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Medição da Carga Elementar por Eletrólise da Água - Caderno Brasileiro de Ensino de Fìsica

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328 Cad. Bras. Ens. Fís., v. 26, n. 2: p. 328-341, ago. 2009. 
 
MEDIÇÃO DA CARGA ELEMENTAR POR ELE-
TRÓLISE DA ÁGUA+ * 
 
João Bernardes da Rocha Filho 
Marcos Alfredo Salami 
Nara Regina de Souza Basso 
Raquel Thomaz 
Regina Maria Rabello Borges 
Ricieri Andrella Neto 
Faculdade de Física – PUCRS 
Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática 
Porto Alegre – RS 
Resumo 
Este artigo apresenta uma técnica didática recomendada para o 
Ensino Médio ou Superior de Física ou Química, que permite a 
medição da carga elementar por meio da eletrólise da água. O ex-
perimento proposto envolve material de fácil obtenção, os resulta-
dos são suficientemente precisos para os fins educacionais aos 
quais se destinam, e sua realização promove a interdisciplinarida-
de, pois envolve conhecimentos de áreas distintas. São também 
apresentados resultados obtidos por alunos em aulas de laborató-
rio. 
 
Palavras-chave: Medição da carga elementar; Eletrólise; Ensino 
de Ciências. 
 
 
 
 
 
+
 Elementary charge measurement by water electrolysis 
 
* Recebido: julho de 2008. 
 Aceito: fevereiro de 2009. 
 
Rocha Filho, J. B. et al. 
 
329
Abstract 
This article presents an educational technique recommended for 
High School students or undergraduates on Physics or Chemistry 
education, which allows the measurement of the elementary charge 
through water electrolysis. The proposed experiment wraps 
material of easy attainment, the results have sufficient precision 
for the education purposes, and its realization promotes 
interdisciplinarity, since it wraps knowledge of different areas. In 
addition, this article presents results obtained by pupils in la-
boratory classrooms. 
 
Keywords: Elementary charge measurement; Electrolysis; 
Science Education. 
I. Introdução 
A experimentação no ensino de ciências é um recurso pedagógico 
recomendável, auxiliando na concretização dos conhecimentos e constituindo um 
elo importante na cadeia de eventos que leva à aprendizagem. Seja despertando o 
interesse pela ciência, seja materializando uma teoria, a experimentação oferece 
aos estudantes uma base sobre a qual podem construir significados e realizar 
aproximações com o saber científico. O contato com material concreto relacionado 
ao conteúdo conceitual permite que o estudante preveja o comportamento dos 
sistemas físicos e conheça o poder de explicação da teoria, ao mesmo tempo em 
que identifica suas possíveis limitações. Tudo isso contribui para a reconstrução do 
conhecimento e permite que o estudante elabore melhores argumentações sobre o 
conceito estudado, dependendo, é claro, das oportunidades que o professor 
proporcione para o acolhimento dessas manifestações. 
Apesar disso, poucos experimentos são realizados no ensino de Física, e 
parte dos estudantes conclui o nível médio sem ter sequer entrado em um 
laboratório, participado de uma investigação experimental ou simplesmente visto 
uma demonstração nesta disciplina. As pesquisas que temos realizado ou orientado 
mostram que essa falha acontece tanto nas escolas das redes públicas municipais e 
estaduais quanto nas escolas privadas de Ensino Médio. Isso, apesar de o processo 
de autorização oficial de funcionamento das instituições particulares incluir 
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requisitos específicos relacionados com a existência de pelo menos uma sala 
adaptada ao uso como laboratório. 
As causas para a não utilização do recurso da experimentação envolvem, 
principalmente, a indisponibilidade material nas escolas e a falta de preparo dos 
professores, já que a legislação educacional dá amplas liberdades para que ambos 
adaptem currículos e métodos às particularidades do ensino contextualizado que se 
pretende. Entre os efeitos dessa deficiência estão a matematização excessiva, o 
empobrecimento do ensino das ciências e a desmotivação dos estudantes em 
relação às carreiras científicas. Além das dificuldades próprias do Ensino Médio, 
esses fatos também produzem o esvaziamento dos cursos universitários de 
licenciatura em Física e Química, como mostram Rocha Filho, Basso e Borges 
(2007). 
Tentativas não institucionais para solucionar o problema podem ser 
promovidas pelos professores que, ao longo da carreira, por exemplo, constroem 
laboratórios ambulantes autônomos ou optam pela realização de experimentos 
utilizando principalmente materiais recolhidos pelos estudantes em suas casas ou 
vizinhanças. Essa é uma ação que caracteriza um professor que decide tornar-se 
autor de sua própria ação educativa, e que, segundo Demo (1998), produz 
transformações e recusa centrar sua prática na simples repetição de conteúdos. 
Seguindo essa linha de ação, o artigo sugere um experimento que pode ser 
realizado com baixo custo e materiais normalmente presentes nos laboratórios do 
Ensino Médio e Ensino Superior, e que permite determinar a carga elementar com 
incerteza aproximada de ±10%, aceitável para aplicações didáticas. Apesar de 
simples, o experimento exige atenção e consideração de um bom número de 
variáveis, e seus resultados envolvem conhecimentos conceituais de Física e 
Química, o que incentiva a interdisciplinaridade. O procedimento é ideal para ser 
utilizado como atividade investigativa desde que seja proposto como tarefa para 
ser realizada além do contexto de uma única aula. Ao realizarem o experimento, os 
estudantes podem atuar sobre as variáveis intervenientes, verificando como isso se 
reflete no valor medido para a carga elementar, e essas descobertas podem ser 
trazidas para a escola para serem apresentadas e discutidas com os colegas, por 
exemplo, com base também em investigações bibliográficas e produções próprias. 
II. A determinação da carga elementar e o contexto escolar 
A carga elementar foi inicialmente medida por Thomson a partir da 
descoberta do elétron, em 1897, utilizando um método que envolvia uma câmara 
 
Rocha Filho, J. B. et al. 
 
331
de bolhas sob ação de raios X ou raios gama. Thomson chegou ao valor de 
1,1×10-19C, mas seu método foi modificado por Millikan, que passou a utilizar 
óleo em vez de água, pois a evaporação das gotículas de água tendia a produzir 
resultados subestimados, terminando por obter o valor de 1,59×10-19C. O 
experimento de Millikan é geralmente apresentado nos livros de Física Moderna, e 
o método baseia-se na ionização por atrito de gotas de óleo muito pequenas, 
borrifadas entre duas placas paralelas de um capacitor. Conforme a diferença de 
potencial entre as placas, uma força elétrica maior ou menor atua sobre as gotas 
carregadas, de modo que, eventualmente, é possível compensar a força 
gravitacional, fazendo com que algumas gotas fiquem suspensas. Quando a força 
elétrica é removida, as gotas caem até atingir uma velocidade terminal, a partir da 
qual a intensidade da força viscosa equivale à força gravitacional. Essa velocidade 
é determinada com o auxílio de um microscópio, observando a distância percorrida 
pelas gotas num dado intervalo de tempo. A força viscosa atua segundo a Lei de 
Stokes e é dependente da viscosidade do meio, da velocidade terminal e do raio da 
gota. A partir dessas informações pode-se determinar a massa da gota e, 
posteriormente, a carga do elétron (EISBERG, 1979). 
O equipamento laboratorial necessário para determinação da carga do 
elétron por esse método quase sempre está disponível nas faculdades e nos 
institutos queformam professores de Física, mas raramente é encontrado em 
escolas de nível médio devido aos elevados custos de aquisição e manutenção 
associados. Além disso, o método de Millikan envolve equipamentos de precisão, 
como fontes de altas tensões, variáveis e estáveis, e sistemas ópticos sensíveis, 
fazendo com que a realização do experimento se constitua em um processo 
delicado, que exige ambiente controlado e grande disponibilidade de tempo. Por 
tudo isso esse é um experimento que, via de regra, é abordado no Ensino Médio 
apenas teoricamente, sob o ponto de vista histórico do desenvolvimento da Física. 
Como há muitos outros experimentos igualmente educativos e interessantes que 
podem ser feitos com baixo dispêndio de recursos, é difícil argumentar em favor 
da realização do experimento de Millikan nas escolas. Em muitos casos, porém, 
mesmo sendo de baixo custo, nenhum experimento é realizado. 
 
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III. Eletrólise da água 
A eletrólise da água é um processo que consiste na quebra das ligações da 
molécula de H2O com o auxílio de uma célula eletrolítica na qual ocorre uma 
reação de oxidação-redução não-espontânea, provocada por uma corrente elétrica 
introduzida no sistema por meio de um gerador externo. Nesse sistema, condutores 
elétricos ligam a fonte de alimentação à célula eletrolítica, que consiste em dois 
eletrodos mergulhados em uma solução aquosa que contém íons positivos e 
negativos provenientes tanto do soluto quanto da água. A passagem de corrente 
elétrica contínua pelo circuito induz a produção de oxigênio molecular, derivado 
da oxidação do cátodo, e hidrogênio molecular, derivado da redução do ânodo, na 
proporção de uma molécula de oxigênio para duas moléculas de hidrogênio. 
Sendo isolante elétrica quando pura, a passagem da corrente elétrica pela 
água ocorre apenas na presença de substâncias dissociáveis, como sais, bases ou 
ácidos. A corrente elétrica é a responsável pela entrada de energia no sistema, sem 
a qual a molécula de H2O não poderia ser rompida. Os eletrodos que formam o 
ânodo e o cátodo da célula eletrolítica também desempenham um papel importante 
no processo, pois reagem com os íons móveis da solução aquosa, produzindo 
substâncias que se dissolvem na solução ou se depositam nos próprios eletrodos ou 
no fundo da célula. O detalhamento da reação química da eletrólise da água na 
presença de hidróxido de sódio é apresentado no item a seguir. 
IV. O experimento 
O experimento consiste na captura e medição do volume de gás produzido 
durante a eletrólise de uma solução aquosa de hidróxido de sódio (NaOH), durante 
certo tempo, sob determinada corrente elétrica, em uma montagem semelhante à 
mostrada na Fig. 1. 
A reação química da eletrólise da água em presença de hidróxido de sódio 
envolve a produção de oxigênio molecular (O2) no ânodo, que pode ser 
representada por: 
4OH⎯(aq) → 2H2O + O2(g) + 4e⎯ (1) 
 
e hidrogênio molecular (H2) no cátodo, que pode ser representada por: 
4H+(aq) + 4e- → 2H2(g) (2) 
 
A reação indica que, para cada dois elétrons que percorrem o circuito, 
teremos a produção de uma molécula de hidrogênio, por isso haverá um fator dois 
 
Rocha Filho, J. B. et al. 
 
333
a considerar no cálculo da carga elementar. Para simplificar o processo, optamos 
por não separar os tubos de captura gasosa dos eletrodos, então o gás armazenado 
no interior do tubo de ensaio é composto por hidrogênio e oxigênio, na proporção 
de duas moléculas de H2 para uma molécula de O2. Isso se repete no volume total, 
isto é, 2/3 do volume de gás corresponde ao hidrogênio, enquanto 1/3 desse 
mesmo volume corresponde ao oxigênio. Como cada átomo de hidrogênio é 
liberado pela troca de um elétron com o íon hidroxila (OH⎯) dissolvido na solução, 
pode-se determinar o número de elétrons que circularam no sistema pela 
quantidade de moléculas de hidrogênio contidas no volume de gás produzido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fig. 1 - Diagrama da montagem do experimento. 
 
 
Se a fonte de alimentação for substituída por pilhas ou baterias, ou não 
dispuser de miliamperímetro e possibilidade de ajuste de tensão, o professor deve 
providenciar um miliamperímetro separado, assim como um potenciômetro ou 
reostato, ligando-os de maneira que a corrente elétrica possa ser medida 
continuamente, e ajustada, quando necessário. Essa exigência relaciona-se ao fato 
de que a corrente tende a mudar lentamente durante o período de realização da 
88:88:88 
CLOCK 
Fonte 
Cronômetro Proveta graduada 
Tubo de Ensaio 
Rolha
Eletrodos 
Fios de ligação 
Tubo
Solução 
mA V 
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eletrólise em função da alteração da superfície dos eletrodos e da temperatura da 
solução, e o experimentador precisa corrigir frequentemente esse valor para que 
permaneça tão constante quanto possível. Bons resultados podem ser obtidos numa 
ampla gama de correntes e tensões. A Fig. 2 mostra o aspecto real de uma das 
montagens realizadas pelos estudantes. 
Além da temperatura da solução, a corrente elétrica no processo 
eletrolítico depende da área imersa dos eletrodos, da concentração de hidróxido de 
sódio e da tensão aplicada. Nós dissolvemos, em 100 ml de água pura, dez gotas de 
uma solução de 50% (em peso) de NaOH, mas essa não é uma variável crítica no 
experimento, de maneira que o professor pode fazer a solução em concentrações 
diferentes, embora o tempo de realização da eletrólise possa aumentar se a 
concentração baixa mantiver a corrente elétrica em valores pequenos. Em números 
aproximados, cargas de 50 C produzem cerca de 10 ml de gás (hidrogênio mais 
oxigênio), que é um volume adequado para uma medição relativamente precisa em 
provetas pequenas. Se os 50 C forem obtidos sob corrente de 50 mA, será preciso 
cerca de 16 min de eletrólise, enquanto que, para 5 mA, esse tempo aumenta para 
quase 3 h, tornando o experimento difícil de ser realizado no contexto de uma aula 
de Física. Assim, é conveniente que o professor adapte os valores das grandezas de 
influência para adequá-las à situação pedagógica na qual pretende usar o 
experimento. 
Os eletrodos consistem em minas de grafite de lápis ou lapiseiras 
comuns, com cerca de 10 cm de comprimento, introduzidas em dois condutos 
previamente perfurados em rolhas plásticas adequadas aos tubos de ensaio 
disponíveis. A maior parte das minas fica imersa na solução, e apenas uma 
pequena parte permanece do lado externo da rolha, para conexão elétrica à fonte de 
alimentação, tendo-se o cuidado de vedar com cola quente as eventuais folgas por 
onde o líquido possa escorrer. Na mesma rolha, um terceiro furo transpassante 
recebe um pequeno tubo responsável pelo escoamento da solução expulsa pela 
produção dos gases da eletrólise. Como esse gás ocupa certo volume, que antes era 
ocupado pela solução, esta escapa pelo tubo e é recolhida em uma proveta 
graduada. Se for utilizada uma proveta graduada invertida, em vez do tubo de 
ensaio, é possível medir o volume gasoso diretamente na proveta e não a partir do 
recolhimento da solução que escapa pelo tubo. É uma questão de escolha, e o 
professor pode fazer os ajustes quejulgar convenientes, pois há grande 
flexibilidade nos procedimentos deste experimento. 
As minas de grafite são opções adequadas para os eletrodos porque 
mantêm a solução limpa e transparente durante todo o experimento, além de serem 
 
Rocha Filho, J. B. et al. 
 
335
materiais de fácil obtenção, do cotidiano dos estudantes. Eletrodos feitos com fios 
de aço inoxidável produzem resultados igualmente satisfatórios, e são 
mecanicamente mais resistentes que as minas de grafite, sendo uma ótima opção se 
puderem ser obtidos com facilidade. 
 
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Fig. 2 - Aspecto da montagem do experimento. 
 
 
 
Rocha Filho, J. B. et al. 
 
337
V. Cuidados e recomendações 
 Como as medições de correntes elétricas e intervalos de tempo são 
realizadas com o auxílio de instrumentos digitais precisos, para garantir um 
resultado aceitável do ponto de vista didático, basta que o professor oriente seus 
alunos para que cuidem que a corrente não varie ao longo do intervalo de tempo da 
eletrólise, ajustando-a sempre que necessário, para que o cronômetro seja acionado 
corretamente no início e no final do processo, e para que a medição do volume 
gasoso seja feita com atenção. A não ser em situações especiais, envolvendo erros 
grosseiros ou defeitos nos instrumentos de medição, a incerteza do processo tende 
a ser pequena. 
Uma forma prática de definir a duração da eletrólise é estabelecer certo 
volume de referência como objetivo a ser alcançado pelos estudantes (10ml ou 
25ml, por exemplo). Quando esse volume é atingido, o cronômetro é travado e dá-
se por encerrado o procedimento de coleta de dados. Medições de volume podem 
introduzir acréscimos importantes na incerteza do processo porque envolvem 
vidraria e comparação visual. É conveniente, assim, que o professor oriente 
especialmente seus estudantes sobre como realizar corretamente a leitura da 
indicação de volume em uma proveta graduada. 
É recomendável, também, que as partes das minas de grafite que ficam 
para fora da rolha não sejam conectadas diretamente aos fios da fonte e do 
miliamperímetro, pois são frágeis, quebrando-se com facilidade. Para protegê-las 
de esforços podem-se enrolar nelas pequenos pedaços de fios rígidos finos, de 
telefonia, prendendo esses fios na haste de suporte, na rolha ou em outro ponto 
fixo, ligando-os, posteriormente, à fonte de alimentação. Dessa forma, os esforços 
mecânicos aplicados aos fios ligados ao circuito não são transmitidos às minas, 
protegendo-as de fraturas. 
Após o preenchimento do tubo de ensaio com a solução de NaOH é 
necessário que se introduza a rolha suave e firmemente, de modo que não reste no 
tubo de saída qualquer bolha de ar, pois isso faria com que o volume de solução 
expulso fosse menor que o volume de gás produzido pela eletrólise, afetando o 
resultado de forma importante. O orifício do tubo de saída da solução deve ser 
mantido afastado da superfície interna da proveta e do líquido nela armazenado, 
para que a solução escoe por gotejamento do tubo para a proveta. Sem esse 
cuidado a solução pode escorrer, esvaziando parcialmente o tubo de saída, 
introduzindo erros na medição do volume. 
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O uso de hidróxido de sódio (NaOH) é conveniente, ao invés de outras 
bases, sais ou ácidos, pois pode ser obtido com facilidade e cada um de seus íons 
troca apenas um elétron com os eletrodos, resultando em um cálculo que conduz 
diretamente à carga elementar. Entretanto, outras substâncias podem ser utilizadas, 
desde que o professor esteja disposto a discutir com os alunos os resultados 
obtidos, que podem ser múltiplos inteiros da carga do elétron, como efeito das 
diferentes valências dos íons. 
VI. Resultados experimentais 
O experimento foi aplicado em uma turma de Instrumentação para o 
Ensino de Física, de um curso de Licenciatura em Física, e também em turmas de 
Ensino Médio que participam de um programa de integração escola-universidade. 
Nos testes iniciais usamos diferentes correntes elétricas, volumes variados, 
eletrodos metálicos e outros eletrólitos, porém nos testes didáticos optamos pela 
utilização de hidróxido de sódio dissolvido em água, com eletrodos de grafite, 
pelas razões explicitadas anteriormente. Além disso, propusemos recolhimento 
gasoso total de 10ml e 25ml, por serem valores adequados às provetas disponíveis, 
e correntes de 0,10A e 0,20A, aproveitando as escalas mais sensíveis dos 
multímetros comuns. Cada grupo de estudantes utilizou rolhas, grafites, provetas, 
fontes e multímetros diferentes, e preparou a própria rolha, fazendo nela a furação 
necessária para adaptação dos eletrodos e do tubo de saída da solução. 
Também tivemos o cuidado de comparar a indicação de corrente dos 
diversos multímetros, para evitar o uso de instrumentos com desvios exagerados, e 
com o mesmo objetivo comparamos a indicação volumétrica das provetas com a 
massa correspondente da água nelas contida, com o auxílio de uma balança digital. 
Embora idealmente esses instrumentos pudessem ser calibrados, esse não é um 
procedimento usual no dia-a-dia escolar, então aceitamos nossos testes 
comparativos como suficientes para o uso que deles fizemos. Durante esta 
aplicação, os dados obtidos pelos diversos grupos foram armazenados e são 
mostrados na tabela 1. 
Na tabela 1 a carga que circulou pela solução eletrolítica foi calculada 
pela multiplicação da corrente elétrica pelo tempo de realização do experimento. 
 (3) 
 
Dois terços do volume gasoso total V correspondem ao volume do 
hidrogênio molecular VH. 
(4) 
tiQ ⋅=
3
2⋅=VVH
 
Rocha Filho, J. B. et al. 
 
339
3
2VVH =itQ =
HVN 4,22
1002,6 23×= N
Qe
2
−=−
Tabela 1 – Dados obtidos pelos diferentes grupos de estudantes. 
 
Determinação da Carga Elementar por Eletrólise da Água 
Soluto: NaOH - Solvente: Água - Eletrodos: Grafite 
Cor-
rente 
Elé-
trica 
Intervalo 
de tempo 
de medi-
ção 
 
Carga 
elétrica Volume 
gasoso 
total 
 
Volume de 
hidrogênio 
 
Número de 
moléculas de 
hidrogênio 
 
Carga 
e-
lementar 
i (A) t (s) Q (C) V (l) VH (l) N e⎯ (C) 
0,10 547 54,7 0,010 0,0067 1,8.1020 - 1,52.10-19 
0,10 543 54,3 0,010 0,0067 1,8.1020 - 1,51.10-19 
0,10 535 53,5 0,010 0,0067 1,8.1020 - 1,49.10-19 
0,10 1533 153,3 0,025 0,0167 4,5.1020 - 1,70.10-19 
0,10 1588 158,8 0,025 0,0167 4,5.1020 - 1,76.10-19 
0,20 277 55,4 0,010 0,0067 1,8.1020 - 1,54.10-19 
0,20 278 55,6 0,010 0,0067 1,8.1020 - 1,54.10-19 
 
 O número N de moléculas de hidrogênio (H2) contidas no volume VH foi 
calculado por uma proporção simples, supondo que o experimento foi realizado 
nas CNTP e, portanto, 6,02.1023 moléculas ocupariam um volume de 22,4 litros. 
 (5) 
 
E, finalmente, a carga elementar foi calculada dividindo-se a carga total 
circulante Q pelo dobro do número de moléculas de H2 recolhidas. O fator 2 surge 
porque são necessários dois elétrons para produzir uma molécula de H2. 
 (6) 
 
VII. Incerteza do método 
Como o experimentofoi desenvolvido com o objetivo de ser um método 
simples de determinação da carga do elétron para turmas iniciantes no estudo da 
eletricidade, não foram feitas correções para as condições normais de temperatura 
e pressão (CNTP), ou para o volume de vapor de água gerado. Essas duas 
correções tendem a introduzir desvios de sinais opostos no resultado final, de 
HVN 4,22
1002,6 23⋅=
N
Qe
2
=−
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modo que a desconsideração simultânea de ambas produz erros menores do que se 
apenas uma delas fosse desprezada. Assim, foi feita uma aproximação supondo 
que um mol de hidrogênio molecular ocupa 22,4 litros nas condições do 
experimento. Essa aproximação introduziu um erro avaliado em até 7% no valor 
calculado para a carga elementar, que foi acrescentado à planilha de cálculo de 
incerteza como uma fonte não instrumental. A correção quanto às CNTP e quanto 
ao volume de vapor de água, entretanto, pode ser útil e interessante se os alunos 
envolvidos tiverem estudado previamente a teoria dos gases, ou estiverem às 
vésperas de fazê-lo. Sob critério do professor, portanto, a correção pode ou não ser 
feita. 
Embora os licenciandos estivessem aptos a realizar a estimativa da 
incerteza associada a essa medição, esse procedimento não foi proposto porque a 
maior parte do grupo – os estudantes do Ensino Médio – não estava familiarizada 
com a determinação de incertezas em situações experimentais. Por outro lado, a 
correção dos erros sistemáticos dos instrumentos de medição utilizados teria que se 
valer de calibração, o que não é procedimento usual em se tratando de 
instrumentos didáticos. A incerteza global, por fim, não poderia ser associada à 
incerteza tipo A, resultante do cálculo do desvio padrão experimental da média dos 
valores, pois, para isso, os dados deveriam ter sido obtidos “... sob mesmas 
condições de medição...” (ABNT, INMETRO, SBM, 1998, p.10), o que não foi o 
caso. Entretanto, uma planilha de cálculo de incerteza pode ser útil para que se 
tenha uma estimativa da precisão e das limitações do método. 
Uma estimativa da incerteza tipo B, baseada nas especificações gerais dos 
fabricantes dos instrumentos e das simplificações, pode ser calculada sem 
referência a médias de valores resultantes de medição. Assim, o cálculo mostrado 
na tabela 2 segue as recomendações da Associação Brasileira de Normas Técnicas, 
da Sociedade Brasileira de Metrologia e do Instituto Nacional de Metrologia e 
Qualidade Industrial, explicitadas no Guia Para Expressão da Incerteza de 
Medição (ibid.). Os dados da tabela derivam de estimativas referentes à 
instrumentação e às simplificações utilizadas, então a distribuição de probabilidade 
pode ser considerada retangular, o que implica o divisor 3 e os graus de 
liberdade (GL) infinitos. 
Na tabela 2, observa-se que a incerteza combinada (Uc) foi expandida (U) 
por um fator (k) igual a 2, para um nível de confiança de 95%, e que a maior fonte 
de incerteza instrumental provém da flutuação na corrente da fonte de alimentação. 
Em uma situação melhorada, o experimentador pode recorrer a uma fonte de 
corrente constante, reduzindo substancialmente esta parcela. Outra contribuição 
 
Rocha Filho, J. B. et al. 
 
341
expressiva é a decorrente da não correção volumétrica quanto ao experimento não 
ter sido realizado nas CNTP, e quanto ao valor de vapor de água contido no 
volume gasoso. Mas este item pode ser eliminado se estas correções forem feitas. 
Por fim, obtemos um valor próximo a 10%, que é razoável para aplicações 
didáticas, especialmente considerando a relativa simplicidade do experimento, que 
pode ser repetido com facilidade em diversos contextos escolares. 
 
Tabela 2 – Estimativa da incerteza introduzida pela instrumentação e 
simplificações. 
 
Índice Tipo Fonte Valor Distribuição 
de Probabili-
dade 
Divisor Fator Incerteza 
Padronizada 
GL 
0 B Miliamperíme-
tro 
± 0,25 % 
do fundo 
de escala
Retangular √3 1 ± 0,14 % ∞ 
1 B Proveta ± 3 % da 
indica-
ção 
Retangular √3 1 ± 1,7 % ∞ 
2 B Cronômetro ± 1 s 
Δt: 500s 
Retangular √3 
(1/500).100
% 
± 0,12 % ∞ 
3 B Flutuação da 
corrente 
± 5 % Retangular √3 1 ± 2,9 % ∞ 
4 B Aproximação 
das CNTP e 
volume de vapor
± 7 % Retangular √3 1 ± 4,0 % ∞ 
Uc Uc = ± (0,142 + 1,72 + 0,122 + 2,92 + 4,02)1/2 … Uc = 5,2 % 
GL ∞
K 2 
U ± 10,4 % 
 
 
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VIII. Considerações finais 
Propor atividades experimentais é um gesto que tem potencial para 
despertar no professor o reconhecimento de seu papel revolucionário e urgente, e 
nos estudantes o interesse por uma ciência que permeia a vida cotidiana. O País 
sofre com um déficit de cinquenta e cinco mil professores de Física, segundo os 
dados governamentais apresentados por Rocha Filho, Basso e Borges (2007), em 
parte porque os jovens não tiveram chance de realizar investigações ou descobrir a 
ciência. Seus professores, pelos mais variados motivos, muitos deles justificáveis, 
porém passíveis de superação, perderam chances de despertar nos jovens a vontade 
de sondar o universo, insistindo em aulas teóricas que, sem o aporte experimental, 
perdem o sentido. 
Se o professor desejar explicações suplementares sobre qualquer aspecto 
deste experimento, está convidado a entrar em contato conosco por meio dos 
endereços eletrônicos dos autores, disponibilizados na revista. 
Referências 
ABNT; INMETRO; SBM. Guia para a expressão da incerteza de medição. Rio 
de Janeiro: ABNT, 1998. 121p. 
DEMO, P. Educar pela Pesquisa. Campinas: Autores Associados, 1998. 129 p. 
EISBERG, R. M. Fundamentos da Física Moderna. Rio de Janeiro: Guanabara 
Dois, 1979. 643 p. 
FELTRE, R. Fundamentos de Química. São Paulo: Moderna, 1996. v. único. 646 
p. 
ROCHA FILHO, J. B.; BASSO, N. R. S.; BORGES, R. M. R. Transdisciplinari-
dade: a natureza íntima da educação científica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007. 
131 p.

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