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99 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA Unidade II 5 MICOLOGIA CLÍNICA 5.1 Importância clinica dos fungos e aspectos fisiopatológicos gerais Fungos são microrganismos de distribuição mundial com uma diversidade de aproximadamente 700 mil espécies na natureza, entre elas, cerca de 200 mil podem causar doenças, com tendência de aumento. As infecções causadas por fungos vão desde quadros simples de menor repercussão clínica, como as micoses superficiais, relativamente fáceis de curar, até a quadros mais graves, denominados de micoses sistêmicas e invasivas, as quais podem ameaçar a vida, principalmente quando associadas às condições de vida das populações atingidas, as quais afetam sobretudo o diagnóstico precoce, comprometendo um processo de terapia oportuna e eficaz. Outro fator que também merece o devido destaque é o aumento da resistência dos fungos, de diferentes espécies, aos antifúngicos disponíveis, o que dificulta ainda mais o tratamento. Embora existam vários estudos sobre a frequência, incidência e prevalência de infecções fúngicas em alguns países, a maioria delas está geograficamente localizada, isso impede que a dimensão global do impacto na saúde humana seja totalmente conhecido. A incidência de micoses é maior nos trópicos e subtrópicos, em que, provavelmente, fatores como temperatura e umidade facilitam o crescimento e a transmissão dos agentes etiológicos. Outra consideração epidemiologicamente importante é que tais infecções afetam pessoas de qualquer condição social, idade e sexo; no entanto, pacientes com alterações no sistema imunológico, idade avançada, em tratamentos com corticosteroides, quimioterapia para câncer, diabetes e infecção por HIV/aids representam as principais condições de risco para agravamento nos casos de infecção. As micoses superficiais são, talvez, as mais estudadas e para as quais a maioria dos dados está disponível a nível mundial. Por sua vez, as infecções fúngicas invasivas e disseminadas têm uma incidência muito menor do que as micoses superficiais; apesar de apresentar taxas de mortalidade muito mais elevadas, chegando, em alguns casos, a mais de 50% dos casos, independentemente da disponibilidade de diversos agentes antifúngicos no mercado. Estima-se que cerca de um milhão de pessoas morrem anualmente devido a infecções fúngicas invasivas, excedendo os números de mortalidade devido à tuberculose ou à malária em alguns paises. A frequência de infecções por fungos filamentosos vem aumentando muito durante a última década, devido, sobretudo, a um aumento do número de pacientes com fatores de risco associado. Entre essas infecções, destaca-se a aspergilose e a fusariose com altas taxas de morbidade e mortalidade, principalmente em pacientes neutropênicos ou transplantados (de órgãos sólidos ou medula óssea). 100 Unidade II Os fungos dos gêneros Candida, Aspergillus e Cryptococcus continuam sendo os principais agentes etiológicos de micoses invasivas e disseminadas. No entanto, espécies de outros gêneros vêm ganhando importância dentro da micologia médica, devido à incidência e mortalidade que causam ou a resistência que apresentam a um, ou mais antifúngicos. No quadro a seguir, são apresentados os principais fungos causadores de micose, sua classificação quanto à morfologia, o mecanismo de infecção, o(s) órgão(s) alvo(s), estruturas que auxiliam no diagnóstico e o tempo que pode levar para o isolamento do fungo em cultura. Quadro 10 – Principais agentes fúngicos patógenos a seres humanos Fungo Fonte de infecção Estrutura de infecção Via de transmissão Sítio de infecção Tempo estimado de cultura (dias) Aspergillus spp. Ambiente Conídios Inalação Pulmões, olhos, unhas e ouvido 1-6 Candida spp. Microbiota endógena Blastoconídeos Invasão direta/ disseminação Mucosa intestinal, vaginal, oral, unhas e sangue 1-2 Cryptococcus neoformans Fezes de pombos (aves) Leveduras Inalação Meninges, pulmões, pele 3-4 Histoplasma capsulatum Fezes de morcegos e aves Microconídeos Inalação Pulmões, medula óssea, sangue, pele 10-30 Paracoccidioides brasiliensis Solo Conídios e fragmentos de hifas Inalação Pulmões, pele, mucosas 10-45 Fungos dermatófitos Antropofílico, zoofílico, geofílico Conídios e fragmentos de hifas Contato direto Pele, cabelo, unha 3-12 Fusarium spp. Solo e plantas Conídios e fragmentos de hifas Inalação Pulmões, olhos, unhas e sangue 2-6 Malassezia spp. Microbiota endógena Blastoconídeos e hifas Direta a partir da microbiota Pele, couro cabeludo, ouvido 3-14 As infecções fúngicas podem ser provocadas, veiculadas ou manifestar-se de formas distintas, entre as mais comuns, destacamos os quadros clínicos provocados pela ingestão de alimentos contaminados por fungos ou micotoxinas; ingestão acidental de fungos venenosos; reações alérgicas e micoses. A seguir, de modo geral, alguns desses quadros de infecção e doença. Quadros provocados por alimentos contaminados por fungos e ou micotoxinas É sabido que a maior parte dos fungos toxicogênicos surge nas forragens e nos cereais estocados em silos, celeiros e depósitos. A frequência de infecção entre animais é substancialmente maior do que a revelada em humanos. O primeiro grande estudo sobre o assunto ocorreu em 1961, quando muitas aves, em especial perus e gansos de criação, foram encontradas mortas ou tiveram de ser abatidas por apresentarem sinais e sintomas típicos de toxicoinfecção. A partir dessa observação, numerosos pesquisadores demonstraram através de diferentes estudos que esses animais haviam sido alimentados com rações contaminadas pelo fungo Aspergillus flavus. Os eventos ocorreram em diversas partes do mundo em função da exportação das rações para diferentes portos. Logo em seguida, descobriu-se que o fungo em questão era produtor de uma toxina, batizada com o nome de aflatoxina, e que se mostrou em ensaios com cobaias de laboratório (patos jovens) capaz de produzir hiperplasia dos canais biliares e hepatoma. 101 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA O gado bovino também se mostrou suscetível à ação da aflatoxina. Vacas alimentadas com alimentos contaminados revelaram substâncias tóxicas no leite, cujos efeitos, no homem, não foram ainda bem estudados. Alimentos contaminados por diversos aspergilos produziram variadas manifestações patológicas, a saber: transtornos hepáticos e renais nos bezerros, hiperqueratose no gado adulto, síndrome hapato-hemorrágica em porcos, bovinos, perus e outros animais. A Stachybotryotoxicosis, produzida pelo fungo Stachybotrys alternans, também é descrita associada à ingestão de grãos mofados por cavalos que ingeriram o alimento contaminado. Foi demonstrada a presença de irritação da mucosa oral, nasal ou laríngea, descamação epitelial, adenopatia submaxilar. Em alguns casos, notou-se o agravamento do quadro, com febre de 40 a 41 ºC, leucopenia progressiva e morte dentro de 1 a 5 dias, após grave agranulocitose. No homem, podem ocorrer eritema axilar, faringite, leucopenia leve (2.000 mm3). A toxina é absorvida pelo tegumento cutâneo ou inalada por manipulação do alimento. O ergotismo também é uma manifestação clínica bastante conhecida e provocada pela ingestão de micotoxinas, nesse caso, associada ao fungo Claviceps purpurea, o qual invade o grão de centeio, aumenta seu volume, transformando-o no que os franceses chamam Ergot (esporão do centeio). O pão feito com esses grãos contaminados, misturados aos sadios, provocam desde simples transtornos circulatórios até a gangrena das extremidades. Quadros provocados por ingestão acidental de fungos venenosos A ingestão acidental, como o próprio nome sugere, resulta de um equívoco cometido pela vítima ao ingerir fungos supostamente comestíveis. De uma maneira geral, os fungos venenosos são muito semelhantes em termos de forma, cor e textura aos comestíveis. Somente profissionais e pessoas acostumadas com o trato de ambos são capazes de diferenciá-los. As substâncias tóxicas neles contidas atuampor suas propriedades hemolíticas, gastrotóxicas, hepatotóxicas, nefrotóxicas, neurotóxicas e psicotrópicas, sendo que alguns fungos podem apresentar uma superposição dessas propriedades, o que torna os quadros de infecção potencialmente mais graves. Denomina-se, portanto, de micetismos os quadros clínicos derivados da ingestão acidental por fungos venenosos e suas repercussões. Dessa forma, os micetismos são classificados em, a saber: • Micetismo gastrintestinal: caracterizado por quadro clínico que envolve a presença de náuseas, vômitos, diarreia, cujos sintomas tendem a ser autolimitados, desaparecendo, em geral, em torno de 48 horas após a ingestão. Essa forma de micetismo normalmente está associada a fungos dos gêneros Russula sp., Boletus sp., Lactarius sp., Lepiota sp., Enteloma sp. • Micetismo nervoso: caracterizado por uma ação depressiva sobre o coração, salivação profusa, lacrimejamento, cólicas abdominais, vômitos, diarreia, excitação nervosa, delírio e coma. Os sinais e sintomas normalmente aparecem, em média, após uma hora da ingestão de diversos fungos: Amanita muscaria, A. pantherina, Inocybe infelix, I. infida, Clitocybe illudens. A muscarina, substância presente nesses casos, estimula de forma vigorosa as terminações nervosas, mas, felizmente, seus efeitos podem ser suprimidos pelo emprego de atropina, razão pela qual o tratamento desses casos consiste, em primeira instância, de lavagem gástrica e emprego subsequente desse alcaloide. Em pequenas doses, a muscarina tem ação semelhante à da Cannabis indica (haxixe). 102 Unidade II • Micetismo cerebral: provoca efeitos semelhante com os da psicose mimética, em que os indivíduos se identificam com os objetos do meio ambiente ou, então, com objetos psicodélicos, e acabam por despertar o potencial imaginativo latente no indivíduo. Podem, assim, ser encontrados em inúmeros ritos religiosos de diferentes culturas, sobretudo indígenas. Os sintomas são provocados pela ingestão dos alucinógenos, que são, por sua vez, encontrados em diversos fungos “comestíveis”, tais como Psilocybe mexicana (Psilocibina), Psilocybe cubensis (Psilocina), dos gêneros Paneolus e Conocybe. O fungo Claviceps purpurea é produtor de inúmeras substâncias com propriedades alucinógenas, entre a mais conhecida, destaca-se o LSD 25. Outra substância importante desse grupo é a mescalina, extraída de um cacto mexicano Lophophora williamsii. Todos esses produtos também são chamados psicomiméticos. • Micetismo sanguíneo: vários fungos podem ser associados aos quadros denominados de micetismo sanguíneo, principalmente pela capacidade de muitos produzirem hemolisinas, enzimas importantes na fisiopatogenia da infecção, mas que felizmente podem ser destruídas pelo calor e pela digestão. No entanto, como toda regra, existe sempre uma exceção. Nesse caso, tratamos da hemolisina produzida pela Gyromitra esculenta, a qual apresenta-se como uma enzima resistente ao calor e em função de sua ação capaz de produzir hemoglobinúria transitória, desconforto abdominal, icterícia. Em linha geral, o prognóstico é bastante favorável, mas podem ocorrer óbitos. Reações alérgicas Trata-se, em geral, de manifestações do aparelho respiratório, como rinites ou asma brônquica produzidas por fungos, especialmente quando as pessoas sensíveis vivem em ambiente quente e úmido, que favorece sobretudo a formação de bolor. Aspergillus sp., Alternaria sp., Penicillium sp., Cladosporium sp. (Hormodendrum), Curvularia sp. e outros são geralmente a causa. Micoses Os fungos causadores de micoses a seres humanos e animais são classificados como antropofílicos (quando causam doença ou o homem é seu hospedeiro), zoofílicos (quando causam doença ou os animais são seu hospedeiro), geofílicos (quando o solo é seu hospedeiro e pode ser veiculado através de sua manipulação). No entanto, alguns fungos podem simultaneamente ser encontrados em humanos e animais e, ao mesmo tempo, terem seu hábitat no solo. Portanto, essas características podem se somar a depender de cada agente. As micoses humanas e animais são classificadas de acordo com o local onde ocorrem, ou seja, sítio de infecção, a extensão da lesão e a frequência com que possam levar a situações de agravamento. As micoses são classificadas em superficiais, cutâneas, subcutâneas, sistêmicas e oportunistas (micoses produzidas por fungos habitualmente saprófitos, que se tornam parasitas quando se defrontam com hospedeiros imunocomprometidos, portadores de doenças graves, crônicas, ou submetidos a medicação intensiva por antibióticos, corticosteroides, entre outras). 103 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA As micoses recebem a mesma denominação quando são comuns ao homem e a animais, como a esporotricose, a histoplasmose e as tinhas. Já as micoses vegetais apresentam denominações muito peculiares, são elas: os carvões, as ferrugens, entre outras. Saiba mais Além de os fungos serem importantes como agentes causadores de doença, sabe-se de sua importância peculiar na biotecnologia. A biotecnologia consiste no uso de sistemas celulares para o desenvolvimento de processos e produtos de interesse econômico ou social. Entre os sistemas celulares, os fungos são de grande interesse biotecnológico. Talvez sejam eles, entre os seres vivos, os que mais têm contribuído com produtos e processos de importância fundamental para o bem-estar da população. Para saber mais sobre a importância dos fungos aplicada à biotecnologia, leia: SILVA, C.; MALTA, D. A importância dos fungos na biotecnologia. Caderno De Graduação - Ciências Biológicas e da Saúde, Pernambuco, v. 2, n. 3, p. 49, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3dyBYsz. Acesso em: 1º jul. 2021. 5.2 Características gerais das micoses 5.2.1 Micoses superficiais e cutâneas São denominadas de micoses superficiais aquelas que afetam a pele e os anexos (cabelos e unhas) e as mucosas. São as mais frequentes e causadas principalmente por fungos do gênero Malassezia e do grupo dos dermatófitos. Entre os agentes mais comumente associados a micoses superficiais, destaca-se a Malassezia furfur, uma levedura lipofílica, a qual faz parte da microbiota normal da pele, especialmente das áreas mais ricas em ácidos graxos, como o couro cabeludo. Sob determinadas condições, esse fungo provoca um quadro de infecção leve e, em alguns casos, crônica, do estrato córneo, caracterizada por máculas despigmentadas em tórax, abdome e braços. A descamação das áreas atingidas é evento comum e a infecção cursa de forma bastante benigna. Uma outra infecção fúngica tida como superficial é aquela promovida pela infecção pelo Hortaea werneckii e/ou Phaeoannellomyces werneckii, um fungo demáceo, associado a uma micose crônica mais frequente em mulheres. É uma infecção fúngica de característica estética, ou seja, não compromete a vida do paciente. É superficial e benigna, não contagiosa e apresenta-se como uma mancha de coloração acastanhada ou marrom escura, arredondada, não descamativa, com bordas delimitadas, podendo apresentar discreta elevação. Não há resposta inflamatória associada e o paciente, portanto, não refere dor, edema ou outro sinal típico desse processo. 104 Unidade II As onicomicoses, conhecidas como micoses de unhas, são as mais comuns entre as micoses cutâneas e, embora ocorram em qualquer região do mundo, afetando aproximadamente 25% da população, a maioria dos casos é registrada em regiões tropicais. Entre os dermatófitos causadores de micoses cutâneas, destacam-se Trichophyton rubrum e Trichophyton interdigitale (anteriormente conhecido como Trichophyton mentagrophytes), leveduras do gênero Candida e alguns fungos filamentosos não dermatófitos, principalmente envolvidos em casos de onicomicose, como Fusarium spp., Neoscytalidium (anteriormente denominado Scytalidium) dimidiatum, Aspergillus spp., Penicillium spp., Scopulariopsis spp. e Acremonium spp., estes últimos costumam ser resistentes aos tratamentos com antifúngicos sistêmicose responsáveis, portanto, por grande número de falhas terapêuticas. Também se destacam como agentes causadores de micoses cutâneas e causadores de dermatomicoses os fungos do gênero Microsporum spp. com duas principais espécies, sendo elas M. canis e M. gypseum. O Microsporum canis é reconhecidamente um dermatófito zoofílico transmitido ao homem por animais domésticos, associado clinicamente a epidermofitíases e, em algumas situações, a onicomicoses (micose de unha), além de infecções do couro cabeludo, caracterizadas por placas de alopecia. As lesões típicas da infecção por M. gypseum ocorrem preferencialmente em partes descobertas do corpo e raramente parasitam o cabelo. O T. rubrum é um fungo antropofílico, cosmopolita e um dos agentes mais comuns causadores de dermatofitoses no Brasil e no mundo. Tem predileção por infectar pelos, unhas e a pele. O Trichophyton interdigitale é considerado por muitos autores como a segunda ou terceira causa de dermatofitose, sendo classificado como um agente zoofílico e antropofílico, causador de epidermofitíases, onicomicoses, lesões de couro cabeludo e lesões interdigitoplantares. Outro fungo causador de micoses cutâneas, responsável por um grande número de infecções, é o E. floccosum, configurando-se como um agente exclusivo de infecções cutâneas denominadas de pele glabra. É reconhecidamente um dermatófito antropofílico, e inúmeros autores o apontam como a quarta ou quinta causa de epidermofitíases de grandes pregas no mundo. Saiba mais As infecções fúngicas superficiais dos cabelos, pele e unhas representam uma causa importante de morbidade no mundo. O tratamento nem sempre é simples, havendo dificuldade na escolha dos esquemas terapêuticos. Leia: DIAS, M. et al. Atualização terapêutica das micoses superficiais artigo de revisão – parte I. An. bras. dermatol., v. 88, n. 5, out. 2013. Disponível em: https://bit.ly/3hrFara. Acesso em: 1º jul. 2021. 105 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA 5.2.2 Micoses subcutâneas As micoses subcutâneas envolvem principalmente a pele e o tecido subcutâneo. A infecção pode se tornar ainda mais grave, sobretudo em situações de imunossupressão que acabam por envolver a disseminação do fungo. A maior incidência de infecções subcutâneas ocorre em regiões tropicais, destacando-se entre elas a esporotricose (causada por espécies do complexo Sporothrix schenckii), cromoblastomicose (causada por vários agentes demáceos, como Fonsecaea pedrosoi, Phialophora verrucosa e Cladophialophora carrionii), eumicetomas (causados por uma variedade de fungos filamentosos, sendo Madurella mycetomatis, Madurella grisea, Pseudallescheria boydii e Leptosphaeria senegalensis responsáveis por aproximadamente 90% dos casos) e lobomicose (causada por Lacazia loboi) são as micoses subcutâneas mais importantes. Saiba mais A esporotricose é um problema de saúde pública, uma vez que afeta também o homem, principalmente em áreas endêmicas. No Brasil, sabe-se que a doença não tratada nos animais tem relevante participação na sua disseminação. Por essa razão, é de extrema importância que haja conhecimento da importância dessa micose. Leia: CAVALCANTI, E. et al. Esporotricose: revisão. Pubvet, v. 12, n. 11, p. 133, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3AgjQgJ. Acesso em: 1º jul. 2021. 5.2.3 Micoses sistêmicas As micoses sistêmicas configuram-se como um grupo de infecções fúngicas que, em sua maioria, ou são de evolução muito rápida ou ainda assintomática. São raras as situações em cronificação, no entanto, naqueles em que ocorre como doença crônica, a principal característica observada é a formação de uma doença com característica granulomatosa. Outra característica bastante comum aos fungos causadores de micoses sistêmicas é o dimorfismo térmico, ou seja, capacidade de alterarem a sua forma de acordo com a temperatura. Ao serem cultivados em temperatura ambiente, apresentam-se em colônias filamentosas formadas por hifas e conídios, e a 35-36 °C, como colônias leveduriformes. Fatores como clima, características do solo, geralmente o solo fofo, presença de animais, especialmente aves, morcegos, e eventualmente silvestres, como macacos e tatus, favorecem a manutenção dos agentes em nosso meio. Outros fatores, como ser do sexo masculino e atividades profissionais específicas também parece colaborar para a transmissão. 106 Unidade II Entre os agentes mais importantes causadores de micoses sistêmicas, destacam-se Paracoccidioides brasiliensis, Histoplasma capsulatum, Coccidioides immitis e Blastomyces dermatitidis. A Paracoccidioidomicose, doença causada pela infecção por Paracoccidioides brasiliensis, é uma micose de início pulmonar rápido, porém pode provocar manifestações na pele, mucosas e gânglios. É uma doença que, epidemiologicamente, estabeleceu-se de forma predominante na América Latina, sobretudo no Brasil, concentrando um maior número de casos na região Sudeste (SP). A grande maioria dos casos ocorre em indivíduos do sexo masculino, normalmente lavradores com idade variando entre 30 e 60 anos. Aparentemente, o fungo encontra-se no ambiente, principalmente no solo e na vegetação, também tendo sido isolado em animais silvestres, como tatus e macacos, e em seus respectivos ambientes. O mecanismo de transmissão e penetração no organismo se dá por meio das vias respiratórias. A Paracoccidioidomicose pode ocorrer de duas formas distintas, descritas como, paracoccidioidomicose‑infecção não seguida de doença caracterizada por manifestações compatíveis com os mecanismos de hipersensibilidade do tipo IV, presença de anticorpos transitórios e rápida regressão; ou paracoccidioidomicose‑doença, uma infecção primária ou reativação na qual as leveduras iniciam um processo inflamatório inespecífico e, quando fagocitadas, atingem os gânglios linfáticos e do pulmão, podendo se disseminar. O paciente pode apresentar diferentes quadros de sinais e sintomas, como lesões cutâneas granulosas, lesões ulcerativas e fibrose em língua, linfadenopatia, ulceração nasal e lesões ulcerovegetantes quando da forma crônica da doença. Figura 56 – Ilustração comparando os aspectos morfológicos de P. brasiliensis cultivado em caldo BHI a 37°C, note o aspecto de “roda de leme” A histoplasmose é a doença fúngica cujo agente etiológico é o Histoplasma capsulatum. O fungo tem como hábitat natural o solo fofo de cavernas, galinheiros e próximo ao tronco de árvores. Prefere os ambientes cujo pH tende a ser mais ácido e rico em material orgânico, como nas fezes de aves e morcegos. Preferencialmente, estabelece-se em ambientes de clima tropical e temperado. No Brasil, a região da Serra do Mar abriga o maior número de casos. 107 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA As manifestações primárias da infecção ocorrem nos pulmões, pela inalação de conídios, mesmo em indivíduos imunocompetentes, podendo disseminar-se por via hematogênica ou linfática. No desenvolvimento da infecção, conídios são fagocitados nos alvéolos pulmonares e entram em multiplicação causando o que chamamos de pneumonite focal. O fungo alcança os linfonodos alveolares, complexo pulmonar ganglionar primário, e a disseminação ocorre por via linfo-hematogênica. As manifestações clínicas variam desde formas assintomáticas a quadros de histoplasmose aguda, histoplasmose disseminada e histoplasmose pulmonar. Os quadros clínicos da forma disseminada são as lesões ulcerativas em dedos, língua e região perianal, assim como linfonodos fistulados com pus. Saiba mais A histoplasmose é micose sistêmica causada por Histoplasma capsulatum. A infecção humana ocorre pela inalação de microconídeos encontrados em solo contendo excretas de aves e/ou morcegos e representa um potencial de risco sobretudo aos profissionais cujas atividades profissionais são praticadas em cavernas ou demais locais que possibilitam sua transmissão. Leia: VICENTINI, A. Histoplasmose: um risco ocupacional entre pesquisadores que realizam trabalho de campo? Rev.Inst. Adolfo Lutz, v. 71, n. 4, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3ydQL3L. Acesso em: 1º jul. 2021. 5.2.4 Micoses oportunistas Entre as infecções oportunistas, destacamos as infecções causadas por leveduras, sendo que as principais leveduras patogênicas são aquelas pertencentes aos gêneros Candida e Cryptococcus. Dentro do gênero Candida, um número significativo de espécies patogênicas tem sido descrito, apesar de a grande maioria fazer parte da microbiota da mucosa e poder ser encontrada temporariamente na pele. Em contraste, as espécies de Cryptococcus spp. são leveduras ambientais, e a infecção ocorre por meio da inalação. O espectro da candidíase (infecção causada por leveduras do gênero Candida spp.) é amplo e varia de infecções superficiais (orofaríngea, vaginal e cutânea) a formas mais graves, como nos casos de candidíase sistêmica, também conhecidas como candidemia. A candidíase orofaríngea afeta o palato duro e mole, a faringe, a língua e a mucosa oral. Geralmente, é um dos primeiros sinais clínicos de infecção por HIV. A candidíase vulvovaginal é uma das doenças fúngicas mais comuns e estima-se que cerca de 75% das mulheres terão pelo menos um episódio durante a vida. 108 Unidade II O aumento na incidência de infecções por Candida sp. tem sido associado ao uso de antibióticos de amplo espectro e aumento de pacientes imunocomprometidos. As infecções mais disseminadas e invasivas (70% a 90%) são causadas por leveduras do gênero Candida sp., estabelecendo uma mortalidade associada de cerca de 40% a 50%, dependendo da população afetada e das espécies envolvidas. O complexo Candida albicans (Candida albicans, Candida dubliniensis e Candida africana) é sobre aspectos epidemiológicos mundiais o de maior importância clínica, por ser a mais frequentemente isolada nos casos de candidíase. As infecções tendem a ser, geralmente, superficiais, não letais, com exceção de pacientes imunocomprometidos, cuja disseminação está associada à alta taxa de mortalidade. Os fatores de risco mais importantes para candidíase disseminada são alterações na mucosa gastrointestinal, presença de catéteres venosos e o uso de antibióticos de amplo espectro. Nos últimos anos, as espécies não albicans de Candida aumentaram sua incidência significativamente e são responsáveis por aproximadamente 50% de todos os episódios de candidemia, tornando claramente importante um processo adequado de identificação para diagnóstico e tratamento correto. Entre essas espécies estão principalmente as do complexo Candida glabrata (Candida nivariensis e Candida bracarensis) e aquelas do complexo Candida parapsilosis (Candida parapsilosis, Candida orthopsilosis e Candida metapsilosis) e, em menor proporção, Candida tropicalis e Candida krusei. Embora a maioria dessas leveduras tendam a ser menos virulentas do que as do complexo Candida albicans, algumas são mais resistentes a um ou mais antifúngicos ou têm tendência a desenvolvê-la rapidamente. Outro grupo extremamente importante de leveduras são aquelas do gênero Cryptococcus sp., os quais são os agentes etiológicos da criptococose, uma infecção de distribuição mundial adquirida pela inalação de basidiósporos do fungo presentes no meio ambiente. As espécies mais frequentes são Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii, as quais diferem entre si sob aspectos epidemiológicos e quadro clínico característico. O hábitat natural do Cryptococcus neoformans é o solo ou matéria orgânica contaminada com fezes ou “guano” de ave, enquanto que o Cryptococcus gattii é encontrado associado a troncos de árvores de eucalipto. A infecção pelo Cryptococcus neoformans afeta especialmente indivíduos imunocomprometidos, e a infecção por Cryptococcus gattii é mais comum em indivíduos imunocompetentes. O principal quadro clínico associado aos fungos do gênero Cryptococcus sp. são as meningites, que precisam ser identificadas e tratadas rapidamente para uma melhor evolução clínica do quadro. Leveduras menos frequentes, como Rhodotorula spp., Pichia spp. e Saccharomyces cerevisiae, assim como fungos semelhantes a leveduras, como Geotrichum capitatum e Trichosporon spp., também têm impacto na saúde humana e, embora a percentagem de casos de infecção invasiva não seja muito elevada, são a segunda ou terceira causa de fungemia, depois daquela produzida por Candida spp., sobretudo em pacientes leucêmicos, nos quais a taxa de mortalidade varia entre 60% e 80%. 109 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA Entre os fungos filamentosos, aqueles dos gêneros Aspergillus, Fusarium, Scedosporium, Penicillium e alguns da ordem Mucorales (Rhizopus oryzae, Mucor circinelloides, Rhizomucor pusillus e Lichtheimia – anteriormente Absidia – corymbifera) são uma causa importante de infecções em humanos, principalmente do tipo invasivo, que embora sejam menos frequentes em relação aos produzidos devido à levedura, a mortalidade associada é geralmente maior. A aspergilose corresponde à infecção causada pelas espécies do gênero Aspergillus, e os quadros clínicos variam desde condições alérgicas, como aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA) ou aspergilomas (crescimento do fungo dentro de uma cavidade pré-existente), a formas mais graves, como infecção pulmonar ou aspergilose invasiva. O Aspergillus fumigatus é agente causal de aproximadamente 90% dos casos. Outras espécies, como Aspergillus terreus, Aspergillus flavus, Aspergillus nidulans, Aspergillus niger e Aspergillus lentulus, vêm mostrando um aumento de incidência em pacientes com fatores predisponentes. Infecções causadas por Fusarium spp. e Scedosporium spp. são menos frequentes que as causadas por Aspergillus spp., mas tendem a ser mais graves devido ao tipo de pacientes que afetam e a multirresistência aos antifúngicos disponíveis. Algumas espécies do gênero Fusarium sp. causam infecções leves, como onicomicose, que podem afetar qualquer indivíduo, ou complicações graves e disseminadas que ocorrem em pacientes com distúrbios hematológicos, recebendo terapia citotóxica para tratamento de câncer ou transplantados sob tratamento com corticosteroides. Algumas espécies da ordem Mucorales representam outro grupo de agentes de importância clínica devido à alta mortalidade a que eles estão associados, sobretudo em pacientes com fatores predisponentes, como leucemia, neutropenia e monocitopenia, em tratamento com altas doses de corticosteroides, e pacientes com hiperglicemia não controlada, diabetes, entre outros. Saiba mais A candidíase oral é uma das doenças oportunistas mais fortemente associadas à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Vários relatos epidemiológicos enfatizam a prevalência da candidíase em pacientes HIV positivos e ressaltam a sua importância como marcador da progressão da doença e preditivo para o aumento da imunodepressão. Para saber mais sobre a candidíase como prognóstico na infecção pelo HIV, leia: CAVASSANI, V. Candidíase oral como marcador de prognóstico em pacientes portadores do HIV. Rev. Bras. Otorrinolaringol., v. 68, n. 5, out. 2002. Disponível em: https://bit.ly/3ha9Lus. Acesso em: 1º jul. 2021. 110 Unidade II 5.3 Aspectos gerais do diagnóstico micológico De modo geral, o diagnóstico em micologia é direcionado de forma específica e a depender do agente etiológico veiculado ao processo de infecção. Para infecções provocadas por fungos leveduriformes, filamentosos e ou dimórficos, existem métodos específicos que serão abordados posteriormente, mas, de uma forma geral, o diagnóstico dos diferentes tipos de micose ocorre por meio das metodologias listadas a seguir e resumidamente comentadas: • exame direto; • cultura e isolamento; • biópsia – histopatologia; • provas imunológicas; • exame radiológico; • inoculação animal. Exame direto Para realização de exame direto, pode ser feito por meio de qualquer espécie de material biológico suspeito, como exsudatos diversos, escarros, urina, fezes, sangue, liquor, medula óssea,fragmentados de tecidos. A potassa é usada em percentagens diversas de acordo com o material a ser examinado, podendo variar de 20% a 40%, dependendo também da “dureza” do material clínico. O exame pode ser a fresco, sem fixação, entre lâmina e lamínula, ou fixado e corado por método, como Gram, Ziehl, Giemsa e tinta da China, por exemplo no caso de unha em que podem, também, ser adicionados corantes, como tintas Parker em partes iguais, o que serve para evidenciar melhor hifas e conídios dos dermatófitos. A coloração pelo método de Giemsa consiste resumidamente nas etapas descritas a seguir: I – Fixar o material com álcool metílico. II – Cobrir o esfregaço com o corante de Giemsa (preparar na hora uma mistura com 1 ou 2 gotas da solução estoque do Giemsa para uma gota de água destilada) 20 a 30 minutos. III – Secar ao ar ou sob o calor da estufa e examinar diretamente sob lente de imersão homogênea e montar previamente em bálsamo do Canadá. 111 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA Figura 57 – Levedura em Brotamento indicada pela seta corada por Giemsa Disponível em: https://bit.ly/3ht7cSW. Acesso em: 1º jul. 2021. Adaptada. A seguir, são evidenciados preparados examinados sem coloração, que acabam por se destacar contra o fundo preto dado pela tinta nanquim. É possível, por técnica microscópica, visualizar detalhes da estrutura interna dos fungos. Em vários fungos, pode-se observar a penetração das partículas de carbono coloidal na cápsula. Lembrete O exame direto pode ser feito a partir de uma infinidade de materiais, como unha, fio de cabelo, barba, escamas de pele etc. Lembre-se de que cada material deve ser colhido de maneira apropriada para uma análise correta. Figura 58 – Leveduras em destaque pela coloração de fundo da tinta nanquim (tinta da China). Note, na seta, halo de carbono coloidal Disponível em: https://bit.ly/3ydTQAR. Acesso em: 1º jul. 2021. Adaptada. 112 Unidade II Cultura e isolamento do material biológico Muitos meios de cultura são utilizados em micologia, a depender do material biológico colhido. Entre os mais utilizados, destaca-se o ágar Sabouraud. Esse meio serve, praticamente, para o isolamento de todos os fungos. Comercialmente também existem inúmeros meios (Difco – BBL – Oxoid – Merck), a maioria contendo antibióticos em sua formulação, a fim de evitar contaminação por agentes bacterianos, tornando-os mais seletivos, como Mycobiotic (Difco) e Mycosel (Baltimore Biological Co.). Os meios de ágar sangue e de ágar chocolate, muito utilizados em bacteriologia clínica, também podem vir a ser utilizados quando pretendemos estimular o crescimento de fungos leveduriformes patogênicos a 37 ºC. Uma estratégia bastante utilizada é a de se acrescentar, ao meio de ágar Sabouraud, sangue de carneiro, tornando-o ainda mais rico e complexo, podendo torná-lo também seletivo, à medida que pode ser adicionado agente antibacteriano. Outro meio bastante utilizado em seu estado líquido e que contribui de maneira especial ao processo de proliferação e enriquecimento do espécime clínico é o caldo de infusão de coração e cérebro, conhecido com ágar BHI (brain-heart-infusion). O ágar batata dextrose é um meio tradicionalmente utilizado para o isolamento de fungos e leveduras. O pH desse meio o torna seletivo para impedir o crescimento da maioria dos microrganismos de flora acompanhante e permitem o crescimento do fungo pesquisado. Biópsia e histopatologia Para o estudo histopatológico de fungos, sobretudo responsáveis por micoses subcutâneas, são utilizadas diversas técnicas e métodos de coloração, entre as quais destacam-se o PAS (ácido periódico de Schiff). Figura 59 – Levedura em brotamento indicada pela seta corada por PAS Disponível em: https://bit.ly/3w7JyRj. Acesso em: 1º jul. 2021. Adaptada. 113 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA A reação histoquímica do ácido periódico e reativo de Schiff para grupos açúcar demonstra o corpo celular do fungo em cor magenta forte e a cápsula polissacarídica em róseo. Realça os parasitas contra o tecido de fundo. Células em reprodução, como na imagem anterior, também são evidenciadas com facilidade. A contracoloração com hematoxilina e eosina (HE) permite situar os fungos em relação às células e tecidos. É útil, por exemplo, para destacar os parasitas contra o tecido necrótico, em que não se visualizam núcleos. Na figura a seguir, identificamos o Paracoccidioides brasiliensis em sua típica formação de roda de leme corado pela técnica de HE. Figura 60 – P. brasiliensis em roda de leme, corado por HE Disponível em: https://bit.ly/3htt00M. Acesso em: 1º jul. 2021. O método de Gram é aplicado aos cortes histopatológicos para o estudo das doenças produzidas pelos Actinomicetos. Os Actinomicetos e as bactérias Gram-positivas coram-se em azul, e as bactérias Gram-negativas, em vermelho. Figura 61 – Actinomicetos corados pela técnica de Gram. Fungos filamentosos (cordões típicos de Actinomyces sp.). Adaptada de: Zhaklina (2010). 114 Unidade II Lembrete O método de coloração não é o preconizado para diagnóstico de infecções fúngicas, mas pode ser uma alternativa fácil, barata e eficaz de promover a visualização das principais estruturas fúngicas, auxiliando no diagnóstico. Provas imunológicas no diagnóstico das infecções fúngicas As provas imunológicas, em micologia médica, apresentam um valor diagnóstico apenas relativo, não dispensados os métodos clássicos que visam o achado do parasito, seja pelo exame direto, bem como pela análise histopatológica, seja pelo seu isolamento em cultura. Entretanto, com os progressos recentes nesse setor, esse valor relativo pode, em certos casos, subir tanto a ponto de quase equivaler ao achado do parasito. Em pelo menos duas eventualidades clínicas, isso ocorre. Referimo-nos aos casos de aspergilose pulmonar ou cerebral por Aspergillus fumigatus, diagnosticados pelas provas sorológicas de precipitação. Em micologia médica, além de serem métodos auxiliares de diagnósticos das micoses, as técnicas imunológicas têm, ainda, as seguintes aplicações: inquéritos epidemiológicos, prognóstico, controle de eficiência terapêutica, descoberta de animais reservatórios de parasitos, classificação de espécies baseada na constituição antigênica de parede celular. O diagnóstico micológico baseia-se em dois grandes grupos de provas: Provas intradérmicas de sensibilidade cutânea frente a antígenos fúngicos: tricofitina, candidina, paracoccidioidina, esporotriquina, histoplasmina, coccidioidina e outros. Dois tipos de reações são esperados quando de uma reação intradérmica a antígenos fúngicos, e tais reações podem ser denominadas de imediata urticariforme e retardada. • Reação imediata urticariforme, manifestação notada logo após a inoculação subcutânea do antígeno teste com manifestação de pápula dérmica com “pseudópodes” e halo eritematoso. Desaparece em algumas horas: é própria dos fungos puramente alérgenos do ar, como Cladosporium sp. (Hormodendrum), Aspergillus sp., Penicillium sp., leveduras, Pullularia sp., Alternaria sp., Helminthosporium sp., Fusarium sp. e muitos outros • Reação retardada, semelhante à da prova pela tuberculina, em que se nota o aparecimento de pápula dérmica entre 48 e 72 horas após a inoculação. Tal pápula normalmente é acompanhada de um halo eritematoso, o qual tende a perdurar por período que varia de uma semana ou mais. Reações falso-negativas podem ocorrer caso o paciente queira, a fim de minimizar o desconforto gerado pelo estímulo antigênico, utilizar corticosteroides e anti-histamínicos, os quais podem impedir a positividade das reações. 115 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA Um outro cuidado importante, a fim de se evitarem respostas hiper-responsivas, é o emprego do antígeno diluído suficientemente, para pesquisar a sensibilidade do paciente. Por exemplo, começar com uma diluição de 1/1.000, passando depois para 1/500 e 1/100. Provas sorológicas de aglutinação, precipitação,fixação do complemento e imunofluorescência. Tais técnicas serão discutidas adiante. 6 TÉCNICAS E PROTOCOLOS PARA ISOLAMENTO E IDENTIFICAÇÃO DE FUNGOS LEVEDURIFORMES E FILAMENTOSOS 6.1 Identificação de fungos leveduriformes Prova do tubo germinativo A prova do tubo germinativo é um teste para caracterização e confirmação de leveduras do gênero Candida spp., sobretudo da espécie C. albicans. A técnica baseia-se, fundamentalmente, na semeadura de um pequeno inóculo dessa levedura em soro, preferencialmente humano, de coelho ou de cavalo. Com uma alça de platina calibrada para um volume de 0,001 ml, retirar uma pequena porção de uma colônia de levedura suspeita e homogeneizá-la de forma asséptica em 0,5 ml de soro. Incubar a 37 °C por 2 horas em banho-maria, ou por ao menos 3 horas em estufa bacteriológica. Após esse período, deve-se remover uma gota da suspensão e preparar uma lâmina recoberta com lamínula para observação em microscópio óptico comum. O tubo germinativo, quando o teste for positivo, aparecerá como filamento fino e cilíndrico, originado do blastoconídio da levedura, no qual não se observa nenhuma zona de constrição, quer na base ou ao longo de sua extensão. Figura 62 – Levedura apresentando tubo germinativo indicando a presença de Candida albicans Observação Para a realização da técnica do tubo germinativo, o material utilizado, no caso, soro humano ou de animais, não pode conter resquícios de antimicrobianos, a fim de evitar a geração de resultados falso-negativos. 116 Unidade II Microcultivo de leveduras Algumas leveduras, quando incubadas em meio com Tween-80, um detergente, apresentam a capacidade de filamentar, formando pseudo-hifas e/ou hifas verdadeiras, e é com base nesse princípio que essa técnica se fundamenta. A identificação do fungo ocorre pelas características morfológicas apresentadas pelas estruturas filamentosas, formadas, assim, pode-se sugerir a espécie de levedura implicada na identificação. Para a realização da técnica, deve-se preparar um meio denominado de ágar fubá e espalhar por sobre uma lâmina de vidro cerca de 3 ml do meio de ágar ainda quente com uma pipeta estéril. Esperar resfriar e solidificar e, com uma alça de platina, selecionar de duas a três colônias da levedura isolada e semear em estria no ágar fubá, conforme esquema a seguir. Após o procedimento, cobrir o material com lamínula estéril, aguardar de 2 a 3 dias, mantendo o material a temperatura de 25 °C e observar em microscopia a formação de estruturas filamentosas como pseudo-hifas ou hifas verdadeiras. Assimilação de fontes de carboidratos e nitrogênio (auxanograma) Essa técnica baseia-se na capacidade que as leveduras apresentam de usar o carboidrato como fonte de carbono. Para a realização dessa técnica, utiliza-se de um meio básico desprovido de qualquer fonte de carbono – sem o qual ela não consegue sobreviver –, no qual a levedura será semeada, pretendendo avaliar a partir de qual carboidrato ela conseguirá obter sua fonte de carbono. Após a semeadura, adicionam-se ao cultivo diferentes carboidratos e observa-se a capacidade de utilização deles como fonte de energia. Quando o carboidrato é assimilado pela levedura, observa-se crescimento dela ao redor da fonte de carbono, formando um halo ou zona. Para a realização da técnica, utiliza-se de meio básico específico conhecido pelo nome de o yeast nitrogen base, de acordo com as normas preconizadas pelo fabricante. Simultaneamente, prepara-se uma suspensão de leveduras com turvação 5 da escala de McFarland. Utiliza-se uma alíquota de 1 ml da suspensão de leveduras, depositando-a em uma placa de petri estéril, sobre a qual irá se inverter cerca de 20 ml de meio, ao que consideramos uma semeadura em profundidade ou pour-plate. Aguarda-se a solidificação do meio e adicionam-se pequenas quantidades de açúcares em posições previamente demarcadas (preparar um gabarito para facilitar a colocação dos açucares), incubar as placas a 30 °C por 24-48 horas. Observar a formação de halos, identificados como regiões opalescentes ao redor dos açúcares. SAC LAC GLI MAN Figura 63 – Imagem esquemática de auxanograma 117 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA Prova de fermentação de açucares (zimograma) Para o zimograma, diversas fontes de carboidratos são colocadas em tubos respectivos, contendo meio básico líquido. A levedura é semeada em cada tubo e, após período de até 15 dias, a 25 °C, a fermentação é revelada por formação de bolhas de gás observadas dentro de tubos de Durhan, colocados previamente, durante a preparação do meio básico. Alteração da tonalidade do meio Tubo de Durhan Bolhas de gás Figura 64 – Ilustração representando a prova de Zimograma Prova da urease Prova que avalia a produção de enzima urease por algumas espécies de levedura. Nessa prova, a produção de enzima urease converte a ureia do meio de ágar ureia de Christensen em amônia, alcalinizando-o e alterando o seu pH. Pela presença do indicador vermelho de fenol, o meio altera sua cor de laranja para rosa, o que revela um teste positivo. Métodos comerciais para identificação de leveduras Em se tratando de espécies de Candida, o mercado já dispõe de kits manuais, como API 20C AUX (bioMérieux), ID 32C (bioMérieux), Candifast e metodologia semiautomatizada, como os cartões de identificação de fungos Vitek (bioMérieux). Observação A identificação de leveduras por meio dos métodos e técnicas propostos pode ser realizada a partir de diferentes amostras clínicas, desde material de lesão superficial, como onicomicoses, a material biológico, como sangue. Exemplo de aplicação Reflita sobre como o reconhecimento dos diferentes métodos e testes aplicados no diagnóstico de infecções fúngicas, sobretudo por leveduras, pode permitir ao profissional amplo domínio das técnicas e capacidade de adaptação dos testes e métodos às possibilidades do atendimento em sua unidade de diagnóstico. 118 Unidade II Colônia de levedura suspeita Tubo germinativo Positivo Candida albicans Reação positiva Rhodotorula spp. Positiva Cryptococcus spp. Negativo Reação negativa Negativa Prova da tinta da China Auxanograma e zimograma Prova da urease Figura 65 – Fluxograma simplificado para identificação de fungos leveduriformes Quadro 11 – Identificação de levedura patogênicas Levedura UR Microcultivo Auxanograma Zimograma Hifa Sa Ma La Ce Tr Ra X In Gl Sa Ma La Ra Tr C. albicans (-) (+) (+) (+) (-) (-) (+) (+) (+) (-) (+) (-) (+) (-) (-) (V) C. tropicalis (-) (+) (+) (+) (-) (V) (+) (+) (+) (-) (+) (V) (+) (-) (-) (+) C. parapsilosis (-) (+) (+) (+) (-) (V) (+) (+) (+) (-) (+) (-) (+) (-) (-) (V) C. krusei (-) (+) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (+) (-) (-) (-) (-) (-) C. guilliermondii (-) (+) (+) (+) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (+) (+) (-) (-) (-) (V) C. glabrata (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (+) (-) (-) (-) (-) (+) C. neoformans (+) (-) (+) (+) (-) (+) (-) (-) (-) (+) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Geotrichum (-) (+) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (V) (-) (-) (-) (-) (-) Trichosporon (V) (+) (+) (+) (+) (-) (+) (-) (-) (V) (-) (-) (-) (-) (-) (-) Saccharomyces (-) (-) (+) (+) (-) (-) (-) (-) (-) (-) (+) (+) (-) (-) (+) (V) 6.2 Identificação de fungos filamentosos Técnica de esgarçamento A técnica é utilizada como primeira tentativa, considerada a mais rápida para identificação de fungos filamentosos. No entanto, durante o procedimento, pode-se quebrar as estruturas fúngicas, tornando o processo de identificação mais difícil, o que pode requerer técnicas auxiliares para diagnóstico, como a técnica de microcultivo em lâmina. 119 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA Para realizar o procedimento, deve-se utilizar da alça de platina em L, remover um pedaço da colônia de bolor a ser investigada e transferir para uma lâmina e vidro. Adicionar de uma a duas gotas de corante azul de algodão lactofenol, cobrir com lamínula e fazer a observação em microscópio óptico comum em objetiva de 40 vezes.Técnica do microcultivo em lâmina A vantagem da técnica é que as estruturas fúngicas permanecem íntegras além da formação de macro e microconídeos pelo uso de ágar batata. Para tal, deve-se preparar um kit estéril contendo uma placa de Petri com duas lâminas no interior. Após o preparo do ágar batata, seguindo as instruções do fabricante, deve-se cortar, com auxílio de lâmina de bisturi estéril, um quadro pequeno, o qual será colocado por sobre a placa em que será realizado o microcultivo. Com a alça em L, deve-se retirar uma parte do fungo crescido em colônia e aplicar nos quatro lados do quadrado de ágar batata. Na sequência, deve-se cobrir esse quadrado com lamínula estéril e adicionar um chumaço de algodão ou papel de filtro embebido em água destilada estéril para criar o que denominamos de câmara úmida. Manter o sistema a temperatura ambiente por período variando entre 10-15 dias. Transcorrido o tempo, retirar a lamínula com pinça estéril e fixar o fungo na lamínula, colocando uma a duas gotas de álcool e esperar secar. Montar essa lamínula em lâmina limpa, com uma gota de lactofenol azul algodão. A lamínula pode ser vedada com esmalte de unha ou Entellan, para melhor conservação da amostra e análises futuras. Colônias do fungo: 4 extremidades do ágar ágar batata Lamínula Lâmina Placa de Petri Figura 66 – Imagem representativa da montagem e execução da técnica de microcultivo 6.3 Métodos moleculares e alternativos para identificação de fungos patogênicos Entre as várias técnicas moleculares utilizadas na identificação de fungos, são descritas de forma mais usual: polimorfismo de comprimento de fragmento de DNA (RFLP), eletroforese enzimática multilocus (MLEE), hibridização com sondas marcadas (Southern blot) e a reação em cadeia da polimerase (PCR) e suas modificações, para a amplificação de diferentes fragmentos de DNA específicos. 120 Unidade II A técnica de Maldi-TOF (matrix-assisted laser desorption), muito utilizada no diagnóstico de infecções bacterianas, como já citado anteriormente, vem sendo cada vez mais utilizada na identificação de fungos a partir de isolados clínicos e de culturas . Faremos uma breve referência às técnicas moleculares a seguir, mais usadas no diagnóstico micológico, como aquelas baseados no formato de PCR e a tecnologia Maldi-TOF. A aplicação dessas técnicas a patologias causadas por fungos ainda está em um estágio inicial, devido a algumas peculiaridades nesse campo, em especial, no caso de dermatomicoses. Apesar de estar entre os organismos com maior frequência registrada na biomedicina, ainda não foi estabelecida uma taxonomia que permita identificar e nomear as aproximadamente 25 espécies patogênicas envolvidas. Por fim, e não menos importante, a utilização de meios cromogênicos para as principais espécies de Candida, sobretudo albicans, também vem trazendo grande contribuição. Quindos et al., desde 1997, em seu estudo, avaliaram a capacidade de bichro-látex albicans para identificar Candida albicans em isolados clínicos, e os resultados apontaram para uma sensibilidade de 99,74% e uma especificidade de 99,87%, difundindo, portanto, o conhecimento e provando a eficácia do método nos ensaios e estudos clínicos. Observação O conhecimento microscópico das principais estruturas, sobretudo de conídios e hifas, relacionadas a fungos filamentosos é um diferencial importante ao profissional na área de microbiologia, em especial micologia, visto que o diagnóstico microscópico desses agentes é o principal método empregado. Resumo Viu-se a importância dos fungos, sobretudo no que tange à saúde humana. Conseguimos compreender que tais agentes são responsáveis por doenças importantes, conhecidas como micoses, e que elas podem ser classificadas de acordo com o sítio de infecção e gravidade da lesão em micoses superficiais, cutâneas, subcutâneas, sistêmicas e oportunistas. Também aprendeu-se a reconhecer os principais métodos diagnósticos aplicados na avaliação de infecções por fungos leveduriformes e/ou filamentosos de importância clínica. Soubemos de métodos moleculares alternativos, sobretudo de biologia molecular, os quais estão sendo empregados no diagnóstico de infecções fúngicas. 121 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA Exercícios Questão 1. Leia o texto a seguir. “A própolis foi descrita por sua capacidade inibitória da multiplicação de bactérias Gram-positivas, não possuindo potencialmente a mesma intensidade nas bactérias Gram-negativas, provavelmente devido à complexidade química de sua parede celular.” BARREIRAS, D. G. et al. Eficácia da ação antimicrobiana do extrato de própolis de abelha jataí (Tetragonisca angustula) em bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. Caderno de Ciências Agrárias, 12, 1-5. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3ybn1Va. Acesso em: 19 jun. 2021. Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas e a relação proposta entre elas. I – Existem diversos métodos destinados ao diagnóstico de infecções por fungos, sendo que a técnica de Gram não é uma delas. porque II – Essa é uma técnica que só funciona para infecções bacterianas, já que apenas elas têm a composição química (mureína ou ácidos graxos) da parede celular necessária para reagir aos corantes. Assinale a alternativa correta: A) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II justifica a I. B) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II não justifica a I. C) A afirmativa I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. D) A afirmativa I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. E) As afirmativas I e II são proposições falsas. Resposta correta: alternativa E. Análise das afirmativas I – Afirmativa falsa. Justificativa: de fato, existem diversos métodos que podem ser usados no diagnóstico de infecções fúngicas. Entre eles, podemos citar, por exemplo, o exame direto, a cultura e o isolamento, as provas 122 Unidade II imunológicas, o exame radiológico e a inoculação animal. Adicionalmente, outro método a ser mencionado é a histopatologia, em que pode ser aplicada a técnica de Gram em casos de infecções por fungos Actinomicetos, já que eles se coram da mesma maneira que as bactérias Gram-positivas. II – Afirmativa falsa. Justificativa: a informação de que esse tipo de coloração só funciona para bactérias é falsa, visto que o corante irá produzir o mesmo efeito nos microrganismos que têm a composição da parede celular semelhante. Nesse caso, os fungos Actinomicetos e as bactérias Gram-positivas (parede celular composta por mureína) coram-se em azul, e as bactérias Gram-negativas (parede celular composta por ácidos graxos), em vermelho. Questão 2. Leia os textos a seguir. Texto 1 “Procedimentos microbiológicos. As hemoculturas positivas foram detectadas pelo sistema automatizado Bact/Alert, Organon Teknica, USA e a identificação foi feita pelo sistema automatizado WalkAway até 2002 (posteriormente a esse ano, pelo bioMérieux Vitek, France), sendo realizados conjuntamente procedimentos clássicos como a auxanograma e o tubo germinativo.” FRANÇA, J. C. B.; RIBEIRO, C. E. L.; QUEIROZ-TELLES, F. D. Candidemia em um hospital terciário brasileiro: incidência, frequência das diferentes espécies, fatores de risco e suscetibilidade aos antifúngicos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 41(1), 23-28. 2008. Disponível em: https://bit.ly/3yse61Z. Acesso em: 20 jun. 2021. Texto 2 “Este estudo foi do tipo descritivo retrospectivo, baseado em resultados positivos de hemocultura de pacientes internados na UTI entre dezembro de 1998 e outubro de 2006. Foi critério de inclusão a cepa de Candida spp. estocada no Laboratório de Micologia do HU-UFMS. Os dados demográficos e clínicos foram consultados nos prontuários e, posteriormente, analisados no programa Epi info (CDC, versão 3.3.0.2), juntamente com os resultados laboratoriais. A coleta para hemocultura foi feita de sangue periférico.A detecção das leveduras foi feita pelo sistema BACTEC® (Becton Dickinson) e a identificação das espécies foi feita por meio de metodologia convencional: pesquisa do tubo germinativo, auxanograma e microcultivo.” XAVIER, P. C. N. et al. Candidemia neonatal, em hospital público do Mato Grosso do Sul. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 41(5), 459-463. 2008. Disponível em: https://bit.ly/3qDKPym. Acesso em: 21 jun. 2021. Texto 3 “Após a identificação do gênero, as leveduras foram identificadas bioquimicamente por auxanograma, zimograma, crescimento a 37 ºC e repicadas em ágar níger (guizotia abyssinica), e CGB. Foram isoladas 37 leveduras, das quais 22 são da espécie C. neoformans, 4 de C. gattii, 5 123 MICROBIOLOGIA E MICOLOGIA CLÍNICA de C. albidus, 3 de C. uniguttulatus e 3 da espécie C. laurentii. A determinação dos genótipos foi realizada utilizando-se a técnica de PCR-RFLP do gene URA5 e foram verificados os perfis moleculares VNI (53,8%), VNIII (11,5%), VNIV (19,2%), VGII (7,7%), VGIII (3,8%) e VGIV (3,8%).” SOUZA, J. A. M. D. O. Variabilidade genética de Cryptococcus ambientais na cidade do Salvador–BA. Dissertação de Mestrado. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3jyGYBf. Acesso em: 21 jun. 2021. Com as informações apresentadas, é possível compreender que a técnica do auxanograma é um procedimento frequente na identificação microbiológica. A respeito da técnica do auxanograma, avalie as alternativas e assinale a correta. A) Nessa técnica, utiliza-se uma lâmina de vidro com meio de ágar fubá, sobre o qual são semeadas duas ou três colônias da levedura em estria. B) Em tubos de ensaio, são colocadas diferentes fontes de carboidratos em meio de cultura básico líquido. A semeadura da levedura ocorre em cada um dos tubos, que são mantidos em condições controladas (até 15 dias a 25 °C). A fermentação pode ser identificada pela formação de bolhas. C) Nessa técnica, é avaliada a produção de urease pelas leveduras, o que acarreta a transformação da ureia que está no meio de cultura (ágar ureia de Christensen) em amônia. D) Nessa técnica, é realizada a semeadura da levedura em soro, preferencialmente humano, de coelho ou de cavalo. Feito isso, devemos fazer a incubação em banho-maria ou em estufa bacteriológica por algumas horas e, depois, realizar a observação em microscópio óptico comum. E) Trata-se de uma técnica que se baseia na capacidade de utilização de fontes de carbono pelas leveduras. Para isso, é utilizado um meio básico sem qualquer fonte de carbono. Após a semeadura da levedura, são adicionados diferentes carboidratos. Resposta correta: alternativa E. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: a descrição corresponde à técnica do microcultivo de leveduras, que pretende observar, em microscopia, a formação de estruturas filamentosas, como pseudo-hifas ou hifas verdadeiras. B) Alternativa incorreta. Justificativa: a descrição corresponde à técnica denominada prova de fermentação de açúcares, ou zimograma, realizada em tubos de ensaio com meio de cultura líquido, ao qual são misturadas fontes de diferentes carboidratos, que são fermentados pelas leveduras, o que leva à formação de bolhas. 124 Unidade II C) Alternativa incorreta. Justificativa: a própria descrição já é indicativa da técnica denominada prova da urease, pela qual uma alteração de pH no meio de cultura usado indica a degradação da ureia pela mudança de cor. D) Alternativa incorreta. Justificativa: a descrição refere-se à técnica da prova do tubo germinativo, na qual se espera observar o crescimento dos tubos germinativos das leveduras após mantê-las incubadas em condições controladas. E) Alternativa correta. Justificativa: de fato, essa é descrição associada ao auxanograma, ou assimilação de fontes de carboidratos e nitrogênio. Como o nome sugere, são usados meios de cultura sem nutrientes e, após a semeadura, são adicionados diferentes carboidratos. Pretende-se observar a capacidade de utilização desses carboidratos como fonte de carbono pelo crescimento das bactérias ao redor dessas fontes, o que leva à formação de um halo.