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completo, tão impregnado de emoção, que nunca mais podem perder-se. Não é a tradição retórica que lhes sustenta a vida, e talvez nem sempre a cultura literária do poeta moderno. Raramente se poderá marcar quais os caminhos que o conduziram à tradição. Mas as fórmulas conser- varn-se: e damos só um pequeno exemplo, uma poesia de C. F. Meyer, como prova da continuidade da tra- dição daquela imagem do veado ferido junto da fonte. 1M WALDE Es f1immert in den Ãsten, Der Bírke Stamm erblinkt, Nun weiss ich, dass irn Westen Díe Sonne purpurn sinkt. Dort muss ein Meer von Gluten Der Abendhimmel seín, Híer rinnt ein stilles Bluten Um mich auf Moos und Stein. [NO BOSQUE Hâ cíntílações nos ramos, Da bétula o tronco fulgura; Agora sei que o ocidente O sol que morre purpura. Deve ser todo ele um mar De brasas o céu da tarde, Que em musgo e pedras deitado Vejo correr sangue que arde.) (Trad. de P. Quintela I 106 ANALISE E INTERPRETAÇÃO Pode dizer-se que esta poesia não é compreensível se a não virmos como tendo por fundo aquela tradição. O poeta sentiu-o decerto e modificou por duas vezes ainda a poesia. Damos a versão definitiva. ABENDROT 1M WALDE In den Wald bin ich geflüchtet. Ein zu Tod qehetztes wua Da die letzte Glut der Sonne Lânqs den glatten Stâmmen quillt. Keuchend líeq' ich. Mie zu Seíten Blutend síehe, Moas und Stein. Strôrnt das Blut aus meinen Wunden? Oder ísts der Abendschein? [ENT ARDECER NO BOSQUE A este bosque me acolhi. Bicho que à morte fugia, Quando o braseiro do sol P'los lisos troncos corria. Sangram a meu lado o musgo E a pedra em que jazo, ofegante. É sangue das minhas F'rídas? Ou é luz do sol distante?) (Trad. de P. Quintela I o leitor sabe agora tratar-se de um animal, acossado de morte, e que se esvai junto da fonte, na floresta. Mas há ainda muita coisa obscura, sobretudo o impulso que levou a modelar o motivo: somente pela história do topo é que se descobre o núcleo íntimo da poesia, isto é, a secreta referência ao martírio de um eu solitário. DA OBRA LITERÁRIA 107 De todas partes e de todas as literaturas têm che- gado, nos últimos tempos, subsídios para a investigação de topos, que E. R. Curtius soube canalizar para o verdadeiro caminho. É de esperar que assim seja finalmente tratada sistemàtícarnente uma área que foi descurada com prejuízo da história da literatura do humanismo e do cultismo: a emblemétice, Por emblema entende-se um sinal a que está ine- rente um determinado sentido; é, portanto, uma espécie de alegoria. Para a poesia foi de incalculável impor- tância a colecção de Emblemeta. publicada pelo huma- nista italiano Alciatus, pela primeira vez, em Milão, no ano de 1522. Não é demasiado chamar-lhe um livro-base da poesia européia entre a Renascença e o Pré-romantísmo. Esta obra foi muitas vezes publi- cada - do século XVI conhecem-se hoje quase cem edições diferentes - e foi imitada continuamente. Da Alemanha nomeemos as colecções de Gabriel Rol- lenhagen, Nucleus Emblematum select .• Colônia, 1611- -1613. e [oachím Camerarius, Symbolorum et Emble- matum IV Partes. Nuremberga, 1590-1604; da Espanha os Emblemas Moreles que [uán de Orozco editou em 1589 e seu irmão Sebastián em 1610. As colecções do inglês Francis Quarles e do holandês [acob Cats, ambas do séc, XVII, transformaram-se em livros de cabeceira da burguesia. Alciatus apresenta dúzias de imagens, grosseira- mente gravadas, a que junta um texto latino, em verso, explicando o significado de cada uma. Nas anotações latinas seguintes, em prosa, são-nos apresentadas, com copiosa erudição. inúmeras citações de escritores clás- sicos - precioso trabalho preparatório para a investi- gação de topos! 108 ANALISE E INTERPRETAÇÃO Encontramos lá, por exemplo, um animal estranho. Pelos versos que o acompanham compreende-se niti- damente tratar-se dum camaleão; o sentido porém encon- tra-se já no título: in adulatores (contra os lisonjeiros). O cama leão é pois o símbolo da lisonja. Ou encon- tra-se a imagem de um homem, de pé, no meio da água, a olhar para cima, para os ramos de uma árvore carregados de frutos. É Tántalo, que aparece aqui como símbolo da eueritie e, em seguida, fazem-se citações de Petrónio Árbitro, Horácio, Cornélío Galo, Aquiles Estácío, etc. Desta maneira foram moralizados emble- màticamente inúmeros mitos antigos, e também pará- bolas da Bíblia. Esta emblernátíca era intimamente familiar aos poetas da época do Barroco e ao público culto. Com- preendía-se logo numa poesia qualquer referência alu- siva, e a literatura estava cheia delas. Damos apenas dois exemplos de época mais adiantada. O poeta alemão Christian Günther diz numa poesia à sua amada: Eín grünes Feld Díent meinem Schílde Zum Wappenbílde, Bei dern ein Palrnenbaum zweí Anker hãlt. (Um campo verde Serve ao meu escudo De brasão. Nele. uma palmeira sustém duas âncoras). Na poesia O Ciúme, de Barbosa du Bocage, a segunda estrofe começa com os versos: Alterosas, frutíferas Palmeiras. Vós. que na glória equivaleis aos Louros. DA OBRA LITERARIA 109 Vós, que sois dos Heróis mais cobiçadas Que áureos Diadernas, que reais Tesouros, Escutai meus tormentos, meus queixumes ... o leitor moderno não percebe bem porque é que Günther quer a todo o risco pôr no seu brasão uma palmeira, árvore que, na Alemanha, é bastante rara; nem por que será ainda que Bocage considera as pal- meiras as árvores mais desejáveis e por que exalará o poeta o seu queixume precisamente junto delas. A emblemática dá-nos a resposta. Em Alciatus encon- tra-se a imagem de uma palmeira. Os versos que a acompanham terminam com o «Gnome, quee complec- titur totius Emblemetis sententiem : ...... mentis qui constantis erít, preemia digna Feret. A palmeira é o símbolo da constentie, da fidelidade. Por isso Günther a escolhe para símbolo do seu brasão; os leitores de então compreendiam o fino significado da poesia de Bocage e porque este escolhia precisa- mente as palmeiras para se lamentar da infidelidade da amada. Muitas subtilezas nas obras poéticas, ainda até em épocas mais adiantadas, só se tornam compreen- síveis quando a emblemática nos é familiar. 4. A Fábula o termo fábula serve, primeiro, para designar as narrativas de animais, com sentido didáctíco, de que Esopo é considerado o mítico antepassado A ciência da literatura usa-o ainda noutra acepção. 110 ANALISE E INTERPRETAÇÃO Quando se reproduz o «conteúdo» de uma obra dos géneros pragmáticos, quer dum drama, quer dum romance, quer duma balada, etc., a reprodução é sempre mais curta do que a obra. O resumo do conteúdo atende unilateralmente ao decorrer dos acontecimentos, e de todas as partes da obra, das descrições, conversas, reflexões, etc., extrai somente, e sob forma de relato, o que é importante para a estrutura da acção, (Na obrigação de concentração e unilateralidade reside o valor pedagógico das narrativas do conteúdo, tão usuais na escola, enquanto que, para a educação artística, como já se viu, o seu valor é reduzido.) Se se tenta limitar o decurso da acção à extrema simplicidade, ao esquema puro, obtém-se precisamente aquilo que a ciência da literatura costuma designar como a «fábula» de uma obra. Na prática, quando nos vetamos a este trabalho, reconhece-se muitas vezes que é necessário inverter a ordem do «conteúdo». A obra começa, talvez, no meio do decurso da acção e, mais tarde, por circunstâncias que então são dignas de discussão, volta ao princípio. A maneira de trabalhar a fábula pertence às questões técnicas que cada autor tem de resolver. Além disso, ao tentar determinar a fábula, descobre-se não terem validade alguma para o esquema da acção toda a concretização e toda a fixação individual no espaço e no tempo. Repete-se agora, no campo mais vasto de toda a obra, a mesma coisa que se deu ao extrair O motivo. Tentemos, por exemplo,