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Esse artigo é parte integrante do livro da mesma autora. © direitos reservados. NEOCONSTITUCIONALISMO Introdução A palavra neoconstitucionalismo se refere a um conceito formulado, sobretudo na Espanha e na Itália cujo embasamento teórico se encontra em doutrinadores e juristas de mais variadas linhas teóricas: Ronald Dworkin, Robert Alexy, Peter Härbele, Gustavo Zagrebelsky, Luigi Ferrajoli e Carlos Santiago Nino1. A diversidade de autores, elementos e perspectivas é tanta que não há apenas um conceito de neoconstitucionalismo. Daí se poder falar, como o Emérito Professor da USP, em neoconstitucionalismos2. Com efeito, cada autor, que, assumidamente se rotula neoconstitucionalista, o faz sob uma perspectiva distinta. O neoconstitucionalismo, em apertada síntese didática, é, enfim, a denominação dada por alguns doutrinadores ao novo direito constitucional, a partir do final do século XX, fruto de mudanças paradigmáticas contidas em estudos doutrinários e jurisprudenciais que enxergam a Constituição como centro da hermenêutica jurídica. Marcos do neoconstitucionalismo Na visão do festejado Professor Luís Roberto Barroso, o neoconstitucionalismo pode ser identificado por seus três marcos: o histórico, o filosófico e o teórico3. Marco histórico: O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa continental, foi o constitucionalismo do pós-‐guerra, especialmente na Alemanha. No Brasil, foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. 1 SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e Possibilidades, em Leituras Complementares de Direito Constitucional. Organizador: NOVELINO, Marcelo. Bahia: 2009, Jus Podivm, p. 31. 2 ÁVILA, Humberto. Neoconstitucionalismo: Entre a Ciência do Direito e o Direito da Ciência. Revista Eletrônica de Direito do Estado, nº 17, janeiro/fevereiro/março de 2009, Salvador, Bahia, ISS 1981 -‐187x, acessada em 29 de outubro de 2009, às 17h40: http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-‐17-‐ JANEIRO-‐2009-‐HUMBERTO%20AVILA.pdf. 3 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). http://direitoesubjetividade.files.wordpress.com/2009/08/3-‐neoconstitucionalismo-‐e-‐ constitucionalizacao-‐do-‐direito-‐luis-‐roberto-‐barroso.pdf, acessado em 29/10/2009 as 18h28. Esse artigo é parte integrante do livro da mesma autora. © direitos reservados. Marco filosófico: o marco filosófico do neoconstitucionalismo é o pós-‐ positivismo, que busca ir além da legalidade estrita, empreendendo uma leitura moral do Direito. Marco teórico: O reconhecimento da força normativa da Constituição; da Expansão da jurisdição constitucional e a nova interpretação constitucional constituem, na visão de BARROSO, o marco teórico do constitucionalismo. Entretanto, notáveis doutrinadores e estudiosos sobre o assunto entendem que nenhum desses elementos permite definir de maneira satisfatória o neoconstitucionalismo4. Outros enxergam esse movimento como uma chuva ácida, que mais cedo ou mais tarde passará5. Principais elementos da doutrina neoconstitucionalista Sinteticamente, a doutrina neoconstitucionalista, em uma de suas vertentes, possui como principais elementos identificadores, os seguintes: Reconhecimento da força normativa da Constituição. Valorização dos princípios constitucionais (mais princípios que regras); Aplicação de nova interpretação constitucional (mais ponderação que subsunção); 4 Por todos, DIMITRIOUS DIMOULIUS. 5 “O neoconstitucionalismo, tal como exposto por autores da linhagem de um VITAL MOREIRA (conferência feita no ‘SEMINÁRIO INTERNACIONAL CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA, realizado em Belém do Pará, no período de 31 a 02 de novembro de 1998), é uma postura doutrinária que mais e mais empalidece as linhas que separam o Poder Constituinte do Poder Reformador, a ponto de admitir que este último reveja as próprias cláusulas de revisão do Magno Texto. Na base desse novo modo de pensar a Constituição, os neoconstitucionalistas põem o confronto entre o ‘princípio da constitucionalidade’ (ou princípio da racionalidade constitucional) e o ‘princípio da Democracia’, dizendo que o primeiro deve sucumbir ante o segundo; ou seja, o que mais conta é o respeito ao princípio majoritário das decisões parlamentares -‐ que está no cerne do princípio democrático –e, e não o modo pelo qual o originário legislador constituinte dispõe sobre o poder de reforma da Constituição. E os novos paradigmas argumentativos passam a ser as duras críticas ao ‘caráter voluntarista e construtivista e dirigente’ da Constituição rígida, que rompe totalmente com o passado jurídico, mas que enlaça demasiadamente a si toda a positividade futura. “Abaixo o excesso de rigidez’, ‘fora a hipertrofia da Constituição”, “basta de diretividade exacerbada”, são as candentes exortações desse movimento doutrinal de fim de século (século XX), de resto visceralmente comprometido com a ideologia neoliberal que varre o mundo após a queda do Muro de Berlim. Chuva ácida, ao nosso ver, que mais cedo ou mais tarde passará, sem embargo do intenso brilho com que os neoconstitucionalistas expõem as suas reconceituações sobre o Poder Constituinte e a Constituição”. (BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 7-‐8. Esse artigo é parte integrante do livro da mesma autora. © direitos reservados. Constitucionalização do Direito (efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico); Coexistência de pluralidade de valores Expansão dos poderes do judiciário para conformação dos princípios constitucionais (ativismo judicial; em lugar da autonomia do legislador); Judicialização de questões políticas e sociais Nova interpretação constitucional (técnica da ponderação ao invés da técnica da subsunção. Reaproximação entre direitoem moral, entre direito e ética. Até a segunda guerra prevalecia um pensamento positivista, no qual a lei era a principal fonte do Direito; o juiz era “a boca da lei6”, havia uma supremacia do legislador, pois os direitos existiam na medida em que contemplados na lei. Após a segunda guerra, há uma mudança de paradigma impulsionada por textos constitucionais carregados de normas programáticas, de elevada carga valorativa ou axiológica, com conceitos abertos indeterminados, surgindo, dessa realidade, um novo papel ao judiciário como interprete da Constituição que deve ser aplicada, eis que é dotada de força normativa, reduzindo, assim, o papel do legislador em prol do juiz. Nesse quadro, há uma releitura de princípios como o republicano, democrático, separação dos poderes. A Constituição passa a ser vista como norma dotada de supremacia, onde todas as demais leis devem buscar nela o seu fundamento. O novo direito constitucional ocasionou como vemos, no plano teórico, uma mudança para reconhecer a força normativa da Constituição, e uma constitucionalização do direito, eis que a Constituição, de elevada carga valorativa, passa a irradiar seus valores por todo ordenamento jurídico. A força normativa da Constituição permite que o judiciário ganhe um papel mais ativo, já que dessa idéia resulta, sobremaneira, a aplicabilidade direta da Constituição pelo juiz, que instado pela sociedade a se manifestar em diversas situações, imiscui-‐se em decisões políticas de resolver demandas sociais nas áreas de saúde, educação e outras políticas públicas não reguladas pelo legislador e não implementadas pelo executivo. 6 Expressão cunhada por Montesquieu. Esse artigo é parte integrante do livro da mesma autora. © direitos reservados. Essa visão pós-‐positivista do direito, identificada como marco filosófico do neoconstitucionalismo, traz uma aproximação do Direito e da Moral, visão totalmente incompatível com os positivistas e defensores da Teoria Pura do Direito. Todas essas mudanças ocasionadas por constituições principiológicas reclamam um novo paradigma interpretativo, sobre temas como separação dos poderes, dignidade da pessoa humana, princípio republicano, colisão de direitos fundamentais. Riscos da doutrina neoconstitucionalista Há quem, não obstante reconheça a magnitude da doutrina neoconstitucionalista, alerte para os possíveis riscos de sua adoção acrítica7. Daniel Sarmento levanta em profícuo libelo sobre esses riscos, alerta-‐nos para o perigo da doutrina neoconstitucionalista, nesse modelo, para a democracia em face da Judicialização excessiva da vida social; o perigo de uma jurisprudência calcada numa metodologia muito aberta, sobretudo no contexto de uma civilização que tem no “jeitinho” uma das suas marcas distintivas, e os problemas que podem advir de um possível excesso na constitucionalização do Direito para a autonomia pública do cidadão e para a autonomia privada do indivíduo. Esses alertas de Daniel Sarmento devem ser considerados, principalmente por conta do “jeitinho” por ele ventilado. A febre pelo estudo do Direito Constitucional tem levantado fileiras de neoconstitucionalistas que entram em conflito com suas teorias assistemáticas, a ponto de encontrarmos um mesmo autor defendendo em um libelo o papel do judiciário na conformação dos princípios constitucionais e em outro rechaçando-‐lhe essa competência sobre a acusação de ativismo judicial antidemocrático. QUESTÕES DE PROVA ACERCA DO TEMA 7 SARMENTO, DANIEL. Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e Possibilidades. Em: Leituras Complementares de Direito Constitucional. Teoria da Constituição. Organizador: Marcelo Novelino. Bahia: Jus Podivm, 2009, p. 31-‐68. Esse artigo é parte integrante do livro da mesma autora. © direitos reservados. 01. (CESPE 2009 – PGE/PE) Chega de ação. Queremos promessas. Assim protestava o grafite, ainda em tinta fresca, inscrito no muro de uma cidade, no coração do mundo ocidental. A espirituosa inversão da lógica natural dá conta de uma das marcas dessa geração: a velocidade da transformação, a profusão de ideias, a multiplicação das novidades. Vivemos a perplexidade e a angústia da aceleração da vida. Os tempos não andam propícios para doutrinas, mas para mensagens de consumo rápido. Para jingles, e não para sinfonias. O direito vive uma grave crise existencial. Não consegue entregar os dois produtos que fizeram sua reputação ao longo dos séculos. De fato, a injustiça passeia pelas ruas com passos firmes e a insegurança é a característica da nossa era. Na aflição dessa hora, imerso nos acontecimentos, não pode o intérprete beneficiar-‐se do distanciamento crítico em relação ao fenômeno que lhe cabe analisar. Ao contrário, precisa operar em meio à fumaça e à espuma. Talvez esta seja uma boa explicação para o recurso recorrente aos prefixos pós e neo: pós-‐modernidade, pós-‐positivismo, neoliberalismo, neoconstitucionalismo. Sabe-‐se que veio depois e que tem a pretensão de ser novo. Mas ainda não se sabe bem o que é. Tudo é ainda incerto. Pode ser avanço. Pode ser uma volta ao passado. Pode ser apenas um movimento circular, uma dessas guinadas de 360 graus. L. R. Barroso. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. In: Internet: <jus2.uol.com.br> (com adaptações). Tendo o texto acima como motivação, assinale a opção correta a respeito do constitucionalismo e do neoconstitucionalismo. A No neoconstitucionalismo, a Constituição évista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos poderes públicos, ressaltando que a concretização de suas propostas fica condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador. B O constitucionalismo pode ser definido como uma teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-‐social de uma comunidade. Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representa uma técnica de limitação do poder com fins garantísticos. C O neoconstitucionalismo não autoriza a participação ativa do magistrado na condução das políticas públicas, sob pena de violação do princípio da separação dos poderes. D O neoconstitucionalismo tem como marco filosófico o pós-‐positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais, no entanto, não permite uma aproximação entre direito e ética. E A democracia, como vontade da maioria, é essencial na moderna teoria constitucional, de forma que as decisões judiciais devem ter o respaldo da maioria da população, sem o qual não possuem legitimidade. Comentários à questão 01 A. alternativa incorreta. No neoconstitucionalismo, como vimos, por conta da linguagem aberta dos princípios constitucionais e da força normativa da constituição, a Constituição tem força normativa, o que permite uma maior atuação do judiciário em detrimento da discricionariedade legislativa. Logo, o item está incorreto. B. alternativa correta. O enunciado (comando) da questão determinava ao candidato que respondesse à luz da doutrina do constitucionalismo e do neoconstitucionalismo. O item “B” está correto, pois expressa a ideologia do constitucionalismo. Com efeito, o constitucionalismo, para a maioria da doutrina brasileira, é um movimento identificada a partir do surgimento das constituições escritas (EUA 1787 e França 1791) que tinham por paradigma a idéia de limitação do poder e formação de uma rede de proteção do indivíduo contra o arbítrio do Estado, mediante um rol de direitos e garantias fundamentais. C. alternativa incorreta. No neoconstitucionalismo, há uma maior participação do juiz na concretização dos princípios constitucionais, o que demanda uma releitura do princípio da separação dos poderes. Aliás, é expressão típica desse neoconstitucionalismo uma expansão da atividade judiciária em detrimento da atividade regulamentadora do legislador (ativismo judicial). Logo, o item está incorreto, pois no neoconstitucionalismo há a participação ativa do magistrado na Esse artigo é parte integrante do livro da mesma autora. © direitos reservados. condução das políticas públicas em face de princípios como o da força normativa e do da dignidade da pessoa humana. D. alternativa incorreta. No neoconstitucionalismo o direito e a ética estão intimamente relacionados. O item dizia que não. Logo, errado. E. alternativa incorreta. A idéia do neoconstitucionalismo está em contradição com o texto dessa alternativa “E”. Vejamos, a doutrina de Daniel Sarmento: “No neoconstitucionalismo, a leitura clássica do princípio da separação dos poderes, que impunha limites rígidos à atuação do Poder Judiciário, cede espaço a outras visões mais favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais. No lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático, são endossadas teorias de democracias mais substantivas8”. Logo, a alternativa correta, da primeira questão é a letra “B”. 02. (FCC 2007 – DEFENSORIA SP) O que assegura aos cidadãos o exercício dos seus direitos, a divisão dos poderes e, segundo um dos seus grandes teóricos, a limitação do governo pelo direito é A. o constitucionalismo. B. a separação de poderes. C. o princípio da legalidade. D. o federalismo. E. o Estado Democrático de Direito. Comentários à questão 02 A. alternativa correta. A limitação do poder pelo Direito, pela Constituição, a fixação de direitos de status negativo, como garantia contra ingerência abusiva do Estado e a separação dos poderes são características do movimento denominado de Constitucionalismo. Logo, o gabarito da questão nº 2 é a alternativa “A”. 03. (FCC 2009 – DEFENSORIA SP) “A Constituição tem compromisso com a efetivação de seu núcleo básico (direitos fundamentais), o que somente pode ser pensado a partir do desenvolvimento de programas estatais, de ações, que demandam 8 DANIEL SARMENTO, op. cit. p. 38. uma perspectiva não teórica, mas sim concreta e pragmática e que passe pelo compromisso do intérprete com as premissas do constitucionalismo contemporâneo.” Este enunciado diz respeito à (A) implementação de políticas públicas e ao neoconstitucionalismo. (B) desconstitucionalização dos direitos sociais e à interpretação aberta da sociedade de Häberle. (C) petrificação dos direitos sociais e à interpretação literalde Savigny. (D) ilegitimidade do controle jurisdicional e ao ativismo judicial em direitos sociais. (E) constituição reguladora de Juhmann e ao método hermenêutico clássico. Comentários à questão 03 A. alternativa correta. O enunciado da questão representa uma das idéias do neoconstitucionalismo, mediante a expansão da atividade jurisdicional de implementação de políticas públicas em prol da dignidade da pessoa humana, com fulcro nos direitos sociais assegurados na Constituição dotada de força normativa bastante para sua concretização judicial. B. alternativa incorreta. O enunciado da questão não se aproxima da idéia esposada no item ‘B’. Peter Häberle é o criador da Teoria da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição ou da Constituição como Processo Público. Para Häberle, a Constituição não é um texto normativo fechado, mas um texto fragmentário, indeterminado e carente de interpretação e a interpretação não deve se limitar aos interpretes formais (Judiciário) nem a modelos procedimentais formalizados, devendo a Constituição estar aberta à interpretação, também, dos demais setores sociais. C. alternativa incorreta. Savigny, adepto do historicismo, corrente filosófica ligada à hermenêutica jurídica, do final do século XVIII e início do século XIX, que repudiava o excesso legalista do positivismo jurídico e enxergava a ciência do Direito como uma ciência realizável histórica e filosoficamente, em que o Direito deveria ser interpretado à luz de sua raiz histórica e não prospectiva. Logo, a idéia de Savigny não se vincula ao Esse artigo é parte integrante do livro da mesma autora. © direitos reservados. constitucionalismo contemporâneo. Ademais, a interpretação literal é resultado interpretativo menor no neoconstitucionalismo e no atual desenvolvimento da hermenêutica jurídica. D. alternativa incorreta. A perspectiva dos direitos sociais ventilada no enunciado da questão é pró-‐ativa e demanda uma conformação judicial, contrariamente ao texto do item “D”. E. alternativa incorreta. A nova hermenêutica ou nova interpretação do direito constitucional é expressão atenta aos detalhes do enunciado, diferentemente dos métodos clássicos, que, embora utilizáveis, convivem com os métodos do novo direito constitucional. Logo, o gabarito da questão de nº 03 é a letra “A”.
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