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uma determinada função não está nitidamente ligada a uma categoria gramatical, para poder realízar-se. Para todos os trabalhos estí- lísticos é lei fundamental que todas as formas linguisticas podem ter mais de um significado, e que a mesma função pode ser levada a efeito por meio de formas diversas. Charles Bally formulou assim esta verdade na sua obra Le 1angage et la oie (pág. 121): «On ssit que dans toutes les langues, un même signe a notme- lement plusieurs oeleurs, et que cheque osleur est exprimée par plusieuts signes». Mostra Bally como Iun- ciona diferentemente, conforme os respectivos casos, por exemplo o adjectivo substantivado. Dámaso Alonso cita versos de San Juán de Ia Cruz (La poesia de San Juán de Ia Cruz, Madrid, 1942, pág. 183): I Oh noche que guiaste, Oh noehe, amable más que Ia alborada: Oh noehe que juntaste Amado eon amada, Amada eu el Amado transfonnadal e nota: «Aqui Ias verbos introducidos por relativo pueden inducimos a erros. En reelided, eses seciones verbetes tienen sólo una [unciôn adjetiva (10 mismo que amable), y el esquema es el siguiente: oh noche guiadora, emeble, unidore, transformadoral Pura excle- maeión sin verbo». Em vez de «función adjetiva» diría- mos nós, de preferência, «[unciôn etributioe», para distinguir, por uma terminologia rigorosa, os diferentes pontos de vista da morfologia e da sintaxe. DA OBRA LITERARIA 163 Mostra-se também no substantivo a força de subor- dinar, de certa forma, outras categorias gramaticais. Tem-se chamado a um estilo caracterizado por tal predomínio do substantivo «estilo nominal», e opõe-se- -lhe o tipo do «estilo verbal». (Mais tarde se falará de tais classes de tipos.) A linguagem da ciência, por exemplo, é apresentada como tipicamente verbal. A linguagem do velho Goethe evidencia manifesta tendência para substantivar o adjectivo: Alles Verqãnqlíche 1st nur ein Gleichnis; Das Llnzulãnqlíche, Hier wirds Ereignis; Das Llnbeschreibliche, Híer íst es getan; Das Ervtq-Wetblíche Zíeht uns hínan, ( Coro final de Fausl 11) [Tudo O que morre e passa É símbolo somente: O que se não atinge. Aqui temos presente; O mesmo indescritível Se realiza aqui; O feminino eterno Atrai-nos para si.] (Tr.d. de A,ostinho d'Orne llas j Em muitas obras das línguas germamcas revela-se uma tendência para substantívar o infinito, fenómeno que, em regra, soa com dureza a ouvidos portugueses. Contudo, este traço estilístico encontra-se também em obras portuguesas: ao folhear a lírica de Antero, 164 ANALISE E INTERPRETAÇÃO depara-se-nos; O pulsar, o remoinhar, ao rolar, ao correr, o viver (frequentemente), com rir, o fulgir, do saber, meu pensar, um bramir, no ruir, etc. Às vezes maneiras especiais da formação das pala- vras podem chamar-nos a atenção como traço esti- lístico, Assim, acumulam-se nos textos teóricos os substantivos terminados em -ão (resp. -on, -son, -tion, -ione, -ung, -ty). Novas e expressivas combinações (de substantivos e adjectivos) formavam um dos traços estilísticos mais evidentes na nova linguagem poética criada por Klopstock no século XVIII. Apontamos, apenas, alguns versos do seu discípulo Hõlty: Wann, Friedensbote, der du das Paradíes Dern müden Erdenpilger entschlíessest, Tod, Wann führst du mich mit deinem goldnen Stabe gen Hímmel, zu rneiner Heimat? O Wasserblase, Leben, zerfleug nur baldl Du gabest wenig lãchelnde Stunden mir Und viel Trãnen, Qualenmutter Warest du mír, seít der Kindheít Knospe Zur Blume wurde, Pflücke sie weg, o Tod, Díe dunkle Blumel Sínke, du Steubqebein, Zur Erde, deiner Mutter, sinke Zu den verschwisterten Erdgewürmen! [Quando, ó Anjo da paz, que abres o paraíso Ao cansado peregrino da terra, ó Morte, Quando é que me levas c'o teu bastão De ouro 'pra o céu, minha pátria? Ó bolha de água, Vida, desfaz-te breve I Escassas horas rídentes tu me deste E muitas lágrimas; mãe d08 martírios Foste para mim, desde que o botão DA OBRA LITERÁRIA 165 Da juventude se fez: flor. Colhe-a, ó Morte, A flor escura! Tomba e regressa, carcaça de pó, A terra, tua mãe, aos vermes Terrenos, teus irmãos!] (Tr ad. de 1'. Qulutela) Contribuíram para o florescimento deste meio estí- lístico na linguagem poética alemã daquele tempo as relações então mais estreitas com a poesia inglesa. As célebres combinações, por exemplo, das baladas inqle- sas publicadas por Percy (lilly-white hends, liue-lonq iointer-niqht] encontram exacta reprodução nas baladas alemãs de Hõlty, Bürger, Stolberg, etc. Em todas as línguas os diminutivos são fáceis de reconhecer e fáceis de interpretar. Neste ponto, parece existir, finalmente, uma forma com um único significado. Mas na verdade as coisas não são tão simples como a designação indica. Na maior parte das vezes, dímí- nutivos não querem designar a pequenez do objecto, mas sim exprimir, em primeira linha. a afeição do que fala; pertencem menos à perspectiva óptica do que à emocional. Na lírica popular, bem como na literatura infantil e ainda na literatura mística, são recursos estí- lísticos frequentemente empregados. No Simbolismo. encontra-se muita vez a concretí- zação de abstractos: «Die Schele des Schteckens zer- bricht»; « ... les plis [eunes de Ia pensée», Aparecem, frequentemente. casos semelhantes na linguagem extra- -literária: «com pavor crescente». «a honra manchada»: «um êxito formidável». etc. De novo se verifica como com o simples apurar de factos se ganhou ainda pouco. A concretízação pode intensificar-se até à personí- Hcação. Para a linguagem de Antero são típicas as 166 ANALISE E INTERPRETAÇÃO ebstracções personificadas, como Forma, Ilusão, Cons- ciência, etc. A personificação de coisas é aliás meio estilístico frequente; na linguagem diária existe muita coisa latente que é actualizada pelos poetas. Para a lia- guagem infantil a personificação é simplesmente caracte- rística. Com os verbos, como com os substantivos e adjec- tivos, a acumulação, peso e posição predominante podem impor o cunho a um texto. Fala-se então de estilo verbal: Vê-se o vapor do Inferno Nos ares negrejar; Ali rebentam, crescem Mil plantas venenosas, Mil serpes tortuosas Ouvem-se ali silvar; Rochedos escabrosos As nuvens ameaçam: Raios por eles passam, Medrosos de os tocar ... (8ocAGE) Por vezes distingue-se um determinado grupo de verbos (p. ex., os de movimento) de forma predorní- nante. Dentro do estrato da palavra, é, ainda e finalmente, de importância o vocabulário. Em geral, denunciam-se já pelo vocabulário obras do cultismo, do romantismo, da mística, etc. Como a ciência da estílistíca, também a ciência linguística se interessa por estas observações. Para ambas são material importante os glossários duma determinada obra ou da obra total de um escritor. Para os poetas máximos já se solucionou a tarefa, mais ou DA OBRA LITERARIA 167 menos fidedignamente (Dante, Shakespeare, Corneille, Racine, Lessing, Goethe, entre outros mais). No seu trabalho sobre Le lenque poética de Gônqore, Dámaso Alonso prestou especial atenção ao vocabu- lário cultista do poeta. Ajudaram~no nisso as críticas contemporâneas e posteriores da linguagem cultista. Na Alemanha em 1750 houve uma situação semelhante: no livro de Schoenaích, Neologisches Worterbuch. era citado todo o vocabulário que, nas obras poéticas de Klopstock e da geração moderna, parecia censurável a este iluminista. Muito daquilo que impressionava e surpreendia no vocabulário do simbolismo francês encontra-se na obra de Jacques Plowert: Petit Glosseite pour servir à I'intelliqence des euteurs décedents et symbolistes (Vanier, 1888). Com as «palavras preferidas» de um poeta ou de uma época não é forçoso tratar-se sempre de neolo- gismos. Com razão, recentes investigações estílisticas costumam dedicar de novo toda a atenção a este com- plexo de perguntas. Cheqou-se já a valiosos resultados,