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TÍTULO AINFLUÊNCIA DA ESTÉTICA ROMÂNTICA NA FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO IDEOLÓGICO DO NAZISMO E SUAS OPOSIÇÕES À ARTE MODERNA NA ALEMANHA SO SÉCULO XX Sávio Ezequiel Lizardo Rodrigues Tavares RESUMO O estudo investiga como a estética do Romantismo alemão contribuiu para a formação do imaginário ideológico do nacional-socialismo, examinando de que modo símbolos românticos — como a exaltação da pátria, o ideal heroico, o culto ao corpo masculino e a figura da mulher-mãe — foram apropriados para legitimar políticas culturais e a perseguição à arte moderna. A pesquisa adota o método de análise bibliográfica, fundamentando-se em autores clássicos e contemporâneos para compreender os vínculos entre produção artística, pensamento político e construção de identidade nacional. O estudo demonstra que o Romantismo não apenas forneceu temas estéticos, mas também estruturou formas específicas de sentir e interpretar o mundo, posteriormente distorcidas pelo nazismo para compor uma visão racializada e totalitária de nação. Os resultados indicam que essa herança simbólica foi essencial para fortalecer o apelo emocional do regime e justificar práticas de exclusão cultural, como o ataque à Bauhaus e às vanguardas. Conclui-se que a manipulação do legado romântico pelo nacional-socialismo evidencia a força política da arte e reforça a necessidade de compreender criticamente a circulação histórica de imaginários estéticos. Palavras-chave: Romantismo alemão. Nazismo. Estética. Ideologia. Cultura política. 1. INTRODUÇÃO Ao discutir o papel das disciplinas escolares, é comum que professores se vejam obrigados a justificar sua relevância prática perante alunos, famílias e a sociedade. Entre essas disciplinas, a arte frequentemente é reduzida a um simples repertório cultural ou a uma forma de expressão individual, sendo muitas vezes tratada como acessória dentro do currículo. Contudo, a produção artística, em diferentes períodos históricos, não apenas reflete sensibilidades estéticas, mas também participa ativamente da construção de ideologias, valores e formas de perceber o mundo (CABELLO, 2024). No contexto europeu dos séculos XIX e XX, a arte romântica adquiriu papel central na formação de identidades coletivas, mobilizando símbolos de pátria, heroísmo, espiritualidade e nostalgia. Na Alemanha, em particular, o Romantismo ultrapassou os limites da expressão estética, tornando-se elemento estruturador da visão de mundo de gerações inteiras. Quando avançamos para o período do nacional-socialismo, é possível identificar nesse movimento político a apropriação e reinterpretação desses ideais românticos, transformando-os em instrumento de propaganda, coesão identitária e manipulação simbólica (DUARTE, 2011). Diante desse cenário, pensando de acordo com o estudo de Bortullucce (2008), este trabalho delimita-se a investigar como a arte romântica alemã contribuiu para moldar o imaginário estético e ideológico que fundamentou parte do pensamento nazista na primeira metade do século XX. Assim, a questão- problema que orienta a pesquisa é: de que modo a estética romântica — marcada pela exaltação da pátria, pela valorização do sublime, do corpo masculino e da figura feminina idealizada — influenciou a formação do ideário nacional-socialista e justificou a perseguição às vertentes artísticas modernas? Trabalhamos com a hipótese de que o nazismo, ao rejeitar as transformações culturais modernas, resgatou seletivamente elementos do Romantismo para construir uma visão de mundo nostálgica e idealizada. Supõe- se que essa estética romântica reforçou um modelo de pureza étnica, disciplina corporal e exaltação nacional, funcionando como base simbólica para legitimar perseguições a artistas modernistas, rotulados como “degenerados”. Outra hipótese é que a arte moderna, por romper com o passado mítico-romântico, tenha sido vista como ameaça à narrativa identitária que o regime buscava impor. O objetivo geral deste trabalho é analisar de que forma a arte romântica alemã moldou o pensamento estético e ideológico do nazismo. Para alcançá-lo, estabelecem-se como objetivos específicos: (a) examinar os fundamentos filosóficos e culturais do Romantismo alemão; (b) identificar elementos românticos apropriados pelo nacional-socialismo; (c) compreender como tais elementos foram utilizados para justificar políticas culturais e repressivas; (d) analisar a perseguição à arte moderna, especialmente à Bauhaus, como reação ao rompimento com valores românticos tradicionais. A relevância desta pesquisa reside no fato de que compreender o diálogo entre estética e ideologia permite interpretar com maior profundidade os mecanismos de construção simbólica utilizados por regimes totalitários. Em um contexto contemporâneo de crescente polarização política e de reinterpretações distorcidas do passado, investigar como a arte contribuiu para sustentar práticas autoritárias torna-se fundamental tanto para o campo da História da Arte quanto para a sociedade em geral. Ao analisar criticamente essa relação, contribuímos para desnaturalizar discursos que ainda hoje se apropriam de símbolos românticos e nacionalistas com fins políticos. A metodologia adotada nesta pesquisa é de natureza bibliográfica, baseada na análise de obras de referência sobre Romantismo, estética alemã, ideologia nazista e políticas culturais do Terceiro Reich. Foram consultados livros, artigos científicos e documentos históricos que permitiram identificar convergências e divergências entre diferentes autores. O procedimento consistiu em revisão, seleção, comparação e interpretação crítica das fontes, a fim de construir uma análise consistente sobre como a estética romântica atuou como instrumento ideológico no nazismo. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DO ROMANTISMO ALEMÃO O Romantismo alemão surgiu no final do século XVIII como uma reação estética e intelectual ao Iluminismo e ao racionalismo excessivamente mecanicista que dominava o pensamento europeu. Enquanto o Iluminismo valorizava a razão universal, os românticos defendiam a subjetividade, a emoção e a particularidade cultural como caminhos legítimos para compreender o mundo. Nesse contexto, a experiência individual, o sentimento e a imaginação foram elevados à condição de fontes essenciais de conhecimento, substituindo a rigidez racional por uma visão mais intuitiva e espiritual da realidade. Entre os principais fundamentos filosóficos está a noção de Volksgeist, elaborada por Johann Gottfried Herder, de acordo com Oliveira (2022), que propunha que cada povo possui um “espírito” próprio manifestado na língua, nos costumes e na arte. Essa ideia valorizava a identidade nacional e reforçava a percepção de que a cultura alemã deveria ser compreendida a partir de suas raízes históricas e simbólicas, não pela mera imitação de padrões clássicos ou estrangeiros. Esse princípio abriu caminho para a busca romântica por um passado germânico idealizado, alimentando um sentimento nacional profundo. Outro conceito fundamental foi a visão idealista de Friedrich Schiller e Friedrich Schelling, que associavam arte, liberdade e natureza. Para eles, a criação artística era uma expressão da união entre razão e sensibilidade, permitindo ao ser humano alcançar uma forma superior de harmonia espiritual. Schelling, especialmente, via a natureza como um organismo vivo carregado de força criadora, o que contribuiu para a estética romântica de paisagens sublimes, ruínas medievais e ambientes carregados de simbolismo. Essa integração entre natureza e espírito fundamentou boa parte da sensibilidade artística do período (HERDER, 1995). Por fim, o Romantismo alemão também recebeu influência das ideias de Fichte, especialmente da noção de que a consciência humana cria e transforma a realidade. Para ele, o“Eu” é uma força ativa, capaz de produzir e modificar o mundo por meio da imaginação e da arte. Essa visão reforçou o valor romântico da subjetividade, isto é, da experiência interior e da expressão pessoal. Assim, elementos como espiritualidade, identidade cultural e idealismo formaram a base que orientou a literatura, a música, a pintura e toda a sensibilidade romântica na Alemanha, deixando um impacto duradouro na cultura europeia (WENG, 1994). 2.1.1 Contexto histórico do Romantismo na Europa A consolidação do Romantismo alemão deve ser compreendida a partir das profundas transformações sociais e políticas que marcaram o final do século XVIII. A Revolução Francesa e o avanço da industrialização reconfiguraram a estrutura das sociedades europeias, gerando, simultaneamente, novas possibilidades e novas formas de insegurança cultural. Enquanto o Iluminismo defendia um modelo de racionalidade universal, capaz de ordenar moral e politicamente o mundo, muitos intelectuais alemães perceberam que tal racionalidade não dava conta das rupturas emocionais e espirituais vividas pelo indivíduo moderno. Nesse contexto, o Romantismo surge como resposta ao sentimento de fragmentação provocado pela modernidade nascente (ZAKARIA, 2024). A crítica romântica ao racionalismo iluminista, especialmente entre os pensadores do círculo de Jena, propunha uma revalorização da sensibilidade, da imaginação e da experiência subjetiva. Para esses autores, a razão sozinha não poderia sustentar um projeto humano integral. A estética torna-se, então, um caminho de reconciliação entre natureza e espírito, entre sujeito e mundo. Schiller, uma das referências centrais desse movimento, formula uma teoria estética que busca restaurar o equilíbrio perdido pelas tensões políticas e sociais do período. Em sua interpretação, a racionalidade abstrata rompeu a unidade orgânica do ser humano, e somente a educação estética poderia reconstituí-la. Como afirma: O Estado, fundado apenas na razão, jamais poderá satisfazer a totalidade da natureza humana, pois este exige não apenas leis, mas também beleza; não apenas ordem, mas também liberdade interior. A formação estética é, portanto, o caminho pelo qual o homem pode reconciliar em si a razão e o sentimento. (SCHILLER, 2006, p. 89). Essa crítica estética desempenhou papel decisivo na formação do pensamento político-cultural alemão. A Alemanha, ainda fragmentada em pequenos Estados e principados autônomos, não possuía uma unidade política comparável à França ou à Inglaterra. Assim, o Romantismo passou a investir na ideia de uma unidade espiritual e cultural anterior à unidade territorial — no conceito de Kulturnation, amplamente desenvolvido por Herder. Nesse processo, a cultura, a língua e a memória comum tornaram-se elementos centrais de identificação coletiva, oferecendo uma alternativa simbólica à falta de unificação política efetiva. Dessa forma, as transformações sociais e econômicas do período, somadas à crítica ao racionalismo e à busca de um princípio unificador para a nação alemã, consolidaram um ambiente fértil para o desenvolvimento do Romantismo. O movimento não apenas reagiu às tensões de seu tempo, mas também ofereceu um modelo de compreensão do mundo em que arte, política e identidade nacional se entrelaçam profundamente. A teoria estética de Schiller, articulada às contribuições de Herder, Fichte e Hölderlin, tornou-se, assim, um dos alicerces intelectuais da construção cultural que posteriormente influenciaria diversas formas de nacionalismo alemão — inclusive aquelas que seriam instrumentalizadas no século XX. 2.1.2 Transformações sociais e políticas (Revolução Francesa, Industrialização); Reação ao racionalismo iluminista e a formação do sistema alemão. O Romantismo alemão desenvolveu-se em meio a profundas transformações sociais e políticas que marcaram o fim do século XVIII e o início do XIX. A Revolução Francesa rompeu com a ordem tradicional europeia e introduziu novos paradigmas políticos — liberdade, cidadania e soberania popular — que reverberaram intensamente nos territórios germânicos. Somado a isso, o início da industrialização alterou padrões produtivos, urbanos e sociais, reforçando sensações de desenraizamento e crise cultural. Pensadores românticos perceberam que a nova sociedade moderna, centrada no progresso material e na racionalização da vida, precisava de um contraponto cultural que defendesse espiritualidade, história e comunidade. Nessa atmosfera, a filosofia romântica ganhou força como resposta crítica à mecanização da existência e à padronização social emergente. A reação ao racionalismo iluminista foi um dos pilares centrais do Romantismo. Autores como Johann Gottfried Herder — amplamente traduzido para o português — rejeitavam a ideia iluminista de que a razão abstrata poderia explicar todo comportamento humano. Em sua obra, Herder defendia que cada povo possui sua própria “alma nacional” (Volksgeist), formada por língua, costumes, memória e tradição, elementos que não poderiam ser reduzidos a um modelo racional universal. Essa crítica se estendia também à filosofia cartesiana e ao ideal de neutralidade científica defendido por parte dos iluministas, considerados incapazes de explicar dimensões subjetivas como sentimento, criatividade e pertencimento cultural. Desse modo, o Romantismo propôs uma síntese entre sensibilidades individuais e valores comunitários, contrapondo emoção à frieza racional (HERDER, 1995). No contexto alemão, fragmentado em dezenas de Estados autônomos, o Romantismo teve papel essencial na consolidação do sentimento nacional. Enquanto a Alemanha não existia como Estado unificado, autores como Friedrich Schiller enfatizavam a formação ética e estética do indivíduo como caminho para a autonomia dos povos germânicos. A ideia de que cada cultura possui originalidade e profundidade próprias — defendida por Herder — fortaleceu o discurso de unidade cultural antes de qualquer unificação política. Assim, o movimento romântico ajudou a produzir uma consciência coletiva de germanidade, que ultrapassava fronteiras dinásticas e territoriais. Esse processo foi intensificado pelas guerras napoleônicas, que estimularam a valorização do passado germânico e reforçaram a identidade nacional (HERDER, 1995). O Romantismo alemão, portanto, emergiu como um movimento filosófico que respondia a tensões modernas, articulando crítica social, busca por identidade e valorização da subjetividade. A combinação entre rejeição ao racionalismo iluminista, reação às transformações modernas e exaltação do espírito nacional germânico produziu uma síntese poderosa. Essa visão romântica — com seus ideais de nação orgânica, memória histórica e unidade espiritual — influenciaria não apenas o pensamento filosófico, mas, posteriormente, discursos político-ideológicos presentes na Alemanha do século XIX e XX. Assim, compreender esses fundamentos é essencial para analisar como elementos estéticos e filosóficos do Romantismo puderam ser apropriados, reinterpretados ou distorcidos por movimentos posteriores, incluindo o nacional- socialismo (SCHILLER, 2006). 2.1.3 Características estéticas do Romantismo alemão A estética do Romantismo alemão caracteriza-se pela compreensão da natureza como realidade espiritual e não como simples cenário externo. Para os autores desse movimento, o mundo natural funciona como um organismo vivo que expressa significados ocultos e estabelece diálogo profundo com a interioridade humana. A paisagem, portanto, não é apenas objeto de contemplação, mas via de revelação metafísica e de aproximação do mistério, ampliando sua função estética, existencial e simbólica (DE SOUZA, 2014). Outra dimensão essencial é a valorização do passado mítico germânico comofundamento da identidade coletiva. Os românticos entendiam que a história, a língua, as tradições e os costumes populares constituíam expressões do espírito de um povo, funcionando como laços culturais que garantiam continuidade e pertencimento. Dessa perspectiva, o resgate de narrativas antigas não equivalia a nostalgia, mas consolidava uma visão de cultura como organismo vivo, cuja memória histórica sustentava o presente e projetava horizontes de unidade simbólica. Integra também esse repertório a figura do herói trágico, representado como indivíduo moralmente intenso, que encontra grandeza justamente na resistência às limitações impostas pelo destino. O heroísmo romântico não se define pela vitória, mas pela fidelidade ao ideal, mesmo diante do fracasso. Esse modelo ético dialoga com a busca interior por um “lar espiritual”, entendida como o processo formativo pelo qual o sujeito procura sua própria completude. A jornada humana, nessa perspectiva, é concebida como movimento de aproximação a um centro íntimo, onde se harmonizam sensibilidade, razão e identidade. Por fim, o Romantismo alemão estruturou um conjunto de símbolos que ultrapassou a esfera artística e se integrou a projetos culturais e políticos posteriores. A idealização do corpo masculino disciplinado, a imagem feminina associada à pátria afetiva, o herói melancólico, o povo concebido como unidade espiritual e a natureza sublime constituíram dispositivos estéticos capazes de modelar imaginários coletivos. A força desses símbolos explica sua reativação em contextos distintos ao longo dos séculos, demonstrando como o Romantismo não apenas produziu obras, mas instituiu formas duradouras de sentir, interpretar e organizar o mundo. 2.2 A ARTE COMO CONSTRUÇÃO DE VISÃO DE MUNDO A arte funciona historicamente como um dos meios mais potentes de construção de visão de mundo, pois não apenas representa a realidade, mas cria modos de percebê-la. Como explica Hans Belting (2005), a arte não é apenas algo produzido por uma cultura; ela é também aquilo que produz cultura, porque organiza formas de olhar e de lembrar. Dessa forma, a produção artística — seja literária, pictórica ou musical — molda a sensibilidade coletiva, naturalizando certas interpretações do passado e do presente como se fossem verdades evidentes. Ao escolher símbolos, atmosferas e narrativas, a arte seleciona o que deve ser lembrado, o que deve ser esquecido e o que deve ser emocionalmente valorizado, contribuindo para formar visões coletivas de identidade, pertencimento e destino histórico. Além disso, a arte consolida imaginários que ultrapassam o campo estético, tornando-se um instrumento de legitimação de projetos políticos e identitários. Ernst Cassirer afirma que os seres humanos existem dentro de “um universo simbólico composto por mitos, religiões, artes e linguagens, que não apenas expressam a realidade, mas a constituem. Assim, a arte não é um simples reflexo da vida social: ela funciona como um sistema ativo de construção de sentido. Quando um movimento artístico — como o Romantismo alemão, por exemplo — se torna hegemônico, ele estabelece gramáticas simbólicas que orientam emoções, expectativas e formas de agir, podendo, inclusive, dar sustentação estética e emocional a projetos nacionais, ideológicos ou autoritários (GRAESER, 1994). 2.3 O ROMANTISMO COMO BASE DO NACIONALISMO ALEMÃO O Romantismo alemão teve papel decisivo na formação de um imaginário nacional, algo amplamente analisado por Michael Löwy e Robert Sayre em Revolta e Melancolia: o Romantismo na contramão da modernidade. Para os autores, o Romantismo expressava tanto crítica quanto saudade de um passado idealizado, fornecendo símbolos que alimentavam a ideia de comunidade espiritual alemã (Volksgeist). Eles afirmam que o Romantismo “exprime uma crítica cultural global da modernidade capitalista”, criando um espaço imaginativo onde a nação podia ser vista não como instituição jurídica, mas como totalidade orgânica, cultural e emocional (LÖWY, 2017). No entanto, essa mesma estrutura simbólica — a ideia de um povo unido por essência espiritual, ancestralidade e destino comum — seria mais tarde deturpada e instrumentalizada pelo nacional-socialismo. Löwy e Sayre (2015) insistem que o Romantismo não contém, em si, elementos fascistas, mas que certos aspectos, como o culto ao passado mítico, a exaltação da natureza e a busca por unidade espiritual, puderam ser reinterpretados de forma autoritária. Nesse sentido, eles observam que algumas tendências românticas puderam, em contextos específicos, ser desviadas para projetos de direita radical, ainda que isso represente uma ruptura violenta com o pensamento original dos românticos. Ao relacionar Romantismo e nazismo, o ponto central não é uma continuidade direta, mas a apropriação seletiva de temas românticos por ideólogos do Terceiro Reich. A estética nacional-socialista buscou legitimidade ao manipular imagens de passado heroico, pureza comunitária e identidade orgânica — temas que o Romantismo tratava de maneira poética, crítica ou espiritual, mas nunca racial ou genocida. Löwy e Sayre (2015) mostram que o nazismo realizou uma “perversão da nostalgia romântica”, convertendo-a em propaganda étnico-racial. Assim, elementos culturais originalmente ligados à crítica da modernidade foram transformados em ferramentas de exclusão e violência, demonstrando como símbolos literários e estéticos podem ser reconfigurados dentro de projetos políticos destrutivos. 2.4 A ESTÉTICA ROMÂNTICA COMO FUNDAMENTO IDEOLÓGICO A estética romântica alemã, originalmente centrada na exaltação da natureza sublime, na valorização de um passado heroico e na ideia de povo como unidade espiritual, acabou convertendo-se em um repertório simbólico disponível para apropriações políticas posteriores. No contexto do nacional-socialismo, esses elementos foram reinterpretados como instrumentos de legitimação de um nacionalismo extremo. Mitos como a pureza originária, o heroísmo sacrificial e a ligação quase mística entre comunidade e natureza passaram a alimentar discursos que buscavam apresentar o regime como herdeiro direto de uma grande tradição espiritual germânica (SILVA, 2023). Nesse processo, a política da SS (Schutzstaffel) desempenhou papel central ao transformar motivos românticos em rituais políticos. Suas cerimônias faziam uso de cenários escuros, tochas, ruínas e ambientes naturais cuidadosamente construídos para produzir uma atmosfera de mistério e ancestralidade, reforçando a ideia de pertencimento a uma comunidade unida por destino, sangue e espiritualidade. Essa estética, embora apresentada como herança autêntica, era na verdade uma recriação artificial e ideológica de imaginários que o romantismo havia difundido no século XIX. A apropriação também moldou a política artística e arquitetônica do regime, que via a arte como meio de formação moral e espiritual da população. A monumentalidade, a pureza formal e a grandiosidade inspirada em modelos clássicos foram reinterpretadas como expressão da suposta grandeza eterna do povo alemão. Projetos arquitetônicos ambiciosos, concebidos como símbolos de força e unidade, utilizavam essa fusão entre tradição romantizada e estética monumental para consolidar uma narrativa de continuidade histórica destinada a justificar o poder totalitário. O projeto do grande museu planejado para Linz sintetizava essa visão ao ser idealizado como centro espiritual e cultural de um futuro império. Ele funcionaria como espaço de consagração de uma arte considerada pura, eterna e superior, reforçando a ideia de que a sensibilidadecoletiva deveria ser reorganizada segundo os valores estéticos definidos pelo regime. Assim, o romantismo, reinterpretado e distorcido, tornou-se alicerce de uma política de engenharia cultural voltada à construção de uma identidade nacional homogênea e subordinada ao projeto totalitário. 2.5 OFENSIVA CONTRA A ARTE MODERNA A ascensão do nazismo representou uma ruptura violenta com toda a tradição artística moderna europeia. A estética do regime buscava “pureza”, ordem e monumentalidade, rejeitando qualquer forma de experimentação que evocasse subjetividade, distorção ou cosmopolitismo. Como observa Stephanie Barron, estudiosa da política cultural do Terceiro Reich, a arte moderna foi oficialmente condenada porque “encarnava tudo aquilo que o regime considerava degenerado: internacionalismo, intelectualismo e a recusa de padrões raciais idealizados” (BARRON, 1995). Ao promover uma campanha estatal contra artistas, museus e escolas, o nazismo transformou a arte em instrumento ideológico, reduzindo sua função a ilustrar a supremacia racial e o destino histórico imaginado para o povo alemão. Entre os principais alvos dessa perseguição esteve a Bauhaus, símbolo da vanguarda artística e arquitetônica do início do século XX. A escola representava exatamente o contrário do projeto hitlerista: integração das artes, inovação técnica, interdisciplinaridade e internacionalização cultural. Walter Gropius, seu fundador, já defendia desde 1919 que a Bauhaus deveria unir arte, artesanato e tecnologia em um novo espírito de criação, livre dos preconceitos nacionalistas e das amarras de tradição morta (GROPIUS, 2009). Não surpreende, portanto, que o regime a visse como ameaça. Como destaca Peter Gay, o modernismo — e especialmente a Bauhaus — era intolerável para o nazismo porque rompia com o culto à obediência, preferindo a autonomia criativa e o experimentalismo (GAY, 2009). A pressão política, a vigilância policial e a hostilidade oficial acabaram levando ao fechamento definitivo da instituição em 1933, marcando o fim de um dos movimentos artísticos mais inovadores do século XX. 3. CONCLUSÃO A análise desenvolvida ao longo deste trabalho permite afirmar que as hipóteses iniciais foram confirmadas: a estética do Romantismo alemão forneceu ao nacional-socialismo um repertório simbólico, emocional e imagético capaz de sustentar parte de sua visão de mundo, especialmente no que diz respeito à exaltação da pátria, da natureza idealizada, da pureza coletiva e do heroísmo sacrificial. Embora o nazismo não possa ser entendido como simples continuidade do Romantismo, uma vez que o regime instrumentaliza a cultura e desvirtua muitos de seus princípios, é evidente que ele se apropria de certas matrizes românticas para legitimar seu projeto ideológico. A idealização do passado germânico, o culto ao corpo do guerreiro e a figura feminina como guardiã da comunidade são retomados de forma sistemática, convertidos em instrumento de propaganda política e de engenharia social. A investigação também demonstrou que essa herança estética se torna um instrumento ativo de exclusão, pois o nazismo utiliza os símbolos românticos como critério de distinção entre aquilo que seria considerado “verdadeiramente alemão” e o que deveria ser rejeitado como degenerado ou antinacional. Nesse sentido, o movimento identifica nas vanguardas modernistas um inimigo cultural, acusando-as de romper com os valores espirituais da nação. A perseguição à arte moderna, incluindo a Bauhaus, revela como o regime transforma a estética em arma política, reforçando uma visão homogênea de povo, raça e identidade. Assim, a estrutura simbólica romântica, esvaziada de seu caráter filosófico e sentimental originalmente plural, converte-se no discurso rígido de uma ideologia totalitária. Por fim, conclui-se que a articulação entre Romantismo e nazismo não é linear, mas construída por meio de seleções, supressões e manipulações. O Romantismo, enquanto movimento cultural complexo e multifacetado, abrigou tanto tendências libertárias quanto impulsos nacionalistas, e foi justamente essa ambiguidade que permitiu ao nazismo explorar seletivamente certos elementos estéticos e mitológicos. A pesquisa demonstra que o imaginário romântico, quando dissociado de seus fundamentos humanistas e colocado a serviço de uma política de exclusão, pode ser reinterpretado como justificativa para projetos autoritários. Assim, o estudo reforça a importância de compreender como formas artísticas e simbólicas são mobilizadas politicamente e como sua apropriação indevida pode gerar consequências históricas devastadoras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRON, Stephanie. German Expressionism: Documents from the End of the Wilhelmine Empire to the Rise of National Socialism. Univ of California Press, 1995. BELTING, Hans. Por uma antropologia da imagem. Revista Concinnitas, v. 2, n. 8, p. 64-78, 2005. BORTULLUCCE, Vanessa Beatriz. A arte dos regimes totalitários do séc. XX. Annablume Editora, 2008. CABELLO, Camila Faustinoni. Manifestações artísticas: Culturas e sociedades. Editora Senac São Paulo, 2024. DE SOUSA BARROSO, Gabriel Lago. Arte e política no romantismo alemão. 2014. DUARTE, Pedro. Estio do tempo: romantismo e estética moderna. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2011. GAY, Peter. Modernismo: o fascínio da heresia; de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Companhia das Letras, 2009. 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