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Técnicas argumentativas

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^ íngoVoese 
2. PM: Todo político c corrupto e clave ser condenado.9 
PM: Ora, João é político. 
Tese: Logo, João deve ser condenado. 
Observe-se que, quando a PM é de cunho ideológico (como, por 
exemplo, em outros enunciados, tais como Todo homem é infiel por natu-
reza, A mulher é inferior ao homem, O branco 6 superior ao negro etc), 
as dificuldades de sustentação da tese se localizam em fazer passar por 
veross ími l a P M , o que v em determmadas circunstâncias históricas e c u l -
funrrs, pode ser mais ou menos difícil. 
A escolha de uma presunção jurídica como PM também pode 
orientar a argumentação, como nos casos em que é importante reforçar a 
relação entre qualidade do ato é qualidade do caráter do autor, ou quando 
o argumentador que, atuando ria defesa, busca valer-se das vantagens da 
dúvida parabeneficiar o acusado. 
Na argumentação jur íd ica , realizam-se, pois, após a estruturação 
do silogismo - e que i n c l u i a escolha das referências - que servirá de* 
r**. ápoío , várias atividades (especialmente de parafrasageni e de definição) 
• ; nue podem $er mais insistentes e trabalhosas ora num, ora em outra parte 
4o rac ioc ín io , compreendendo ora a construção de uma versão verossímil , 
(para o que se recorre a provas, Indícios e técnicas argumentativas), ora a 
V> uti l ização de técnicas argumentativas apropriadas, além da alocação de 
estratégias cujos efeitos intetVirão no estabelecimento das melhores con-
d ições de sucesso. 
Enfim, resumindo: o silogismo orienta a estruturação lógica do 
raciocínio, fixando uma combinação de lugares e relações entre as partes 
de modo que haja coerência, cõegão e congruência, ou seja, o modelo 
lógico é orientação para a sustentação de uma jus t i f ica t iva , para o que é 
fundamental ter argumentos que produzam os efeitos desejados. 
Quando, porgm, as provas e os indícios que se referem ao fato 
em julgamento forem insuficientes para a construção da versão desejada, 
como se pode alocar os argumentos necessários à sustentação dt? jra lese'* 
O enunciado de cunho ideológico sempre revela uma generalização,,ft?2 -;u v : * q i b « A r 
uTodopolítico é corrupta' deveria — pnntnttò sef ídèoíógíco - tomar r '-: tf>..^ 
político que é corrupto". 
TÉCNICAS A R G U M E N T A T I V A S 
Entende-se por técnica argumentativa a produção de argumen¬
tos que tomam como orientação não o que é pertinente ao fato em avalia¬
ção, mas, relações lóg icas , circunstâncias e situações de outras esferas das 
atividades humanas e que, por pressuposição, têm condições para exer¬
cer força de convencimento: é quase comp se as técnicas argumentativas 
representassem um recurso que empresta prestígio e valores duma deter¬
minada prática para transformá-los em argumentos - no caso do Di re i to -
ju r íd icos . 
Ass im, por exemplo, considera-se como verdadeiro, dentro da 
lógica, que, se a = b t então t ambém é verdade que b = a\ ou, então, se a 
= b e b = c, então, a = c. Os efeitos que produzem os dois tipos de rela¬
ções lógicas (reciprocidade e transitividaçle) serão aproveitados, devido 
ao prestígio que tem o saber lóg ico , pela argumentação jur ídica, especial-
mente no caso de fragilidade de provas e indícios: a.construção de uma 
versão que interesse à sustentação da tese requer a substituição das i n -
cógnitas a, b e c por valores que serão trabalhados como se pudessem 
estabelecer as mesmas relações lógicas. Mais : as inferências e as dedu¬
ções que resultam das propriedades que têm as relações lógicas serão uti¬
lizadas e aplicadas-aos valores sociais c aceitas como argumentos'impor-
tantes no julgamento jur ídico. 
Outras técnicas para produzir argumentos, e que podem servir 
de exemplo ilustrativo para explicar o processo, são as que buscam apoio, 
quer seja no pressuposto de que o ponto de vista da pessoa de prestígio 
social é importante, quer seja na concepção de que a compàYação de fatos 
pode ajudar a interpretar e julgá-los melhor, quer seja, ainda, na definição 
52 Ingo Voese 
da importância da história, da educação e das e m o ç õ e s na conduta dos 
ind iv íduos etc. 
As técnicas podem, pois, ser consideradas recursos que se j u s t i -
f i c am a partir de pressuposições que devem ter aceitação acadêmica e/ou 
social , o que, no D i r e i t o , se toma por demais importante e sublinha o cui¬
dado que o argumentador deve ter na escolha dá técnica e das estratégias 
interativas que visam a estabelecer um acordo acerca das pressuposições 
subentendidas nos argumentos produzidos e ut i l izados . 
Em outras palavras, a construção da versão de um fato jurídico 
pode, quando apoiada em provas e indícios frágeis, valer-se de técnicas 
argumentativas, o que, na verdade, não envolve, num pr imeiro plano, o 
que está sendo ju lgado e permite dizer que provas e indícios são argu¬
mentos produzidos através da pesquisa e da interpretação do fato, ao 
contrário dos argumentos que são resultado das técnicas argumentativas e 
que apenas são aceitos como tais devido à pressuposição de que os "em-
p r é s t i m o s " são possíveis e úteis. 
A argumentação jurídica, embora d i f i r a dos conteúdos dos racio¬
cínios formais, busca pois, aproximar-se ou orientar-se por eles porque se 
pressupõe que a coerência, a coesão e a Acongruência possam c o n t r i b u i r 
com o poder de convencimento, de forma que, por. exemplo, na argu-
mcotaçSO jurídica, *Qucm crítica i{m argumento tenderá a pretender que 
o que tem à sua frente depende da lógica; a acusação de cometer uma 
falta de lógica é, em geral, por sua vez, uma argumentação quase-lógica. 
A pessoa se prevalece, com essa acusação, do prestígio do raciocínio 
rigoroso". (PERELMAN, 1996 a, p. 220) 
No presente trabalho, a distinção entre argumentos lógicos e 
quase- Iógicos que faz Perelman nãô receberá, p o r é m , considerações mais 
demoradas, porquanto se entende cjUe, na prática jurídica, especialmente 
quando se trata de valores, isso se toma bastante complexo, precisamente 
porque a argumentação jurídica, onde o objetivo não é nem demonstrar, 
nem descobrir verdades ou testar hipóteses, mas j u s t i f i c a r teses, pode 
ser caracterizada, em grandes traços» sempre como quase-lógica. 
O que importa, todavia, é observar que um raciocínio jur ídico, 
para poder usufruir do prestígio do. rigor lóg ico , precisa adotar procedi¬
mentos que deverão dar consistência e c red ib i l idade à prática, e Que po¬
dem ser de diferentes níveis: 
1. realizar interpretações que sejam aceitáveis e defensáveis, o 
que exige do argumentador um sistema de referência competente e 
abrangente; 
|J Argumentação Jurídica 53 
2. procurar controlar a heterogeneidade lingüística, o que exige, 
por sua vez, habilidades do argumentador para definições c delimitações 
dos sentidos das palavras; 
3. adotar um modelo lógico como orientação. 
O estudo, pois, de diferentes técnicas argumentativas que po¬
dem ser úteis à prática jur íd ica enfatizará sempre os aspectos relaciona¬
dos à atividade lingüística e à orientação lógica, e destaca os seguintes: 
4.1 O A R G U M E N T O D A C O E R Ê N C I A 
Esse pr imeiro tipo de técnica vale-se do prestígio cio rigor lógi¬
co e requer, por isso, uma atividade intensa com e sobre a linguagem -
mais precisamente, de controle e de delimitação dos sentidos - para, as¬
sim, ut i l izar a coerência como argumento. 
A coerência - como já se enfatizou - é uma qualidade considera¬
da imprescindível a qualquer argumentação, pois não se aceita a contradi¬
ção dentro de um raciocínio, ou seja, não se deve afirmar algo e depois as¬
sumir uma outra idéia que negue a primeira afirmação. Para manter a coe¬
rência e utilizá-la como argumento, é preciso que se assuma um compro¬
metimento com uma referência socialmente aceita e tomá-la como orienta¬
ção rigorosa para a produção de sentidos que não apresentem contradições. 
E isso tem seus motivos: o prestígio do rigor lógico leva a que a 
contradição possa ser interpretada, uma vez, como falta de convicções 
claras e incapacidadepara escolher com segurança a referência que orienta 
a atividade, e, por outro lado, como um desrespeito com o auditório em 
termos de não lhe facilitar a compreensão dos objetivos da argumentação, 
• precisamente por não haver uma organização lógica correta e rigorosa das 
relações entre referência e sentidos verbalizados. 
Entende-se, por isso, que a falta de coerência, uma vez denuncia¬
da, expõe o argumentador à condenação e ao insucesso: a frouxidão refe¬
rencial e a contradição denunciam a incapacidade de produzir boas inter¬
pretações dos fatos, vale dizer, de construir boas teses. Perde, pois, o argu-
. .mentador uma das qualidades - se não a mais importante - que a intera¬
ção cobra dos participantes, ou seja, a da credibilidade. 
Ser coerente diz, desse modo, respeito à competência tanto para 
escolher os conceitos que serão referência para o raciocínio, como para 
organizar os argumentos sem que haja contradição com a referência es¬
colhida. • 
54 Ingo Voese Argumentação Jurídica 55 
Na argumentação jur ídica , a referência quase obrigatória é a l e i . 
Pode, porém, também ser uma jurisprudência ou um conceito que tenha 
aceitação social ou uma presunção jur íd ica T *». desde, porém, que se en-
quadre nos l imites tios modais deônticos. De qualquer modo, o impor-
tante é considerar que a coerência só poderá ser invocada como argu-
mento quando determinada referência tem - ou poderá v i r a ter - prestí¬
gio jun to ao auditório, ou seja, ao invocar a coerência como argumento, o 
argumentador se vê diante de duas importantes tarefas: 
1. fazer com que a referência escolhida seja aceita pelo auditó¬
r i o , o que imp l i ca saber fazer avaliações preliminares corretas quanto ao 
universo referencial aceito pela sociedade e determinar com competên¬
cia o sentido desta referência, tendo em vista o que interessa à argu¬
m e n t a ç ã o ; 
2. conduzir o raciocínio de modo a que não haja contradições 
em relação à referência, o que representa dominar os processos de manu¬
tenção da coerência, da coesão e da congruência: 
En f im , a técnica que produx o argumento da coerência é essen¬
cialmente uma atividade lingüística que visa à utilização do prestígio do 
r igor lógico, ou seja, um recurso em que o argumentador se ocupa ou cm 
observar o rigor da relação não-contraditória entre uma referência c as 
interpretações e justificativas que por ela se orientam, ou em denunciar a 
falta dessa condição na argumentação adversária. 
4.2 O A R G U M E N T O DA R E C I P R O C I D A D E 
Essa técnica argumentativa apóia-se também no prestígio do r i ¬
gor lógico, especificamente na propriedade das relações para construir 
unia aproximação ou simetria entre dois fatos ou idéias (ou mesífto valo¬
res) de modo a que a semelhança de características i m p l i q u e que se possa 
aplicar o mesmo tratamento ou julgamento a ambos, mesmo se houver 
uma inversão de s i tuações ou de posições da simetria inicial. 
A atividade do argumentador, nessa técnica de raciocínio, exi¬
ge, principalmente, saber interpretar e construir o contexto das situa¬
ções, ou seja, é preciso que a aproximação de dois fatos diferentes se 
faça pelo que se pode localizar de semelhante neles e nos eleitleíntos 
contextuaiizadorés; Isso requer, sobremodo, saber produzir interpreta¬
ções apropriadas, o que, mais uma vez, enfatiza a importância de um 
. sistema de referência produt ivo e competente, e, por isso, da l inguagem: 
para poder aproveitar uma correlação lógica como sc a = />, então b = 
a, na argumentação jurídica, a pr imei ra atividade refere-se à delimitação 
conceituai que deverá dar condições para que.o raciocínio se beneficie 
da relação lógica . 
Assim, por exemplo, adotando essa técnica, o argumento sus¬
tentará que, se cabe aos piais dar proteção e abrigo aos filhos enquanto 
estes puderem ser considerados dependentes, da mesma forma caberá aos 
filhos a responsabilidade de prover as condições de sobrevivência dos 
pais quando estes, eventualmente, atravessarem uma si tuação em que se 
puder considerá-los dependentes. O raciocínio precisa def in i r , obrigatoria¬
mente, o que se entende por dependência para que o caráter de reciproci¬
dade da relação entre pais e fi lhos possa ser sustentado c o m apoio no mo¬
delo lógico. 
4.3 O A R G U M E N T O DA T R A N S I T I V I D A D E A / / . 
A técnica que permite à argumentação jurídica produzir determi- A 2 T \ 
nados argumentos qud mantém uma relação de transitividade, toma como 
motivação, segundo Perelman (1996), uma propriedade formal de 
certas relações que permite passar da afirmação de que existe a mesma 
relação entre os tennos a eb e entre os temws b e c, à conclusão de que 
ela existe entre os termos a e c: as relações de igualdade, de superiorida-
de, de inclusão, de ascendência são relações transitivas". (p. 2 57) 
Isso significa que a argumentação jurídica pode buscar como 
apoio relações formais de transitividade, desde que se controle a hetero-
geneidade lingüística: o obje t ivo de construir uma relação de t r a n s i t i v i -
dade que não deixe de apresentar o r igor lógico exige interpretar e de¬
marcar com a precisão poss íve l os sentidos que substituirão as incógni¬
tas d, b e c. 
Por exemplo, embora seja discutível sustentar que "Os amigos 
de nossos amigos são nossos amigos", a idéia pode ser trabalhada, insis¬
tindo que a verdadeira amizade deveria ser assim. O enunciado pode ser¬
v i r de referência a um raciocínio, o que quer dizer que este tem funda¬
mento no modelo que sustenta a transitividade, pois a implicação é uma 
das mais importantes relações transitivas epode ser avaliada socialmente 
em diferentes áreas ou práticas sociais. 
Assim, o seguinte silogismo se constrói pela relação dc t ransi t i -
vidade: 
9 f l l t l i l l l l l l i l A 1 , 1 1 
56 Ingo Voese 
Não deye ser condenado (= a) aquele que mata em legítima de-
fesa (= b) ; ora, João (= c) matou em legítima defesa (= b) ; logo, João (= 
c) não deve ser condenado (= a). 
A dificuldade de ordem lingüística reside, em primeiro lugar, na 
delimitação do sentido da expressão legítima defesa e, segundo, adotar a 
referência para interpretar o ato de João. 
O A R G U M E N T O DA C O M P A R A Ç Ã O 
A técnica que faz da comparação um argumento tem o objetivo 
de comparar enquadrando uma imagem (do réu ou da vítima, por exem-
plo) ou a versão de um fato (um del i to , por exemplo) dentro duma se-
qüência hierarquizadora que i n c l u i outras imagens ou versões. 
Cabe ao argumentador a tarefa de fazer as escolhas das imagens 
ou ve r sões c o m as quais organizará a seqüência escalar que servirá de 
parâmetro de avaliação, o que, de certa forma, corresponde à escolha das 
referências c o m as quais ele estruturará, o r a c i o c í n i o * A comparação pas-
sa, portanto, a produzir argumentos, quer seja a favor, quer seja.contra o 
que esta sendo j u l g a d o : se se quiser condenar, a escolha, para fazer o co¬
tejo, deverá p r i v i l e g i a r aquelas imagens (referências) que têm um con¬
ceito e logiável no instituído social. E o inverso ocorrerá quando o objeti¬
vo for o de defender: o cotejo do que está sendo ju lgado será feito com o 
que houver decondenável no imaginário do auditório. 
O ARGUMENTO DA I N C L U S Ã O DA P A R T E NO TODO 
Uma outra técnica de argumentação consiste em apoiar-se na 
presunção de que o que vale para o todo também vale para as partes, o 
que signif ica, mais uma vez, a utilização do modelo lógico-formal (se... 
então) e- o trabalho com o sentido das palavras, i. é, a técnica, i n c l u i o 
controle da heterogeneidade de sentidos. 
A técnica exige, pois, além da orientação da estrutura "se... en-
tão", uma intensa atividade de produção de sentidos (ou controle de sen¬
tidos) para a sustentação do "se" porque é preciso conseguir a adesão à 
idéia de que a inclusão da parte num todo em que as partes mantêm um 
determinado t ipo de relações faz com que cada uma se submeta ao que 
vale para o todo.. 
l I I I 1 1 f l lT f Y f f f l t l l l l l 
, Argumentação Jurídica 57 
A produção ou o controle de sentidos refere-se, pois, a definir o 
que é o todo, quais são as suas partes e quais são as relações que elas 
mantêm entre si dc modo a que se submetam ao todo. 
Por exemplo, na argumentação jurídica, é freqüente encontrar a 
tese de que, se a lei vale (ou não) para o todo, também vale (ou não) para 
cada parte. Parte-se do pressuposto de que o todo se compõe de partes 
que têm entre si uma relação de igualdade, o que, especialmente no D i -
reito, necessita de uma série de procedimentos interpretai!vos dos fatos, 
de modo a que se convença o auditório de que essa relação lógica c sus-
tentável. Qualquer deslize ou impropriedade interpretativa fragiiizará a 
argumentação. 
4.6 O ARGUMENTO DA D I V I S Ã O DO TODO EM PARTES L 
Trata-se, agora, ao contrário da técnica anterior, não dc tentar 
demonstrar a inclusão e o submetimento da parte ao todo, mas de que o 
todo é a soma das partes: o argumentador busca, aqui, quando constrói o 
sentido do todo, apoio no sentido da parte e no pressuposto de que a 
soma é a relação que sustenta o todo. O recurso da definição e da deli¬
mitação conceituai ocupa-se, em pr imei ro lugar, da parte, para, num se¬
gundo momento, baseado no resultado da atividade i n i c i a l , ocupar-se do 
todo como, por exemplo, ocorre na relação entre gênero e espécie em 
que, segundo Perelman (3996), "Para poderafirmar algo do gênero, 
cumpre que esse algo se confirme mima das espécies: o que não faz parte 
de nenhuma espécie não faz parte do gênero." (p. 265). 
Essa técnica pode, por isso, produzir argumentos positivos, va-
A
 lendo-se de todos os efeitos que se pode tirar, pr imeiro , das interpretações 
v
 realizadas, e, depois, das operações dc soma, de subtração e de suas com¬
binações como, por exemplo, tentar sustentar que uma comunidade está à 
mercê das drogas (ou de bandidos e tc) , alistando e quantificando exaus¬
tivamente os bairros que acusam o fato, ou que alguém apresenta uma 
boa (ou má) conduta social produzindo versões boas (ou más) de atos 
isolados„seus. 
É evidente que, neste t ipo de técnica, o argumentador tende a 
valer-se especialmente do tratamento estatístico e da formulação de tabe¬
las, o que significa, novamente, qtie, após a atividade que produz e fixa 
. sentidos, atua-sc sobre uma pressuposição, ou seja, a de que a soma, o 
tratamento estatístico e as tabelas - pelo prestígio de que desfrutam - po¬
dem dar à versão a imagem da verdade. 
58 
Q 
Ingo Voese 
O A R G U M E N T O AD IGNORANTIUM 
Argumentação Jurídica 59 
O argumentador pode, numa situação em que as condições para 
uma ampla e demorada discussão estejam prejudicadas, valer-se da técni¬
ca que consiste em formular os argumentos convenientes à tese, ao mes¬
mo tempo em que desafia ~ devido ou à ex igü idade de tempo ou a difi-
culdades momentâneas - o auditório a apresentar os que se possam con¬
trapor a eles. 
No Di re i to , particularmente, o uso dessa técnica pode ser muito 
eficazA porquanto há, em momentos de análise e intervenção nos conflitos, 
situações de impasse ou de dificuldades que entravam o avanço do julga¬
mento no exato momento em que elas requerem uma decisão urgente. 
OS A R G U M E N T O S A PARIE E A CONTRARIO 
A concepção de relações ou de inclusão ou de exclusão orienta 
essa técnica argumentativa: parte-se, mais uma vez, de uma característica 
das ciências lógicorfocrnab ondexmt eliímèfitõ pode, a depender de suas 
características, ser ou não incluído uma conjunto mais amplo, do que se 
retira a pressuposição de que essa inclusão (ou exclusão) que permite hie¬
rarquizações e classificações c o n t r i b u i para uma aproximação do que é do 
nível do verdadeiro. Ess? técnica que constitui os argumentos a pari e a 
contrario é muito uti l izada na prática jurídica, como, por exemplo, no 
caso em que a le i fala dos direitos dos filhos herdeiros: pelo argumento a 
pari tenta-se estender os mesmos às filhas, precisamente porque a inter¬
pretação de filhos diz que a palavra não se refere, neste caso, soreente aos 
indivíduos do sexo masculino, mas que o sentido deve ser considerado 
genérico e, por isso, i n c l u i os indivíduos de ambos os sexos, o que quer 
dizer que a in te rp re tação produziu uma relação de inc lusão . 1 0 
Pelo argumento a contrario, porém, pode-se contestar uma in¬
clusão ou igualdade* a depender da interpretação cia l e i , e que permitirá, 
então, construir uma relação de exclusão. 
Novamente, nos dois tipos de argumentos, a atividade lingüísti¬
ca é fundamental: a sustentação de uma relação de inclusão ou de e x c l u -
No Brasil, o exemplo dado pode até causar estranheza porque os direitos de herança 
estão garantidos tanto para filhos como para filhas. Em algumas comunidades da 
Ásia, porém, esse a pari nào acorre: prevalece v ü contrario. 
são só pode ser feita uma vez determinado um campo semântico onde se 
cotejam dois (ou mais) conceitos. A atividade interpretai! va - sempre 
orientada por interesses bem específicos no caso do Di re i to - visa a in¬
clu i r ou excluir um conceito menos amplo num de maior amplitude, aten¬
dendo ao prestígio que se confere ao processo dc sistematização e de 
classificação. 
Uma conseqüência, pois, interessante (e absurda) é o que pode 
acontecer, por exemplo, no julgamento dum estuprador: caso o seu defen¬
sor conseguir definir o conceito de sexualidade humana como sendo 
igual (o que significa inclusão) ao de sexualidade dos animais em geral, 
é bem possível que - se a acusação não for competente para desarmar a 
inclusão - o estuprador seja absolvido e a vítima passe por culpada por 
ter estimulado a que o macho (como na natureza) se tomasse agressivo e 
incontrolável na conduta sexual. 
4.9 O A R G U M E N T O DA A N A L O G I A 
Uma das relações dé igualdade da lógica formal é a analogia cm 
termos de a 'b assim como c = d% o que pode servir como um recurso 
para a argumentação jurídica sobre o que Perelman se manifesta como 
segue: 
Ninguém negou a importância da analogia na conduta da inteligên-
cia. Todavia, reconhecida por todos como um fator essencial de in-
venção, foi olhada com desconfiança assim que se queria transformá-
la num meio de prova. (...) Longe de nós a idéia de que uma analogia 
não possa servir de ponto de partida para verificações posteriores; 
mas nisso ela não se distingue de nenhmií outro raciocínio, pois as 
conclusões de todos eles sempre podem ser submetidas a uma nova 
prova. (...) Todo estudo global da argumentação deve, pois, incluí-la 
enquanto elemento de prova. ( P E R E L M A N , 1996a, p. 423-24) 
Na verdade, a analogia é uma comparação que não visa a dife¬
renciar, mas a estabelecer as semelhanças, o que, de certa forma, na práti¬
ca jur ídica, aponta para uma igualdade de relações entre os ind iv íduos . 
Ass im, se o argumentador escolher um enunciado como, por 
exemplo, "Agredir a mulher é como agredir o mcmbro„central da família 
c, jpor isso, a célula da sociedade", estará construindo uma r e l a ç ã o de se-
60 Ingo Voese Argumentação Jurídica 61 
mclhança que, ao fazer a valorização do instituído social, cria condições 
de valorizar a família e a mulher, ao mesmo tempo que reforça a acusa¬
rão contra um eventual agressor. 
Outro efeito interessante da analogia se dá quando o argumen-
tador quer desqualificar alguém comparaudo-o com o que é desprezível 
aos olhos do auditório: cria-se uma associação entre o indivíduo e o que é 
desqualificante - efeito da relação de igualdade que a técnica cult iva 
como pressuposição. 
A inda um outro aspecto da técnica diz respeito ao cuidado na 
construção da analogia, pois 
A escolha dos termos de comparação adaptados ao auditório pode ser 
um elemento essencial da eficácia de um argumento, mesmo quando 
se trata da comparação numericamente especificável: haverá vanta¬
gem, em certos casos, em descrever um país como tendo nove vezes o 
tamanho da França em vez de descrevê-lo como tendo a metade doBrasil ( P E R E L M A N , 1996a, p. 278) 
A escolha dos termos (por exemplo, dos mímeros) ê importante 
porque cada atteração produz diferentes efeitos de convencimento, po¬
dendo inclusive criar - especialmente no caso das estatísticas - uma ima¬
gem de credibilidade que, como se sabe, nem sempre se jus t i f i ca , mas se 
torna decisiva para o argumentador conseguir a adesão do auditório. 
De qualquer forma, a construção de uma analogia, apesar dc to¬
dos os cuidados do argumentador na avaliação do auditório, sempre re¬
vela um caráter de instabilidade pu de fragilidade, precisamente porque 
basta a lguém não aceitar uma semelhança estabelecida para que todas as 
conclusões que dela se retiraram sejam também rejeitadas. 
4.1 o O ARGUMENTO DA F IXAÇÃO DE UM GRAU 
O recurso a esse argumento permite, através do processo de 
comparação, um cotejo entre vários? objetos para avaliá-los um em relação 
ao outro e estabelecer as diferenças dc grau de qualidades ou dc caracte¬
rísticas. A técnica difere do argumento de identificação como o da analo¬
gia porque atua ou com uma oposição (Justo x injusto) ou de ordena-
mento (mais justo que e tc) , mas mantém a pressuposição de que o orde¬
namento hierárquico pode facilitar b acesso ao que é verdadeiro. 
A atividade é essencialmente lingüística, o que pode ser obser¬
vado tomando, como exemplo, a disposição bipolar dascores, onde num 
extremo da escala se suponha estar o azul e noutro o amarelo: a mistura 
das cores pode ser feita partindo dc um ou outro ponto da escala e faz 
com que, querendo nomear as cores intermediárias, e pani ndo do amarelo 
em direção ao azul, possam ser utilizadas indist intameite as expressões 
verde mais amarelado e verde menos azulado. Tomandocomo referência 
o outro extremo, as expressões que designarão as ap rox imações deverão 
ser verde mais azulado e verde menos amarelado. 
Isso quer dizer que as escolhas parecem equivalentes, mas, 
na verdade, produzem efeitos diferenciados: o verde é classificado a 
partir ou do amarelo ou do azul, o que quer dizer que a escolha do ex¬
tremo definidor corresponde, na verdade, à escolha da referência i n -
terpretativa. 
Ora, isso leva a que se constate que a argumentação, ao valer-se 
dessa técnica, atua, em pr imeiro lugar, com linguagem porque, substitu¬
indo as cores por outros pares de expressões como correta c incorreto, 
justo e injusto, bom e mau, social e ann-sacial tite, é necessário definir e 
..delimitar as-referência? para, depois, proceder às classificações que, em¬
bora contenham os quantificadores mais c menos, se fazem pela expres¬
são utilizada, ou seja, correto ou incorreto Justo ou injusto etc. 
Os efeitos que os qualificadores produzem são, evidentemente, 
diferenciados e explicam tanto a sutileza como a força do argumento, 
ainda mais quando o argumentador, ab trabalhar a escala de mais e me¬
nos, se valer da situação e demarcar o lugar de um supeiiaii vo em termos 
de o verde mais amarelado ou o verde menos azulado, o verde mais azu¬
lado e o verde menos amarelado, ou, no caso do Di re i to , o mais justo 
etc: o uso do superlativo produzirá um argumento bastante agressivo que 
pode, em determinadas circunstâncias, causar efeitos mais eficientes do 
que a simples comparação. 
4.11 O ARGUMENTO DA R E L A Ç Ã O DE MEIOS E FINS 
Essa técnica pode ser considerada como um processo que, de 
certo modo, também - como as técnicas anteriores - u t i l i z a a compa¬
ração, pois realiza o cotejo entre duas realidades, não visando, porém, 
a estabelecer semelhanças pu , a hierarquizar qualidades, mas, a avaliar 
os sacrifícios ou meios que a obtenção dc um resultado estaria exigindo. 
62 Ingo Voese 
U n i exemplo típico de argumento que é resultado do acolhi¬
mento da relação entre meio e fim é o contrato de compra e venda: a pro¬
posta de aquisição de um bem requer um determinado sacrifício (paga¬
mento e tc) , ou seja, o f i m explica (pu jus t i f ica) a alocação de determina¬
dos meios. 
Na argumentação jur íd ica , a i nvocação de meios necessários 
pode tanto servir à acusação como, à defesa, e produz efeitos importantes 
como, por exemplo, ocorre com frases como só acredito em quem sabe 
respeitar as leis, só acredito em quem sabe perdoar, só acredito em justi¬
ça quando houver rigor na aplicação da lei, só acredito em diminuição 
da violência com a implantação da pena de morte, o que quer dizer que, 
para conseguir credibilidade, os meios necessários são saber respeitar as 
leis, saber perdoar, ser rigoroso na aplicação lei ou implantar a pena de 
morte: o argumentador toma como referência um f i m - credibilidade, por 
exemplo - que mereça a aprovação do auditório e que, por isso, deve dar 
condições a que os meios propostos também sejam aprovados. 
Observa-se, pois, nesta técnica, também a necessidade de inten¬
sa atividade lingüística - interpretai deiimiiar* definiretc; cr que desta-
ca a sua importância para a argumentação jur íd ica , principalmente quan-
do se sabe que a técnica pode gerar argumentos como Os fins s&nprc jus¬
tificam os meiosr e que, na tentativa de promover a justiça, criarão, com 
certeza, empecilhos indesejáveis e desastrosos, porquanto a pressuposição 
contida no enunciado constitui , dentro da heterogeneidade social e da 
desigualdade de forças e poderes, a possibilidade de implantação do auto¬
ri tar ismo e do abuso de poder. 
4.12 O A R G U M E N T O DA P R O B A B I L I D A D E 
U m a técnica de argumentação m u i t o usada, mesmo (ou espe¬
cialmente) para realidades não-quantificáveis, é a que busca o modelo 
lóg ico- formal para valer-se das estatísticas e do cálculo de probabilidades 
que, se nas ciências matemáticas e naturais, têm sua importância, no D i ¬
reito, só devem a sua utilização ao status do procedimento, pois a reali¬
dade a ser abordada d i f ic i lmente permite quantificações e cálculos proba-
bi l ís t icos . 
Ass im, por exemplo, num julgamento, o uso da estatística em 
relação ao comportamento humano para determinar a probabilidade do 
percentual de responsabilidade ou do i n d i v f d u o o u da sociedade na ocor¬
rência do del i to , pode facil i tar a-tarefa do argumentador, especialmente 
Argumentação Jurídica 63 
pela imagem de credibilidade que os números constroen. Trata-se, po¬
rém, da instituição de um tratamento uniforme para umarealidadc que é 
heterogênea, o que indica os múltiplos usos (e abusos) a (ue essa técnica 
pode servir. 
Além disso, não se deve esquecer que qualquer f a to - jurídico 
ou não - pode ser abordado a partir de diferentes variávás ou conceitos 
operacionais, ou seja, os números e as estatísticas vão d a r u c r e d t b i l i d a d e " 
àquilo a que o argumentador quiser dar, mas não são capaies de produzir, 
no D i r e i t o , as "verdades" que aparentam produzir, ou seja, a realidade 
analisada nos tratamentos estatísticos nunca é uma totaíclade, mas um 
recorte produzido pela intervenção do analista ao se valer cie categorias 
operacionais escolhidas por ele: conceitos e sentidos adottclos e produzi¬
dos podem e devem, pois, no caso de um debate - especialmente no D i ¬
reito - ser rèlativizados, embora sejam eficientes como argumentos, des¬
de que a pressuposição de que a técnica seja válida tenha acolhida pelo 
auditório. 
4.T3 O ARGUMENTO DO V Í N C U L O C A U S A L 
Uma argumentação pode escolher por estabelecer um vínculo 
causai entre: 
a) dois acontecimentos sucessivos; 
b) um acontecimento e uma causa determinante; 
c) um acontecimento e seus efeitos prováveis; 
No p r ime i ro caso, a argumentação visará à sustentação da tese 
de que um acontecimento que sucede imediatamente a outro tem com este 
um vínculo causai, ou seja, é conseqüência: se hão houvesse o primeiro, 
não haveria o segundo. 
Já é diferente a relação causai que se pretende sustentar no se¬
gundo caso: um fato ocorrido não tem necessariamente a sua origem 
num outro imediatamente anterior, mas num ponto qualquer que depen¬
de da escolha do argumentador. Por isso, determinar umacausa de um 
ato permite que o argumentador,-valendo-se da riqueza de seu sistema 
dç referência, construa argumentos extremamente, fortes como, por 
exemplo, no Di re i to , o da necessidade ou inex ig ib i l idade de conduta 
diferente. 
64 Ingo Voese -
Pode, porém, como no último caso, o argumentador construir 
uma relação causai entre o fato ocorrido e uma situação futura. 
No caso da argumentação ju r íd ica , a técnica que se vale de 
determinados procedimentos das ciências lógico-formais , precisa -
como todas as demais técnicas - cuidar da atividade lingüística, pois 
fica evidente que um vínculo causai, qualquer que seja, necessita de 
interpretações que produzam sentidos que possam suportar essa relação 
de causalidade, especialmente, tomando em consideração que se atua 
com valorações diferenciadas que se o r ig inam da heterogeneidade refe-
rencial . * 
4.14 O ARGUMENTO P R A G M Á T I C O 
O argumento pragmático aprecia um acontecimento pelas con¬
seqüências favoráveis ou desfavoráveis que poderá provocar nos aconte-
cimentos c na vida prática. Na verdade, "Esse argumento desempenha um 
papel a tal ponto essencial na argumentação que certos autores quiseram 
ver nele o esquema único da logfcvido?juízos de valor9. ( P E R E L M A N , 
1996a, p. 303) 
A técnica, pois, através da qual se tomam elementos do nível 
pragmático como argumentos é valorizada sobremodo na prática jurídica 
porque as atividades referem-se a questões que dizem respeito quase 
sempre a problemas das relações sociais e que envolvem valores. 
Por isso, pôr exemplo, a condenação (ou a absolvição) .do réu 
pode ser construída, sustentando o que a sentença poderá significar paia o 
bem-estar da sociedade. Ao propor o sucesso (ou a felicidade, bem-estar 
etc.) como critério de avaliação, o argumentador vale-se da técnica para 
apoiar-se em determinada hierarquia de valores que, obviamente, não 
precisa ser considerada a única e a melhor, mas que é sempre produto de 
uma atividade interpretativa que visa à defesa de interesses específicos e 
atua sobre a heterogeneidade referencial. 
A força do argumento pragmático está, pois, no fato de ele d i¬
zer respeito aos sentidos da vida, do cotidiano das pessoas, dos projetos 
pessoais etc., elementos que pertencem ao nível imediato do contexto 
do fato em julgamento e que, às vezes, podem, tendo em vista os siste-r 
mas de referência do auditório, produzir maiores efeitos do que aqui lo 
que se coloca num horizonte mais distante como, por exemplo, concep¬
ções ideológicas. 
Argumentação Jurídica 65 
4.15 O ARGUMENTO DO D E S P E R D Í C I O 
A técnica em dizer que uma vez que já se começou a fazer alço 
(obra etc.) seria um desperdício não continuá-la, na prática jurídica, pode ' 
significar, por exemplo, que não se deve perder uma oportunidade de 
condenar ou dc absolver alguém porque já existem meios para atender os 
efeitos cia decisão/sentença. Haveria, pois, um desperdício de meios pro-
duzidos pela sociedade c seria inaceitável, por isso, não ap l i cá - los ou uti¬
lizá-los, o que possibilita que a criação e a manutenção da polícia, do 
exército, do sistema carcerário etc. possam ser invocadas como argu¬
mentos para sustentar a idéia de que é um desperdício de custos querer, 
num dado momento, por razões diversas, desativar ou desconsiderar o 
emprego do que já foi criado. 
4.16 O ARGUMENTO DA D I R E Ç Ã O „,. 
Basear-se na concepção que pressupõe-queos fatos e a realida-
>xie*$e-eonstfruem por etapas que mantêm entre si uma re lação de causa e 
efeito, refere-se à técnica da qual resultam, como argumentos, as conside¬
rações contra ou a favor da sucessão de etapas (prováveis) que um fato 
poderá gerar: é o que orienta o argumento da direção. 
Por exemplo, no D i r e i t o , quando estiver em discussão o con¬
trole da violência, o argumento pode dizer que, se nós vamos ceder desta 
vez, deveremos cederum pouco mais na próxima, e sabe Deus onde va-
mos parar. 
E n f i m , o argumento da direção concebe a História como uma 
linearidade que se sustenta por relações lógicas e desconsidera a possibi¬
lidade de que, fora da seqüência de etapas, possa existir algo que explique 
melhor um determinado acontecimento. 
4,17 -O A R G U M E N T O QUE RELACIONA ATO E P E S S O A 
Esse t ipo de argumento tem especial importância no D i r e i t o , 
porque caracteriza uma presunção jurídica que diz que o valor de um 
ato revela o valor da pessoa (diferente da presunção rel igiosa, por 
exemplo, que considera que cada pessoa vale mais do que o pior de 
seus atos). 
66 Ingo Voese Argumentação Jurídica 67 
A dif iculdade da invocação ou da sustentação dessa relação en¬
tre ato e pessoa diz respeito à questão da subjetividade, isto ét saber o que 
e social e o que é de ordem pessoal nas motivações e determinações dos 
atos que os indivíduos realizam. 
Por exemplo, se o valor do ato determina apenas o valor da 
pessoa quer-se dizer que a responsabilidade do ato é inteiramente dc 
seu autor. A sociedade, nessa concepção, não exerce nenhuma pressão 
sobre as condutas, o que„ evidentemente, é questionável. A concepção 
inversa igualmente deve ser considerada um equívoco porque significa 
afirmar que o indivíduo não tem nenhuma responsabilidade por seus 
atos. 
A complexidade reside, evidentemente, em conseguir demons¬
trai* ou quantificar o grau de responsabilidade do indivíduo e da socieda¬
de, o que representa, contudo, a condição para que a técnica possa ser 
ut i l izada para a produção de argumentos tanto para a defesa como para a 
a c u s a ç ã o do réu. 
. x 
4.18 O A R G U M E N T O DA A U T O R I D A D E 
O instituído social prevê, entre os valores que protege, um des¬
taque especial para as falas de autoridade, ou seja, valoriza as falas de 
acordo com o prestígio do lugar social que QS indivíduos ocupam. 
Esse prestígio pode estar ligado não só à força e poder de de¬
terminados segmentos sociais, mas também, à importância que se dá a 
certas atividades acadêmicas e profissionais. 
O argumento da autoridade parte, assim, do pressuposto de que 
a citação de outrem possibilita usar o prestígio e a autoridade do enunciante 
citado, valorizando o citado coníô argumento. Para conseguir a adesão a 
uma tese, o argumentador buscff, pois, dar à própria fala o prestígio e a 
autoridade de outrem, citando o que entende como conveniente à susten¬
tação que está fazendo. 
Para Perelman, "...existe uma série de argumentos cujo alcance 
é totalmente condicionado pelo prestígio. A palavra de honra, dada por 
alguém como\micaprova de umà asserção, dependerá da opinião que se 
tem dessa pessoa como homem de honra..". (1996a, p. 347) 
Por isso, investir no prestígio ou na autoridade da fala de outrem 
pode até ser crit icado como procedimento que busca sustentar uma tese, 
mas isso leva Perelman, quando se refere à estratégia m u i t o utilizada no 
Direito, a afirmar: 
Mas não c uma ilusão deplorável crer que os juristas se ocupam uni-
camente com a verdade, e não com justiça nem com paz social? Ora. 
a busca da justiça, a manutenção de uma ordem eqiiitativa, da con-
fiança social, não podem deixar de lado as considerações fundamen-
tadas na existência de uma tradição jurídica, a qual se manifesta 
tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Para atestar a existência 
dc semelhante tradição, o recurso ao argumento de autoridade c ine-
vitável. [Op. cit.,[i. 349) 
A citação, contudo, não serve apenas para valer-se do prestí¬
gio de outrem mas também pode ter por obje t ivo desautorizar e desva¬
lorizar determinados argufhentos de alguém a quem se busque imputar 
uma falta de autoridade: a técnica pode, pois, tanto servir para reforçar 
como desvalorizar uma atividade argumentativa e requer, por isso, que 
o indivíduo oitante-sarlyanão só interpretar mas também avaliar corre¬
tamente as valorizações sociais das falas ou linguagens, fazer os re¬
cortes convenientes e integrá-los de modo a que eles produzam os me¬
lhores efeitos. 
Para Maingucneau (1989), "Aí residetoda a ambigüidade do 
distanciamento: o locutor citado aparece, ao mesmo tempo, como o não-
eu, em relação ao qual o locutor se delimita, e como 'autoridade' que 
protege a asserção. Pode-se tanto dizer que 'o que enuncio é verdade 
porque não sou eu que o digo*, quanto o contrário", (p. 8 6 ) 1 1 . 
O recurso da citação, no D i r e i t o , busca - quase sempre - trabalhar 
„ com a exemplificação; toma-se um julgamento já ocorrido como orientação 
para a interpretação e avaliação duma nova situação. Isso pode ser inte¬
ressante até o l i m i t e em que se puder sustentar que a distância histórica 
não torna imprópria a comparação dos dois momentos e, por isso, será 
problemáticQ, por exemplo, considerar.uma jurisprudência sempre atuali¬
zada, em especial, quando se sabe que houve época em que a defesa de 
alguns tipos de crimes acolhia a j u s t i f i c a t i v a de crime contra a honra 
masculina. Ou seja, as interpretações c os julgamentos dos fatos não são 
Além dos trabalhos de Maingueneau, existem inúmeros outros estudos interessantes 
(BAKHTIN, 1986, por exemplo) que se ocupam des*sa relação entre uma fala citante e 
outra citada, o que deve ser entendido como sinal de que as formas e os efeitos são va-
riados e ricos. 
68 Ingo Voese Argumentação Jurídica 69 
estáticos e, por isso, nem sempre a citação auxil ia o argumentador na 
produção da v e r s ã o e na sustentação da tese. 
4.19 O ARGUMENTO DA R E L A Ç Ã O ENTRE ATO E 
E S S Ê N C I A 
Um modo de explicar (ou de interpretar) a realidade busca asso¬
ciar e explicar fatos particulares como manifestações de uma essência, 
como se determinados acontecimentos pudessem ser agrupados a partir 
de uma semelhança ou um ponto comum. Isso pode servir de base, espe¬
cialmente na argumentação jur íd ica - onde a essência eqüivale ao que é 
considerado normal e legal - para construir, por exemplo, a noção de que 
o delito se opõe a uma essência, ou é um abuso que se faz contra ela: o 
que é normal é de acordo com a essência, c o delito é um abuso porque 
coloca-se contra o normal . 
Na verdade, a pressuposição que dá lugar a essa técnica argu-
mentat iva pode tambémAservir à u t i l i zaçãodumá estratégiamístificadora, 
como se poderá observar no próximo capítula. 
4.20 O A R G U M E N T O DO E X E M P L O 
O exemplo é um argumento, mas não uma prova: é um recurso 
para sustentar uma tese, especialmente na construção de uma generaliza-
ção e, "Seja qual for a maneira pela qual o exemplo é apresentado, em 
qualquer área que se desenvolva a argumentação, o exemplo invocado 
deverá, para ser tomado como tal, usufruir estatuto de fato, pelo menos 
provisoriamente; a grande vantagem de sua utilização é dirigir a atenção 
a esse estatuto", ( P E R E L M A N , 1996a, p. 402) 
O estatuto, pois, do argumento do exemplo deve-se a uma pres¬
suposição, ou seja, a que diz que, para os exemplos conduzirem a uma 
generalização convincente, é preciso que eles suportem, além de uma 
vinculação estreita entre s i , a idéia de que da generalização que eles pos¬
s i b i l i t a m se pode extrair uma verdade. 
A generalização é, pois, um processo em que o argumentador, 
valendo-se de versões (sentidosjAe fatos e situações particulares, constrói 
uma idéia geral, como se, através desse processoA pudesse alcançar uma 
verdade irrefutável. Em outros termos, ela é o processo que agrupa várias 
singularidades numa categoria mais ampla e geral, para o que elimina, 
por abstração, os traços singularizantes e mantém apenas os traços gené -
ricos. 
Embora no raciocínio formal isso até possa ser admitido, na 
prática jurídica a generalização assume enormes riscos, pois ela se realiza 
em função da heterogeneidade social: como superar o c o n f l i t o dos inúme¬
ros sistemas de referencia sem incorrer num processo de hierarquização e 
valoração cios segmentos sociais - vale dizer, acionar o processo ideoló¬
gico? 
como recurso, numa disputa jurídica, pode, contudo, a gene¬
ralização apresentar - especialmente se o argumentador fizer corretas 
avaliações do auditório - efeitos favoráveis porque, 
Em direito, notadamente, enquanto se reserva às vezes o nome de 
precedente à primeira decisão tomada segundo certa interpretação 
á lei, o alcance desse julgamento pode só ser depreendido aos pou¬
cos, depois de decisões posteriores. Assim, o fato de contentar-se 
com um único exemplo na argumentação parece indicar que não se 
percebe nenhuma dúvida quanto ao modo dc generalizar. (Op. c/7., 
p. 404) 
Isso quer dizer que a maior dificuldade da exemplificação diz 
respeito ao trabalho com a linguagem: os sentidos extraídos dos exemplos 
devem servir à aprovação da generalização proposta, o que, em qualquer 
raciocínio e, sobremodo no D i r e i t o , é fundamental. 
4.21 O ARGUMENTO DA ILUSTRAÇÃO 
Diferente do argumento do exemplo, onde se busca agrupar di¬
-. iíerentes versões dé fatos de modo a construir uma regra, a técnica da 
ilustração tem a função de reforçar a adesão a uma regra conhecida e já 
aceita - escolhida como referência para a sustentação duma tese. 
A atividade consiste em enriquecer o que resultou dum pro- a 
cesso de generalização- com a exposição de fotos, f i lmes , gravações, 
quadros etc. que não só esclarecem a regra mas também demonstram a 
sua aplicabilidade; o que leva a que se considere a ilustração um tipo de 
argumento. 
70 ingo Voese_ 
O argumento da ilustração pode até ser duvidoso» mas, ao i m -
pressionar a imaginação, provoca efeitos de convencimento muito fortes, 
porquanto oferece singularidades ilustrativas, isto é, elementos de reforço 
a concepções ou regras que já pertencem ao insti tuto social. 
Para finalizar, é preciso ter claro que, apesar da força e da di¬
versidade de argumentos, só eles não garantem a adesão do auditório a 
teses e o acolhimento de justificativas que as decisões e as sentenças exi¬
gem no D i r e i t o : há, ainda, um outro conjunto de atividades que o argu-
mentador precisa realizar» e que dizem respeito a preencher as condições 
necessárias para que a argumentação possa realizar-se enquanto i n t e r a -
ção, e, assim, possam ser produzidos os efeitos desejados. É preciso, 
abordar, neste momento, as estratégias de a r g u m e n t a ç ã o entendidas 
como es t ra tégias de in t e ração . 
ESTRATÉGIAS A R G U M E N T A T I V A S 
5 
Todo ato de fala - e, por isso, também a argumentação ~ pode ser 
entendido como uma atividade interativa porque envolve ações diferencia¬
das, mas interdependentes, de um enunciante e de um auditório. Em outros 
JterjBos,..na-interação, arcada ação corresponde uma reação, o que implica 
dizer que, em grande parte, as ações de quem fala são determinadas pelas 
reações efetivas ou prováveis do auditório, embora não se deva desconside¬
rar os privilégios de delimitação dos sentidos de que usufrui o enunciante: 
ele dispõe de espaço e tempo para alocar inúmeros recursos, sejam eles 
lingüísticos, discursivos ou lógicos, para orientar e influir na produção dos 
sentidos que lhe interessa fixar como válidos. E como há objetivos e/ou 
interesses envolvidos na argumentação, cabe imaginar disputas e confron¬
tos, o que implica falar em estratégias argumentativas, entendidas como 
procedimentos que podem facilitar o convencimento e a adesão. 
Nestes termos, a crítica que Sampaio Ferraz Jr. (1997) faz a Pe-
relman, dizendo que a argumentação jurídica, assim como é abordada por 
ele, dá a falsa impressão de que todos os efeitos do ato argumentativo 
parecem se originar da atividade do enunciante, é pertinente: é preciso 
considerar a argumentação jur ídica um processo que, embora mantenha 
-semelhanças com outros processos interativos, tem peculiaridades que a„ 
diferenciam dos demais tipos de interações. 
Conceber a argumentação jurídica como interação resulta numa 
compreensão mais ampla não só do processo em si, mas também, da es¬
pecificidade da atividade, porquanto o enunciante obrigatoriamente deve¬
rá dar atenção especial não ao interlocutor com quem faz as alternânciasde atividade, mas a um terceiro elemento a quem caberá recolher das at i-

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