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DIREITO CIVIL CONTRATOS ROTEIRO DE ESTUDOS II Prof.ª Ma. Thaís Assunção Nunes OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 O contrato na perspectiva Civil-Constitucional Princípios são regramentos básicos aplicáveis a um determinado instituto jurídico, no caso em questão, aos contratos. Os princípios são abstraídos das normas, dos costumes, da doutrina, da jurisprudência e de aspectos políticos, econômicos e sociais. Os princípios podem estar expressos na norma, mas não necessariamente. Menciona-se o princípio da função social dos contratos que é expresso no Código Civil (art. 421 e 2.035, parágrafo único), mas implícito ao Código de Defesa do Consumidor e à CLT. O contrato, no Estado Liberal, era visto apenas como um instrumento através do qual se realizava o intercâmbio econômico entre indivíduos. A autonomia da vontade era princípio supremo dos contratos, determinando os efeitos e o alcance das convenções realizadas entre os particulares. Os princípios contratuais clássicos da teoria liberal são: 1) liberdade contratual 2) obrigatoriedade do contrato (pacta sunt servanda) 3) relatividade dos efeitos contratuais. A mudança de referencial, provocada pelas necessidades sociais pungentes à época e pela consciência de que os modelos clássicos não mais atendiam aos anseios da sociedade, teve como consequência uma nova postura institucional que refletiu sobre todo o direito, incluindo a teoria do contrato. Tal reflexo teve como consequência não o abandono dos princípios clássicos contratuais, mas sim o surgimento de outros, que visam flexibilizá-los, adequando-os à nova realidade social. O Estado Democrático de Direito, consagrado no país pelo marco da Constituição da República Brasileira de 1988, inseriu no ordenamento jurídico pátrio certos princípios voltados para a priorização crescente de normas públicas que harmonizassem a esfera individual e a social. Assim, a nova concepção do Direito Contratual não se limita à existência dos três princípios supramencionados, mas abrange ainda: princípio da autonomia da vontade ou do consensualismo; Princípio da força obrigatória do contrato; Princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato; Princípio da função social do contrato; Princípio da boa-fé objetiva; Princípio da equivalência material. Importante salientar que a existência de novos princípios não elimina os clássicos, mas os enriquece, na medida em que acrescenta fundamentos éticos e funcionais à sua interpretação e emprego no caso concreto. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA O princípio da dignidade da pessoa humana é um conceito filosófico e abstrato que determina o valor inerente da moralidade, espiritualidade e honra de todo o ser humano. Se o ser humano é a fonte de todos os valores que a humanidade perpetua, então não há nada mais importante e valioso para se proteger do que a dignidade do indivíduo. É a partir desse pensamento que o princípio da dignidade humana atua no ordenamento jurídico brasileiro. Visto como o pilar do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana é a base de todo o direito dos países democráticos de todo o mundo. Ao mesmo tempo, pela sua natureza filosófica, é algo de controvérsia e desconhecimento. Por ser o princípio mais importante do ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da dignidade humana se encontra no artigo 1º da Constituição Federal, em seu inciso III: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; (...) Dentro da Carta Maior brasileira, a dignidade da pessoa humana se apresenta com dos fundamentos primários da constituição do Estado Democrático de Direito do país. Isso determina que todas as outras legislações devem obrigatoriamente considerar a dignidade da pessoa humana para a sua existência, impedindo a criação de normativas que coloquem o ser humano em condição degradante para a sua honra, espiritualidade e dignidade. O princípio da dignidade humana, por ser um princípio fundamental da constituição do Brasil enquanto um Estado Democrático de Direito, pode ser vista por toda a legislação e pelo ordenamento jurídico do país. 1. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE Trata-se do princípio contratual que garante as pessoas liberdade para contratar. Tal liberdade abrange: o direito de contratar ou não contratar, a escolha da pessoa com quem quer contratar o conteúdo do contrato. As partes envolvidas no contrato tem ampla faculdade para fixar as regras regentes do mesmo sem a necessidade da interferência do Estado. Configura um poder que tem os contratantes de disciplinar os seus interesses mediante um acordo de vontades. Podem celebrar contratos nominados (típicos), quando optarem por modelos contratuais previstos no ordenamento jurídico, bem como, fazendo combinações criarem um modelo de contrato de acordo com suas necessidades, dando origem a contratos inominados (atípicos). Essa liberdade contratual está prevista no Código Civil no artigo 421 que dispõe: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Da mesma forma, existe previsão do princípio em questão também no artigo 425 do Código Civil, onde menciona que: Art. 425. É lícitos às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Todavia, alguns doutrinadores atentos a evolução do direito e da sociedade entendem, que o princípio da autonomia da vontade vem sofrendo cada vez mais limitações em seus três aspectos. Os doutrinadores entendem que a autonomia privada deve sofrer os seguintes condicionamentos: da Lei: a lei, manifestação maior do poder estatal, interfere no âmbito da autonomia privada, sem aniquilá-la, para salvaguardar o bem geral; da Moral: trata-se de uma limitação de ordem subjetiva, com forte carga ético-valorativa; da Ordem Pública: impõe a observância de princípios superiores, ligados ao Direito, à Política e à Economia. 1.1 PRINCÍPIO DO CONSENSUALISMO Por este princípio para o aperfeiçoamento do contrato basta pura e simplesmente o acordo de vontades, o consentimento. Afastando-se assim, do apego ao formalismo e ao simbolismo para se considerar formado o contrato. Seguindo uma moderna concepção, no direito brasileiro prevalece como regra a forma livre para a realização dos contratos, ou seja, cabe as partes escolher se preferem celebrar o contrato por escrito público, particular ou verbalmente, salvo nos casos que a lei impõe determinada forma (escrita pública ou particular) para dar maior segurança e seriedade ao negócio, como por exemplo, a compra e venda de automóveis, de imóveis, etc. 2. PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS Este princípio também é denominado de princípio da intangibilidade ou da força vinculante dos contratos. Retrata o referido princípio a força vinculante das convenções, o que foi ajustado entre as partes. O contrato tem assim verdadeira força de lei entre as partes que dele participam, fazendo assim jus a expressão em latim “pacta sunt servanda” (os pactos devem ser cumpridos). O princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada.Para a visão concepcionista clássica as únicas exceções a obrigatoriedade pregada por este princípio seria a possibilidade de por ato bilateral voluntário, ambas as partes rescindirem o contrato ou pelo emprego de escusa por caso fortuito ou força maior, inserida no artigo 393 e parágrafo único do Código Civil. No direito moderno, no entanto, a intangibilidade ou imutabilidade do contrato relacionada a impossibilidade de alteração ou revogação do pactuado, passa agora a ser vista de forma mais atenuada, já que entende-se existir a possibilidade de intervenção judicial modificando o conteúdo de certos contratos para corrigir o seu equilíbrio, ante a desproporcional prestação de uma das partes que a impede de adimplir o contrato. Nota-se, os efeitos da incorporação de forma expressa no novo Código Civil da cláusula “rebus sic stantibus” (CC, arts. 478 a 480). Ainda que a finalidade seja a busca do interesse social com a promoção do equilíbrio contratual, da equivalência das prestações, tal princípio não desaparece no direito atual, porque se faz imprescindível sua decorrente segurança deixada nas relações jurídicas, porquanto, o Código Civil deixa claro as responsabilidade acarretadas pelo descumprimento do contrato (CC, art. 389). Com efeito, o que não se tolera mais é a obrigatoriedade do respeito ao pactuado quando as partes se encontram em patamares diversos e dessa disparidade ocorra proveito injustificado. 3. PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE SUBJETIVA DOS EFEITOS DO CONTRATO Entende-se que, os efeitos do contrato só se produzem exclusivamente entre as partes, isto é, entre aqueles que manifestaram a sua vontade, não aproveitando nem prejudicando terceiros. Considerando a distinção entre os efeitos internos e externos do contrato podemos dizer que os efeitos internos do contrato somente afetaria aos partícipes do negócio, pois não pode uma relação contratual impor direitos e obrigações a terceiros. Fundado na doutrina de que o contrato é tangível, palpável, nesse sentido as exceções ao princípio poderiam se manifestar, nos considerados efeitos externos, percebido por outras pessoas que dele não participam. Há obrigações que de forma reflexa estendem seus efeitos a terceiros inegavelmente, como por exemplo, na estipulação em favor de terceiro (CC, arts. 436 a 438), a situação de ser herdeiro universal de um contratante (CC, art. 1.792) e as convenções coletivas de trabalho. O conceito inicialmente dado ao princípio em referência mostra-se coerente ao modelo clássico, que objetivava exclusivamente a satisfação dos interesses individuais e, por isso, só produzia efeitos entre aqueles que haviam celebrado. Com o advento e aplicação do novo Código Civil compreende-se que o princípio da relatividade dos efeitos do contrato foi bastante mitigado pelo reconhecimento das cláusulas gerais, por conter normas de ordem pública que não se destinam a tutelar apenas interesses particulares como também o interesses da coletividade, que deve prevalecer no conflito com aqueles. 4. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO Efetivamente, a função social é agora considerado princípio aplicado aos contratos, afirmação que se confirma ante a leitura no Código Civil do artigo 421 e do parágrafo único do artigo 2.035, sem correspondentes no Código Civil de 1916. Procurou o novo diploma em afirmação aos seus ideais de socialidade aproximar-se do que já se exigia quando do exercício da propriedade pelo texto constitucional e, assim, semelhantemente ao princípio da função social da propriedade, a liberdade contratual não pode divorciar-se da tida função. O contrato passa ser visto como um dos fatores de alteração da realidade social, como um instrumento de realização do bem comum. Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma função social, a fim de que ele seja concluído em benefício não só dos contratantes como também do interesse público, representando um dos meios primordiais de desenvolvimento. O artigo 421 institui a função social do contrato, revitalizando-o, para atender aos interesses sociais, limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio da coletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando o reajuste das prestações e até mesmo sua resolução. A função social do contrato serve precipuamente para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar. Esse princípio desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade. Essa constatação tem como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros não propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos, quando da inserção de cláusulas que venham injustificadamente a prejudicá-los. Alguns exemplos de contratos que não cumprem com sua função social, não tendo interesse coletivo, não merecendo assim proteção judicial: - venda de produto ou serviço mediante propaganda enganosa; - alienação de bens fraudando credores; - ato negocial que conduz à concorrência desleal; - negócio simulado para prejudicar terceiros; turismo sexual por agência de viagens, etc. 5. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ O princípio da boa-fé exige que as partes se comportem de uma forma correta não só durante as tratativas preliminares como também durante a formação, na execução do contrato, na extinção e após esta. A regra da boa-fé é uma cláusula geral para a aplicação do direito obrigacional, bem como, o fim social do contrato e a ordem pública. É uma norma legal aberta, onde cabe ao juiz estabelecer a conduta que deveria ter sido adotada pelo contratante no caso concreto. Preceitua o artigo 422 do Código Civil: Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé. Pela doutrina compreende-se que a probidade mencionada no artigo 422 do Código Civil, acima transcrito, nada mais é senão um dos aspectos objetivos do princípio da boa-fé, isto é, a honestidade de proceder os deveres. A moderna doutrina entende que o referido princípio se divide em princípio da boa-fé objetiva (ou concepção ética da boa-fé) e da boa-fé subjetiva (ou concepção psicológica da boa-fé). A boa-fé subjetiva diz respeito a um estado de consciência, a ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificador, impeditivo ou violador de seu direito. É um aspecto psicológico de crer que sua conduta é a correta, como por exemplo, na posse de boa-fé, as hipóteses de casamento putativo, etc. Isso serve de proteção àqueles que a princípio tem a consciência de estar agindo conforme o direito, apesar de na realidade não estar. O intérprete deve considerar a intenção, o estado psicológico, a íntima convicção do sujeito da relação jurídica para descobrir quando a pessoa agiu de boa ou má-fé, seja no aspecto subjetivo ou no objetivo. Já a boa-fé objetiva é aquela que constitui inovação do Código Civil de 2002 e pode ser definida como uma regra de comportamento, ou seja, o dever das partes em agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade. É Entendida como sendo uma exigência comportamental, onde os contratantes devem agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos.O Código Civil, além do disposto no artigo 422, nos desperta para a observância da boa-fé objetiva também nos artigos 113 e 187: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 187. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Pelo prisma do vigente Código, há três funções nítidas no conceito de boa-fé objetiva: função interpretativa e de colmatação (art. 113); função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção (art. 421) função delimitadora do exercício de direitos subjetivos (187); Função interpretativa e de colmatação Art. 113 Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Guarda essa função íntima conexão com a diretriz consagrada na regra de ouro da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo a qual o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum. O preceito da boa-fé na sua função interpretadora visa a aplicação das normas jurídicas nos contratos civis, atentando-se sempre para outros princípios, como a conduta ética das partes, assim como a probidade da relação jurídica convencionada entre as partes. Uma característica que se destaca dessa função é a possibilidade dos magistrados utilizarem sua função integradora. Isto é, a boa-fé objetiva deve ser utilizada como um instrumento hermenêutico. Portanto, surgindo lacunas quando da interpretação, a cláusula da boa-fé objetiva deve ser interpretada pelo aplicador do direito com a finalidade de preencher tais lacunas. O intérprete jurídico ao fazer uso da função integradora deve, sem hesitar, homenagear a conduta leal, ética, proba, dentre outras. Função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção A boa-fé objetiva se caracteriza por ser um princípio pragmático, diferente daqueles que ficam no mundo das ideias. Com isso, devido a essa praticidade, essa cláusula geral acaba criando deveres que são colaterais a conduta ética e proba das partes. Alguns doutrinadores se propuseram a elencar alguns desses deveres. Cite-se, por exemplo, Tartuce que arrola os seguintes deveres: - dever de cuidado em relação à outra parte negocial; - dever de respeito; - dever de informar a outra parte quanto ao conteúdo do negócio; - dever de agir conforme a confiança; - dever de probidade; - dever de colaboração ou cooperação; - dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão. Esse rol de deveres, evidentemente, não é taxativo. Pelo contrário, é meramente exemplificativo. Percebe-se que os deveres acima citados pelo doutrinador civilista são capazes de demonstrar quanto a cláusula da boa-fé é fundamental para uma boa relação contratual. A doutrina interpreta essa regra como sendo uma espécie de violação positiva do contrato, que enseja o inadimplemento obrigacional. A I jornada de Direito civil, de agosto de 2002, aprovou o enunciado 24. Diz o referido enunciado: “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no artigo 422 do Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa” A doutrina interpreta essa regra como sendo uma espécie de violação positiva do contrato, que enseja o inadimplemento obrigacional. O enunciado 363 do CFJ (Conselho da Justiça Federal), da IV Jornada, preceitua que os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, assim, portanto, a parte lesada não está obrigada a provar culpa ou dolo, mas apenas demonstrar a existência da violação. Isso corrobora com a tese de que a boa-fé objetiva é uma cláusula de ordem pública. Quanto ao artigo 167, parágrafo segundo, do Código Civil, aduzimos que o negócio jurídico simulado não prejudica terceiros de boa-fé. Ou seja, tal dispositivo consagra a ideia de que a boa-fé indiscutivelmente trata-se de norma de ordem pública, pois neste caso, o terceiro que agir de boa-fé é protegido, tendo seus direitos resguardados. Função delimitadora do exercício de direitos subjetivos Os novos princípios, trazidos no novo código civil, estão correlacionados com o preceito constitucional da dignidade da pessoa humana. Porque atribuiu aos negócios jurídicos uma visão mais social, mais humana, combatendo a prevalência dos direitos subjetivos, que de certa forma acabava deixando uma das partes em estado de vulnerabilidade. Busca-se, portanto, com o princípio da boa-fé objetiva a humanização das relações contratuais, sem perder o foco no desenvolvimento econômico e social. Corroborando com o entendimento de que os contratos agora ganharam um contorno mais social está o artigo 187 do Código Civil ao tratar dos atos ilícitos. O dispositivo ensina que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. DESDOBRAMENTOS DA BOA-FÉ OBJETIVA O princípio da boa-fé objetiva tem raiz no Direito alemão, na famosa expressão treu und glauben. Literalmente, essas expressões podem ser traduzidas ao português como “lealdade” e “confiança”. Na linguagem jurídica, aquelas palavras foram incorporadas ao Direito brasileiro com a denominação “boa-fé objetiva”, positivada no art. 422 do Código Civil. Em termos gerais, a boa-fé objetiva é uma cláusula geral que impõe o dever de as partes manterem um padrão de comportamento marcado pela lealdade, honestidade, cooperação, de modo que uma não se lese a legítima confiança depositada pela outra. O princípio da boa-fé objetiva possui diversos desdobramentos ou funções reativas. Principais efeitos do desdobramento do princípio da boa-fé objetiva: 5.1 Venire contra factum próprio O desdobramento matriz da boa-fé objetiva é a regra proibitiva, de origens medievais, denominada venire contra factum proprio. Essa expressão, literalmente, pode ser traduzida como a proibição de “vir contra fato que é próprio”. Tecnicamente, em nome da segurança e da confiança, veda-se que um agente, em momentos diferentes, adote comportamentos contraditórios entre si, prejudicando outrem. O art. 330 do Código Civil é exemplo de dispositivo legal do quel se extrai norma derivada do venire contra factum proprio. De acordo com essa artigo, o pagamento reiteradamente feito em outro lugar faz presumir renúncia tácita do credor relativamente ao previsto no contrato. Assim, se o contrato previu que Campina Grande seria o local do pagamento, mas, durante certo período, o credor aceitou que o pagamento fosse feito em João Pessoa, ele não poderá alegar que o devedor cometeu ato ilícito. O art. 330 do Código Civil é exemplo de dispositivo legal do quel se extrai norma derivada do venire contra factum proprio. De acordo com essa artigo, o pagamento reiteradamente feito em outro lugar faz presumir renúncia tácita do credor relativamente ao previsto no contrato. Assim, se o contrato previu que Campina Grande seria o local do pagamento, mas, durante certo período, o credor aceitou que o pagamento fosse feito em João Pessoa, ele não poderá alegar que o devedor cometeu ato ilícito. 5.2Supressio O supressio se consuma quando a parte, ao deixar de exercer um direito, por determinado espaço de tempo, vem a perdê-lo devido à consolidação de situação favorável à outra parte, beneficiada pela surrectio. Quando uma parte perde um direito, sofre supressio. 5.3 Surrectio Quando uma parte perde um direito, sofre supressio; consequentemente, outra parte ganha algo, ocorrendo o surrectio. Nesse contexto, fica claro que o supressio e o surrectio são faces da mesma moeda ou derivações do venire contra factum proprio. No exemplo anterior, haverá o supressio do direito de o credor receber em Campina Grande e o surrectio do direito do devedor pagar em João Pessoa. 5.4 Tu quoque. Trata-se de uma partícula extraída da célebre frase dita por Júlio César ao ser apunhalado, covardemente e de surpresa, por seu filho: tu quoque Brutus filie mi (“até tu Brutos, filho meu”). Assim, o tu quoque, quando aplicado na relação privada, pretende evitar a quebra da confiança pelo comportamento marcado pela surpresa ou ineditismo. O tu quoque se constata em situações em que se verifica um comportamento que, rompendo com o valor da confiança, surpreende uma das partes da relação negocial, colocando-a em situação de injusta desvantagem. 5.5 Exceptio Doli É conclusivo pelo próprio título do desdobramento da boa-fé denominado exceptio doli que refere-se a uma exceção de dolo. Ou seja, a boa-fé objetiva não se observa quando determinada parte de um contrato vale-se de atitude dolosa com o intuito “não de preservar legítimos interesses, mas, sim, de prejudicar a parte contrária.” Conforme Pablo Stolze: “Uma aplicação deste desdobramento é brocardo agit qui petit quod statim redditurus est, em que se verifica uma sanção à parte que age com interesse de molestar a parte contrária e, portanto, pleiteando aquilo que deve ser restituído. O legislador buscou restringir condutas eivadas de dolo ao redigir o art. 940, do Código Civil, o qual garante a possibilidade de quem tenha sido acionado judicialmente por dívida paga, no todo, ou em parte, de cobrar judicialmente o dobro ou o mesmo valor como espécie de sanção. 5.6 Duty to Mitigate the Loss O supracitado desdobramento da boa-fé objetiva observa que o credor, dotado de certos poderes na relação com o devedor, deve evitar o agravamento do próprio prejuízo. Nesse sentido é o Enunciado n. 169, do CJF/STJ na III Jornada de Direito Civil: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. De forma exemplificativa à aplicação do duty mitigate the loss pode-se citar caso em que determinada empresa aluga uma sala comercial a uma pessoa física. Acontece que, já no início do contrato o locatário acaba tendo que mudar de cidade devido a motivo pessoal e simplesmente abandona o local. Nesse caso, não pode o Locador valer-se da situação e, mesmo sabendo que o Locatário abandonou o local persistir na cobrança de aluguéis até que consiga firmar contrato com terceiro. Tal situação configura verdadeira quebra da boa-fé objetiva ligada a duty mitigate the loss. 5.7 Inalegabilidade de nulidades formais Essa faceta da boa-fé objetiva tem a finalidade de evitar que o sujeito alegue nulidade formal em circunstâncias específicas. Entendimento mais claro se dá na leitura do art. 276 do CPC “quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa”. É o caso, por exemplo, do réu que comparece espontaneamente ao processo, não contesta, deixando ocorrer os efeitos da revelia e posteriormente pede nulidade da sentença por ausência de citação. Alguns exemplos de entendimentos jurisprudenciais: a) criação de obstáculos pelo recorrente com a interposição de repetitivos recursos protelatórios; b) alteração dos fatos alegados em juízo com vistas a induzir o julgador em erro; c) alegação de nulidade em momento posterior e mais conveniente à parte (nulidade algibeira); d) alegação de vicio processual, apenas, quando verificada que a sentença não foi favorável ao apelante entre tantos outros. 5.8 Desequilíbrio no exercício jurídico A menção ao desequilíbrio no exercício jurídico é nada mais, nada menos, do que o reconhecimento da função delimitadora do exercício de direitos subjetivos, exercida pela boa-fé objetiva. Com efeito, o exercício desproporcional e, por isso, abusivo de direitos caracteriza um ato ilícito que não pode ser tolerado pelo ordenamento jurídico. 5.9 Cláusula de Stoppel “Cláusula de Stoppel” ou “Cláusula de Estoppel” expressão oriunda do direito internacional, que busca a preservação da Boa-Fé, e consequentemente, a segurança nas relações jurídicas no campo das relações negociais internacionais. Consiste, em síntese, na vedação do comportamento contraditório no plano do Direito Internacional. 6. Princípio da equivalência material O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O princípio clássico pacta sunt servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas. O princípio da equivalência material rompe a barreira de contenção da igualdade jurídica e formal, que caracterizou a concepção liberal e clássica do contrato. Ao juiz estava vedada a consideração da desigualdade real dos poderes contratuais ou o desequilíbrio de direitos e deveres, pois o contrato fazia lei entre as partes, formalmente iguais, pouco importando o abuso ou exploração da mais fraca pela mais forte. O princípio da equivalência material desenvolve-se em dois aspectos distintos: aspecto subjetivo e objetivo. Aspecto subjetivo: O aspecto subjetivo leva em conta a identificação do poder contratual dominante das partes e a presunção legal de vulnerabilidade. A lei presume juridicamente vulneráveis o trabalhador, o inquilino, o consumidor, o aderente de contrato de adesão. Essa presunção é absoluta, pois não pode ser afastada pela apreciação do caso concreto. Aspecto objetivo: O aspecto objetivo considera o real desequilíbrio de direitos e deveres contratuais que pode estar presente na celebração do contrato ou na eventual mudança do equilíbrio em virtude de circunstâncias supervenientes que levem a onerosidade excessiva para uma das partes. image1.png image2.png image3.jpg image4.jpg