparado chamava-se “escafandro pés pesados” (RAMBELLI, 
17 
 
2002, p. 25). Este equipamento grosseiro, utilizado ao longo dos anos para “caminhar” sob a 
água, causou danos tremendos a sítios arqueológicos. 
A aproximação com o ambiente marinho, que antes era exclusiva de uso militar ou daqueles 
que eram aptos fisicamente (RAMBELLI, 2002, p. 27), foi facilitado com a criação do 
SCUBA (Self-Contained Underwater Breathing Apparatus), um aparelho que fornece o ar 
necessário para quem pratica o mergulho autônomo. Outra invenção que ajudou no processo 
de aproximação com a água foi o Snorkel. Estes aparelhos, principalmente o SCUBA, por seu 
caráter de permitir mergulhos mais profundos auxiliaram numa democratização do ambiente 
marítimo como também nos saques de sítios arqueológicos durante os mergulhos recreativos. 
Em contrapartida arqueólogos também puderam se aproximar e se dedicar ao trabalho nestas 
áreas. Assim, um novo ramo desta ciência acabou por ser criado, aquele onde a Arqueologia 
estava a ser realizada também em ambientes submersos. 
A sugestão de se usar o ambiente aquático para coletar informações sobre o passado humano 
surgiu em 1832 quando o geólogo Charles Lyell publicou seu livro Principles of Geology 
(MUCKELROY, 1978, p. 11 apud DURAN, 2008, p. 77), mas é somente a partir do século 
XX que nasceram as primeiras preocupações com o real valor histórico das peças e as 
questões relevantes que elas poderiam levantar, fazendo então com que os pesquisadores 
despertassem para o potencial que os sítios submersos estavam evidenciando (DURAN, 2008, 
p. 78). No entanto, a primeira geração de arqueólogos marítimos foi formada por 
mergulhadores que tiveram que fazer o trabalho de um acadêmico, embora não pertencesse a 
área. 
A primeira tentativa de um trabalho de arqueologia sistemática em um ambiente imerso foi 
realizada pela a equipe de Jaques Cousteau, sob a orientação do arqueólogo Fernand Benoit 
(que se manteve na superfície) na região de Grand Congloué, em Marselha, durante os anos 
de 1952 e 1957. Tal pesquisa é conhecida no meio acadêmico pelo o grande equívoco 
provocado por seu pesquisador, que acreditava que estava estudando uma embarcação, 
enquanto que na realidade estava trabalhando com duas, uma sobreposta a outra como se 
fossem camadas de ocupação (RAMBELLI, 2002, p. 29). Esta pesquisa ressaltou a idéia de 
que a arqueologia em ambientes aquáticos não deveria ser realizada por mergulhadores 
experientes que, todavia, não sabiam nada de arqueologia, e sim por arqueólogos que 
aprenderiam a mergulhar. Quando isto de fato aconteceu em 1961, através da figura do norte 
americano George Bass em seu trabalho na ilha Yassi Ada (Turquia), podemos dizer que de 
18 
 
fato a Arqueologia em ambientes aquáticos acabará de nascer. Este acontecimento deu o 
pontapé para se formar programas acadêmicos especializados na matéria (GIBBINS; 
ADAMS, 2001, p. 286 apud DURAN, 2008, p. 76). 
Percebemos então que é necessária a presença do arqueólogo em sítios marítimos submersos, 
mas ainda são poucos que se interessamem trabalhar na área. Assim, no que se difere a 
arqueologia de ambientes aquáticos da arqueologia de ambientes terrestres que tanto afasta 
entre si os pesquisadores de ambas as áreas? Em praticamente nada, exceto pelo o fato de que 
os instrumentos corriqueiramente utilizados em terra necessitam ser adaptados para ambiente 
submerso e que o arqueólogo possui um tempo limite para o seu trabalho (dependendo de 
fatores como a profundidade em que se encontra, as atividades que esteja exercendo, etc). 
Desta forma, não há motivos para ambos os profissionais se distanciarem tanto um do outro, 
como têm ocorrido tão frequentemente. Esta separação tão corriqueira talvez venha da ainda 
idéia arcaica relacionada ao trabalho realizado embaixo d’água - a velha imagem da caça ao 
tesouro e do resgate despreocupado dos objetos -. A desconfiança deve partir também da 
idade dita “imatura” da Arqueologia de Ambientes Aquáticos em relação a arqueologia 
“agrocêntrica”, enfim, o que são cinco décadas debaixo d’água comparadas a mais de 
duzentos anos sobre a terra? Isto só destacaria um pouco da ignorância da academia quanto ao 
real estado da Arqueologia realizada em um ambiente submerso e os seus inúmeros trabalhos 
sistemáticos. A mídia, em especial, tem contribuído de certa forma para propagar equívocos 
quanto aos trabalhos de arqueologia realizados neste tipo de local, afinal, um sepultamento em 
um sítio arqueológico em terra lhes parece menos interessante se comparado aos corpos 
submersos em cenotes, ou urnas quebradas em terra com as ânforas clássicas retiradas inteiras 
de navios. E para deixar a questão um pouco mais complexa não é incomum que a impressa 
trate tais achados como prêmios e adéqüe valores econômicos as peças. Desta forma sua 
intervenção auxilia aos caçadores de tesouros em de dar uma justificativa perante a sociedade, 
e assim, como todos sonham com a possibilidade de ganhar a riqueza da noite para o dia, o 
público se sensibiliza e apóia a causa. Além disto, existe o decalque exagerado dos riscos do 
mergulho: na busca de manter um monopólio sobre os bens debaixo d’água, caçadores e, 
porque não dizer, alguns arqueólogos, criam a imagem do mergulho de uma forma irreal, 
como se fosse uma pratica extremamente difícil e perigosa em que somente pessoas aptas – 
eles mesmos – são capazes de praticar. Quem já foi a pelo menos um congresso de mergulhos 
ou leu sobre o assunto já deve ter ouvido ou lido isto várias vezes. 
19 
 
De fato a ação de mergulhar exige seus cuidados, o maior deles é em termos fisiológicos, mas 
nada que o torne uma atividade impossível, caso ao contrario, jamais existiriam tantos 
mergulhadores, inclusive crianças, durante atividades recreativas. Logo, por que não seria 
possível existir cada vez mais pessoas exercendo esta atividade para trabalho? 
Outros dos maiores desafios enfrentados pela a Arqueologia praticada em ambientes aquáticos 
é, sem dúvida alguma, a legislação. Existem países que ainda aderem a caça ao tesouro, ou 
simplesmente ignoram o seu patrimônio subaquático, permitindo então que suas águas sirvam 
de terreno para o roubo de peças arqueológicas. Ainda há a questão das denominadas águas 
internacionais, que sucinta em problemas de repatriação a exemplo de um modelo de uma 
estátua grega de bronze encontrada em 1964 em uma rede de pescadores italianos. O objeto 
foi vendido para o Getty Museum (EUA) e quarenta anos depois a Itália pediu o artefato de 
volta alegando contrabando por parte dos vendedores e o comprador, mas o museu, por sua 
vez, se justificou afirmando que não ocorreu crime, uma vez que a estátua foi encontrada em 
águas internacionais antes de chegar à Itália3. 
Assim como os sítios fora d’água, os sítios submersos também guardam testemunhos de 
atividades humanas, logo, os artefatos lá depositados fazem parte do patrimônio da 
humanidade de acordo com a Carta Internacional para Gestão do Patrimônio Arqueológico do 
Icomos (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), de 1990, o qual define “patrimônio 
arqueológico” todos os vestígios da existência humana ou sítios vinculados a sua presença, os 
quais devem ser investigados pelos arqueólogos em primeira instância (RAMBELI, 2002, p. 
37 e 38). No entanto, quando está debaixo d’água, o patrimônio recebe o complemento 
“subaquático” em sua denominação na Carta Internacional do Icomos sobre a Proteção e 
Gestão do Patrimônio Cultural Subaquático (RAMBELLI, 2002, p. 38). 
 
Nove anos após o primeiro arqueólogo tornar-se mergulhador, outro pesquisador da área, o 
britânico Keith Muckelroy, criou o conceito de “Arqueologia Marítima”. De acordo com o 
pensamento de Muckelroy ela se distancia do conceito da Arqueologia Subaquática e da 
Arqueologia Náutica. Em sua definição a náutica trabalha exclusivamente com o estudo da 
técnica naval e/ou dos processos de construção naval, diferentemente da Arqueologia 
Marítima que se dedicaria ao estudo da cultura aquática, e ainda para Muckelroy, se um 
 
3
 Matéria sobre repatriação de peças: “Quero minha múmia”. Veja. Dezembro de 2003. 
20 
 
artefato, mesmo que tenha sido feito para fins aquáticos, mas que não esteve em um contexto 
submerso, ele torna-se uma “fonte de segunda ordem”, já que é uma representação periférica 
da cultura marítima (DURAN, 2008, p. 84). No entanto esta já é avaliada como uma visão 
arcaica. 
Atualmente é considerado que o objeto de estudo da Arqueologia Marítima é o aspecto 
humano agregado ao ambiente aquático e deve-se ainda denotar que ela não se dedica 
exclusivamente a interpretação de sítios submersos, mas também aos sítios terrestres, onde 
artefatos tipicamente aquáticos são usados em ambientes fora d’água ou vice-versa. Ela 
procura analisar os diferentes aspectos do que podemos classificar como uma “cultura 
marítima” e de sua importância dentro dos processos sociais, políticos e econômicos 
produzidos pelas diferentes sociedades humanas (DURAN, 2008, p. 6). Falar em cultura 
marítima é falar do “conjunto de várias práticas (econômicas, sociais e sobre tudo simbólicas) 
resultantes da interação humana com um espaço particular e diferenciado do continental: o 
espaço marítimo” (DIEGUES, 1998, p. 50 apud DURAN, 2008, p. 17). 
Foi apenas recentemente que se empreendeu um esforço verdadeiro de incorporar os 
diferentes processos de interação histórico-cultural entre as sociedades humanas e o mar, 
dando especial atenção a análise das práticas sociais especificas que se fundamentam na 
formação do que poderíamos classificar como várias “culturas marítimas”. A despeito disso, 
infelizmente o caráter “humano” da água ainda é muito pouco explorado (DURAN, 2008, p. 
22). Os ambientes aquáticos também estão sujeitos a transformações e modificações causadas 
pela atividade humana. Neste sentido, mares, rios, pântanos, dentre outros ambientes 
aquáticos, tem servido, desde sempre, como arquivos de vestígios materiais da cultura 
humana que podem nos contar, não apenas um pouco mais sobre as diferentes sociedades 
(presentes e passadas), mais também e principalmente sobre atividades, comportamentos, 
valores e símbolos específicos dos grupos sociais que neles viveram (DURAN, 2008, p. 16). 
E todos estes lugares entram na gama de ambientes estudados pela a Arqueologia Marítima: 
Mac Grail, a despeito de Muckelroy, a toma de uma forma mais abrangente, definindo-a como 
o “estudo e uso pelo o homem de todos os tipos de vias aquáticas, lagos, rios e mares” (MAC 
GRAIL (1998) e BLOT (1999) apud GUIMARÃES, 2009, p. 27). 
Assim a Arqueologia Subaquática, e a Arqueologia Naval, que na época de Muckelroy 
estavam separadas da Arqueologia Marítima agora estão incorporadas nesta última, e não 
divididas. 
21 
 
A formação deste tipo de sítio ocorre das mais variadas formas, não sendo, ao contrário do 
pensamento geral, frutos somente de naufrágios, podemser de descarte (não é de hoje que 
mulheres e homens jogam seu lixo na água), depósitos rituais (nossa afamada festa para 
Iemanjá é um exemplo, ou o sepultamento de corpos em bogs pelos celtas), aqueles criados 
após mudanças climáticas ou catástrofes ambientais como maremotos, terremotos 
(submergindo então cidades) ou mudanças na paisagem provocada pelo o homem (a exemplo 
das represas que não raramente submergem cidades ribeirinhas atuais ou sítios arqueológicos 
mais antigos). É importante observar também que o seu objeto de estudo não se restringe ao 
que está imerso, mas como também a 
bens moveis ou imóveis (...) situados inteiramente ou em parte no mar 
(...) em zonas de maré, manguezais, ou quaisquer outras zonas 
inundadas periodicamente, ou recuperados em tal meio, ou 
encontrados em margens atualmente assoreadas (RAMBELLI, 2002, 
p. 39). 
Assim, “a necessidade de utilização de equipamento de mergulho autônomo é apenas um 
aspecto da atividade do arqueólogo (...)” (RAMBELLI, 2002, p. 39). 
Como dito anteriormente, os sítios hoje submersos possuem o mesmo valor para a 
interpretação do passado que os sítios que estão ao ar livre, e agora que foi abordada a atual 
definição de qual o objeto de estudo da Arqueologia Marítima encontramos uma avalanche de 
opções apara ser estudada, mas para facilitar a compreensão, Blot dividiu os tipos de sítios 
marítimos submersos em quatro categorias: naufrágio, abandono, santuário e terrestre 
submerso (RAMBELLI, 2002, p. 40), se serão abordados calmamente nos tópicos abaixo. 
 
 
1.1: Naufrágio 
 
Os sítios de naufrágio são considerados testemunhos excepcionais de acidentes com 
embarcações, de onde podem ser retiradas informações de como ocorreu a tragédia e por 
quais motivos. Além disso, servem como “capsulas do tempo”, guardando informações 
culturais da tripulação, arquitetura naval e rota de comércio, o que torna este tipo de sítio tão 
singular. 
22 
 
Apesar de serem considerados frutos de uma fatalidade não raramente alguns navios são 
naufragados criminalmente, seja para sabotar um inimigo em batalha, golpes de seguro ou 
para encobrir crimes como o contrabando, mas isto não retira o seu caráter único e a 
importância em conservá-lo ou ser pesquisado pelo o profissional, o arqueólogo. 
Podemos considerar que este sítio é um exemplo, em pequena escala, da estrutura de uma 
sociedade. Navios que passassem meses em viajem poderiam desenvolver um complexo 
sistema hierárquico ou uma divisão de afazeres. São várias as possibilidades de interpretação 
sobre a estrutura da tripulação da embarcação, mas estas informações só são possíveis de se 
averiguar com o devido trabalho in loco, em levantamentos bibliográficos e até pela cultura 
oral. Estas três ferramentas chocadas entre si poderão dar um vislumbre sobra a vida marítima 
daquelas pessoas que outrora fizeram daquele navio seu ambiente de trabalho ou lar. A análise 
da sua arquitetura pode ajudar em sua datação. 
A conservação da embarcação dentro d’água depende de vários fatores, dentre eles como se 
deu naufrágio, a acomodação no leito, temperatura da água e, dentre outras coisas, da vida 
marinha que desde então ali habita. As cracas, crustáceos de exoesqueleto calcificado, fazem 
parte do problema que uma embarcação – e o arqueólogo – pode enfrentar para a sua 
conservação, pois, elas aderem à sua estrutura e uma tentativa de remoção pode prejudicar a 
integridade do artefato. 
Enganam-se quem acredita que sítios de naufrágio são encontrados somente submersos, eles 
podem estar parcialmente ou inteiramente emerso, nesta situação técnicas de conservação 
especificas são empregadas (RAMBELLI, 2002, p. 41), além disto, é um sítio terrestre, mas 
que necessita da maestria de um pesquisador com especialização em arqueologia marítima 
para empregar seus conhecimentos em construção naval, e isto diz respeito também e 
principalmente aos restauradores, pois seu empenho à arqueologia marítima não tem menos 
sucesso do que seus colegas arqueólogos. Os sítios de naufrágios são considerados “artefatos 
móveis como também fixos por seu caráter de difícil remoção do local em que se encontra” 
(RAMBELLI, 2002; p. 43), por isto que sua conservação e restauro são feitos preferivelmente 
em seu local de descanso, ou seja, submerso, ainda mais porque se ambas as atividades forem 
praticadas emersas iria consistir não só em um trabalho penoso, mas também caro. 
 
 
23 
 
1.2: Descarte ou abandono 
Caracterizados pela a presença de artefatos descartados voluntariamente ou acidentalmente no 
ambiente aquático, eram diretamente ou indiretamente associados a estruturas ou artefatos 
terrestres, talvez seja um dos sítios marítimos menos abordados pelos arqueólogos egípcios. 
O Egito era caracterizado por parte das habitações serem ribeirinhas ou estarem próximo a 
canais ou lagos artificiais. O Nilo mesmo possuindo um teor sagrado, o que nos levaria a 
imaginar que não seria usado como deposito de lixo, pode ter, ainda sim, sido utilizado para o 
descarte. De acordo com as descrições do arqueólogo alemão Dietrich Wildung a arquitetura 
quotidiana – cabanas, estábulos, oficinas, etc – encontravam-se nas duas margens do Nilo, o 
que, ainda segundo ele, proporcionou uma rápida degradação dos edifícios, já que eram feitas 
de adobe (WILDUNG, 2009, p. 8). A iconografia nos mostra residências à beira do Nilo, e 
inclusive o uso do shaduf para levar a água imediatamente para a casa. Não seria incomum 
imaginar que em um momento ou outro os moradores poderiam tê-lo utilizado como um 
espaço para descarte. 
Este tipo de sítio é bastante corriqueiro em áreas portuárias e apresentam vestígios materiais 
de atividades rotineiras em embarcações que outrora esteve lá ancorada, ele seria formado 
então por depósitos de lixo ou objetos que caíram acidentalmente na água, isto devido a 
própria dinâmica do local (RAMBELLI, 2002, p. 50). 
Não é só através de um assentamento prolongado que um sítio de descarte pode ser formado, 
durante algum percurso pelo o Nilo, no dia a dia durante uma atividade de navegação, o 
deposito de materiais realizados nestas condições já se insere nesta categoria. É importante 
denotar também que provavelmente não existem sítios de descarte só no Nilo, o Egito possui 
quase uma dezena de Oásis, alguns deles pesadamente habitados desde a era faraônica. 
 
 
1.3: Santuário 
Embora de constituição semelhante dos sítios de descarte, os santuários são definidos por seu 
traço religioso e pelo o depósito intencional de apetrechos de caráter simbólico em larga ou 
pequena escala no ambiente aquático. O poço, lago, baía ou quaisquer lugares escolhido para 
se fazer estas oferendas poderia estar ligado a alguma divindade especifica, teria alguma 
24 
 
característica que tornaria aquele lugar especial para receber as oferendas, ou, porque não 
dizer, sua escolha poderia ter sido também fruto do acaso. 
 
 
1.4: Sítios terrestres submersos 
Devido ao interesse da mídia pelos monumentos submergidos este é o tipo de sítio mais 
famoso do Egito. São definidos pelos assentamentos humanos que foram submersos por 
alguma ação geológica, climática ou antrópica, exceto pelas estruturas construídas 
propositalmente para operar em prol de atividades na terra, mas que estão parcialmente 
submergidas, como são o caso de muros de contenção e estruturas de edifícios, a exemplo de 
portos ou faróis (RAMBELLI, 2002; p. 51, 52). 
Os sítios terrestres submersos possuem as mesmas características dos sítios terrestres fora 
d’água, afinal, já foi um deles um dia, desta forma a necessidade de ser escavado como tal é 
maior (RAMBELLI, 2002, p. 55). Cidades inteiras podem ter sido engolidas pela a água, e 
com ela todas as camadas de ocupação. 
Nesta classificação também entram os assentamentos que foram submergidos devido a uma 
obra de represamento, a exemplo a represa Saad el-Ali, em Assuã, construídaem 1971. Na 
época em que foi planejada no total de quinze templos foram retirados – através de um projeto 
da UNESCO - de seus locais originais para serem salvos das águas retidas que formariam o 
grande lago artificial batizado de Nasser, em homenagem ao falecido presidente Gamal Abdel 
Nasser (SILIOTTI, 2006, p. 264). Alguns templos menores foram doados aos países que 
colaboraram com a salvação. No entanto, nem todas as edificações foram resgatadas. Na 
região dos núbios (atual Sudão) o templo dedicado a Hórus em el-Sebua, um templo em Tafa, 
o forte de Kuban e o de Aniba hoje se encontram submersos (SILIOTTI, 2006, p. 270). O 
lago originado pela a represa chama-se Nasser 
25 
 
 
 
 
2º Capitulo: Arqueologia no Egito 
 
 
Visto como se deu os primórdios da Arqueologia em um contexto mundial e o nascimento da 
Arqueologia Marítima até chegar ao seu atual conceito, abre-se neste capítulo em que situação 
surgiu a disciplina no Egito, demonstrando um forte reflexo de como uma ciência pôde ser 
criada devido um programa de dominação e embate entre potencias, as quais inclusive 
dominaram o cenário da egiptologia no país. 
Antes mesmo do século XVIII o Egito já era a muito alvo de viajantes exploradores. Os 
gregos e romanos, ainda na antiguidade, eram ávidos curiosos do exotismo da terra do Nilo, 
Heródoto de Halicarnasso estava entre eles. Considerado hoje como pai da história ele visitou 
o Egito no século V a.C e fez anotações relatando suas impressões sobre o cotidiano daquela 
gente. Outras figuras celebres passaram pelo o Norte da África para fazer estudos: Diodoro, 
Plutarco, Estrabão e Plínio (O Velho)4. 
Os saques de monumentos egípcios também já vinham ocorrendo desde esta época, Roma, 
por exemplo, tomou para si alguns obeliscos, um deles hoje está no centro na Praça São 
Pedro, no Vaticano. Neste período já existiam os “gabinetes de curiosidades”, o que 
contribuiu para que muitas peças arqueológicas perdessem para sempre o seu contexto 
original. Estes gabinetes eram formados pelos os artefatos considerados mais significativos de 
uma sociedade aclamada por seus visitantes como excêntrica ou que foram dominadas através 
da guerra, tais objetos poderiam ser estátuas, sarcófagos ou pedaços de muros para fazer parte 
da coleção das pessoas mais abastardas, ou mesmo partes de afrescos, tijolos ou cerâmica para 
os que não tinham tanto dinheiro para o transporte de peças tão grandes. A forma mais 
comum para estes objetos sair era através do contrabando ou presenteados pelos os próprios 
egípcios, uma prática que se seguiu até meados do século XX. Um dos maiores 
patrocinadores deste ato foi o Vice-Rei Mohammed Ali (1769 – 1849). Ele ignorou a 
 
4 Tio de Plinio, o Jovem, que descreveu a erupção do vulcão Vesúvio. 
 
26 
 
importância do passado para o país em nome da modernidade: muitas peças eram trocadas por 
maquinarias européias para abastecer as indústrias egípcias. Durante esta época o Egito ainda 
não possuía nenhuma lei de incentivo a preservação do patrimônio arqueológico, assim vários 
destes artefatos, por conta do inadequado tratamento que receberam após serem retirados do 
país de origem – e até mesmo devido ao descaso dado por parte dos nativos do país -, tiveram 
sua integridade molestada ou se degeneraram com mais rapidez. Embora fosse este tipo de 
pensamento que prevalecia não era uma visão geral, o literário egípcio Rifaa el-Tahtauy (1801 
– 1873), assim como outros acadêmicos de fora do Egito, pregava o nacionalismo e a 
contemplação do passado do país, o que obrigou o Vice-Rei a emitir em 1835 uma portaria 
proibindo a exportação descontrolada de antiguidades egípcias, mas isto não impediu a 
depredação provocada pelas as pessoas que estavam no poder, inclusive o próprio Mohammed 
Ali, que manipulava os artefatos da forma que mais lhe conviesse (EINAUDI, 2009, p. 11 - 
13). 
As coisas estavam então findadas a mudar quando em 1858 o Service des Antiquites (Serviço 
de Antiguidades) foi criado, estando sob a direção do egiptólogo francês Auguste Mariette 
(1821- 1881) (EINAUDI, 2009, p. 14). O serviço tinha o objetivo de promover e dirigir 
escavações pelo o país. Com este órgão a pilhagem de tumbas, até certo ponto, cessou. 
Mohammed Ali só foi um produto da sua época, já que a espoliação de peças arqueológica 
por europeus modernos se iniciou com mais força após a entrada da França no Egito em 1798. 
Os objetivos da invasão eram dois: evitar o avanço do exército britânico pelo o Mediterrâneo, 
impedindo sua comunicação com o Levante – região da costa mediterrânica de Gaza à 
Turquia –, e afastar o então comandante da tropa, Napoleão Bonaparte, que estava se tornando 
bastante popular, da França. 
Napoleão admirava e se identificava com Alexandre (O Grande), que de acordo com a história 
teria sido sepultado no Egito, e era amante da arte da antiguidade, o que o influenciou a unir 
ao seu exército um audacioso grupo de artistas, escritores e cientistas do qual se somavam 
cento e cinquenta homens com a missão de catalogar e estudar aspectos daquela sociedade 
que tinha um passado e monumentos tão antigos e exóticos. 
Em sua chegada ao nordeste da África o exército francês enfrentou, e venceu, os mamelucos5 
na, como ficou então conhecida, Batalha das Pirâmides, mas na baia de Abukir, padeceu 
 
5
 Outrora soldados a serviço dos líderes do Império Otomano, na época da chegada de Napoleão à África eles 
constituíam uma casta militar importante que dominava o Egito. 
27 
 
durante uma derrota contra a armada inglesa, comandada pelo Vice-Almirante Horatio 
Nelson, na batalha naval denominada como Batalha de Abukir, onde a França sofreu grandes 
baixas e perdendo praticamente toda a frota naval, fato que impediu Napoleão e seu exército 
de retornar à Europa, obrigando-os a ficar no Egito. Sem muitas alternativas, Napoleão 
começa a governar o país e ordena uma extensa exploração artística de Norte a Sul pelos 
estudiosos no seu comando que seriam escoltados dia e noite pelo o exército francês, já que 
insurreições ainda ocorriam tornando o Egito um país perigoso para estes estrangeiros. Sobre 
esta situação Vivant Denon – um dos pintores da expedição e diplomata francês - escreveu 
mais tarde simulando um diálogo entre ele e um leitor: 
Faltam-me aqui Afroditópolis, Crocodilópolis, Ptolomais, o que o 
senhor fez dessas cidades? Por acaso o senhor não tinha um cavalo 
para lhe levar, um exército para lhe proteger? (...) Imagine, leitor, que 
estamos cercados de árabes, mamelucos, e que muito provavelmente 
eles me teriam roubado, pilhado, matado, se eu tivesse decidido me 
afastar 100 passos da coluna para vos buscar algumas pedras da 
cidade de Afroditópolis (VERCOUTTER, 2002, p. 50). 
Tamanho eram os riscos que uma piada fora mais tarde criada por Anatole France encima da 
figura de Denon e os perigos que este e seus colegas passaram para criar o catálogo de 
imagens do Egito: 
No dia em que a flotilha da expedição subia o Nilo, ele avistou ruínas 
e disse: “É preciso que eu faça um desenho.” Ele obrigou seus 
acompanhantes a desembarcá-lo, correu na planície, se instalou na 
areia e se pôs a desenhar. Quando ele acabava seu trabalho, uma bala 
passa assoviando sobre o papel. Levanta a cabeça e vê um árabe, fecha 
de novo sua pasta e volta ao barco. À noite, mostra seu desenho no 
Estado-maior. O general Desaix então diz: “A sua linha do horizonte 
não está reta.” “Ah!”, responde Denon, “É culpa deste árabe, ele 
atirou cedo de mais.” (VERCOUTTER, 2002, p. 50). 
Apesar de um número bem significativo de visitas em anos anteriores a 1798 é só após aexpedição Napoleônica que a Europa desperta completamente para o nordeste da África, 
principalmente com a publicação do Voyage dans la Haute et Basse Égypte (1802) e o 
Description de l’Égypte (1809) – publicação que se seguiu até 1828 - que reunia os vários 
28 
 
trabalhos realizados por estes pesquisadores que acompanhavam o exército, o que fez nascer 
então a chamada “Egiptomania” - um interesse e a reutilização de valores e imagens do antigo 
Egito – e a “Egiptofilia”6 – o gosto pela a posse de objetos relativos ao Egito -. Nesta mesma 
visita os franceses encontraram a Pedra de Roseta – que foi tomada pelos os ingleses após 
dominarem o exército napoleônico que ainda se encontravam no Egito – durante o momento 
em que uma trincheira próxima a Roseta era escavada. O texto escrito no bloco nada mais é 
que uma parte de muro onde está um decreto do faraó Ptolomeu V escrito em três línguas: o 
demótico (uma versão mais simples do hieróglifo), o hieróglifo e o grego, sendo esta última a 
ferramenta que possibilitou anos mais tarde a decifração da língua egípcia pelo o filólogo 
francês Jean–François Champollion (1750 – 1832) dando o passo principal para o início da 
egiptologia que tem como sua data oficial de criação 27 de setembro de 1822, quando 
Champollion apresentou à Academia das Inscrições e de Belas-Artes um artigo anunciando a 
sua descoberta (VERCOUTTER, 2002, p. 7). 
Em poucas palavras o escritor alemão C. W. Ceram descreveu sabiamente o nascimento da 
egiptologia: 
venceu [o Napoleão] uma batalha à sombra das pirâmides, mas a 
campanha fracassou. Parece um paradoxo que a força das armas tenha 
favorecido o nascimento de uma nova ciência. (...) Os homens da 
ciência seguiram os soldados e levaram à sua pátria uma conquista 
insólita: um tesouro de conceitos novos (BREGA, 2007, p. 12). 
O termo “egiptólogo” designa um pesquisador especializado em Egito Antigo, capaz de 
decifrar fontes escritas, que tenham feito curso universitário reconhecido e autorizado, que 
lecione ou faça pesquisas ligadas à disciplina e publique com regularidade os resultados do 
seu trabalho científico (SOLÉ, 2003, p. 144). O seu objeto de estudo não se limita aos 
egípcios da era faraônica, mas também aos períodos de dominação persa, mameluca, 
napoleônica, dentre outras. Assim, quando a relacionamos com a arqueologia devemos levar 
em conta que esta última não é estudada de forma una nos diversos países em que atua, para 
esclarecer, no momento de distinguir entre os profissionais ela é dividida não só no tempo, 
como também no espaço, enquanto a egiptologia é indiferente a escala cronológica e que 
embora seja uma ciência cuja as bases está fincada na filologia alguns egiptólogos não 
 
6 Embora possamos dizer que a este gosto pelo o universo egípcio já tenha nascido na antiguidade, quando 
alguns viajantes – dentre eles os gregos e romanos - se viram fascinado pela cultura “exótica” dos habitantes da 
terra do Nilo. 
29 
 
ignoram o estudo do período pré-dinástico7. Quando encaramos o termo Arqueologia Egípcia 
tomamos o conhecimento que estamos a nos dando com arqueólogos que possuem 
especialização em egiptologia e que estão aptos a trabalhar diretamente com a cultura material 
proveniente do Egito, mas isto somente com a liberação por parte do Supremo Conselho de 
Antiguidades (Supreme Council of Antiquities; o antigo Service des Antiquites). Sobre este 
órgão é importante mencionar que desde a sua criação como um Serviço de Antiguidades ele 
esteve em mãos estrangeiras, principalmente oscilando entre franceses8 e ingleses em suas 
coordenações e direções gerais ou regionais. Somente em 1953 é que um egípcio, chamado 
Mostafa Amer, recebe o cargo de diretor geral de antiguidades. 
Embora com os anos de existência da Arqueologia Egípcia o aspecto de cultura marítima 
ainda está sendo pouco abordado pelos pesquisadores tanto da área da história como da 
arqueologia. Embora existam trabalhos e menções ao assunto definitivamente são poucos o 
que observam o rio Nilo não como uma ferramenta para se obter os recursos necessários para 
a sobrevivência, mas como uma extensão do lar egípcio, ou parte de uma existência cósmica a 
qual, embora estivesse fisicamente próximo a todo e qualquer membro da população, de 
forma mística estava reservada somente para a realeza ou para aqueles que podiam pagar por 
um espaço no “Campos de Juncos”, lugar sagrado próximo ao meio aquático cuja a 
aproximação poderia ser feito somente por um canal. Por este motivo, antes de se fazer uma 
explanação geral sobre os trabalhos de Arqueologia Marítima no Egito é necessário primeiro 
que se saiba de onde os egípcios retiram este caráter de visão aquática do mundo, embora 
vivessem rodeados por um dos mais mortais desertos da África. 
 
 
 
 
 
 
 
7
 O referente a nossa “pré-história”. Situa-se ante a dita Dinastia Zero. 
8
 Até 1952 a Direção Geral esteve reservada a franceses. 
30 
 
3º Capítulo: Sociedade egípcia, uma civilização marítima 
 
 
Localizado no nordeste a África o Egito está situado no deserto do Saara, um dos mais áridos 
que existem. Quando olhado por imagens de satélite, em um canto da imensidão amarelada 
vemos uma porção de um verde escuro gritante que ladeia uma fina linha que identificamos 
facilmente como o rio Nilo (FIG. 01). 
 
FIGURA 1: Imagem de satélite da área do Egito. 
(Fonte: Google Maps). 
 
Antes de chegar ao Egito o Nilo nasce de uma junção entre outros três rios na África Oriental: 
o Nilo Azul (que nasce no Lago Tana, Etiópia), o Nilo Branco (que nasce no Lago Vitória, 
que é sujeito a administração territorial pela Tanzânia, Uganda e Quênia) e o rio Atbara 
(noroeste da Etiópia). O rio egípcio nasce da confluência entre o Branco e o Azul que ocorre 
em Cartum, no Sudão e segue para o Norte, rumo ao Delta, desaguando no mar Mediterrâneo, 
região que desde antiguidade é uma das áreas menos secas do país e regada pelos vários 
braços de água. 
31 
 
Com os seus 6.6671 km (MARIE; HAGEN, 1999, p. 20) ele uniu as diferentes regiões do 
país, tornando-se a via de transporte, comunicação e orientação mais eficiente do nordeste da 
África e na antiguidade antes de chegar ao seu caminho final passava por seis grandes quedas 
d’água entre Cartum e Assuã, sendo nesta última onde se localizava a primeira catarata 
responsável por delimitar o Egito faraônico da Núbia (atual Sudão). A palavra egípcia para 
Núbia era Ta-Nub, que significa “Terra do Ouro”. O ouro era importante para os egípcios, 
pois a tradição falava que a pele dos deuses era composta deste material, além disto, possuía 
uma importância econômica extremamente relevante. Os faraós já recebiam este metal dos 
núbios desde o Antigo Império e para garantir que isto continuasse a ocorrer o faraó Sesóstris 
III (Médio Império; XII Dinastia) construiu uma série de fortalezas após a segunda catarata 
para proteger e dominar este ponto do Nilo – dentre elas a de Buhen (FIG. 2)-, tendo sido esta 
uma das principais ferramentas de controle estatal que fez uso de pontos estratégico do 
ambiente aquático evitando motins por parte dos servos do sul. Dentro destes fortes existiam 
verdadeiras comunidades com templos, ruas e cemitérios. A vida em um deles era conhecida 
devido ao correio fluvial de Semna que levava a Tebas em 1840 A.C os acontecimentos do 
Forte de Semna, que ficava vizinho ao forte de Kumma e mais ao sul do de Buhen (DERSIN, 
2007, p. 113). Devido aos informes sabemos que o forte continha uma fábrica de armas e 
comercializavam com os habitantes da região, embora possuíssem a conduta de não se 
misturar em demasiado com os nativos. Estes fortes, com o declínio do Médio Império 
passaram para as mãos núbias, mas com a restauração do poder egípcio no Novo Império as 
edificações foram retomadas e os egípcioscontinuaram a circular e a dominar o comércio 
muito além das fronteiras de Assuã (DERSIN, 2007, p. 114). Hoje as ruínas dos fortes jazem 
nas profundezas do lago Nasser. 
32 
 
 
FIGURA 2: Forte Buhen, Alto Egito. (Fonte: WILDUNG, 2009, p. 79). 
 
Para chegar a terra do ouro os egípcios precisavam remar contra as correntezas, mas quando 
começaram a construir embarcações com velas recebiam o chamado Vento Norte que os 
auxiliava a seguir viajem tranquilamente. Este vento é bastante conhecido em textos 
funerários, ele traz a afabilidade e tranqüilidade ao falecido no mundo dos mortos, o que dá 
para deduzir que além de ser uma expressão náutica era usado de forma corriqueira. Na 
antiguidade, o Nilo regia o ritmo das estações, da alimentação e, diferente de nós que nos 
orientamos usando o Norte (utilizando a bússola), os egípcios utilizavam o Sul, isto porque 
era de lá que vinham as correntezas do Nilo (BREGA; CRESCIMBENE, 2007, p. 101). 
Aproveitavam como ferramenta para se situar o que lhes era particular, a exemplo das 
primeiras viagens européias que usavam o Cruzeiro do Sul como o pondo de referência para 
chegar ao sul do continente americano e a Estrela Polar para o norte. 
Para manter o conhecimento do nível em que a água estava – seja para saber se era o bastante 
para regar todo o país ou para prever alguma cheia que chegaria a demasiado – foram 
construídos “nilómetros” em praticamente todos os templos do país. Um exemplo original 
pode ser visitado no templo de Kom Ombo, ao sul do Egito (FIG. 3). Os nilómetros são 
compostos por um vão o qual para se ter acesso o visitante deve percorrer escadas em forma 
de caracol. Na antiguidade elas eram utilizadas no auxílio da inspeção que era feita a cada 
33 
 
mês. Atualmente é proposto que os nilómetros também serviriam para calcular os impostos 
anuais (MARIE; HAGEN, 1999, p. 16) cobrados a população. Em termos de controles das 
cheias algumas descobertas foram feitas, dentre elas uma barragem de contenção de água nos 
arredores do que sobrou da antiga Mênfis. Estrutura semelhante foi encontrada próximo ao 
Cairo, hoje ela é chamada de Sadd-el-Kafara, pouco sabemos do seu passado, exceto que, 
ainda na antiguidade, ela se rompeu por não suportar o volume das cheias9. 
 
FIGURA 3: Nilómetro do templo de Kom Ombo. 
(Fonte: Nilómetro de Kom Ombo - Imágenes y fotos de 
Egipto). 
 
Para um melhor uso do grande rio foram feitos canais para regular a quantidade de água 
necessária para irrigar as grandes superfícies cultivadas e serem utilizados como vias para 
chegar de um Nomo a outro. Sob o reinado de faraós como Neco II, Apriés, Amásis e 
Psamético III (XXVI Dinastia) ocorreu a construção (depois abandonada) de um canal entre o 
Mar Vermelho e o Nilo - além da primeira circunavegação do continente africano – (BREGA; 
CRESCIMBENE, 2007, p. 37). Durante o governo do imperador Diocleciano os romanos 
iniciaram muitas obras de canalização que aumentaram consideravelmente o rendimento 
agrícola das já férteis terras do Nilo (BREGA; CRESCIMBENE, 2007, p. 39 - 40). Por estas 
características e por ter sido a principal via de transporte tanto de pessoas, animais e de 
materiais podemos dizer que o Nilo dava (e ainda dá) ao Egito o caráter de uma sociedade 
fluvial (MARIE, 1999, p. 20), ou seja, a ampla utilização do Nilo para atividades cotidianas 
 
9
 Enciclopédia Britânica. Sadd-el-Kafara . Disponível em: 
. Acesso em 23 de outubro de 2010. 
34 
 
define os egípcios como uma sociedade de cultura marítima, já que ele “participa” na 
produção, reprodução e transformação das comunidades ali viventes seja no passado ou na 
atualidade. Utilizando as palavras de outros pesquisadores, “cada uma a sua maneira, as 
sociedades que ai se estabeleceram”, neste caso a beira do Nilo: 
parecem nunca ter se distanciado muito do que poderíamos qualificar 
como uma proposta de extrema proximidade com o meio aquático; em 
verdade, o que se configura é que a fartura e diversidade de recursos 
alimentares propiciada pela interação desses diferentes ambientes e a 
facilidade de comunicação e transporte gerada pela presença de 
inúmeras vias aquáticas foram instrumentos cruciais nas estratégias de 
sobrevivência e conformação social desenvolvidas por essas 
comunidades (RAMBELLI, 1998 e 2003; SCATAMACCHIA, 2005 
apud DURAN, 2008, p. 19). 
Os egípcios não desenvolveram veículos para transporte rasteiro, ressaltando que, ao que 
parece, para pouca distância eram utilizados burros ou carro de rojo puxados por bois ou 
pessoas (MARIE; HAGEN, 1999, p. 20), e bigas que eram de uso exclusivo para guerras, 
desfiles ou em caçadas praticadas por membros da alta elite. Com estes poucos exemplos 
percebemos claramente que os egípcios praticamente ignoravam o uso da roda, não se sabe o 
motivo, mas talvez esta não se fizesse relevante porque o Nilo e suas embarcações 
dominavam o modo de pensar e viver dos antigos egípcios, dividindo até mesmo o mundo dos 
viventes e dos não-viventes: sua margem Oeste era considerada o reino dos mortos (onde o 
Sol se punha) e sua margem Leste o reino dos vivos (pois era de onde o Sol nascia). 
Os ambientes aquáticos como o Nilo, o mar Mediterrâneo e lagos (localizados nos Oásis) 
eram para estas populações fontes fornecedoras de recursos alimentares e construtivos, meios 
de interação social e vias de deslocamento, ao mesmo tempo em que se fincavam como 
ambientes de conotação simbólico-religiosa. Mas não se deve deixar enganar, um trabalho de 
Arqueologia Marítima nesta região não busca afirmar que a civilização egípcia se construiu as 
margens do rio por puro determinismo ambiental. De fato viver no deserto limitava nas 
escolhas de um lugar para vier devido a ausência de alimentação e água, mas o deslocamento 
por dias de um Nomo para algum oásis leva a crer que existiam pessoas que usavam o 
ambiente desértico como lar, embora nenhum estudo pareça ter se interessado em buscar pelo 
o passado desta gente. Um exemplo de povo nômade eram os medjay, conhecidos por sua 
35 
 
prestação de serviços ao exercito egípcio nos primórdios do Novo Império (DERSIN, 2007, p. 
109). 
Durante cerca de três meses o Nilo permanecia alargado pela a enchente que trazia consigo 
resíduos e um lodo escuro rico em minerais que deixavam a terra fecunda. Este lodo era 
chamado de Kmt, o mesmo nome que denominava as terras egípcias. O abastecimento de 
cidades e vilas mais distantes se fazia por intermédio de poços de onde a água era retirada e 
transportada através das cangas com dois vasos ou com odres e levada até lagos artificiais por 
intermédio dos aguadeiros que, de acordo com Oliveira, poderia ser uma profissão 
desempenhada por pessoas das camadas mais pobres, já que “Não foi encontrada nenhuma 
estela de nenhuma destas pessoas, o que normalmente indica uma situação economicamente 
baixa” (OLIVEIRA, 2005, p. 101). Semelhante trabalho também era realizado por 
empregados ou donos de residências fazendo uso dos shadufs que poderiam estar instalados 
bem próximos a sua casa ou em um poço coletivo. 
O rio era utilizado também para a capitação de matéria prima e alimentos. O papiro era 
fabricado após um tratamento feito na planta de mesmo nome, que crescia abundantemente as 
suas margens, e a pesca, embora em alguns casos não possuindo uma repercussão boa em 
termos religiosos (TALLET, 2006, p. 41), era amplamente realizada através de redes de vários 
modelos como as verticais ou de arrastão (que recebiam ao longo de uma das bordas pesos de 
argila, pedra ou metal) e cordas, as quais a unidade terminavam com três a quatro 
extremidades, cada uma com um anzol e a caça de animais maiores eram feitas com arpões. 
Para manter frescos os peixes capturados eles eram mantidos em viveiros artificiais e para a 
divisão coerentedo resultado da pesca os egípcios utilizavam pesos (OLIVEIRA, 2005; p. 
101). Cenas de pesca começaram a ser vistas corriqueiramente mais em tumbas do Médio 
Império, um exemplo é a tumba de Ti (Antigo Império; V Dinastia) localizada em Saqqara 
que mostra detalhes de como algumas armadilhas eram montadas. Algumas delas ficavam 
submersas, mas se sabia qual a sua posição devido a uma bóia na superfície. Para puxar tal 
armadilha era necessária a força de uma tripulação dividida em dois barcos. Um breve diálogo 
na tumba complementa a informação: “puxa com força pelos remos, assim podemos nos 
apoiar em cima”, com a armadilha já fora d’água um dos pescadores complementam “Está 
cheia até ao máximo! Desta vez nós conseguimos” (STROUHAL, 2007, p. 123). 
Por mais que os pescadores, que viviam praticamente uma vida se dedicando ao oficio, 
tivessem experiência ou era habituado a navegar em canoas o perigo era eminente: 
36 
 
E agora te direi algo sobre os pescadores, que tem a tarefa mais árdua 
de todas. Seu trabalho os leva a um rio infestado de crocodilos. No 
momento de contar a captura introduz a mão sem nem sequer pensar 
“Pode haver um crocodilo por perto”. É tarde de mais quando vira 
presa do terror. Tão logo toca a água, cai como fulminante pela mão 
de deus. (“Instruções de Kheti”; STROUHAL, 2007, p. 123). 
Com um transporte realizado quase inteiramente por via aquática os egípcios construíram os 
mais variados modelos de barcos, grandes e pequenos, robustos e estreitos. Graças as 
pesquisas provindas da Arqueologia Marítima várias informações foram e continuam a ser 
obtidas em termos de arquitetura naval, além de nos dar informações sobre técnicas de 
navegação e inclusive sobre a economia. O estudo de embarcações proporciona um contato 
por vezes único com a técnica de construção naval e aqueles que estão submergidos podem 
dar um vislumbre da carga e/ou cotidiano das pessoas. No caso do Egito faraônico a 
iconografia ajuda de uma forma bem produtiva a conhecer como as embarcações ou partes 
delas eram feitas, a exemplo de um segundo relevo na tumba de Ti que mostra carpinteiros 
segurando porretes de madeira e cinzéis para abrir orifícios em uma madeira que será usada 
para fazer um barco (FIG. 4). Possivelmente a construção de navios era algo caro, os 
profissionais existiam, exceto a madeira de boa qualidade. A solução palpável para os mais 
privilegiados era importar, para a população que não poderia importar tal material restava 
procurar soluções para a madeira nativa, a exemplo dos barcos feitos com hastes de papiro 
bem presas uma as outras. Embora seja tida como uma embarcação para as pessoas mais 
humildes por seu teor barato e “reciclável” corriqueiramente eram vistos em iconografias 
usados por nobres. Uma ilustração no férreo de ouro encontrado na KV-62 mostra o faraó 
Tutankhamon e sua esposa em pé em um destes. Na FIG. 5 este tipo de barco, também 
utilizado por tripulantes em pé, é usado em uma simulação de lutas de varas, uma brincadeira 
comum entre os antigos egípcios. Sabemos também observando as gravuras que estas 
embarcações foram confeccionadas e empregadas desde os períodos pré-dinásticos onde eram 
utilizadas com remos de madeira ou com uma grande vara (STROUHAL, 2007, p. 176). 
 
 
FIGURA 
Tumba de Ti. Saqqara. (Fonte: STROUHAL, 2007, p. 
144). 
 
FIGURA 
Ptahhotep (V Dinastia). Saqqara. (Fonte: STROUHAL, 2007, 
p. 123). 
 
Alguns barcos menores feitos de fato com a madeira disponível foram 
tabuas curtas que eram unidas entre si por amarras
egípcios tornaram-se peritos na ensambladura, um procedimento de encaixe entr
utilizando entalhes e sem o uso de pregos.
ou templos nos dão a idéia da aparência e do que era possível transportar em embarcações, 
FIGURA 4: Carpinteiros preparando madeira para barco. 
Tumba de Ti. Saqqara. (Fonte: STROUHAL, 2007, p. 
FIGURA 5: Homens em barco de papiro. Tumba de 
Ptahhotep (V Dinastia). Saqqara. (Fonte: STROUHAL, 2007, 
Alguns barcos menores feitos de fato com a madeira disponível foram 
tabuas curtas que eram unidas entre si por amarras, o que era extremamente comum, já que o
se peritos na ensambladura, um procedimento de encaixe entr
utilizando entalhes e sem o uso de pregos. As imagens e os modelos encontrados em tumbas 
ou templos nos dão a idéia da aparência e do que era possível transportar em embarcações, 
37 
 
: Carpinteiros preparando madeira para barco. 
Tumba de Ti. Saqqara. (Fonte: STROUHAL, 2007, p. 
 
: Homens em barco de papiro. Tumba de 
Ptahhotep (V Dinastia). Saqqara. (Fonte: STROUHAL, 2007, 
Alguns barcos menores feitos de fato com a madeira disponível foram confeccionados com 
, o que era extremamente comum, já que os 
se peritos na ensambladura, um procedimento de encaixe entre madeiras 
As imagens e os modelos encontrados em tumbas 
ou templos nos dão a idéia da aparência e do que era possível transportar em embarcações, 
38 
 
eles nos passam informação também de quais eram as ferramentas utilizadas pelos 
carpinteiros o que nos leva a deduzir o que poderia ter sido utilizado na construção de barcos. 
Dentre eles poderiam estar os machados, serras, enxós, facas, raspadores, porretes de madeira, 
cinzéis e as brocas (a partir do Novo Império). As lâminas de pedra foram amplamente usadas 
e após a V Dinastia surgiram as metálicas e com a chegada do Novo Império as de bronze 
(STROUHAL, 2007, p. 145). Não podemos enquadrar à arquitetura naval egípcia uma cadeia 
cronologia de evolução nas formas dos barcos e das ferramentas utilizadas para a construção, 
já que o uso ou desuso de alguns equipamentos – como as velas, por exemplo - dependiam 
mais de para qual finalidade a embarcação seria utilizada. 
Assim como a madeira nobre saia do exterior, minerais preciosos ou matéria prima para ser 
usada em construções de templos ou pirâmides por vezes precisavam ser buscadas em outros 
países ou em terras mais distantes, como era o caso das pedras calcarias em Assuã. Para isto 
eram designados navios cargueiros, próprios para a missão. Eles não precisavam ser de grande 
porte, como pode ser observado na FIG 6, onde percebe-se que dois homens estão a remar 
(enquanto as velas estão guardadas) e um terceiro está sentado em um grande bloco de pedra. 
Ainda sobre esta figura é possível notar que o homem sentado controla a direção do navio 
segurando um leme que se encontra na popa. 
 
 
FIGURA 6: Navio cargueiro. Tumba de Ipi (V Dinastia). Saqqara. 
(Fonte: STROUHAL, 2007, p. 178). 
 
Os tripulantes destes barcos que saiam para as pedreiras ou outros tipos de missões ligadas ao 
Estado eram divididos em uma rígida hierarquia como “general” – que seria um governador, 
39 
 
ou tesoureiro real, um cargo que era dado a alguém de confiança do faraó -, “capitão”, “oficial 
do navio” e assim por diante, e dentre eles não poderia faltar aqueles que trabalhariam para 
cortar e transportar os blocos de pedra para a embarcação. Para este tipo de trabalho poderiam 
sair verdadeiras frotas do Egito. Corriqueiramente os navios designados pelo o faraó saiam do 
país e seguiam para a Núbia, o Sinai ou para a costa do Mar Vermelho para arrecadar 
provisões como o ouro, chumbo, cobre, malaquita, turquesa, ametistas, ágata, cristal de rocha, 
dentre outros tipos de minerais (STROUHAL, 2007, p. 175), que seriam levados depois para 
ourives que os transformariam em jóias ou em objetos banais do palácio. Sobre estas 
expedições algumas imagens e impressões chegaram até nós, mas nenhuma é tão bem 
documentada como a que foi realizada no reinado da rainha/faraó Hatshepsut (Novo Império -
XVIII) para as terras de Punt, cuja frota foi composta por cinco navios. Punt situava-se 
provavelmente na costa do Mar Vermelho, perto do norte da Somália, no atual Sudão 
(DERSIN, 2007, p. 119). O local era conhecido entre os egípcios como “Terra do Deus” e a 
tripulação gastou um ano para completar a expedição (contando com

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