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O TEXTO E O SEU POTENCIAL COMUNICATIVO1 (...) presa na fortaleza de nossa competência,a palavra dos livros cede espaço à nossa palavra." (Daniel Pennac) Maria Angélica Freire de CARVALHO2 UFPI O texto realiza o seu potencial comunicativo no momento em que entra em contato com o leitor. Ele só se completa quando o seu sentido é construído por quem o lê. Há, na verdade, uma interação dinâmica entre texto e leitor, o que significa dizer que o texto indica os sentidos que se podem produzir e, do mesmo modo, estimula atos de apreensão que originam a sua compreensão. A materialidade do texto - os signos lingüísticos e a estrutura textual - ganha finalidade em razão de sua capacidade de estimular atos comunicativos. A partir deles, o texto se traduz para a consciência do leitor, o que torna evidente o fato de que a comunicação estabelecida entre o texto e o leitor se processa em via de mão dupla. Nesta via se assentam responsabilidades diferenciadas para o autor do texto que através das pistas textuais encaminha a sua mensagem, e para o leitor que objetiva mapear nesse texto as informações textuais coerentemente. Assim, compete ao autor delinear claramente o seu texto, para que o leitor possa mapeá-lo e atribuir-lhe um sentido. O autor não tem como ter controle total da comunicação permitida pelo seu texto, e é esta falta de controle que origina a criatividade da recepção. Nas palavras de Sartre: Na produção de uma obra, o ato criativo é apenas um momento incompleto e abstrato; se existisse só o autor, ele poderia escrever tanto quanto quisesse — a obra nunca viria à luz como objeto e o autor pararia de escrever ou se desesperaria. Mas o processo de escrever, enquanto correlativo dialético, inclui o processo da leitura, e estes dois atos dependem um do outro e demandam duas pessoas diferentemente ativas. O 1 Texto produzido especialmente para o curso Recepção do texto literário: a leitura dos gramáticos. Elaborado a partir da dissertação, POR UMA AÇÃO SOCIAL DA LEITURA, apresentada pela professora no Mestrado em Educação - UERJ/ 1999. 2 Angélica Freire é doutoranda em Lingüística pela Unicamp. Para a íntegra do artigo/tese/monografia favor contactá-lo pelo e-mail angelica@discursividade.pro.br esforço unido de autor e leitor produz o objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito. A arte existe unicamente para o outro e através do outro (SARTRE, 1958:27). Isto leva a concluir que a leitura só se torna um prazer no momento em que a produtividade do leitor entra em jogo, isto é, quando os textos oferecem o poder de se exercerem as capacidades leitoras. Constata-se, portanto, que a estrutura e os atos de apreensão do texto por parte do leitor constituem os dois pólos da situação comunicativa que se cumpre à medida que o texto se faz presente no leitor como correlato da consciência. Embora a transferência de informações textuais para a consciência do leitor seja vista freqüentemente como algo produzido somente pelo texto, vê-se que se não houver a participação ativa do leitor esta transferência não se dará com êxito. Em suma, não restam dúvidas de que o texto inicia sua própria transferência, mas esta só será bem- sucedida se o texto conseguir ativar certas disposições da consciência do leitor- a capacidade de apreensão e de processamento de leitura. As argumentações apresentadas fundamentam a relação texto & leitor vista a partir de alguns pressupostos das teorias recepcionais de caráter interativo. Em que se pode afirmar que o texto diz algo que ele próprio não diz, e que este algo se elabora em conjunto com experiências próprias de cada sujeito. Assim, fica claro que a leitura de um texto está diretamente relacionada à sua recepção e, conseqüentemente, ao leitor. A recepção do texto reflete o universo do leitor, sua visão de mundo e a sua facilidade em articular seus conhecimentos anteriores aos adquiridos no momento da leitura. Deste modo, tem-se um entendimento sobre o processo de leitura a partir de uma teoria do efeito e de uma teoria da recepção, - elucidadas por Hans R. Jauss (1979) e Wolfgang Iser (1996). A partir delas, observa-se a função que um texto desempenha em diferentes contextos e a reação que este mesmo texto provoca no leitor, considerando muito menos a capacidade que o leitor tem de ver os silêncios do texto e muito mais a comunicação do leitor com o texto, a sua "bagagem": (...) o texto é um potencial de efeitos que se atualiza no processo da leitura.(idem) Esta potencialidade de efeitos pode ser observada - não só, mas principalmente - com a leitura de textos literários, em razão do rico poder simbólico inerente a este tipo de texto, e, ainda, por ser possível, a partir da sua tessitura, o preenchimento de vazios, por um leitor que se propõe a viver outras experiências com a leitura. Estas experiências leitoras facilitam o discernimento (JAUSS, 1979:43-62) enquanto ato da reflexão, em que a consciência se volta para a significação e para a constituição de sua experiência, constituindo a eloqüência. Portanto, o texto deve ser considerado como algo que se faz ouvir por quem o lê; estabelecendo, assim, a interação texto & leitor. Nessa interação, o próprio leitor é quem preenche as frestas ficcionais, instituindo-se entre ele e a ficção um jogo comunicativo, uma relação participativa. Um texto de caráter ficcional, que reorganiza e reapresenta o real, evidencia-se ao leitor a partir do sistema de referência por este leitor escolhido para apreensão, ou seja, o que neste texto constituiu para ele em relevante, a partir de informações já tidas e experiências vividas: (...) o texto só tem sentido graças a seus leitores; muda com eles; ordena-se conforme códigos de percepção que lhe escapam. Torna-se texto somente na relação à exterioridade do leitor, por um jogo de implicações e de astúcias entre duas espécies de "expectativas" combinadas: a que organiza um espaço legível (uma literalidade) e a que organiza uma démarche necessária para a efetuação da obra (uma leitura). (CERTEAU, 1994:66). Por esta razão, o texto traz em si um efeito potencial que aciona as capacidades de percepção e de imaginação do leitor. O que este leitor recebe como resposta - o efeito que apreende - não são propriedades suas nem do texto, mas de um vazio que se produz, num determinado tempo, durante o processo de leitura. Os textos possuem estruturas comunicativas que, assim como os atos de fala, têm uma dimensão pragmática que garante seu êxito comunicativo. O leitor em contato com o texto pode ou não dar conta das possibilidades comunicativas a ele inerentes, ou seja, ter êxito ou fracasso na sua leitura. Esses vazios, no discurso ficcional, significam, para Austin, que este tipo de discurso não pode referir-se a convenções e procedimentos aceitos; outrossim não existe para ele nenhuma situação contextual que permita estabilizar a significação do dito (ISER, 113). Para Iser, na relação dialógica entre texto e leitor, esse vazio atua como energia que provoca a produção de condições da comunicação; desse modo, constitui um padrão de situações através do qual o texto e o leitor alcançam uma convergência (idem, 124). É um vazio que sempre estará presente, é o espaço do leitor que a cada instante da vida será preenchido de uma forma; daí a impossibilidade de se "fechar" o sentido de um texto. O processo de leitura ocorre com êxito, conforme Iser, quando a redução de indeterminação em um texto ficcional se dá pela descoberta do código que engloba seus elementos e concretizao sentido do texto como referência. O potencial de efeitos do texto se atualiza durante o processo de leitura, e deve ser analisado na relação dialética entre texto e leitor, na medida em que sua interação cria um efeito, pelo fato de requerer deste sujeito atividades imaginativas e perceptivas com a finalidade de levá-lo a diferenciar suas próprias atitudes. Wolfgang Iser que desenvolveu a teoria apontada por Robert H. Jauss interessava-se pela teoria do efeito, isto é, aquela que vê o texto, ao ser absorvido pelo leitor, não o é mais enquanto texto, propriamente, mas enquanto seu efeito. Ele tinha o texto como uma potência de sentidos que se atualiza e se concretiza com o leitor. Entretanto, este texto possui estratégias textuais que encaminham o processo comunicativo estabelecido entre texto e leitor. As estratégias textuais são utilizadas de forma combinada e isto possibilita o rompimento das expectativas criadas em relação a um texto, ou até mesmo em relação às que durante a leitura já se estabilizaram, evidenciando a força ilocucionária do texto ficcional, ao mesmo tempo em que mostra a possibilidade de modificação da recepção do leitor. É esse poder comunicativo que ativa a atenção do leitor, orienta a sua forma de acesso ao texto e o conduz a agir. Esse caráter comunicativo, em certo aspecto auto- reflexivo, é que oferece condições de apreensão à re-apresentação do discurso ficcional. O texto exige um leitor para que possa se assegurar enquanto tal, pois, enquanto objeto dado, é mera virtualidade que se atualiza no sujeito-leitor. Este fato configura o texto como potencialidade comunicante enquanto objeto de leitura, apresentando-se como uma relação dialógica, sempre atualizada, porque o leitor insere no processo da leitura as informações sobre o efeito nele provocado, de tal forma que o processo se atualiza por meio dos significados que o próprio leitor produz e modifica. É uma atualização de natureza perspectivística, pois, como a totalidade do texto não pode ser realizada em um só momento, não se pode fechar o sentido do texto. Sendo a atualização da leitura de um texto de natureza perspectivística, é preciso ter um direcionamento destas perspectivas para que o leitor interaja com o texto. Isto é feito, também, através das chamadas estruturas de tema e horizonte, as quais possibilitam ao leitor entrelaçar suas perspectivas no texto, como uma espécie de regulador de leitura. Um leitor, em contato com o texto, prende-se, em dado instante, a um determinado fato, que se constituiu em comunicação no momento da leitura. E este fato converte-se em tema e, a partir dele lado, tudo o que se vê transforma-se em horizonte. Este horizonte não é arbitrário, pois a todo instante de leitura se aponta uma perspectiva. Deste modo, o que se constituiu em tema - os segmentos das frases anteriores do texto -- forma o horizonte desse mesmo texto. Com estas considerações se pode perceber que cada leitor vai ter uma espécie de comunicação solitária com o texto. Isto não significa que dele se possa dizer qualquer coisa, muito pelo contrário, pois o texto apresenta marcas que constituem o seu repertório, que, por sua vez, forma uma estrutura de organização de sentido otimizada na leitura; é um sentido que não se esgota, mas põe o leitor em determinada postura de reação frente à realidade: ...Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é um co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita (BOFF, 2000:9-10). Por esta razão, a leitura de um texto não pode estar presa a um leitor em exclusividade, já que se realiza em diferentes perspectivas, sendo diferente a cada nova leitura e a cada novo leitor. O recebimento de um texto por um indivíduo não provoca o mesmo efeito em um outro, embora até possam ocorrer semelhanças de reações. Então, considerando as reações diferenciadas dos leitores em relação aos objetos de leitura e a possibilidade de diálogo entre esses leitores, comprova-se a importância da leitura na formação do cidadão. Há um aprimoramento intelectual possibilitado pelo contato com a linguagem plurissignificativa do texto literário; assim como, da troca de experiências leitoras, isto não significa privilegiá-lo em relação a outras formas de linguagem, embora sua real contribuição para o exercício da autoria no processo de interação com o outro seja reconhecida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana, 36 ed., Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 2000 CERTEAU, Michel de. "Ler: uma operação de caça". In: --- A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer / Trad. Ephraim Ferreira Alves /. Petrópolis, Vozes, 1994. ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético, vol. 1, São Paulo, Ed. 34, 1996. JAUSS, Hans Robert. "A Estética da recepção: colocações gerais",p.43-62, In: --- et alii, A Literatura e o Leitor - textos de Estética da Recepção /. Seleção, tradução e introdução: Luiz Costa Lima / Paz e Terra, 1979. PENAC, Daniel. Como um romance. 3 ed. Rio de Janeiro, Rocco, 1997. SARTRE, Jean-Paul, Was ist Literatur? (rde 65), trad. alemã de Hans Georg Brenner, Hamburgo, 1958. SUGESTÕES DE LEITURA: ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético, vol. 2, São Paulo, Ed. 34, 1999. LIMA, Luiz Costa. A presença de Wolfgang Iser. In: Escrita: Revista dos alunos do Programa de Mestrado e Doutorado em Letras da PUC- Rio, Ano 1, nº 2, jul/dez,1996, Rio de Janeiro, PUC, Dept. de Letras --- et alii. A Literatura e o Leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. ---. "Wolfgang Iser no Brasil - entrevista exclusiva" In: Escrita: Revista dos alunos do Programa de Mestrado e Doutorado em Letras da PUC- Rio, Ano 1, nº 2. Rio de Janeiro, PUC, Dept. de Letras, jul/dez,1996. p157-177 ZILBERMAN, Regina. ---. Estética da recepção e história da Literatura. São Paulo, Ática, 1989.
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