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Considerações sobre o tipo e seu uso em projetos de arquitetura Kláudia Perdigão PERDIGÃO, A. K. A. V. Considerações sobre o tipo e seu uso em projetos de arquitetura. Arquitextos (SP), v. 114, p. 257, 2009. Disponível em: HTTP://www.vitruivius.com.br/arquitexto/arq000/esp527.asp. Acesso em 11 de dezembro de 2024. Tipo como princípio gerador da intencionalidade do arquiteto. Se o tipo preexiste nas obras onde se manifesta, de onde surge? Como é possível atribuir-lhe um papel decisivo na concepção arquitetônica? A essência do espaço arquitetônico encontra-se na espacialidade inerente ao ser humano e a dimensão espacial fazendo parte da própria experiência do homem no mundo já que todas as ações humanas ocorrem no espaço (6). (MALARD, M. L. As aparências da arquitetura. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2006.) Espaço topológico: A literatura tradicional distingue o espaço como geometria tridimensional e o espaço como campo perceptual. O espaço geométrico tem sido a referência mais convencional no campo da arquitetura, historicamente encontra-se na gênese das formas euclidianas, na essência mecânica da percepção. O espaço topológico surge na arquitetura com vários conceitos que contribuem para uma compreensão da vivência do espaço e para uma realização eficaz do projeto, no sentido de fazer sobressair essa vivência (7). A topologia não trata de distâncias, ângulos e áreas permanentes, baseia-se em relações de proximidade, separação, sucessão, clausura (interior-exterior) e continuidade (8). Espaço Pulsional: No conjunto das representações espaciais envolvidas no processo de projeto, além do espaço geométrico e topológico incorpora-se também o espaço pulsional (9), apoiado no conceito de pulsão de Freud, como um fenômeno somático-energético. A pulsão é uma força poderosa, indeterminada, atemporal, arcaica e própria do ser vivo que se manifesta continuamente de forma fisiológica, vivida corporalmente, e de forma sensorial, afetiva e cognitiva, vivida psiquicamente. No modelo freudiano, os pensamentos e afetos seguem uma lógica própria, movimentando-se numa matriz de significações e alternando-se numa dinâmica entre consciente e inconsciente (10). Pensamento lógico e analógico Rossi cita a definição de Jung em sua correspondência com Freud para compreensão dos fundamentos da concepção da arquitetura analógica: “o pensamento ‘lógico’ é aquele que se expressa em palavras dirigidas ao mundo exterior na forma de discurso. O pensamento ‘analógico’ é percebido ainda que irreal (...) não é um discurso, mas uma meditação sobre temas do passado, um monólogo interior. O pensamento lógico é um ‘pensar em palavras’. O pensamento analógico é arcaiaco, inexplícito e praticamente inexprimível em palavras” (11). A abordagem do tipo no projeto de arquitetura fortalece a discussão sobre método de projeto, pela possibilidade de integração entre pensamento lógico e analógico. Tipo (me fez lembrar de ideias do mahfuz em: forma pertinente) Como instrumento cognitivo de caráter operativo ao processo projetual, o tipo é um princípio que desempenha o papel de organizador da concepção arquitetônica baseada em precedentes que se destacam na história da arquitetura pelos valores culturais agregados. Revigora uma atitude metodológica que tende à adoção de princípios lógicos, forças ordenadoras, expressando uma idéia de arquitetura geral e permanente, capaz de ser profundamente ativa nos processos cognitivos de projetistas (15) pela contribuição a novas associações de idéias pelo significado existencial. Como premissa humanista na concepção arquitetônica, o tipo é capaz de validar referências e significados no espaço arquitetônico com a integração do espaço da vivência e espaço geométrico através de analogias. O tipo atualiza o tempo no espaço com sutis semelhanças, oportunizando a ocorrência de variações sobre o princípio gerador e resultando em soluções peculiares à demanda espacial em questão agregando significado cultural e afetivo. Adotando a distinção entre tipo e modelo, conforme Quatremère de Quincy, Argan enfatiza que apenas o tipo deveria ser o ponto de partida do projeto (17). Quatremère estabeleceu uma diferença entre modelo que é uma coisa, e tipo, que é uma idéia que constitui a única base válida para imitação, cuja essência é um princípio elementar, uma espécie de núcleo, que se apresenta diferente em cada cultura (19). A imitação do tipo, diferentemente da cópia de um modelo, pode conduzir a inúmeras possibilidades de finalização, dependendo da intencionalidade do projetista e das contingências do contexto de projeto. O surgimento de um tipo é condicionado pela existência de uma série de edifícios que têm entre si uma evidente analogia formal e funcional. A produção tipológica expressa permanência de padrões espaciais consolidados na memória. Em outros termos, quando um tipo se fixa na prática e na teoria da arquitetura, ele já existe numa determinada condição histórica da cultura, como resposta a um conjunto de exigências ideológicas, religiosas ou práticas da sociedade. As correntes críticas mais inclinadas a admitir o valor e a função dos tipos na produção arquitetônica são aquelas que interpretam o espaço arquitetônico em relação ao caráter simbólico (24). A noção de tipo para Rossi não corresponde a um sistema de operação formal, o tipo é o registro de uma estrutura persistente, ponto de vista em sintonia com as idéias de Argan (27). Nesses termos, o tipo se trata de um arquétipo, de um princípio lógico e imutável (28). Para o Conjunto Habitacional Gallaratese (Figura 1), parte de um complexo habitacional projetado por Carlo Aymonimo, Rossi propõe uma organização espacial apoiada no conceito de ‘galeria’, restituindo o tradicional habitat rural da Lombardia (Figura 2). Utiliza o mecanismo tipológico para análise e desenvolvimento (Figura 3), referenciando-se no modelo de rua interior contemporâneo de Le Corbusier (30). Além da obra de Rossi, apresenta-se o uso do tipo nas obras dos arquitetos Álvaro Siza e Milton Monte, conforme seus respectivos contextos, referências culturais e demandas projetuais. As variações do tipo na casa-pátio do Projeto Habitacional da Malagueira (Évora) de Siza (Figuras 4 e 5) e as variações do tipo casa-pátio (varanda) nas obras de Monte (Figura 6) na Região Norte do Brasil, são alguns exemplos. Siza ganha destaque eminente na cultura arquitetônica européia com uma nova e estimulante combinação de fidelidade ao patrimônio local e à disciplina intelectual moderna. Iniciado em 1977, o Conjunto é gradualmente incrementado e avaliações gerais acompanham no projeto a complexidade do passado, medindo a eficácia dos novos métodos de intervenção e a durabilidade dos resultados no tempo (31). O projeto revela a relação entre a modernidade e a tradição, utilização de instrumentos conceituais e operativos desenvolvidos pela cultura moderna bem como soluções características dos modos de vida que sedimentadas ao longo do tempo constituem a cultura arquitetônica do lugar (32). A produção arquitetônica de Monte é interpretada pelas variações do tipo casa-pátio (varanda), com a proteção de grandes coberturas e adoção de avarandados com declaradas referências à morada espontânea amazônica, como uma espécie de espelho cultural da vida na floresta em associação com os barracões, residências (Figuras 7 e 8) e habitações indígenas. Assim sendo, a iniciativa de utilização do tipo no projeto de arquitetura por Rossi revigorou uma postura de continuidade crítica da tradição disciplinar, colocando o ‘lugar’ no centro do processo de projeto ao pretender que a arquitetura voltasse a se situar entre os bens culturais do homem pela criação de espaços significativos (33). Siza com o tipo casa-pátio na Malagueira dissemina a personalização habitacional em programas de baixa renda e adiciona demandas e parcelas espaciais no tempo. Monte através do tipo casa-pátio (varanda) elabora na prática arquitetônica as analogias feitas com os barracões dos Seringais, valorizando as manifestações culturais, a biodiversidade e as condições atmosféricas da Amazônia através da prática arquitetônica (34). A Dimensão Afetiva da Arquitetura (35) se expressa no espaço pulsional orientando a prática projetual por meio da equivalência com imagens mentais, objetos do desejo e histórias pessoais dos usuários, estimulando associações, correspondências e analogias nas decisões do projetista e integrando-se na prática arquitetônica aos espaços geométrico e topológico. As representações pulsionais demarcam um território de encontro entre arquitetos e habitantes na dimensão afetiva da arquitetura, compondo as operações cognitivas complexas inerentes ao ofício da arquitetura. O tipo em essência opera no espaço topológico nas relações evocadas entre elementos arquitetônicos e se combina a outros modos de representação espacial, ora com ênfase no espaço geométrico (ex. Siza) ora com ênfase no espaço pulsional (ex. Rossi e Monte), pela associação de experiências pessoais dos próprios arquitetos. tipo em essência opera no espaço topológico nas relações evocadas entre elementos arquitetônicos e se combina a outros modos de representação espacial, ora com ênfase no espaço geométrico (ex. Siza) ora com ênfase no espaço pulsional (ex. Rossi e Monte), pela associação de experiências pessoais dos próprios arquitetos. Como ponto de partida intencional rumo a uma prática arquitetônica mais comprometida com a totalidade de representações espaciais, o uso do tipo estabelece decisões espaciais resultantes de dois saberes, ‘saber formal da arquitetura’ e ‘saber culturalmente acumulado pela sociedade’. Portanto, reforça a compreensão sobre a presença da representação pulsional na constituição do espaço arquitetônico, visto que ainda é pouco explorada teoricamente no campo da arquitetura.