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TRABALHO E SOCIABILIDADE Daniella Tech Doreto sa SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADASTrabalho alienado e processo de trabalho Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Caracterizar trabalho alienado e exploração do sujeito pelo trabalho. Desenvolver uma análise crítica sobre temas trabalho e alienação. Reconhecer a cadeia do sistema de trabalho alienado com base na economia política. Introdução No contexto das discussões sobre trabalho alienado e processo de tra- balho, é fundamental considerar sistema capitalista. Nesse sistema, a exploração do trabalhador é uma constante e também uma forma de os empregadores concretizarem os seus objetivos, que incluem a obtenção do lucro, a ampliação do capital e a manutenção do status quo. O traba- lho, enquanto categoria central do ser social, passa a ser alienado nesse sistema uma vez que trabalhador não se reconhece nele. Dessa forma, trabalhador fica alheio ao processo de trabalho e não identifica seu próprio valor, já que produto de seu esforço é apropriado pelo capitalista. Neste capítulo, você vai estudar trabalho alienado e a exploração do sujeito pelo trabalho. Você também vai conhecer os elementos necessá- rios para realizar uma análise crítica sobre trabalho e a alienação. Além disso, vai ver como a cadeia do sistema de trabalho alienado é encarada da perspectiva da economia política. 1 trabalho alienado e a exploração do sujeito pelo trabalho Para refletir sobre a alienação e a exploração do sujeito pelo trabalho, você precisa inicialmente conhecer os conceitos que estão em jogo nesse contexto. Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N12 Trabalho alienado e processo de trabalho A alienação é um tema complexo e bastante discutido pelo filósofo Karl Marx. A alienação, ou o estranhamento, é considerada a partir de quatro aspectos: o homem está alienado da natureza, de si mesmo, de seu ser genérico e dos outros homens (MÉSZAROS, 2016). Etimologicamente, a palavra "alienação" deriva do termo latino alienatio, entendido como ação ou efeito de alienar-se. Essa palavra possui sentidos variados dependendo da área em que é empregada. Do ponto de vista ju- rídico, alienação significa cessão de bens; do ponto de vista da medicina e da psicologia, perturbação psíquica e mental; do ponto de vista da filosofia, processo essencial para a tomada de consciência. No marxismo, a alienação é o estado de uma pessoa que, por razões sociais, políticas, econômicas e outras, afasta-se de sua verdadeira natureza, uma vez que não possui o controle sobre o trabalho, sua atividade principal (ALIENAÇÃO, 2020, documento on-line). Fique atento No ano de 2010, a nova tradução, a partir da edição da Boitempo, passa a fazer a distinção entre alienação e estranhamento. T.B. Bottomore teria traduzido as expressões Entäusserung e Entfremdung para inglês como "alienação", já que Marx, assim como Hegel, não indica uma distinção entre as expressões. Já "Jesus Ranieri, ao contrário de Bottomore, defende que há um uso distinto entre Entäusserung (alienação) e Entfre- mdung (estranhamento) em Marx" (KELLER, 2018, p. 2256). Quando se aborda a alienação a partir do modo de produção capitalista, deve- -se considerar que existe uma exploração do trabalho. A partir dessa constatação, é possível afirmar que o trabalhador se torna alienado. Em outras palavras, a sociedade capitalista é dividida em classes, sendo a classe trabalhadora ou classe dominada aquela que produz a riqueza por meio do seu trabalho. Por sua vez, a classe dominante é a que se apropria da riqueza socialmente produzida. A classe trabalhadora vende a sua força de trabalho em troca de um salário para sua sobrevivência, enquanto a outra classe enriquece e detém o poder. Identifica- -se, aqui, o surgimento da alienação, pois o trabalhador não se reconhece no produto de seu trabalho, visto que há apenas uma relação de troca, característica do trabalho assalariado na sociedade capitalista. Assim, o modo de produção capitalista transformou o trabalho ontológico em um trabalho alienado e ex- plorado cuja finalidade é obter lucro, que é revertido para a classe dominante. Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N1Trabalho alienado e processo de trabalho 3 Saiba mais O trabalho tem "[...] importância fundamental para a peculiaridade do ser social e [é] fundante de todas as suas determinações" (LUKÁCS, 2012, 118). É por meio do trabalho que homem transforma a natureza e a si mesmo. Além disso, é por meio do trabalho que homem constrói as suas relações sociais. Essa atividade diferencia dos animais, pois é mediada pela capacidade reflexiva do homem. Para dar conta de suas necessidades, homem reflete sobre sua ação (aquilo de que ele precisa para construir determinado objeto que satisfaça a sua demanda imediata). A esse processo, dá-se nome de "prévia ideação" ou "teleologia"; isto é, trabalho, enquanto ação humana, possui uma intencionalidade. Na sociedade capitalista, a produção é coletiva e social, mas a apropriação da riqueza é individual e extremamente desigual, uma vez que a riqueza produzida se concentra nas mãos da classe dominante. Dessa forma, a classe dominada está submissa à vontade do capitalista, que controla os meios de produção e utiliza a exploração do trabalho para manter seu status quo. Em suma, o capitalista se vale do discurso de que todos têm os mesmos interesses; busca a integração dentro da hierarquia, servindo à instituição; e utiliza a conciliação com a burocracia do sindicato para evitar conflitos e manter a passividade da escravidão assalariada, pagando, assim, o mais baixo salário possível. Está em jogo, portanto, o trabalho assalariado e alienado. Nesse contexto, a força de trabalho é submetida à reprodução do capital para a manutenção da ordem vigente e para a obtenção do lucro por meio da mais-valia, do excedente de trabalho. termo "mais-valia" foi empregado por Marx (2013) e refere-se à diferença entre o valor final da mercadoria produzida e a soma do valor dos meios de produção e do valor do trabalho. Tal diferença constitui a base do lucro no sistema capitalista. Repare que a sociedade capitalista é permeada pela contradição entre as classes fundamentais (burguesia e proletariado). O trabalhador se torna mero instrumento nas mãos de seu patrão, convertendo-se em "coisa". A "coisifica- ção" do trabalhador se dá pelo fato de que ele não mais se reconhece no produto do seu trabalho, já que não participa do processo completo da produção, mas apenas da parte que lhe foi designada. Nesse sentido, Luz (2008) menciona que o trabalho se configura apenas como um meio para assegurar a subsistência do trabalhador, e não como o resultado das capacidades humanas, sendo estranho a quem o executa. Para o autor, o trabalho alienado desumaniza e oprime o trabalhador, pois os ob- jetos produzidos não pertencem a ele, que também não se reconhece em tais Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N14 Trabalho alienado e processo de trabalho objetos. A alienação, segundo o autor, acontece não somente na relação do trabalhador com seu trabalho, mas também no ato da produção, ou seja, na atividade produtiva. Veja: [...] em primeiro lugar, o trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer, não pertence à sua natureza; portanto, ele não se afirma no trabalho, mas nega-se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito. Por conseguinte, o trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades. seu caráter estranho ressalta claramente do fato de se fugir do trabalho como da peste, logo que não exista nenhuma compulsão física ou de qualquer outro tipo. trabalho externo, o trabalho em que o homem se aliena, é um trabalho de sacrifício de si mesmo, de mortificação. Finalmente, a exterioridade do trabalho para o trabalhador transparece no fato de que ele não é o seu trabalho, mas o de outro, no fato de que não lhe pertence, de que no trabalho ele não pertence a si mesmo, mas a outro. [...] Pertence a outro e é a perda de si mesmo (MARX, 1964, p. 162 apud LUZ, 2008, p. 33). Considera-se que a alienação presente no mundo do trabalho é resultante do sistema capitalista. Da apropriação e da acumulação do excedente produzido pela classe dominante é que surge o processo de alienação. Tal processo inicia- -se no espaço das indústrias, estendendo-se aos vários âmbitos da atividade social humana. Ele acarreta o não reconhecimento do trabalhador como parte explorada que sustenta o capital, como sujeito que também é transformado em mercadoria a partir do momento em que vende sua força de trabalho para o capitalista. O processo de alienação faz com que o trabalhador se perceba como proprietário de sua força de trabalho. Entretanto, essa percepção é limitada e ocorre em decorrência de estratégias como a unilateralidade das atividades e a divisão sociotécnica do trabalho. Tais estratégias permitem ao trabalhador somente o entendimento dos processos cotidianos, empíricos e isolados, em detrimento de uma compreensão da totalidade do processo. 2 Trabalho e alienação: uma análise crítica A exploração do trabalho no modo de produção capitalista impõe ao trabalhador uma condição de alienação. Tal condição dificulta sua compreensão sobre a totalidade das relações que envolvem o processo de trabalho. A exploração exercida pela classe dominante sobre os trabalhadores tem a função de ampliar os lucros por meio da Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N1Trabalho alienado e processo de trabalho 5 intensificação do trabalho, da manutenção da ideologia dominante e da continuidade do status quo. De acordo com Marx e Engels (2007, p. 47), "[...] as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe é a força ma- terial dominante da sociedade e, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante". Nas sociedades em que o capital determina as regras, as relações de explo- ração e dominação fazem com que o trabalho deixe de atender às necessidades humanas para se voltar às necessidades do grande capital. Em outras palavras, o trabalho não consiste na satisfação de uma necessidade do trabalhador; a partir da alienação que perpassa o trabalho, o trabalhador torna-se apenas um meio para satisfazer necessidades externas a ele. Além disso, nesse contexto, o indivíduo não se reconhece no trabalho e torna-se alienado das suas vontades e escolhas. Para analisar a alienação relativa ao trabalho, pode-se considerá-la a partir da área de saúde mental, que permite ampliar a compreensão sobre o assunto. Meksenas (1992, p. 1) destaca o seguinte: Do ponto de vista econômico-social, [a alienação] é a perda da consciência de si, em virtude de uma situação concreta. homem perde sua consciência pessoal, sua identidade e personalidade, o que vale dizer, sua vontade é esmagada pela consci- ência de outro, ou pela consciência social a consciência do grupo. É uma forma de paraconsciência, ou seja, uma consciência particular incompleta, pela qual o homem perde parcial ou totalmente sua capacidade de decisão. É ainda sua integra- ção absoluta no grupo: ele massifica, passa a pertencer à massa e não a si mesmo. Portanto, a alienação seria uma perda de consciência de si mesmo. Pode-se dizer que ela faz com que o trabalhador não se perceba na sua condição nem identifique a realidade com clareza, uma vez que o resultado do seu trabalho não lhe pertence se sim, ao empregador, dono dos meios de produção (MARX, 2007). A alienação presente no processo de trabalho é resultante da necessidade do capitalista de obter lucros cada vez maiores; ela passa, portanto, pela exploração do trabalho. É por meio dessa exploração que o capitalista obtém os lucros que deseja e que o trabalhador se torna alienado. Nesse contexto, a jornada de trabalho divide-se em duas partes: a primeira é: [...] o tempo de trabalho necessário para a produção do valor suficiente para a manutenção de vida do trabalhador, correspondente ao salário; [a] segunda, o tempo de trabalho excedente, caracterizado pela produção da mais-valia (LEITE; SANTOS, 2013, documento on-line). O que resta ao trabalhador é, assim, a venda de sua força de trabalho, necessária para sua sobrevivência e seu sustento. Sua força de trabalho é a Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N16 Trabalho alienado e processo de trabalho principal responsável pela geração de recursos (valores) para o dono dos meios de produção, uma vez que os trabalhadores são transformados em mercadorias. Dessa forma, os valores criados pela força de trabalho ultrapassam o necessário para o processo de trabalho, produção e reprodução, gerando o lucro que é apropriado pelo capitalista. Nesse contexto, Marx (2013) destaca o trabalho não pago, aquele que fica oculto no sistema e a respeito do qual, no geral, o trabalhador não se conscientiza, uma vez que se aliena de todo esse processo. Saiba mais No seu sentido ontológico, trabalho se expressa na sociedade como resultado de uma atividade por meio da qual ser humano constrói seus objetos, de forma previamente estruturada e pensada em sua totalidade. Isto é, essa atividade envolve planejamento, a construção dos instrumentos para alcançar as finalidades e, ainda, a valoração decorrente desse processo. Nas sociedades primitivas, homem tinha pleno domínio das atividades relacio- nadas ao trabalho, ou seja, tinha conhecimento sobre processo de trabalho, que se transformava em valor de uso para quem realizava. Nas sociedades modernas, capitalismo transformou a essência do trabalho ontológico em um trabalho explorado e alienado. Portanto, as configurações atuais do trabalho foram incorporadas à sociedade pelo mundo capitalista. O trabalho sempre foi essencial para a humanidade, uma vez que é por meio dele que as necessidades humanas são satisfeitas. A questão principal é que, com o advento do capitalismo, as necessidades do homem (trabalhador) passaram a ser sufocadas pelas necessidades do capitalista. Granemman (2009, p. 255) aponta que "[...] o trabalho continua a ser o eixo fundamental da sociabilidade humana". Além de ser o sustento das relações sociais, é nele que se assenta a reprodução social. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que o trabalho é compreendido como "[...] o eixo fundamental da sociabilidade humana", ele também pode ser entendido como o sufocamento dessa sociabilidade, um elemento de exploração do trabalhador, que tem suas necessidades sufocadas pelo detentor dos meios de produção, o qual, por sua vez, na lógica do sistema capitalista, necessita manter seu status quo (GRANEMMAN, 2009). A alienação se manifesta na vida real do homem, na maneira pela qual, a partir da divisão do trabalho, o produto do seu esforço deixa de lhe pertencer. surgimento do capitalismo determinou a intensificação da procura pelo lucro e confinou o trabalhador à fábrica, retirando dele a posse do produto. Mas não é Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N1Trabalho alienado e processo de trabalho 7 apenas o produto que deixa de lhe pertencer. Ele próprio abandona o centro de si mesmo. Não escolhe o salário, uma vez que estabelece relações com o seu patrão a partir de um contrato de trabalho, e, contumaz, não escolhe o horário nem o ritmo de suas atividades. Isso significa que passa a ser comandado de fora, por forças estranhas a ele, ocorrendo o fetiche da mercadoria e a reificação do trabalhador. Como você viu, a alienação no processo de trabalho é resultado do mundo capitalista, em que a apropriação dos lucros é restrita e a exploração é o principal elemento para garantir a acumulação do trabalho excedente. Esse processo tem início no ambiente de trabalho e se estende para os outros âmbitos da vida humana, gerando o não reconhecimento do trabalhador enquanto parte explorada que sustenta e fornece a base para o desenvolvimento do capital. Além disso, o trabalhador não se reconhece enquanto sujeito que de alguma forma é transformado em merca- doria a partir do momento em que vende sua força de trabalho. Com a alienação, o trabalhador não percebe a exploração, fica alheio ao resultado do seu esforço e ainda se vê como proprietário da sua força de trabalho. Tal percepção é limitada, pois permite ao trabalhador apenas o entendimento dos processos cotidianos, e não a compreensão da totalidade do sistema de produção e reprodução social. 3 A perspectiva da economia política A economia política é uma ciência que estuda como são construídas as relações sociais estabelecidas entre os homens na produção de bens que asseguram e mantêm a reprodução da vida social. Essa ciência possui um objeto de estudo de caráter histórico, do qual são extraídas categorias que devem ser compreendidas em seus aspectos ontológico e reflexivo. termo "ontológico" implica que cada categoria se insere no real concreto, expressando-se nos modos de existência do ser social e operando de forma efetiva na vida em sociedade, tendo os homens conhecimento a seu respeito ou não. Segundo Netto e Braz (2008, p. 55), o que se passa com o conjunto das categorias econômicas: seu desconheci- mento teórico não impede que, na prática social, os homens estabeleçam e desenvolvam relações econômicas". No momento em que o homem, por meio de seu processo reflexivo, reconhece essa categoria, consegue apreender a sua estrutura fundamental (a sua essência) a partir da percepção imediata (a sua aparência). Desse modo, é possível reproduzir a dinâmica de tal categoria nas relações sociais por meio de conceitos que se configuram como produtos do pensamento; portanto, tal categoria se torna uma categoria reflexiva. trabalho, enquanto elemento central na vida do ser social, está presente desde os primórdios da civilização. Ele se configurou como um elemento Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N18 Trabalho alienado e processo de trabalho de proteção e sobrevivência do homem nas diversas formas de sociabilidade construídas na história da humanidade. Logo, o trabalho e os determinantes das relações humanas sempre estarão presentes na vida do ser social, porque ele é sujeito atuante e elemento modificador do mundo. Além disso, o sujeito é também uma categoria inscrita na sociabilidade capitalista, que tem o trabalho como centro das relações sociais e de produção. O marco transformador do processo de trabalho se deu nas sociedades primitivas que produziam mais do que o necessário para a sua sobrevivência. Isso possibilitou a melhoria das habilidades adquiridas pelos homens, bem como o aperfeiçoamento dos instrumentos de trabalho e do conhecimento acerca da natureza. Surge, então, o excedente econômico. Veja o que afirmam Netto e Braz (2008, p. 57): surgimento do excedente econômico, que assinala o aumento da produti- vidade do trabalho, opera uma verdadeira revolução na vida das comunida- des primitivas: com ele, não só a penúria que as caracterizava começa a ser reduzida, mas, sobretudo, aparece na história a possibilidade de acumular os produtos do trabalho. Dois efeitos logo se farão sentir. De um lado, junto com uma maior divisão na distribuição do trabalho (o artesanato avança e se torna relativamente mais especializado), produzem-se bens que, não sendo utilizados no autoconsumo da comunidade, destinam-se à troca com outras comunidades está nascendo a mercadoria e, com ela, as primeiras formas de troca (comércio). De outro, a possibilidade da acumulação abre a alternativa de explorar o trabalho humano; posta a exploração, a comunidade divide-se, antagonicamente, entre aqueles que produzem o conjunto dos bens (os produtores diretos) e aqueles que se apropriam dos bens excedentes (os apropriadores do fruto do trabalho dos produtores diretos). Esse cenário viabiliza o aumento da acumulação e da exploração associadas à apropriação da riqueza socialmente produzida, caracterizando o trabalho escravo. A partir disso, há um longo desenvolvimento do processo de trabalho, e a produção de bens supera as necessidades da comunidade. processo de trabalho engloba três elementos: os meios de trabalho (instrumentos, ferra- mentas, instalações, etc.), os objetos de trabalho (tudo em que incide o trabalho humano matéria) e a força de trabalho (energia humana despendida para, com base nos meios de trabalho, transformar o objeto de trabalho em algo Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N1Trabalho alienado e processo de trabalho 9 útil, que satisfaça as necessidades humanas). A esse conjunto de elementos dá-se o nome de forças produtivas. Conforme se desenvolve a capacidade produtiva da sociedade, as ocupações são divididas de acordo com as necessidades de produção. Assim, instaura-se a divisão social do trabalho. Netto e Braz (2008, p. 59) ressaltam que "[...] o trabalho é, por sua própria condição, um processo social, ainda quando realizado individualmente; as forças produtivas operam dentro de relações determinadas entre os homens e a natureza e entre os próprios homens". Portanto, as forças produtivas inseridas tanto nas relações de caráter técnico quanto nas relações sociais constituem as relações de produção. Fique atento "As relações técnicas de produção" dependem das características técnicas do processo de trabalho grau de especialização, as tecnologias empregadas, etc.). Elas dizem respeito ao controle ou domínio que os produtores diretos têm sobre os meios de trabalho e sobre processo de trabalho em que estão envolvidos. Contudo, elas se subordinam às relações sociais de produção, que as especificam historicamente e que são determinadas pelo regime de propriedade dos meios de produção fundamentais (NETTO; BRAZ, 2008). Se a apropriação dos meios de produção é coletiva, as relações são de cooperação e ajuda mútua, de modo que os trabalhadores desfrutam do produto do seu trabalho. Mas, se a apropriação dos meios de produção se dá de forma privada, as relações se tornam antagônicas, e o proprietário dos meios de produção se apropria dos frutos do trabalho de forma privada, por meio da exploração. Portanto, encontra-se na propriedade privada a raiz das classes sociais, que dividem a sociedade em dois grupos: os proprietários e os não proprietários dos meios de produção. Disso, originam-se os modos de produção. Esquematicamente, pode-se afirmar que no modo de produção encontra-se a estrutura (ou base) econômica da sociedade, que implica a existência de todo um conjunto de instituições e de ideias com ela compatível, conjunto geralmente designado como superestrutura e que compreende fenômenos e processos extraeconômicos: as instâncias jurídico-políticas, as ideologias ou formas de consciência social (NETTO; BRAZ, 2008, p. 61). Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N110 Trabalho alienado e processo de trabalho É por meio desse desenvolvimento histórico que o capitalismo constrói e assenta as suas bases na sociedade. Por sua vez, no modo de produção capitalista, o trabalho não é mais concretizado em sua ontologia, por meio da relação entre homem e natureza, na qual o homem é o produtor direto e possui o controle das fases de seu processo de trabalho. Com o aperfeiçoa- mento das forças produtivas e o surgimento das classes sociais fundamentais, o trabalho adquire uma configuração diferente; o conhecimento do processo de trabalho do trabalhador pertence ao proprietário dos meios de produção, e o trabalhador vende a sua força de trabalho em troca de um salário para manter a sua subsistência. Aqui, tem-se a expressão propriamente dita da alienação do trabalho: o trabalhador, ao não se reconhecer no produto do seu trabalho, torna-se estranho a ele. Em suma, o trabalhador não conhece todo o processo de trabalho e não possui os meios de produção, que foram apropriados de forma privada pelo capitalista. Nesse contexto, o capitalista recebe o lucro na medida em que vende a mercadoria produzida e retira do trabalhador o trabalho não pago, ou seja, a mais-valia. Associada à alienação, há uma intensificação das formas de exploração do trabalho para a competitivi- dade no mercado, visando à concentração de riquezas e à centralização do capital como componentes do processo de acumulação. Isso é viabilizado por inovações tecnológicas, permitindo ao capitalista a redução de seus custos. Veja: Consequência importante da concentração e da centralização do capital é a mudança que acarretam na concorrência própria ao MPC: à medida que ambas avançam, a concorrência tradicional aquela em que se en- frentavam milhares de empresários é substituída pela concorrência entre um número bem mais reduzido de grandes e poderosas empresas. Na escala em que a concentração e a centralização se desenvolvem, fica cada vez mais distante da realidade econômica a imagem do capitalismo como o regime da "livre concorrência" e da "livre iniciativa" os pro- gressos da acumulação, que corroem as bases das pequenas (e também das médias) empresas capitalistas, fazem com que apenas possuidores ou controladores de grandes massas de capital tenham vez na arena econômi- ca. caráter excepcional dos casos que escapam a essa determinação é, em si mesmo, a demonstração cabal da força de que ela dispõe (NETTO; BRAZ, 2008, p. 131). Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N1Trabalho alienado e processo de trabalho 11 processo de acumulação do capital gera um impacto maior sobre a classe trabalhadora, criando o exército industrial de reserva, ou seja, o conjunto de trabalhadores que não encontram compradores para a sua força de trabalho. Com isso, criam-se postos de trabalho informais, ampliando o trabalho desregulamentado sem carteira assinada. Nesta era de informatização do trabalho (isto é, em que se transferem as capacidades intelectuais para a máquina), cresce a informalidade, que dá origem a uma classe desprovida de direitos e com salários baixos. Em síntese, aumenta o desemprego e há uma queda do trabalho contratado e regulamentado, que é substituído pelo empreendedorismo, pelo corporativismo e pelo trabalho voluntário. Na contemporaneidade, a alienação no mundo do trabalho se intensifica com a flexibilidade tanto do mercado quanto do processo de trabalho. A acumulação flexível do capital se caracteriza essencialmente por inovações tecnológicas nos setores de produção e serviços e por inovações no setor financeiro, viabilizadas pela nova forma de organização comercial em nível mundial, que tem desvalorizado o chamado "trabalho vivo". Como destaca Iamamoto (2010, p. 118-119), a mundialização da economia origina diferentes formas precarizadas de trabalho, que se caracterizam pelo: [...] alargamento da jornada de trabalho, acoplado à intensificação do trabalho, estimulada pelas formas participativas de gestão voltadas a capturar o con- sentimento passivo do trabalhador às estratégias de elevação da produtividade e de rentabilidade empresarial. A redução do trabalho protegido tem no seu verso a expansão do trabalho precário, temporário, subcontratado, com perda de direitos e ampliação da rotatividade da mão de obra. trabalho precarizado, explorado e alienado se tornou um estigma da sociedade capitalista madura. Tal estigma impede que os sujeitos se reconheçam em seu processo de trabalho e que usufruam do produto de tal processo. Isso fortalece a relação antagônica entre capital e trabalho, bem como aprofunda os níveis de contradição na sociedade capitalista. Nesse contexto, o trabalho se descaracteriza como elemento modificador da relação entre homem e na- tureza e como elemento propiciador da capacidade emancipatória do sujeito. O trabalho, do modo como está configurado na sociedade contemporânea, torna-se o alicerce que sustenta o regime de acumulação, criando condições de exploração que mantêm o sistema vigente. Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N112 Trabalho alienado e processo de trabalho Referências ALIENAÇÃO. In: DICIONÁRIO Michaelis On-line. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2020. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=0NM8. Acesso em: 27 fev. 2020. GRANEMANN, S.O processo de produção e reprodução social: trabalho e sociabilidade. In: CFESS/ABEPSS (org.). Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. IAMAMOTO, M.V. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez Editora, 2010. KELLER, R. J. 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Identificação interna do documento 2D5TD4NHBC-8CKZ5N1Conteúdo: S a SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADAS