Prévia do material em texto
Tópicos em Direito Administrativo
I. Poderes Administrativos
Os poderes administrativos são prerrogativas instrumentais conferidas à Administração
Pública para que ela possa atingir o interesse público. São poderes-deveres, pois seu
exercício é obrigatório quando as circunstâncias o exigem.
Poder Vinculado:
Conceito: A lei não confere margem de liberdade ao administrador. Todos os elementos do
ato (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) são definidos em lei. O administrador
apenas verifica a ocorrência dos pressupostos legais e pratica o ato.
Exemplo: Concessão de licença para construir, se o particular preencher todos os requisitos
legais.
Poder Discricionário:
Conceito: A lei confere ao administrador uma margem de liberdade para decidir sobre a
conveniência e oportunidade da prática do ato, escolhendo, dentro dos limites legais, o
motivo e o objeto. A discricionariedade não é absoluta, sendo limitada pela lei, princípios
(razoabilidade, proporcionalidade) e finalidade pública.
Exemplo: Autorização de uso de bem público.
Dispositivos: A Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal - LPA) estabelece a
necessidade de motivação para atos discricionários (art. 50).
Poder Hierárquico:
Conceito: Poder de estruturar e organizar a Administração, estabelecendo relações de
coordenação e subordinação entre órgãos e agentes. Permite dar ordens, fiscalizar, delegar
e avocar atribuições, além de rever atos dos subordinados.
Manifestações: Dar ordens, fiscalizar o cumprimento, aplicar sanções, delegar e avocar
competências.
Dispositivos: Arts. 11 a 15 da Lei nº 9.784/99 (sobre delegação e avocação).
Poder Disciplinar:
Conceito: Poder-dever de apurar infrações e aplicar sanções aos servidores públicos e a
particulares com vínculo jurídico específico com a Administração (ex: contratados).
Fundamento: Manutenção da regularidade e moralidade do serviço público.
Dispositivos: Leis estatutárias dos servidores (ex: Lei nº 8.112/90, arts. 127 e seguintes).
Poder Regulamentar (ou Normativo):
Conceito: Poder de editar atos normativos gerais e abstratos para dar fiel execução às leis
(decretos regulamentares) ou para organizar a Administração (regulamentos autônomos,
em hipóteses restritas). Não pode inovar originariamente na ordem jurídica, criando direitos
ou obrigações não previstos em lei (princípio da legalidade).
Dispositivos: Art. 84, IV, da Constituição Federal (CF/88) – competência do Presidente da
República para expedir decretos e regulamentos para fiel execução da lei.
Poder de Polícia
Conceito Clássico: Atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando
direito, interesse ou liberdade individual, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em
razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à
disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes
de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (Conceito do art. 78 do Código Tributário
Nacional - CTN, Lei nº 5.172/66).
Conceito Moderno: Abrange não apenas as restrições (polícia administrativa clássica), mas
também as atividades de fomento e incentivo a comportamentos socialmente desejáveis.
Fundamento: Princípio da predominância do interesse público sobre o particular.
Atributos:
Discricionariedade: Em regra, há margem de escolha quanto à oportunidade e ao modo de
atuação (salvo atos vinculados).
Autoexecutoriedade: Permite à Administração executar suas decisões por meios próprios,
sem necessidade de prévia autorização judicial (ex: demolição de obra irregular que
ameace ruir). Nem todos os atos de polícia são auto executórios.
Coercibilidade: Imposição coativa das medidas adotadas, inclusive com o uso da força, se
necessário, dentro dos limites legais.
Ciclo (ou Fases) de Polícia:
Ordem de Polícia: Estabelecimento de normas e limitações (leis, regulamentos).
Consentimento de Polícia: Anuência prévia para o exercício de atividades (licenças,
autorizações).
Fiscalização de Polícia: Verificação do cumprimento das normas e condições.
Sanção de Polícia: Aplicação de medidas punitivas em caso de descumprimento (multas,
interdição).
Dispositivos: Art. 78 do CTN; Art. 5º, incisos II, XI, XIII, XXII, XXIII da CF/88; Art. 145, II da
CF/88 (taxas em razão do exercício do poder de polícia).
III. Extinção dos Atos Administrativos
A extinção do ato administrativo é o seu desaparecimento do mundo jurídico, cessando
seus efeitos.
Pleno direito (ipsu iure - pelo próprio direito) - Cumprimento dos efeitos - O ato se exaure
naturalmente (ex: autorização para evento já realizado). Implemento de condição resolutiva
ou termo final.
Anulação - Ilegalidade ou ilegitimidade do ato, gerando efeitos ex tunc (retroativos),
desfazendo o ato desde sua origem.
Dispositivos: Arts. 53 e 54 da Lei nº 9.784/99. Súmulas 346 e 473 do STF ("A Administração
pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque
deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.").
Revogação: Conveniência e oportunidade (mérito administrativo). O ato é legal, mas deixou
de ser oportuno ou conveniente ao interesse público, gerando efeitos ex nunc, respeitando
os efeitos já produzidos e direitos adquiridos.
Dispositivos: Art. 53 da Lei nº 9.784/99.
Cassação: Descumprimento, pelo beneficiário, das condições que deveria manter para a
fruição do ato.
Exemplo: Cassação de alvará de funcionamento porque o estabelecimento mudou sua
finalidade ou deixou de atender requisitos de segurança.
Caducidade - Fato superveniente (jurídico ou material) que torna o ato incompatível com a
nova situação. Retirada do ato em razão de norma jurídica posterior que tornou inadmissível
a situação antes permitida.
Contraposição - Emissão de um novo ato administrativo com fundamento em competência
diversa, mas com conteúdo contrário ao de ato anterior.
Convalidação - Correção de vício na competência ou forma do ato, saneamento.
IV. Princípios da Administração Pública
São diretrizes fundamentais que orientam a atuação administrativa.
Princípios Constitucionais Expressos (Art. 37, caput, CF/88 - "LIMPE"):
Legalidade: A Administração só pode fazer o que a lei autoriza ou determina.
Impessoalidade: Atuação voltada ao interesse público, sem favoritismos ou perseguições.
Proíbe a promoção pessoal de agentes públicos.
Moralidade: Atuação conforme padrões éticos, probos, leais e de boa-fé.
Publicidade: Dever de transparência dos atos administrativos, como regra, para permitir o
controle social e estatal. Exceções: segurança da sociedade e do Estado, ou quando a
intimidade o exigir.
Eficiência: Busca por resultados positivos com economicidade e qualidade na prestação dos
serviços.
Outros Princípios (Implícitos ou Expressos em Legislação Infraconstitucional - ex: Lei nº
9.784/99, art. 2º):
Supremacia do Interesse Público: O interesse da coletividade prevalece sobre o do
particular.
Indisponibilidade do Interesse Público: O administrador não é dono do interesse público,
devendo apenas geri-lo conforme a lei.
Razoabilidade e Proporcionalidade: Adequação entre meios e fins, vedando excessos.
Motivação: Dever de indicar os fundamentos de fato e de direito das decisões (Art. 50 da Lei
nº 9.784/99).
Segurança Jurídica e Proteção à Confiança Legítima: Estabilidade das relações jurídicas,
respeito aos atos jurídicos perfeitos, direitos adquiridos e coisa julgada (LINDB, art. 6º).
Autotutela: Poder-dever de anular atos ilegais e revogar os inconvenientes/inoportunos
(Súmulas 346 e 473 do STF).
Contraditório e Ampla Defesa: Garantia aos administrados em processos administrativos
(Art. 5º, LV, CF/88).
Finalidade: Oato deve sempre visar o fim previsto em lei, explícita ou implicitamente.
V. Administração Pública Direta e Indireta
Refere-se à organização administrativa do Estado.
Administração Direta (ou Centralizada):
Composição: Conjunto de órgãos que integram as pessoas políticas (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios), desprovidos de personalidade jurídica própria.
Atuação: Exerce as atribuições estatais de forma centralizada, por meio de seus ministérios,
secretarias, etc.
Fenômeno: Desconcentração – distribuição interna de competências dentro da mesma
pessoa jurídica (criação de órgãos). Há relação de hierarquia e subordinação.
Dispositivos: Art. 4º, I, do Decreto-Lei nº 200/67.
Administração Indireta (ou Descentralizada):
Composição: Conjunto de pessoas jurídicas (novas entidades) vinculadas à Administração
Direta, criadas para desempenhar atividades específicas de forma descentralizada.
Possuem personalidade jurídica própria, autonomia administrativa e financeira (em graus
variados).
Autarquias: Pessoa jurídica de direito público, criada por lei, para exercer atividades típicas
de Estado que requeiram gestão especializada (ex: INSS, BACEN).
Fundações Públicas: Podem ser de direito público (criadas por lei e com regime autárquico)
ou de direito privado (autorizadas por lei e com patrimônio público para fins não lucrativos
de interesse social – ex: FUNAI antes da transformação em autarquia, IBGE).
Empresas Públicas: Pessoa jurídica de direito privado, com capital integralmente público,
criada por autorização legal para exploração de atividade econômica ou prestação de
serviços públicos (ex: Correios, Caixa Econômica Federal).
Sociedades de Economia Mista: Pessoa jurídica de direito privado, com capital
majoritariamente público, mas com participação de capital privado, criada por autorização
legal sob a forma de S/A para exploração de atividade econômica ou prestação de serviços
públicos (ex: Petrobras, Banco do Brasil).
Descentralização por serviços/outorga/funcional – transferência da titularidade e/ou
execução de serviços para outra pessoa jurídica.
Não há hierarquia e subordinação entre a Administração Direta e a Indireta, mas sim
vinculação e supervisão ministerial (controle finalístico ou tutela administrativa), para
garantir que a entidade atue conforme seus fins institucionais.
Dispositivos: Art. 4º, II, e Art. 5º do Decreto-Lei nº 200/67; Art. 37, XIX e XX, da CF/88.
Delegação e Avocação (no contexto da hierarquia):
Delegação: Transferência temporária e revogável de parte da competência de um órgão ou
agente para outro, geralmente subordinado, ou para órgão de mesma hierarquia ou até
mesmo para entidades da administração indireta (delegação por colaboração), quando não
houver impedimento legal.
Avocação: Medida excepcional pela qual o superior hierárquico chama para si a
competência de um subordinado para decidir sobre matéria específica, por motivos
relevantes e justificados.
Dispositivos: Arts. 11 a 15 da Lei nº 9.784/99.
VI. Teoria do Órgão e Imputação Volitiva
Teoria do Órgão (Otto Gierke): . A administração pública seria um corpo, que age através de
seus órgãos e o agente público não é um mero representante do Estado, mas sim parte
integrante da estrutura estatal, agindo como o próprio órgão. A vontade manifestada pelo
agente, no exercício de suas funções, é considerada a vontade do próprio Estado.
Imputação Volitiva: As ações e omissões dos agentes públicos, quando atuando nessa
qualidade (mesmo que fora de suas atribuições, mas a pretexto de exercê-las, ou com
abuso de poder), são imputadas diretamente ao Estado.
Consequências: Fundamenta a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (Art. 37, §6º, CF/88). O Estado responde, e
depois pode exercer direito de regresso contra o agente causador do dano, se este agiu
com dolo ou culpa.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) à Administração Pública
A aplicação do CDC aos serviços públicos é tema controvertido, mas a jurisprudência tem
consolidado entendimentos.
Serviços Públicos:
Uti Universi (gerais): Prestados à coletividade como um todo, sem usuários determinados, e
geralmente custeados por impostos (ex: segurança pública, iluminação pública).
Uti Singuli (individuais ou divisíveis): Prestados a usuários determinados ou determináveis,
permitindo a mensuração do consumo individual (ex: fornecimento de água, energia elétrica,
telefonia). São geralmente remunerados por tarifa.
Teses sobre a Aplicabilidade do CDC:
Tese Ampliativa: O CDC se aplicaria a todos os serviços públicos, remunerados ou não,
prestados diretamente pelo Estado ou por concessionários/permissionários. O usuário seria
sempre considerado consumidor. Tese minoritária.
Tese Intermediária – o CDC se aplica a todos serviços uti singuli e não aos serviços uti
universi.
Tese restritiva: Apenas se aplica o CDC aos serviços uti singuli remunerados por tarifa.