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A PÓLIS E OS METECOS Prof. Dr. Ettore Quaranta 2 A PÓLIS E OS METECOS O crescimento de Atenas se deu pela longa evolução das cidades gregas em relação ao poder naval que levara desde o século VII, à disputa de rotas e hegemonias, tanto ligada à colonização que se iniciara no século anterior quanto a verdadeiros interesses mercantis individualistas das pólis. Essas, suscetíveis desde o período homérico, quando se rompera o centralismo micênico, facilmente se dividem, se separam, se individualizam: o exemplo da guerra lelantina, no século VII, dividira o mundo helênico em dois grandes grupos, em uma luta por poucas léguas com duração de quase cem anos. Uma série de domínios do mar, talassocracias, acompanhará a evolução das cidades gregas, desde o período arcaico. O aparecimento da trirreme, invenção coríntia, colocará esta cidade em primeiro plano no comércio do Egeu e nas rotas de colonização. Seu poder nunca minará por completo até o irromper dos conflitos diretos com Atenas no final do século V. Este ambiente de rivalidades entre as pólis fazia crescer, a altos custos, o poder bélico delas e é o caso da própria Atenas, que faz crescer seu poder naval fazendo frente ao poder representado pela sua vizinha, a ilha de Egina, pequena ilha, mas “argueiro dos olhos do Pireu”, como era dito. Egina, frente ao porto ateniense, lhe barrava o comércio aberto e lhe opunha as primeiras moedas cunhadas na Grécia até o momento que recebe guarnições, lá por 457 a.C., do exército ateniense que lhe coloca dentro do império. Somente em momentos difíceis de enfrentar um inimigo comum que cessam as rivalidades e foi quando houve o enfrentamento dos ataques persas que as cidades gregas se unirão em âmbito federal, surgindo a ideia da Hélade de todos os gregos. Na verdade, a oposição aos persas está também ligada a interesses mercantis desenvolvidos no território helênico, sem comparação 3 com a evolução econômica da Ásia. Esta, herdeira dos grandes impérios antigos que renasciam agora no poderio persa, conservava a estrutura arcaica da idade do Bronze, onde o predomínio da economia palaciana provocava uma drenagem de riquezas para os tesouros reais, como se caracterizavam os antigos impérios do Oriente. Uma intensa arrecadação inibia obviamente as atividades mercantis livres que caracterizam a chamada idade do Ferro, com mercados livres. E é nesta segunda fase da economia antiga que se localizam as cidades gregas. O próprio nome de cidade em grego, pólis, está ligado ao elemento mercantil de troca, compra e venda do verbo poléo, o que é bem expressivo do significado novo que a cidade toma, independente de ser apenas área de concentração, de recrutamento, poderio real ou templário, onde o comércio está limitado à nobreza religiosa e militar. Grupos comerciais crescem nas cidades gregas que, cada vez mais, estará no âmbito internacional de trocas, contínuo movimento que as salvara do fechamento trevoso do período pós- micênico: a abertura comercial internacional. Mas era impossível apenas a cidadãos das pólis assumirem tal tarefa, por isto abrem espaço a outros gregos de outras cidades gregas ou estrangeiras que crescerão muito, talvez ao número entre vinte e trinta mil, os ativos economicamente dentro do sistema econômico da pólis. Devido a esta presença cada vez maior de estrangeiros participantes das atividades mercantis, trabalhos, Marinha e artesanato, o cidadão comum se afastará cada vez mais dos ofícios mercantis, artesanais, produtivos de forma geral. A qualificação de cidadão lhe garante a participação política total, a posse de terras, bens imóveis e serviço militar em situação de igualdade, desde que lhes foi garantida a liberdade jurídica total em relação a qualquer trabalho servil, reservado aos não-cidadãos. É ele quem detém a propriedade que, por muito tempo, será inalienável e só reservada a cidadãos, os que tinham o direito e dever de prestar a efebia, jurar pela terra, pelas divindades naturais e mais ninguém. Cientes deste direito, em todos os conflitos de crises levantarão sempre a reivindicação de terras, divisões agrárias, além dos finais de dívidas, que nenhum outro grupo, além dos cidadãos, poderia propor. 4 De forma geral, neste estrato social, a participação na cidadania vinha de pelo menos ter pai ateniense, não importando a mãe e foi o caso de renomados atenienses como Cimon, Temístocles, Clístenes e outros. Mas tudo muda depois da Lei de 451 a.C., de Péricles, exigindo pai e mãe atenienses como direito à cidadania, embora às vezes, a lei fora perturbada e não aplicada, pelo menos nas crises do final do século. Mas sendo pobre ou rico, o cidadão ateniense tem participação política assegurada nos direitos de cidadania, que podem ser sempre invocados para se proteger contra os elementos diferentes, na propriedade, na proposição de leis e em deveres civis e militares. Sem dúvida, o imposto sobre a renda, a eisforia, cai sempre sobre os mais ricos. Pertencente aos demos e inscrito neles, é o poder do conjunto desses demos que forma a Democracia, que se baseará cada vez mais na massa e a ela servirá todas as rendas do império, garantindo-lhe lideranças dentro da cidade e frente a todas as outras cidades gregas. O escravismo que cresce muito é uma força anônima, explorada em nome daqueles que gozam da Liberdade extrema e se acham no direito desta exploração doméstica, mineira, rural e urbana que não vai além de mercadoria, apesar do tratamento menos ruim que recebiam em Atenas, como concordam certas fontes e autores. São elementos nascidos em cativeiro, produtos de guerra, mesmo gregos ou estrangeiros, que podem pertencer aos cidadãos, ao Estado ou a qualquer homem livre estabelecido na cidade. Não temos fontes precisas no mundo helênico sobre este elemento como teremos nos tratados agronômicos latinos, posteriormente. Mas, mais interessante é a relação com outros elementos livres não- cidadãos, que pagam taxas, sendo necessários, portanto à produção artesanal, comércio em larga escala e na posse e uso da Marinha. O trabalho produtivo, em larga escala, será sinônimo de trabalho meteco, a grande fonte de renda do Estado ateniense. A Atenas que faz a grande exportação de vasos e produção óleo- vinícola, e tem o império como subserviente ao seu corpo de cidadãos, exige 5 que todas as rotas comerciais marítimas, todos os navios tenham o Pireu como ponto de chegada. É um conjunto imenso de atividades que somente os grupos estrangeiros comprometidos e dedicados ao grande lucro poderiam realizar, e nesta medida, aceitos sem conflito pelo grupo que goza da cidadania. Mas uma contradição enorme se estabelece: é a não participação política total dos grupos que criam a grande riqueza do Estado ateniense, isto é os metecos. Seus interesses mercantis em primeiro plano não tem representação política que pertence aos cidadãos que não tinham tais interesses em primeiro plano e só indiretamente se relacionavam com eles e, ao mesmo tempo tinham uma necessidade econômica vital deles para a sobrevivência econômica ativa da pólis. Mas, mesmo assim, nenhuma fonte nos indica que pudesse haver a formação de grupos fechados de metecos que se opusessem à pólis devido a esta falta de participação política, por ficarem quanto a esta representação, abaixo de qualquer téta, que pudesse fazer tramitar leis às vezes absurdas contra eles. Só podemos concluir que o regime democrático livre era o ideal para as atividades desses estrangeiros domiciliados em Atenas, e desta forma, se integravam com a cidade. A palavra meteco, métoikos, o que habita com, pedindo sempre um genitivo do local em que o meteco está, devidoao sentido da preposição metá, no sentido de com, companhia, aparece de forma definida um número relativamente grande de vezes, em autores antigos. Dando apenas o sentido de estrangeiro, sinônimo de xénos, que merece aceitação dos habitantes da cidade que deve acolhê-lo. E é assim que se exprime o texto de Ésquilo, As Suplicantes (600-614), projetando a Atenas do século V na assembleia popular de Argos, acolhendo legalmente as filhas de Dânao, buscando refúgio naquela cidade: Sem objeção, os argianos concordaram o que renovou meu coração; o povo de Argos aceitou e aprovou abalando o Céu: teremos aqui nesta terra o estatudo de metecos, livres e não sequestrável, protegidos contra todas as represálias humanas: ninguém, habitante ou estrangeiro, poderá prender-nos. Em caso de violência, todo 6 habitante deste país que não nos socorrer será atingido de atimia (morte cívica), exilado por sentença do povo. 1 O texto mostra a grande aceitação dos metecos, em pleno século V, no caso por Atenas, quando o sistema democrático os integrava ao máximo porque havia não só aceitação social e religiosa aos estrangeiros, de forma tradicional, mas necessidade econômica também desses elementos para a cidade. E tradição de integração que o nome meteco exprime vem de longe, desde tempos míticos, talvez guardados pela tradição. Basta olhar o texto de Plutarco (50-120 d.C.), Teseu, 24, comprovando a palavra Metóikia, festas de integração dos demos de Atenas, que fez nascer a própria cidade, que ocorria no verão, em Setembro, no mês de Boedrómion, instituídas pelo próprio Teseu, que faz nascer à própria cidade, na tradição mítica. Depois da morte de Egeu, concebeu Teseu um empreendimento grande e admirável, que foi o de reunir em uma só cidade todos os que habitavam a Ática fazendo os um único povo, sendo que antes estavam dispersos sem o vínculo da utilidade comum... uns cederam facilmente a suas exortações, a outros foi preciso propor um governo não monárquico mas popular... uns entraram por persuasão mas outros acharam melhor ceder, do que serem obrigados pela força. Dissolvendo as presidências e gerúsias particulares e instituindo uma presidência e um senado para todos como agora existem; à cidade se chamou Atenas e se estabeleceu um sacrifício comum a todos chamado Panatenéias. Criou também o sacrifício da união, chamado Metóikia, no dia dezesseis de Ecatombeón, que se celebra. Renunciando portanto à autoridade real, ordenava seu governo, tendo por princípio os deuses... Vemos assim que duas tradições se conservam sobre a data das festas das Metóikia, uma geral que a localiza em Setembro, e a outra, de Plutarco, que a localiza em Julho, no mês de Ecatombeón. Em todo caso, o sentido geral e vago do texto sobre “união” não especifica que tipo de habitante dos demos foram aceitos para formar a Ática, não só nativos de lá, mas possivelmente outros, de outras regiões do mundo helênico, até talvez de outros pontos bárbaros que foram aglutinados em uma grande festa de acolhimento e união que se chama Metóikia, vindo do substantivo métoikos, o que vem se estabelecer com, não importa de onde, portanto. Já Platão (427-347 a.C.), nas Leis, VIII, 850, propõe certas regras ao meteco, ou o faz observá-las: 1 AUSTIN, Michel; NAQUET, Pierre Vidal. Economia e sociedade na Grécia antiga. Lisboa: Ed. 70, Lisboa, sd. 7 ... que antes de tudo ele tenha um ofício, uma ocupação, e que permaneça na cidade não mais de vinte anos. Para conseguir a permissão de ficar para sempre, até a morte, deverá persuadir a Boulé e a Eclésia (o Conselho e a Assembléia) de que fez algum serviço significativo ao Estado. Senão, em caso contrário, deverá se retirar e poderá levar consigo os seus bens. Seus filhos, se desejarem, poderão permanecer, contando o tempo de vinte anos a partir da idade de quinze anos, tendo suas propriedades registradas no demos e o que sai deve cancelar seus registros junto aos magistrados da cidade. Não sabemos se fora seguido sempre esta norma na pólis, o que parece improvável, desde que o meteco pagasse o imposto de meteco, as doze dracmas para os homens anualmente e servisse à cidade, que necessitava dele. A isenção do metoíkion, do pagamento da taxa anual de meteco, para homens e mulheres e, portanto, a igualdade de impostos com os outros cidadãos, a isotelia, nos parece mais concreta nos textos, pelo menos seus pedidos, como no caso do pedido de Trasibulo, na restauração da Democracia. O problema do metoíkion é abordado por outros autores como Demostenes, Xenofonte (Sobre os rendimentos) e na simpática biografia de Fócio por Plutarco também, propondo a isotelia, mostrando, de forma geral, certa simpatia a certos metecos. Mas, talvez com certo desprezo, o meteco está representado nos Sete contra Tebas (548) quando Ésquilo mostra o inimigo, chamando-o de meteco, Partenopeu, pronto a atacar uma das portas de Tebas cercada pelas forças de Etéocles. E em Édipo Rei (452) a fala terrível da revelação de Tirésias confronta meteco com nativo, o Édipo que pensa ser um meteco na verdade era nativo da cidade de Tebas e onde chegara ao posto de Rei, no momento do desencadeamento trágico daquele texto. Xenofonte, ou melhor, o Pseudo Xenofonte, é mais peremptório em relação importância dos metecos para a Atenas comercial e democrática, na Constituição de Atenas ou República dos atenienses I, 10-12. Embora rapidamente o autor antigo compare escravos, metecos e homens livres, até mesmo cita os libertos e mostra a integração dentro do sistema ateniense, apesar das distâncias existentes entre as ordens: Em Atenas há a maior arbitrariedade incontrolada a respeito de escravos e metecos; não é possível surrá-los e um escravo não lhe dará passagem. Eu mostrarei o porquê desta prática: se fosse possível surrá-los, um cidadão seria confundido facilmente com um escravo, meteco ou liberto e seria surrado. Isto porque não se distingue cidadãos de escravos e metecos nem pela roupa nem por um exterior melhor... Temos então estabelecido uma certa igualdade entre escravos e libertos e entre metecos e cidadãos. Quanto aos metecos, a cidade necessita deles devido às muitas e diferentes atividades comerciais e também à Marinha. Por isto, concedemos aos metecos uma equidade. 8 Este texto é elucidativo tanto por apresentar a certa brandura da escravidão que existia em Atenas, em comparação com Esparta (que o autor faz entre o texto) sobre o que muitos autores se divergem, temendo uma visão idealizada da stefanouméne pólis, a cidade coroada de violetas, perfeita mesmo no tratamento dos elementos servis, e em relação com o elemento meteco. Este é livre integrado e, além de não se distinguir dos cidadãos, pode até ser mais vistoso, mais rico do que eles. Não há duvida de que, apesar da grande necessidade que a pólis tem do elemento estrangeiro que lhe ativa a economia e paga as taxas, nunca desapareceu por completo um fechamento em relação ao estrangeiro, que só será aplacado pela grande internacionalização do período helenístico e do período romano. Por isto haverá sempre vestígios de xenofobia, que aparecem principalmente em processos, em petições, quando as partes se constituem em cidadão e meteco e advirá principalmente das tendências aristocráticas, antidemocráticas que sentem certa admiração intensa pelo fechado sistema lacônico. Como tudo isto ocorre de forma esparsa, podemos dizer que foi a causa de os metecos nunca se agruparem politicamente e se oporem seriamente ao Estado ateniense (no máximo formam associações religiosas, culturais, etc.). O estatuto de meteco, sem dúvida era amplo, variado, indo desde escalões muito ricos até metecos muito simples que tinham grandedificuldade de pagar as doze dracmas anuais do metoikion. E,como todos os não-cidadãos livres entravam no grupo vago e geral de metecos, corre-se o risco de apenas classificá-los dentro das atividades econômicas da pólis, o que não é verdade: intelectuais de renome ou não, sofistas que perambulavam o centro rico da Ática, logógrafos itinerantes, artistas, atores e muitos outros com atividades não diretamente ligadas ao comércio e a Marinha estavam presentes na Atenas dos século V e IV a.C. Assim, o próprio Aristóteles (384-322) vinha da Macedônia, os professores que mais contribuíram talvez para a formação de Péricles. O que lhe dá a idéia de mistoforia, Anaxágoras de Clazoméne que lhe passa a reflexão da ordenação do Cáos, sob o Nous, a Razão. Muitos outros, conhecidos (Heródoto, Protágoras, Hipodamos, ligados a Péricles) ou que não 9 nos foram transmitidos seus nomes. E certas figuras femininas como a bela e culta Aspasia, que misturava cidadãos e metecos nas suas reuniões, ela própria uma meteca; a interessante Neera que ficou conhecida nos atos processuais por desejar muito a cidadania para sua filha e tem problemas com a lei de 451, infelizmente do próprio Péricles. Este terá problemas com a lei de sua própria autoria, ao fornecer a cidadania ao próprio filho, ilegítimo então, com Aspasia. Os metecos formam considerável parte da sociedade ateniense - e de muitas outras cidades gregas - a partir do século VI a.C., com o desenvolvimento da Marinha Comercial e de guerra, além da abertura dos portos gregos ao grande comercio internacional. Seu número, em relação aos cidadãos, não nos vem de forma segura das fontes, talvez ocupando durante o século V um censo maior do que nos séculos seguintes, no todo da sociedade. A única fonte disponível é a menção ao censo do filósofo governador de Atenas, Demétrio de Falero - colocado pelo sinistro Cassandro no governo da Ática - entre 350 e 258 a.C.: o número de 10 mil metecos, portanto, nos finais do século IV frente a 21 mil cidadãos. Na época da primeira confederação ateniense e do imperialismo sobre o Egeu, isto é, antes da guerra do Peloponeso, seria muito mais relevante a presença de metecos em Atenas e em seus pontos conectados ao seu comércio, embora não possamos precisar com segurança o número, talvez aproximativo em uma população geral de 400 mil seres humanos no território ático. Em todo caso, os metecos são parte constitutiva e segura das cidades gregas, atestados em dezenas delas, além de Atenas. A integração entre metecos e cidadãos no nível social, religioso e cultural fora uma constante na história da pólis, pois podiam mesmo, além de terem aceitos seus cultos, língua e idiossincrasias, por parte dos cidadãos, também nas cerimônias públicas e religiosas. A representação de metecos no friso das Panateneias, no Partenon, é prova disto, vivenciando a receptividade deles ao nível máximo. E é óbvio, afirmemos, devido à grande necessidade que se tem dos metecos no aspecto econômico. Estão representados no friso do Partenon (entre 443 e 435 a.C.), amostra da principal festa de integração cívica e religiosa da Ática, quando as 10 virgens portavam à acrópole o novo manto bordado a Palas: é o próprio tema do friso acima das métopas, abaixo dos frontões. Enquanto as noventa e três métopas mostram o passado heroico de Atenas, os mitos das lutas entre os deuses e os gigantes, os Titãs, as Amazonas em luta com os atenienses, a guerra de Tróia, os combates de lapitas e centauros no lado Sul, como no templo de Zeus em Olímpia, o friso é um oposto. E o símbolo do peplo, levado pelas virgens, presenteia e invoca a deusa que, entre outras coisas, ensinou técnicas, como a do tear, a tecetura dos fios, dos fatos, dos istos, da História. E a deusa protege a Ática, cidadãos e estrangeiros e todos os seres que nela estão. É de forma anônima que geralmente os metecos estão representados no friso do Partenon e nos bordados do manto que as virgens conduzem. Ali só têm identidade os deuses olímpicos, de Luz, principalmente Palas Atena que espera a dádiva e apenas alguns magistrados do momento da pólis. De resto são apenas grupos humanos gerais de cidadãos, estrangeiros, moças, soldados, anciãos, agregados, animais, formando um todo coeso, o sistema político da pólis, da cidade. E há quem compara o friso com sua mensagem pacífica entre os relatos de guerras e lutas das métopas do Partenon com a descrição do escudo de Áquiles, na Ilíada, por Homero, como uma pausa entre os relatos de batalhas da guerra de Tróia. 2 Os metecos estão presentes em outras festas cívicas, como as Grandes Dionísias urbanas e rurais, onde assistiam aos espetáculos teatrais, desde o amanhecer, os temas trágicos cômicos e satíricos com suas famílias, junto com os cidadãos comuns, cujas mulheres sem dúvida também os acompanhavam, além de crianças e agregados da casa. Participavam, usufruíam assim da kátharsis que o espetáculo artístico e religioso tinha o poder de criar sobre qualquer miasma que pudesse haver na pólis. Não podemos dizer com segurança que os metecos participavam de todos os atos religiosos, como os sacrifícios, mas sem dúvida sacrificavam nas Heféstias, como Xenofonte nos faz lembrar. E nessas festas, os metecos, com 2 JENSKINS, Ian. The Parthenon frieze. London: The British Museum Press,2002. p. 38 e seguintes. 11 suas túnicas cor de púrpura, portando oferendas, tinham um lugar ao lado dos cidadãos (estes distinguidos pelos odres de vinho que portavam) tendo assim, sem dúvidas, garantia de vivência e aceitação na pólis, que somente com a Democracia, poderiam usufruir. Assim podemos mais uma vez, em momento sempre apropriado, recordar a fala de Pericles, espelhando o ideal ateniense de democracia, conservado por Tucidides em II, 37, quando pronunciou o discurso fúnebre em honra dos atenienses mortos no primeiro ano da guerra do Peloponeso (431- 404 a.C). Tombaram defendendo a democracia de Atenas, fundada sobre a Liberdade, igualdade e respeito dos valores. Apesar da limitação do escravismo e da participação feminina, se opunha aos valores severos de Esparta: Nós utilizamos de um sistema de governo que não copia as leis de outros vizinhos, antes sendo um modelo para eles do que imitação deles. Nossa constituição é chamada de Democracia porque a maioria governa e não a minoria. E todos são iguais diante da lei, em disputas pessoais, contando mais a habilidade com a virtude do que pertencer a posições sociais. E ninguém, desde que servindo à cidade, terá obscuridade política devido a sua pobreza. Governamos de maneira livre e assim é a nossa relação uns com os outros no dia a dia. Não interferimos na vida pessoal do próximo... nem o desprezamos... mas na vida pública respeitamos o governo e as Leis... A tradição não nos transmitiu muitos nomes particulares de metecos e nem muitos fatos sobre eles. Apesar das fontes esparsas, do que foi seguramente transmitido, alguns fatos são muito expressivos e ilustram momentos históricos vivenciados pela cidade antiga. Por exemplo, sobre o meteco Kefisodoros, que se agrupava com os jovens das boas famílias atenienses, teve seus bens confiscados em 414 a.C. Esses bens foram vendidos em leilão, devido ao processo dos Hermocopidas, quando estátuas dos deus Hermes apareceram mutiladas e grupos ligados a Alcebíades, promotor da campanha da Sicília, foram de imediato acusados, numa tentativa de paralisar a expedição guerreira, sem dúvida uma guerra entre aristocratas e democratas num momento perturbado de final de guerra do Peloponeso. A cidade,perdendo o império, politicamente dividida, necessitando de fundos, malogrando a expedição ou tentando malográ-la, imputava crimes, acusações a pró-democratas, ou 12 simpatizantes deles, crimes com toda certeza fictícios, condenava-os e lhe tomava os bens. Os metecos, sempre pró-democratas, são vitimas porque possuem bens moveis, são elementos ricos. No caso de Kefisodoros, entre os seus bens móveis, havia elementos servis, dezesseis seres humanos, entre adultos, homens, mulheres, jovens e até um bebê levado a leilão que confirma a rica posição econômica deste meteco. O nome Kefisodoros parece ter sido comum entre os gregos antigos, como o pai do escultor Praxiteles, mas também de um outro meteco, pobre, simples pedreiro que trabalhara na acrópole, que não foi acusado do crime dos Hermocopidas ou de parodiar de forma nefasta, os ritos de Elêusis. Outro fato envolvendo elementos metecos se refere ao famoso logografo Lisias e seu irmão Polemarco, elementos ricos da sociedade ateniense, envolvidos com as principais famílias de cidadãos atenienses. Filhos de um siracusano estabelecido em Atenas, Céfalo, o mesmo citado por Platão na República. Dentro da liberalidade comercial democrática da cidade, Céfalo prosperou muito e formou sua fábrica de armas com cento e vinte trabalhadores servis com uma demanda grande de seus produtos. A produção era extremamente lucrativa servindo aos mercados litigiosos da sóbria política de rivalidades entre as pólis. Era o momento de domínio aristocrático, vitória espartana sobre a frota ateniense em Egospótamos e fechamento das representações democráticas em Atenas, com seus muros derrubados, sem mais sua frota, última esperança de salvação, deve agora obedecer aos “Trinta” tiranos impostos pelo espartano Lisandro estando carente de fundos para suprir sua população de quatrocentos mil seres humanos. Lisias e seu irmão são perseguidos neste momento, condenados por serem hostis aos decretos ditatoriais do momento, junto com outros metecos, alguns muito pobres. Lisias consegue escapar, seu irmão aprisionado foi obrigado a tomar a cicuta. O meteco se refugia em Tebas, junto a oposição democrática que derrubará os Trinta: Trasíbulo, com trezentos mercenários e duzentos escudos e armas fornecidos por Lisias, reestabelece a Democracia em Atenas. E será em vão, após a restauração que Trasibulo tentará outorgar a cidadania ateniense a Lísias e a outros metecos que lutaram pela Democracia. A cidade 13 grega neste ponto, é por demais fechada: outorgar a cidadania era muito difícil e Lisias não a recebeu, continuando como meteco a vida toda, sem participação política nenhuma. Seus discursos talentosos se tornaram parte da literatura grega e parte dessas informações nos vem de um deles, contra Eratóstenes. Sabemos que não há por parte dos metecos, de forma geral, uma constante reivindicação à cidadania e consequentemente uma participação política direta. A tentativa de outorgar a cidadania a Lísias pode ter vindo apenas de Trasíbulo e não do próprio Lísias. Abrir-se-ia uma exceção que romperia daí pela frente as barreiras políticas da pólis. Na inscrição que permaneceu,nº100, sobre o assunto, Trasíbulo pede que: ...os poderes públicos usem a seu respeito das mesmas leis que são aplicadas a outros atenienses; que aqueles que sem terem participado na invasão tenham combatido na batalha de Muniquia, contribuindo para manter os atenienses na posse do Pireu e se encontravam presentes na cidade quando intervieram as convenções e executaram as instruções recebidas, que a estes seja dada a isotelia quando habitarem Atenas e o direito de concluírem casamentos legais em pé de igualdade com os atenienses... 3 Bibliografia AUSTIN, Michel; NAQUET, Pierre Vidal. Economia e sociedade na Grécia antiga. Lisboa: Ed. 70, Lisboa, sd. CORVISIER, Jean-Nicolas. Les grecs et la mer. Paris: Les Belles Lettres, 2008. GAUTHIER, Philippe Symbola. Les étrangers et la justice dans les cités grecques. Nanci,1972. 3 AUSTIN, Michel; NAQUET, Pierre Vidal. Op. cit. 14 GOMME, A.W. The population of Athens in the fifth and fourth centuries. Oxford: University Press,1933. _____________. Greece .Oxford: University Press, 1945. LEFREVE, François. História do Mundo Antigo. São Paulo: Martins Fontes, 2013. TUCIDIDES. The Peloponnesian War. Trad. Rex Warner. Penguin Books: sl, 1961. CAMBRIDGE UNIVERSITY. The Cambridge Ancient History. Cambridge: Macmillan,1927. PLUTARCO. Vidas. Trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix,1963.
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