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Capitulo de livro Na espera da reforma agrária a Escola Itinerante Carlos Marighella no Acampamento do MST

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Na espera da reforma agrária, a Escola Itinerante Carlos Marighella no Acampamento 
do MST “Elias Gonçalves de Meura” 
 
Vanderlei Amboni (UNESPAR – Campus de Paranavaí) – vamboni@hotmail.com 
Luiz Bezerra Neto (UFSCar) – lbezerra@ufscar.br 
 
 
1 Introdução 
 Escrever sobre o tema da tese é entrar no campo da memória e da pesquisa acadêmica. 
É um retorno virtual ao Acampamento Elias Gonçalves de Meura e à Escola Itinerante Carlos 
Marighella que existia em Planaltina do Paraná. Esta visita, hoje, só é possível por meio da 
memória e das imagens do pesquisador, pois o acampamento e a organização da produção da 
vida material, de forma coletiva, foram destruídos e as terras retomadas pelo velho latifúndio 
que domina esse imenso Brasil. Mas não é hora de lamúrias, pois as conquistas sociais ocorridas 
nos nove anos de existência do Acampamento1 o colocaram na história, com sua experiência 
de organização social e de produção da vida material e cultural2. Experiência que se 
fundamenta nas necessidades impostas pelo “instinto” de sobrevivência de um grupo social de 
trabalhadores sem-terra, marginalizados pelo latifúndio, na luta por reforma agrária, atentando 
contra o “sagrado direito de propriedade” inscrito nas constituições brasileiras por um 
parlamento burguês. 
A experiência é o marco presente no Acampamento. Para nós, a experiência não é um 
conceito vago, ela foi, em “última instância” gerada na “vida material” e foi estruturada em 
termos de classe, e, consequentemente o “ser social” determinou a “consciência social” 
(THOMPSON, 1981, p. 189). Seu significado se expressa no ordenamento e organização social 
para produzir a vida material alicerçadas na vida espiritual, quer seja expressa no sentimento 
religioso – por meio das místicas −; quer seja nos valores e na cultura que a identidade MST 
trouxe ao grupo. Por isso, é significativo a máxima desenvolvida pelo MST nas palavras de 
ordem Ocupar, Resistir, Produzir. É significativo porque encontrou a síntese da luta pela terra, 
 
1 Utilizo A (maiúsculo) na palavra Acampamento para referir-me ao Acampamento Elias Gonçalves de Meura. 
2 Acrescento e conceito de “cultural” por entender que a “produção da vida material” produz também a cultura, 
que é material, pois reflete o “como” os homens estão inseridos na (re)produção de sua existência. 
2 
 
a única maneira de colocar o latifúndio e o próprio Estado em xeque e quebrar o princípio 
basilar da estrutura fundiária alicerçada na conciliação e conservação. Ou o Estado faz a 
reforma agrária ou mantém à margem milhões de famílias expulsas da terra, os denominados 
sem-terra, mantendo o apartheid social que tem raízes históricas no Brasil. 
Na ocupação do latifúndio, a “potência” se transforma em “ato” na luta por reforma 
agrária, mas na espera da terra há a produção da vida material, ato primário na vida, pois ele 
possui necessidades, como ser vivo, de se alimentar e se proteger das intempéries e, para isso, 
precisa se vestir, construir habitações etc. Mas, como escreveu Marx (1982), o modo como os 
homens produzem os meios de reprodução da vida material depende, em primeiro lugar, da 
natureza dos próprios meios de vida encontrados socialmente e a reproduzir. Na ocupação do 
latifúndio, o MST produz “os meios de vida”, isto é, conquista a terra momentaneamente para 
fins da produção da vida material. E isto é muito significativo no acampamento, pois a premissa 
resistir e produzir se materializa na vida social dos acampados. Não é por acaso que Marx 
sustenta a tese que os homens, ao produzirem os seus meios de vida, produzem indiretamente 
a sua própria vida material. Portanto, antes de produzir a vida material, os homens precisam 
“conquistar” os meios de produção, ato produzido pelo próprio homem na sua hominização, 
que é materializado pelo trabalho. Na conquista da terra, “ocupar e acampar são as formas 
encontradas pelos ST para pressionar o governo a resolver o problema agrário, a cada dia mais 
profundo” (MST, 1998, p.21). Estas premissas estão presentes na vida dos acampados à espera 
da reforma agrária. 
Eles ousaram. Teimosamente ousaram ocupar o latifúndio improdutivo denominado de 
Fazenda Santa Filomena, com 1.889,5 ha de terras. Ousaram mais, ergueram a cidade de lona 
preta e conquistaram a escola pública estadual na luta pela terra. Esta escola foi denominada de 
Escola Itinerante Carlos Marighella, com a especificidade de ser uma escola pública no 
acampamento do MST, mas com orientação pedagógica sustentada nos valores das lutas sociais 
por reforma agrária, pois é “caracterizada por um fazer pedagógico que prima pela realidade 
vivenciada pelo educando e envolve a realidade do campo e a luta pela terra, sem perder de vista o 
conteúdo, o conhecimento universal e a formação humana pretendida” (OLIVEIRA, 2014, p. 64). 
Eles ousaram! Na madrugada de 31 de julho de 2014, eles ocuparam. Eles ousaram e, 
sobre uma “chuva de balas”, ocuparam a Fazenda Santa Filomena, um latifúndio improdutivo. 
Neste trabalho vamos escrever sobre a ousadia da ocupação, da construção do acampamento e 
da Escola Itinerante que brotou da ocupação e sinaliza a relação do MST com a educação, uma 
3 
 
relação que “traz na sua origem a história e a cultura do direito à terra e de como permanecer 
nela, oportunizando aos educandos construir conhecimentos novos a partir de suas vivencias 
quotidianas, tornando o acampamento e a escola em espaços educativos” (MST, 2013, p. 72). 
Nosso objetivo, portanto, é analisar a estruturação da Escola Itinerante Carlos 
Marighella como resultado da luta por terra, tendo por base metodológica o materialismo 
dialético. Para esse fim, organizamos o resultado da pesquisa acadêmica em três partes, a saber: 
Na primeira parte, apresentamos algumas considerações sobre sociedade e conhecimento 
histórico sobre o real, cujo alicerce traz o trabalho como princípio educativo e as práticas 
pedagógicas no interior do MST como processo/tentativa de formar o homem novo. Traz, 
portanto, a singularidade de um projeto educacional, cuja base histórica é a linha pedagógica 
soviética. Na seção 3, traremos algumas discussões sobre a escola itinerante nos acampamentos 
do MST, destacando sua origem, normas e funcionalidade como escola pública. Na seção 4, 
nosso objeto é a ocupação do latifúndio em Planaltina do Paraná pelo MST e a construção do 
acampamento com base no lema: ocupar, produzir, resistir. Nosso destaque é o acampamento 
e a produção da vida material na terra ocupada e a organização escolar no acampamento. Por 
fim, na última seção, nosso objeto direto é a Escola Itinerante Carlos Marighella, com sua 
estruturação física, pedagógica e a base da gestão na formação de coletivos, auto-organização 
e participação popular dos acampados na organização escolar. 
 
2. Sociedade, conhecimento e movimentos sociais 
 
A educação é apenas o aspecto prático, ativo, da convivência social. Na 
sociedade todos educam a todos permanentemente. Como o indivíduo 
não vive isolado, sua educação é contínua. Mais particularmente, 
considerando-se apenas a transmissão dos conhecimentos 
compendiados, a educação também é permanente, pois o grupo 
dominante tem todo interesse em reproduzir-se nas gerações sucessivas, 
o que faz transmitindo às novas gerações seu estilo de vida, seu saber, 
seus hábitos, seus valores, etc. Não existe sociedade sem educação, ainda 
que nas formas primitivas possa faltar a educação formalizada, 
institucionalizada (que aí é representada pelos ritos sociais). Por 
conseqüência, nenhum membro da comunidade é absolutamente 
ignorante, do contrário não poderia viver (VIEIRA PINTO, 1987, p. 24).4 
 
A escola, como todo organismo de reprodução social repõe a cultura humana 
transformada em cultura escolar. A cultura humana advém do trabalho de adaptação da natureza 
ao homem, posto que, conforme escreveu Marx, a história é a transformação contínua da 
natureza humana. Do processo de ideação à materialidade há uma práxis humana na 
transformação da natureza e, consequentemente, há um processo de conhecimento produzido 
no ato da práxis produtiva que gera um conhecimento acumulado no devir do homem. Este 
conhecimento, conforme nos ensina Kosik (1976), o homem o torna compreensível para si, 
posto que, para conhecer a coisa em si, o homem necessita transformá-lo em coisa para si. O 
homem, portanto, é sujeito ativo no processo de elaboração do conhecimento, cujo método 
consiste na apropriação do real pelo pensamento para reproduzi-lo como concreto pensado. Este 
processo vincula o homem à sua educação, que é histórica, conforme sustenta Vieira Pinto, 
[...] A educação é histórica não porque se executa no tempo, mas porque é um 
processo de formação do homem para o novo da cultura, do trabalho, de sua 
autoconsciência. A educação como acontecimento humano é histórica não somente 
porque cada homem é educado em um determinado momento do tempo histórico geral 
- aquele em que lhe cabe viver (historicidade extrínseca) — mas porque o processo de 
sua educação, compreendido como o desenvolvimento de sua existência, é sua própria 
história pessoal (historicidade intrínseca) (VIEIRA PINTO, 1987, p. 21). 
Dessa forma, quando escrevemos sobre cultura humana, ressaltamos seu processo de 
disseminação por parte do trabalho, posto seu princípio educativo. Na Escola Itinerante, o MST3 
propõe uma educação que aproxima o homem do trabalho e valoriza o trabalho como princípio 
educativo. Como resposta, a escola trabalha com o princípio que alavanca o processo educativo 
alicerçada nos pilares prática-teoria-prática, o que significa, “aprendemos vendo, vivendo e 
fazendo” (MST, 1998, p. 24). Ou seja, traz o conhecimento que o sujeito possui (conhecimento 
empírico), desenvolve os elementos da teoria (ciência) e retorna à prática como conhecimento 
científico, isto é, um conhecimento agregado valor da ciência também materializada pelo 
homem no seu vir-a-ser, ou seja, no homem produto do social. Por isso, “a educação é um 
fenômeno social total”, que “para atendê-la é indispensável empregar a categoria de totalidade” 
 
3 A educação no MST: Princípios filosóficos: 1) educação para a transformação social; 2) educação para o trabalho 
e a cooperação; 3) educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4) educação com/para valores 
humanistas e socialistas; e 5) educação como um processo permanente de formação/transformação humana. 
Princípios pedagógicos: 1) relação entre prática e teoria; 2) combinação metodológica entre processos de ensino 
e de capacitação; 3) a realidade como base da produção do conhecimento; 4) conteúdos formativos socialmente 
úteis; 5) educação para o trabalho e pelo trabalho; 6) vínculo orgânico entre processos educativos e processos 
políticos; 7) vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8) vínculo orgânico entre 
educação e cultura; 9) gestão democrática; 10) auto-organização dos/das educandos; 11) criação de coletivos 
pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras; 12) atitude e habilidades de pesquisa; e 13) 
combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais (MST, 1997). 
5 
 
o que “significa que não se pode interpretá-la (nem planejá-la) se não se tem em vista todo o 
conjunto de valores reais (sociais) que sobre ela influem e dos efeitos gerais que dela resultam 
sobre os demais aspectos da realidade social” (VIEIRA PINTO, 1987, p. 34). 
A sociedade é a formação do trabalho como princípio educativo, pois sua reprodução se 
fundamenta no como se produz a vida material também produz a vida cultural, cuja essência se 
desloca do trabalho para expressá-la na representação mental elaborada como cultura material. 
Este princípio situa o homem como sujeito da educação social, mas esta “educação é em sua 
essência contraditória, porque, visando a conservar a sociedade que a distribui, é levada a 
modificá-la e por fim conduz à sua supressão e substituição por outra forma social mais 
adiantada” (VIEIRA PINTO, 1987, p. 53). 
A escola itinerante desloca seu eixo educativo para princípios que alicerçam a prática-
teoria-prática nas suas atividades educativas. A escola universalista só existe no plano das 
ideias. Existe como componente ideológico de classe. O que há de universal na escola é o 
processo de ensinar a ler e a escrever, ou seja, de interpretar os signos criados socialmente para 
a comunicação entre os homens de uma determinada sociedade. Ler e escrever é universal, mas 
ainda há um expressivo número de pessoas que não tiveram acesso aos domínios dos signos, 
isto é, não foram alfabetizadas na linguagem pedagógica, e nem a “ler o mundo” na linguagem 
política, por isso são postas à margem da sociedade na linguagem econômica. 
O mundo humano é um vir-a-ser em constante transformação enquanto movimento da 
práxis. Arroyo corrobora nesta perspectiva quando escreveu que “a produção do saber e da 
cultura é um momento dessa práxis social, enquanto fazer humano de classes sociais 
contraditórias.” E afirma que “no permanente movimento social pela construção de uma 
sociedade alternativa, vão se construindo um conjunto de práticas e de concepções sobre o todo 
social que questiona e desafia as práticas e concepções hegemônicas” (ARROYO, 1989. p. 79). 
Este é o caso da escola itinerante no MST. 
 A Escola Itinerante em acampamentos do MST busca, não só universalizar o processo 
de domínio dos signos estabelecidos pela linguagem escolar, mas também a ler o mundo, 
compreendê-lo na sua essência, ou seja, ir além da apresentação fenomênica para superar o 
mundo da pseudoconcreticidade, pois a “escola é uma instituição cujo papel consiste na 
socialização do saber sistematizado” (SAVIANI, 288, p. 2015). O conhecimento escolar, 
portanto, não é dado pelo espontaneismo, mas sim elaborado socialmente pela sociedade, ou 
6 
 
seja, a sociedade educa a si mesma e também ao educador. Eis como Vieira Pinto se questiona: 
“Se a sociedade é o verdadeiro educador do educador, sua ação se exerce sempre 
concretamente, isto é, no tempo histórico, no momento pelo qual está passando seu processo de 
desenvolvimento” Dessa forma, “em cada etapa do desenvolvimento social, o conteúdo e a 
forma da educação que a sociedade dá a seus membros vão mudando de acordo com os 
interesses gerais de tal momento” (VIEIRA PINTO, 1987, p. 77). Nesta direção, é uma 
representação dos valores e da ética da sociedade, sem a qual a vida social soçobra. Não vou 
falar do trabalho, pois subentende que o trabalho funda a existência do homem e este tem na 
educação um ato do trabalho. 
Nesta perspectiva, o MST, na reformulação cultural do homem novo, tem na escola 
itinerante a chave que possibilita a formação desse sujeito, pois não dissocia da luta pela terra 
a escola. A escola é a própria bandeira da luta por reforma agrária, pois se faz com a mesma no 
momento da ocupação. A ocupação se torna conteúdo escolar, juntamente com outras 
manifestações dos Sem Terra na luta por reforma agrária, pois 
Somos uma organização de luta e nas nossas fileiras estuda-se para aumentar, para 
afinar as capacidades de luta de cada um e de toda a organização para compreender 
melhor quais são as posições do inimigo (de classe) e as nossas, para melhor poder 
adequar, a partir delas, a nossa ação de cada dia. Estudo e cultura não são, paranós 
outra coisa senão consciência teórica dos nossos fins imediatos e supremos e do modo 
como poderemos conseguir traduzi-los na pratica (GRAMSCI, 1978, p. 18). 
 Nas linhas teóricas do MST, o fazer pedagógico é sustentado por ações que integram 
prática e teoria no processo de ensino e de aprendizagem. Ou seja, a atividade de ensino se 
vincula ao trabalho, à vida da cultura camponesa como parte e na totalidade. Nesta perspectiva, 
a escola é o espaço da aprendizagem do conhecimento acumulado pelo homem no seu processo 
histórico, conhecimento este que foi sistematizado para o processo pedagógico, portanto, 
conhecimento na dimensão histórica. Mas a escola na dimensão ontológica do homem só pode 
existir em uma sociedade sem classes. A Escola Itinerante é uma escola que possui uma base 
social que possibilita a dimensão pedagógica na dimensão ontológica do homem, pois a 
natureza pedagógica se dá na união do trabalho e ensino, polos da omnilateralidade do homem. 
Portanto, para o MST, é a escola do futuro na dimensão pedagógica, pois é a escola que integra 
as bases do trabalho com as bases do processo pedagógico e é complexa e radical na acepção 
da palavra, cuja centralidade é ‘tornar o trabalho a base integradora do projeto formativo da 
escola, vinculando os conhecimentos escolares ao mundo do trabalho, da produção, da cultura 
que o trabalho produz” (MST, 2014, p. 110). 
7 
 
 Como escola do MST, ela está sujeita às regras do grupo social que as criou. Ela possui 
internamente regras de funcionamento e de controle social, pois dela não pode prescindir para 
reprodução de sua identidade cultural e social. Não é uma escola cativa pedagogicamente aos 
interesses do Estado, mas vive a contradição capital e trabalho. 
 No ideário do MST, a manifestação de Camini e Gehrke sobre a escola itinerante, cabe 
destaque: 
Não é a escola do governo, nem por ele dirigida. Conduzida pelo povo organizado, a 
Escola Itinerante caminha por outros rumos, os rumos da resistência, da rebeldia que 
ocupam os latifúndios, organizam o povo, fazem a reforma agrária e produzem poesia. 
Uma escola teimosa, dirigida pela teimosia lucida dos trabalhadores Sem Terra, que 
exigem que o governo a financie, o que a muitos desagrada (CAMINI; GEHRKE, 
2008, p. 72). 
 Por isso, sustenta o MST que a base de conhecimento da matriz formativa deve ser 
construída de forma coletiva para compor e orientar o projeto político-pedagógico destinados 
às escolas estruturadas pelo movimento. Dessa forma, a definição da “base de conhecimento 
que deve ser trabalhada pela educação escolar não devem ser feitas apenas no âmbito de cada 
escola”, pois o trabalho pedagógico deve “ser objeto de trabalho coletivo de uma rede de escolas 
e ou de agentes educativos com identificação de projeto, em nosso caso uma rede constituída 
pela mediação do movimento social” (MST, 2014, p. 108). 
 Como escola pública, ela está sujeita à intervenção estatal e as regras determinadas pelas 
legislações nas esferas federal e estadual. É uma escola presa a um projeto político-pedagógico 
sob controle de um regimento escolar subordinados ao Estado. Portanto, sua ação é controlada 
pelo Estado, que a normatiza administrativa, pedagógica e financeiramente. Isto implica em 
afirmar que, mesmo distante, há um controle exercido pelo Estado junto às escolas itinerantes, 
o que não tira as liberdades de organizar a escola dentro dos parâmetros do MST, com a auto-
organização dos alunos, a criação de coletivos no espaço escolar e de se fazer também nas 
marchas, nas ocupações de prédios públicos, nos encontros e congressos etc. 
 
3 A Escola Itinerante nos acampamentos do MST 
 
A Escola Itinerante é uma instituição escolar situada no acampamento de 
famílias Sem Terra, que assume uma postura pedagógica revelada já em 
seu próprio nome. A peculiaridade desta escola de caminhar junto, 
acompanhando o movimento territorial do acampamento na luta pela 
terra, seja nos casos de despejos, nas mobilizações, marchas e ocupações 
8 
 
visa assegurar o processo educacional atrelado à formação política para 
crianças, jovens e adultos que estão acampados na luta pela 
desapropriação das terras improdutivas (LEITE; ACELINO, 2015, p. 
873). 
 
Nos territórios do MST há espaços para a produção da vida material e cultural da 
sociedade acampada. Neste território, a terra se divide em três espaços: terra para o trabalho; 
terra para o acampamento e terra para a educação. Estes três espaços possuem unidade e são 
determinantes para que a vida social possa ser integrada, pois une trabalho, moradia e escola na 
espera da reforma agrária. 
Na luta por escolas públicas, nasceu a escola itinerante do MST no Estado do Rio 
Grande do Sul em 1996. O fundamento básico foi a (LDB) Lei nº 5.692/71, de 11 de agosto de 
1971, com base no artigo 64, conforme segue: “Os Conselhos de Educação poderão autorizar 
experiências pedagógicas, com regimes diversos dos prescritos na presente Lei, assegurando a 
validade dos estudos assim realizados”. Por meio desta lei, o Conselho Estadual de Educação 
emitiu o Parecer 1.313/96, aprovado em 19 de novembro de 1996, reconhecendo a Escola 
Itinerante nos acampamentos do MST. O projeto aprovado foi denominado de “experiência 
pedagógica – Escola Itinerante”. Dessa forma, regulariza-se o processo de escolarização 
realizado pelos Sem Terrinha nos acampamentos, mas a instabilidade da vida nos 
acampamentos levou à criação de uma escola-base4, cuja existência estivesse ligado à história 
do MST. 
A Escola Itinerante é uma escola que se faz na luta pela terra. Como é uma escola sujeita 
à intervenção do Estado com ações de reintegração de posse, o que pressupõe o despejo das 
famílias Sem Terra, a materialidade da escola que itinera só é possível sua legalização a partir 
de uma estrutura sólida e organizada administrativa, financeira e pedagogicamente por meio da 
escola-base5, cuja função é “acompanhar e dar suporte legal à vida escolar dos alunos e 
 
4 “A Escola Base foi a alternativa concebida para assegurar e legalizar a Escola Itinerante e de garantir que a vida 
escolar das crianças, jovens e adolescentes, não se perdesse, por exemplo, em situações de desocupação” 
(OLIVEIRA, 2014, p. 65). Para organicidade pedagógica e administrativa, a escola-base possui um único Projeto 
Político-Pedagógico que inclui as escolas Itinerantes. Além das funções pedagógicas, a escola-base tem a função 
de arquivar a documentação dos alunos (matrículas e transferências); da equipe pedagógica e dos educadores e de 
administrar a verba destinada às Escolas Itinerantes e ser responsável pela certificação dos educandos. 
5 A Escola-base para as escolas itinerantes no Paraná é o Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak, 
localizado no Assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu. Segundo Oliveira, “Em 2006, o MST 
sinalizou que outras escolas seriam implementadas nos acampamentos. [...], o Setor de Educação do MST e CEC, 
após reuniões, entenderam que havia a necessidade de uma outra Escola Base. Assim, em 2007, o Colégio Estadual 
do Campo Centrão passou a atender a cinco das dez Escolas Itinerantes, existentes no momento, com o objetivo 
de dividir os trabalhos entre as duas Escolas. Essa alternativa também foi pensada para minimizar os atrasos e 
9 
 
professores” (MST, 1998a, p. 42), bem como “responder legalmente pelas Escolas Itinerantes 
a ela jurisdicionadas na contratação de educadores, na matrícula e transferência dos educandos, 
no repasse de recursos financeiros, de material didático-pedagógico, no acompanhamento 
pedagógico, na formação dos educadores” (OLIVEIRA, 2014. p. 65). 
Como é uma escola da luta, aescola que servirá de base às que itineram também tem 
que ser uma escola da luta, mas em condições sólidas de existência. O MST e o Estado, na 
compreensão do fenômeno organizativo, criou a escola-base para dar suporte e legalidade aos 
atos pedagógicos das escolas itinerantes. Dessa forma, os registros dos profissionais da 
educação e dos educandos são feitos pela escola-base legalmente reconhecida e funcionamento 
de acordo com as normas do Estado. Para esse fim, a escola que serve de base às escolas 
itinerantes é uma escola de assentamento da reforma agrária, cujo princípio é o mesmo, o que 
as distingue é o meio de sua inserção, seu jeito de se fazer escolar. Nesta perspectiva, Vieira 
Pinto sustenta que 
[...] A escola é o meio que o aluno vai viver como aluno. É preciso aí estudar a relação entre os 
aspectos peculiares desse meio — a escola — com os demais. A escola representa a sociedade do 
aluno para o educador crítico, para o qual a sociedade representa a escola do educador. Quer 
dizer, a escola é um ambiente e, ao mesmo tempo, um processo. E como tal precisa 
ser entendida dinamicamente (VIEIRA PINTO, 1987, p. 15). 
A conquista da escola itinerante nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa 
Catarina ocorreram em governos do PMDB. No RS, com Antônio Brito (1996), no PR, com 
Roberto Requião (2003) e, em SC, com Luiz Henrique da Silveira (2004). Na pesquisa, 
constatamos as diferenças entre si na estruturação e organização escolar. No RS, foi constituída 
por etapas, correspondendo as cinco primeiras séries do ensino fundamental (1ª a 5ª Séries), 
com objetivos e conteúdos próprios a cada etapa, tendo seu detalhamento definido ao longo do 
processo, de acordo com a realidade e segundo os interesses dos educados da escola itinerante, 
disciplinados pelo Parecer 1313/96, do CEED gaúcho; Em SC, o processo de reconhecimento 
das Escolas Itinerantes é a das salas multisseriadas para as quatro primeiras séries do ensino 
fundamental (1ª a 4ª Séries). No Paraná, a forma de organização se deu por ciclos de formação 
 
problemas gerados devido às grandes distâncias territoriais entre a Escola Base e as Escolas Itinerantes o que tem 
complicado, como constatei no período em que atuei na CEC, a realização, por exemplo, do acompanhamento 
pedagógico e administrativo da direção e equipe pedagógica das Escolas Base. O Colégio Estadual do Campo 
Centrão permaneceu como Escola Base até 2012, quando todas as nove Escolas Itinerantes, então existentes, foram 
novamente transferidas para o Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak” (OLIVEIRA, 2014, p. 70). O 
Colégio Estadual do Campo Centrão localiza-se no Assentamento Chico Mendes, no município de Querência do 
Norte, no noroeste do Paraná. 
10 
 
humana e atende a educação básica (ensino fundamental e médio), a educação de jovens e 
adultos e o ensino profissionalizante. 
Na construção da escola itinerante, sustenta Oliveira (2014), que a participação da 
comunidade na discussão é uma característica marcante nos acampamentos, pois em cada um 
deles, há uma equipe de educação constituída por pessoas da direção, da coordenação, além de 
pais, educadores e educandos. Ou seja, ela é 
[...] fruto de um processo reflexivo desenvolvido ao longo dos quinze anos de 
Acampamentos de Reforma Agrária onde se reflexionou a necessidade de um fazer 
pedagógico diferente das práticas tradicionais, incorporando ao processo educativo a 
realidade vivenciada pelo aluno, os elementos ligados a realidade do meio rural e a 
própria caminhada desenvolvida na luta pela Terra (WEIDE, 1998, p. 115). 
No Paraná, a terra para a educação pública no acampamento foi conquistada em 2003, 
por pressão do MST junto à Coordenação de Educação do Campo, da Secretaria de Estado da 
Educação. A escola que emerge das lutas sociais por terra também é a Escola Itinerante. A base 
legal que oficializa a Escola Itinerante é o Parecer emitido pelo Conselho Estadual de Educação 
do Paraná – CEE nº 1012/2003 e a Resolução da Secretaria de Estado da Educação – SEED, 
sob nº 614/2004. Posteriormente o CEE volta a se manifestar por meio dos Pareceres nº 
117/2010 e nº 743/2010, bem como a SEED, por meio da Resolução nº 3922/2010. 
No Parecer do CEE-PR, consta a seguinte justificativa: 
Na ‘Exposição de Motivos’ (fls. 15) informa-se que existem 67 acampamentos com 
aproximadamente 13 mil famílias e grande contingente de crianças, em sua maioria 
sem possibilidade de freqüência à escola. As escolas municipais não dispõem de infra-
estrutura ou recursos para atender, de forma muitas vezes inopinada, um grande 
conglomerado populacional. Para garantir a essas crianças o direito à educação, o 
Governo do Estado propõe a implantação da ‘Escola Itinerante’ nos acampamentos 
do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) no Paraná (PARANÁ, 2003, p. 
01). 
A escola como direito foi conquistada para e pelo MST em seus acampamentos. Não é 
uma escola qualquer. É uma escola no acampamento, constituindo-se em uma escola para além 
das salas de aulas, que se materializa na própria luta por reforma agrária. Nesta mesma linha de 
pensamento, Engelman sustenta que a Escola Itinerante é “Uma escola que funciona dentro dos 
acampamentos do MST [...] e caminham junto com os acampados, na luta pela terra, nas 
mudanças de acampamentos e trágicos despejos”, cuja “organização depende das condições de 
cada comunidade”, onde “algumas salas são feitas de lona, outras construídas de taquara e 
algumas de madeira” (ENGELMAN, 2006, p. 28). Portanto, muito mais que a mera presença 
de uma estrutura física, normalmente, composta por lonas pretas ou amarelas, funciona também 
em barracões, na antiga estrebaria do latifúndio ocupado, nos desativados silos, em cima do 
11 
 
caminhão, à beira da estrada que em nada se compara às grandes estruturas de alvenaria das 
escolas públicas. Ela é caracterizada por um fazer pedagógico que prima pela realidade 
vivenciada pelo educando e envolve a realidade do campo e a luta pela terra, sem perder de 
vista o conteúdo, o conhecimento universal e a formação humana pretendida. 
 
4 Ocupar, Resistir, Produzir: o Acampamento Elias Gonçalves de Meura na produção da 
vida material e na organização escolar dos acampados 
 
[...] O acampamento é a expressão mais visível da exclusão social que o 
sistema capitalista produziu. Contraditoriamente, a expressão mais forte 
da organização e da resistência deste povo, que não aceita isso como 
sendo o fim da história, se junta para lutar pela terra e transformar esse 
sistema. [...] (MST, 2008, p. 73) 
 
 O sinal manifesto de um latifúndio ocupado por sem-terra, de qualquer matiz ideológica, 
é o acampamento de barracos de lona preta. No nosso caso, o acampamento traz as marcas de 
estruturação e a organização do MST, que é sustentado no ecletismo e nos valores que as 
pessoas trazem da experiência de vida, com seus sentimentos, obrigações familiares, medos e 
esperanças para o acampamento. 
O acampamento é sem dúvida um espaço onde se encontram pessoas em luta pela 
vida, por terra, por trabalho e moradia. Um lugar que expressa a incapacidade do 
capital em garantir a vida digna para todos. Por isso, o acampamento é o lugar que 
expressa a força e a fraqueza do capital. Força, já que mesmo com tantas contradições 
explosivas, mortes, miséria, desumanização, ele ainda se mantém. E fraqueza, porque 
na medida em que não garante que muitas mulheres e homens vivam sob sua forma 
típica, força-os a buscar outras formas de se organizar em sociedade. Acredito que a 
força e a beleza de um acampamento – dentre suas enormes dificuldades – está em 
revelar a busca dos Sem Terra por uma nova forma de vida social(MST, 2009, 118-
119). 
 O acampamento passa a ser a materialidade da existência das famílias, pois elas 
encontram terra para produzir e habitar (mesmo em condições precárias). Uma vez ocupada a 
terra do latifúndio, produzir se torna um ato imperativo para o movimento, pois a premissa 
básica da reprodução da vida material se manifesta no cotidiano, e esta se faz com o trabalho. 
Plantar o alimento do corpo e estabelecer a unidade no acampamento, que se sustenta pela 
cultura produzida na existência da vida, é um passo importante na luta pela terra. Trazem, 
portanto, para o cotidiano do acampamento, suas experiências de vida, religião, valores e 
obrigações familiares. Isto é significativo, 
12 
 
[...] Pois as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas com ideias, no 
âmbito do pensamento e de seus procedimentos, ou (como supõem alguns praticantes 
teóricos) como instinto proletário etc. Elas também experimentam sua existência 
como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações 
familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais 
elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma 
metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral (THOMPSON, 
1981, p. 189). 
 Na tradição da luta por reforma agrária, a organização das famílias para conquistá-la é 
imprescindível e este preparo antecede a ocupação e traz uma simbologia carregada de 
sentimentos religiosos para criar a emulação que move os trabalhadores a romper a cerca do 
latifúndio. Nas palavras de Stédile, “a nossa luta é para derrubar três cercas: a do latifúndio, a 
da ignorância e a do capital” (STÉDILE, 2005, p. 74). 
Na ocupação, a cerca do latifúndio é rompida quando se quebra o cadeado da porteira 
ou cortar o arame que o cerca. É só ocupar. Mas porque ocorrem as ocupações do latifúndio? 
Segundo Weide, “ocupações e Acampamentos de Sem-Terra são atitudes coletivas que têm a 
intenção de resolver um problema social, fruto da concentração e da falta de uma política agrária 
que resgate o valor social da terra” (WEIDE, 1998, p. 72). Ou seja, o rompimento da cerca é 
uma rebeldia social por falta de democratizar o acesso à terra, decorrente das estruturas 
fundiárias que solidificaram a propriedade da terra no Brasil, que criou um pensamento 
conservador e hegemônico no país provocado pelo latifúndio. 
 Em Mandel, lemos que 
Os homens e mulheres fazem sua própria história. Eles não a fazem livres de qualquer 
limitação material e com uma série ilimitada de possibilidades. Mas eles a fazem, e o 
processo histórico concreto depende, em primeiro lugar, do resultado de suas lutas 
(‘fator subjetivo da história’), mesmo se eles são ‘subordinados’ por uma série de 
fatores históricos e sociais sobre os quais não tem controle direto (‘os fatores objetivos 
da história’). Mas essa ‘sobredeterminação’ nunca é de tal forma que abre apenas uma 
única possibilidade histórica (MANDEL, 2001, p. 34). 
Foi o que eles fizeram na Fazenda Santa Filomena, ocuparam-na. O objeto da ocupação 
pelo MST, a Fazenda Santa Filomena, com área de 1.889,5 hectares, localizada no município 
de Planaltina do Paraná, região noroeste do Paraná, teve o laudo emitido pelo INCRA, 
declarando a área como de interesse social para fins de reforma agrária em 1997, sendo 
caracterizada como “grande propriedade improdutiva” no ano de 1998. 
A Fazenda foi ocupada e reocupada em 2001, de forma efêmera, pois o acampamento 
durou aproximadamente seis meses, sendo os Sem Terra novamente despejados pelas forças 
militares do Estado. Como quem luta faz a hora, o MST reorganizou as famílias para nova 
ocupação da Fazenda, que ocorreu na madrugada do dia 31 de julho de 2004, dessa vez com 
13 
 
400 famílias com o objetivo de acelerar a reforma agrária. “Entretanto, durante esse ato, 
funcionários da fazenda portando armas de grosso calibre, passaram a desferir tiros contra as 
famílias” (FREITAS; KNOPF, 2008b, p. 67). Na reação, “em decorrência dos disparos, sete 
trabalhadores Sem Terra ficaram gravemente feridos. Entre estes, Elias Gonçalves de Meura, 
de 20 anos de idade, foi assassinado no local. Fato que em homenagem a este jovem lutador, 
deu-se ao acampamento o seu nome” (FREITAS; KNOPF, 2008b, p. 67). A violência é a 
resposta dada pelo latifúndio, o campo continua sendo uma terra dos “sem”: sem-lei, sem-
prisão, sem-julgamento, sem-direitos, sem-educação e dos sem-terra. 
Realizada a ocupação, a cidade de lona preta se ergue rapidamente com a construção 
dos barracos e a estruturação do acampamento, seguindo as orientações do MST, criaram as 
instâncias organizativas que são os núcleos de base. Este são formados por 10 famílias, sendo 
responsáveis pelas tarefas do Acampamento, como: alimentação, saúde, higiene, educação, 
segurança etc; a coordenação do acampamento; a coordenação política e pedagógica; a direção 
da brigada; coletivo de educadores etc. Dessa forma, para dar organicidade às ações, “Para cada 
atividade escolhe-se um membro do núcleo que fica responsável pela representação dos 
companheiros. Os representantes dos vários núcleos formam as equipes ou os setores que se 
reúnem regularmente para planejar, por em prática e avaliar a eficácia de seus métodos” 
(WEIDE, 1998, p. 74). Além disso, há as coordenações, que são formadas por membros dos 
setores, como educação, produção, saúde, comunicação, frente de trabalho, finanças, segurança 
etc. Dessa forma, 
A vida do acampamento é marcada por organização voluntária, por necessidade, por 
exigência do Movimento, enfim. Envolve a todos de uma forma ou outra, consciente 
ou não, seja nos núcleos de base do acampamento, nas coordenações, nas equipes de 
trabalho, nas instâncias, na brigada, nas mobilizações, nas marchas, nas ocupações de 
prédios públicos e latifúndios improdutivos. [...] (MST, 2008b, p. 74). 
 Organização é o princípio básico para se atingir um determinado objetivo. No caso da 
ocupação, é a segurança alimentar dos acampados. Nesse sentido, a palavra de ordem dada é 
resistir e produzir a vida material, pois este ato o homem tem que realizar diuturnamente, não 
por ter comido da árvore do pecado, mas por se hominizar e humanizar-se no trabalho. A 
reprodução da vida passa a ser responsabilidade direta do homem, cuja premissa básica é o ato 
de produzir, isto é, por meio do trabalho transformar a natureza para suprir suas necessidades 
de comer, beber, vestir-se, se abrigar e se proteger etc. No acampamento estas premissas se 
manifestam de forma mais evidente e direta, pois seus habitantes vivem uma vida de miséria, 
14 
 
marginalização e de negação ao acesso à terra, que é operacionalizada por um apartheid social 
imposto pela ordem social onde impera o latifúndio e o mandonismo local como regra geral. 
 Não é por acaso que o MST sustenta que 
O acampamento é, então, um espaço onde a luta de classes, a luta pela sobrevivência, 
a possibilidade de construir algo novo, está mais forte, mais evidente. É um lugar 
propício à contestação, à desestruturação daquilo que é arcaico. As relações de poder 
autoritárias se enfraquecem, favorecendo emergirem relações sob novos parâmetros. 
[...] (MST, 2009, p. 119). 
 Na corrida pela produção da vida material, a área ocupada se torna produção de alimento 
nas mãos das famílias Sem Terra, transformando a Fazenda Santa Filomena em terra produtiva, 
gerando trabalho e renda às famílias acampadas, assegurando dignidade, mesmo que em 
condições precárias de moradia, cujo teto é, muitas vezes, uma lona preta rasgada pelas 
intempéries do dia-a-dia. Isto pode ser constatado nos documentos elaborados pela Organização 
de Direitos Humanos“Terra de Direitos”. 
Sobre a produtividade da terra ocupada, em estudos realizado por Prioste et alii, em 
2012, confirmaram as palavras de ordem do movimento, pois ocupar, resistir, produzir é a 
síntese da ação do MST na conquista da terra. Eles confirmam o princípio da ocupação como 
meio de produzir a existência da vida, pois tornam a área do latifúndio improdutiva em terra de 
trabalho e produção, garantindo às famílias alimento e renda. Este fato é relevante, pois o estudo 
apresenta uma tabela da produção anual no pré-assentamento Elias Gonçalves de Meura, 
conforme destaca a Tabela 1. 
Tabela 1. Produtos e produção no Acampamento Elias Gonçalves de Meura 
Produto Quantidade Unidade Área Cultivada 
Mandioca 3.900 Ton/ano 130 ha 
Feijão 600 Sacas /60kg/ano 30 ha 
Melancia 40 Ton/ano 20 ha 
Maracujá 6 ton/ano 0,25 ha 
Milho 220 Ton/ano 90 ha 
Vassoura 500 peças/ano 0,3 ha 
Abóbora 1.000 Kg/ano 3 ha 
Amendoim 900 Kg/ano 2,5 ha 
Hortaliças subterrâneas (rabanete, beterraba, cebola, alho) 30.000 Kg/ano 3,2 ha 
Hortaliças folhosas (rúcula, alface, couve, 
repolho, couve brócolis, salsa, almeirão) 
25.000 Kg/ano 3,2 ha 
Hortaliças Frutos (quiabo, pepino, chuchu, 
feijão de vagem) 
15.000 Kg/ano 6 ha 
Frutas (Banana, mamão, abacate) 5.000 Kg/ano 0,3 ha 
Colorau 250 Kg/ano 0,3 ha 
Gado Bovino 300 Cabeças 890 ha 
Galináceo 1.200 cabeças ------ 
Suínos 300 cabeças ------- 
Leite 550 L/dia 890 ha 
Queijo 1.800 K/ano ------ 
Banha animal 60 K/mês 
Equinos e demais animais de serviços 80 cabeças 
Fonte: Prioste et al, 2012, p. 12 
15 
 
 No relatório da Terra de Direitos, a produção de alimentos na área ocupada é destacada, 
mas também traz um componente importante socialmente, que é a produção para atender a 
programas federais, tais como: Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e Programa 
Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. O relatório destaca a produção de 
Mandioca, feijão, melancia, frutas e uma variedade de verduras e hortaliças cobrem a 
terra do antigo latifúndio improdutivo. Apesar de não receber qualquer apoio 
governamental para a produção, o acampamento hoje fornece alimentos ao Programa 
de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar 
(PNAE), por meio da cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária Avante Ltda 
(Coana), localizada em Querência do Norte/PR. Mais de 30 famílias estão envolvidas 
na produção ligada à cooperativa, em um total de 120 pessoas do acampamento 
(TERRA DE DIREITOS, 2012, s/p). 
 Dessa forma, tornar produtivo o latifúndio improdutivo assegurava certo otimismo aos 
moradores da cidade de lona preta, denominada de Acampamento Elias Gonçalves de Meura. 
A premissa da produção da vida material pelo trabalho se confirma quando se torna proprietário 
dos meios de produção. Produzir a vida material não é somente a condição necessária para se 
fazer história, mas também de fazer parte da vida produtiva da sociedade, de se inserir como 
sujeito social, pois “Essa produção, além de gerar renda e alimentos para as famílias, contribui 
para o aquecimento da economia local, assim como para o abastecimento de feiras e mercados 
da região” (PRIOSTE, ET ALII, 2012, p. 13) 
Eis como a Terra de Direitos mostra que o acesso à terra é condição vital para a vida 
humana-social: 
 
O acampamento Elias Gonçalves de Meura é exemplo da dificuldade de tornar real a 
reforma agrária no Brasil, mas também simboliza a resistência e a transformação a 
partir do acesso à terra. As famílias acampadas hoje têm acesso à moradia, à água e 
energia elétrica, escola no campo para jovens e adultos, e principalmente acesso à 
terra, que possibilita renda e alimentação adequada (TERRA DE DIREITOS, 2012, 
s/p). 
 Enfim, da posse temporária do solo se conquista a condição primária que se materializa 
na produção da vida. Se conquista o direito à utopia com novas conquistas na ocupação da terra, 
mesmo em caráter temporário, como a escola pública no acampamento, objeto que veremos a 
seguir. 
 
4.1 A Escola Itinerante Carlos Marighella no Acampamento Elias Meura 
 
[...] a construção da escola no acampamento foi feita de forma coletiva, 
pela comunidade acampada, com seu jeito e ato prático de projetá-la e de 
construí-la. Dessa forma, a construção da escola foi assumida pelas 
16 
 
instâncias da comunidade acampada, contando com o apoio financeiro 
dos assentados do Milton Santos. Construída a escola, a preocupação 
passou a ser seu reconhecimento como escola pública no acampamento, 
além de ter um nome que resinificasse a luta pela terra, com o nome de 
um ‘lutador do povo’, conforme simbologia do MST. A escola havia 
brotada da luta pela terra no acampamento Elias Gonçalves de Meura 
(AMBONI, 2014, p. 211). 
 
 No acampamento Elias Meura, a escola itinerante foi conquistada pela comunidade e 
vem escrevendo sua história de forma coletiva, por meio de assembleias, reuniões de coletivos 
de educadores e de educandos etc, com projeto político-pedagógico e regimento escolar 
aprovados pela Secretaria de Estado da Educação, ou seja, a escola está organizada dentro do 
ordenamento jurídico estabelecido pelo Estado, mas orientados por uma pedagogia do trabalho 
e por ações pedagógicas do MST. Dessa forma, “o processo de construção da escola, as linhas 
políticas e pedagógicas, material para construção, educadores/educadoras e a própria 
característica da escola, foram frutos das discussões” (FREITAS; KNOPF, 2008b, p. 67), que 
surgiram no interior do acampamento como forma de atender a demanda por escola e garantir 
no espaço do acampamento a educação escolar, pois no município de Planaltina do Paraná não 
haviam vagas para as crianças acampadas estudarem. 
Para enfrentar esta situação. A comunidade decidiu pela construção da escola. Dessa 
forma, no espaço da educação, a escola foi erguida pela comunidade acampada. Na 
materialidade da Escola Itinerante Carlos Marighella, enquanto estrutura física, as primeiras 
salas de aulas foram construídas no segundo mês da ocupação, que ocorreu no dia 31 de julho 
de 2003. Erguida a escola com lona preta, a partir do próprio trabalho dos acampados, ela passou 
a atender, desde o início, a comunidade do acampamento e à comunidade do Assentamento 
Milton Santos, região próxima ao acampamento. A singularidade desta escola foi a construção 
feita sobre o chão batido, local onde ficavam os animais, isto é, em uma estrabaria. Com as 
reclamações dos educandos, foram construídas salas de madeira, com as tábuas da casa do 
fazendeiro, em local próximo ao acampamento. Erguida a Escola pelo MST estava assegurada 
a formação escolar aos acampados e aos assentados do Assentamento Milton Santos. Mesmo 
em condições precárias, o acesso à educação, por parte dos Sem Terra, é uma conquista 
materializada a partir da ocupação da terra com a vida materializada no acampamento, que é 
organizada de forma coletiva. Mas não é uma escola qualquer, é uma escola pública no 
acampamento do MST, conquistada na luta pela terra. Eis como Bahniuk e Camini trazem: 
As escolas itinerantes são escolas públicas que compõem a rede estadual de ensino e 
são aprovadas pelos Conselhos Estaduais de Educação Por se movimentarem com a 
17 
 
luta, têm de estar vinculadas legalmente a uma escola base que é responsável por sua 
vida funcional: matrícula, certificação, verbas, acompanhamento pedagógico etc. 
Geralmente, a escola base localiza-se em um assentamento do MST, referenciando-se 
no projeto educativo do Movimento (BAHNIUK; CAMINI, 2012, p. 332). 
 No acampamento Elias Gonçalves de Meura, a escola itinerante conquistada recebeu o 
nome de Escola Itinerante Carlos Marighella6, em homenagemao revolucionário e lutador das 
causas dos trabalhadores. Em 2013, a estrutura física da escola era toda de madeira, com salas 
de aulas, sala de secretaria, biblioteca, refeitório, sala de cozinha, banheiros, sala de educadores 
e espaços de recreação física, sociabilidade e interação política dos educandos. Na pesquisa de 
campo, constatamos a existência de 11 salas com 48m² cada uma, sendo 07 salas para aula, 01 
para cozinha, 01 para depósito de alimentos, 01 para secretaria e 01 para biblioteca. Todas as 
salas possuíam piso de cimento. A escola possuía também um pátio coberto com 204m², 
sanitário com 04 divisórias e um campo de futebol para prática de educação física. 
 Com esta estrutura escolar, a escola itinerante atendia a educação infantil e o ensino 
fundamental do 1º ao 5º ano, com professores do próprio MST, contratados por meio do 
convênio estadual de cooperação técnica e financeiro com a Associação de Cooperação 
Agrícola e Reforma Agrária do Paraná – ACAP, cuja meta estabelecida pelo Plano de Trabalho 
é “atender a demanda da educação básica de famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais 
Sem Terra, garantindo o funcionamento da Escola Itinerante”. Para o Ensino Fundamental do 
6º ao 9º ano, os educadores são contratados pela SEED, por meio do Processo de Seleção 
Simplificado - PSS. De acordo com Ghisi, “Além das crianças, adolescentes e jovens que 
cursam as sérias regulares, a escola também possibilita acesso à educação para jovens e adultos 
e ajuda a suprir a baixa escolaridade da comunidade” (GHISI, 2012, s/p). Portanto, a estrutura 
criada para assegurar o funcionamento da escola itinerante na oferta da educação envolve o 
setor de educação do MST e a SEED. Neste processo, há uma pactuação entre MST e Estado 
para assegurar o pagamento dos recursos humanos que movem a escola. 
 Em seus estudos, Oliveira enfatiza que 
Em março de 2004, foi celebrado entre o MST e a SEED um convênio que envolve a 
Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP), pessoa 
jurídica de direito. O Convênio é renovado anualmente, após prestação de contas 
realizada pelo Setor de Educação do MST, mediante apresentação de um relatório à 
 
6 Carlos Marighella (1911-1969): Foi militante político do PCB nos anos de 1950 e tomou parte nas lutas populares 
em defesa do petróleo e a desnacionalização da economia brasileira. Após o golpe militar de 1964, Marighella foi 
novamente preso. Em dezembro de 1966 desligou-se do PCB e fundou a ALN – Ação Libertadora Nacional para 
combater a ditadura no Brasil. Na noite de 4 de novembro de 1969, foi morto a balas por agentes da repressão. 
 
18 
 
SEED, no qual constam informações acerca do número de educadores, coordenadores, 
matrículas. A partir dele e dos termos aditivos a ele incorporados, tem-se assegurada 
a remuneração dos educadores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e dos 
coordenadores pedagógicos das Escolas Itinerantes. Além dos salários, estão previstos 
o pagamento de encargos sociais, 13º salário, terço constitucional e verbas rescisórias. 
O recurso é liberado em parcelas mensais (SAPELLI, 2013). (OLIVEIRA, 2014, p. 
67). 
A ACAP, portanto, se torna um instrumento de ação para as práticas pedagógicas, tanto 
para o processo de ensino, quanto na avaliação do processo por parte dos educadores, quando 
elaboram o relatório para ser encaminhado à SEED. Dessa forma, o MST da resposta à 
sociedade sobre os atos da escola pública no acampamento. 
Assegurado os recursos humanos necessários ao funcionamento das escolas itinerantes, 
na Escola Itinerante Carlos Marighella, a atividade nuclear da escola é sustentada pela tríade 
prática-teoria-prática, com um currículo escolar dimensionado à produção da vida material no 
acampamento, sendo objetivado pela prática pedagógica nas disciplinas que compõem o núcleo 
central do fazer pedagógico, ou seja, na totalidade do processo escolar, que tem uma base de 
conhecimento sistematizado pelo homem, incluindo uma base de conhecimento do homem 
rural. O homem cria o mundo humano a partir do trabalho. Dessa forma, o homem produz a 
natureza humana sobre a base da natureza biofísica, mas o cria por meio do trabalho (SAVIANI, 
2015, p. 287). O trabalho, portanto, é constitutivo na reprodução da natureza humana via 
sociedade. Este processo tem o trabalho educativo como um “ato de produzir, direta e 
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e 
coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2015, 287). Por isso, o MST evidencia 
que o “trabalho (enquanto atividade humana criadora) é a base da educação e da práxis a 
perspectiva pretendida”, dessa forma, “nenhuma agência que objetive efetivamente ser 
educativa pode separar produção da existência de formação, e separar instrução de formação” 
(MST, 2014, p. 103). 
No MST, a Escola Itinerante Carlos Marighella expressa essa intencionalidade do ato 
educativo, pois busca recuperar a humanidade do homem desumanizado pela relação capitalista 
de produção. Constituído como atitude política do MST, o espaço da ação pedagógica, a Escola 
Itinerante, enquanto escola, é uma instituição social e histórica, cuja função é socializar o saber 
acumulado pelo homem no seu devir histórico, conhecimento este, que é produzido 
socialmente, é sistematizado como saber escolar para o processo de reprodução cultural via 
processo de ensino e de aprendizagem. Para o MST, o “conhecimento implica em uma 
organização de informações com um determinado sentido capaz de interferir na compreensão 
19 
 
da realidade e na atuação sobre ela. E isso supõe uma capacidade de pensamento específica, e 
que precisa ser aprendida” (MST, 2014, p. 111). Por isso Saviani (2015, p. 288) nos chama a 
atenção ao afirmar que “eu disse saber sistematizado e não ao conhecimento espontâneo; ao 
saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura popular”. Ou 
seja, não é um conhecimento qualquer. É um saber científico, que parte da base real para sua 
transposição didática. Para o processo de ensino em sua dinâmica estrutural, o Setor de 
Educação do MST vem sistematizando as lutas pela terra e o trabalho na terra em conteúdos 
formativos e, ao mesmo tempo, de escolarização. Neste caso, incorpora nos conteúdos os 
interesses sociais e posições políticas do movimento. Dessa forma, a um novo fazer pedagógico 
sustentado pelos princípios e métodos organizacionais na escola pública no acampamento, mas, 
como escola, traz os problemas inerentes à instituição escolar de quaisquer natureza. 
Para o MST, 
A Escola Itinerante é entendida como um espaço que traz em si a carga histórica da 
instituição escolar, de seus problemas e potencialidades. Também traz em si o 
acúmulo do Setor de Educação do MST, compondo sua proposta de escola. A Escola 
Itinerante, em sua essência, não é diferente da escola de assentamento ou das demais 
escolas do MST. Seus objetivos e princípios são os mesmos, que todavia, se aplicam 
de um modo determinado a depender da situação concreta. [...] (MST, 2009, p. 118). 
Nesta perspectiva, o MST procura imprimir as marcas da lutas sociais no processo de 
ensino, alicerçadas no trabalho. Na Escola Itinerante Carlos Marighella, o jeito de ensinar e de 
aprender se dá por meio da realidade em que vivem e das práticas sociais, com o lema “nosso 
fazer, nosso saber”. Dessa forma “aprendemos o português, a matemática, a história, a 
geografia, etc... através das questões de nossa luta, de nossa organização, nos desafios de nossos 
atos, nas negociações, na pesquisa, nas discussões e na troca de experiências” (MST, 1998a, 
p.30). 
A Escola Itinerante Carlos Marighella,portanto, é uma escola que provoca mudanças 
na formação do homem, pois ela incorpora em seu cotidiano as lutas da reforma agrária e o os 
elementos da pedagogia soviética construída por Moyses Pistrak, Anton Makarenko, Viktor N. 
Shulgin, Nadeshda Krupskaya etc, sob orientação política de Anatoly Lunarcharski. 
 
4.2. A organização política e pedagógica da Escola Itinerante Carlos Marighella 
 
A EI Carlos Marighella possuía a coordenação político pedagógica, 
composto pelo coordenador da escola e membros da comunidade; 
20 
 
coletivo de educadores, espeça que era coordenado pela coordenação 
pedagógica da escola e coletivo de educandos, que se organizavam 
acerca de suas demandas específicas, as quais eram apresentadas pelos 
educadores no coletivo de educadores. Foram poucas às vezes em que 
exercitamos a participação dos educandos na reunião dos educadores, 
pois as crianças eram pequenas dos anos iniciais do EF e ainda não havia 
maior compreensão sobre (CURITIBA, KNOPF, 2014). 
 
 Ao longo de nossa formação social, o processo de educação das massas foi posto em 
segundo plano pelas elites do país. Aos pobres, escolas precárias para cumprir com o mínimo 
necessário de formação escolar para os domínios básicos e necessários ao mercado de trabalho. 
A escola que emerge com o MST é uma escola também precária, mas traz uma distinção, que 
é sua forma de ser e sua práxis pedagógica. Como escola do movimento, a Escola Itinerante é 
uma escola que se permite estruturar-se sob uma concepção de educação que rompe com a 
hegemonia da escola burguesa ao propor como ação pedagógica os atos organizativos do jeito 
de fazer escola, estabelecendo a democracia como elemento central no processo. Dessa forma, 
é uma escola que se compromete com a gestão democrática, com os coletivos (educadores, 
educandos, país etc) e a auto-organização estudantil, não como experiência, mas como atividade 
central de organização. Coloca, portanto, a escola em movimento, com práticas formativas 
reflexivas sobre o movimento do real, articulando sua natureza a tempos escolares distintos para 
consolidar o processo de escolarização dentro dos ciclos de formação humana. 
Dessa forma, Mariano e Sapelli destacam que 
As Escolas Itinerantes do Paraná, desde 2003, foram criadas tendo como referência a 
proposta educativa e os princípios pedagógicos da educação do MST que são: a 
relação teoria e prática, educação pelo e para o trabalho, auto-organização dos 
estudantes, gestão democrática, criação de coletivos pedagógicos. Esses princípios 
balizaram a escola a se organizar de forma diferente com tempos e espaços educativos, 
espaços de auto-organização dos estudantes e um vínculo direto com a luta por 
Reforma Agrária (MARIANO, SAPELLI, 2015, p.1745). 
Nesta linha de pensamento, Knopf, educador da Escola Itinerante Carlos Marighella, 
enfatizou que “a organização de uma coordenação compartilhada entre o coletivo de educadores 
e instâncias organizativas da comunidade, o coletivo de educadores e a auto-organização dos 
educandos são elementos que propiciam uma gestão democrática nas escolas”, mas reconhece 
que tem “limites na sua implementação, como a dificuldade em organizar o coletivo infantil 
para que participe mais efetivamente da vida da escola, são iniciativas importantes que ensaiam 
outras relações de poder na escola” (CURITIBA, KNOPF, 2014). 
21 
 
Como escola do movimento, é uma escola que permite se estruturar-se sob uma 
concepção pedagógica que rompe com a hegemonia da escola burguesa, que traz a sala de aula 
como espaço determinante para a prática pedagógica, submetendo os alunos à aprendizagem da 
obediência e da disciplina, disciplinando o corpo e a mente para o mundo do trabalho no 
capitalismo. A escola itinerante, portanto, é uma escola que se coloca a contrapelo dessa 
orientação ideológica, pois ela sai de si mesma quando se movimenta e, no movimentar-se, este 
movimento se torna prática pedagógica e conteúdo de ensino. Ler o mundo a partir do 
movimento do real é prática constante no vir-a-ser da escola itinerante, cuja ocupação do espaço 
escolar vai se fazendo na itinerância da luta por terra, crédito rural, educação etc. Dessa forma, 
o MST enfatiza que 
[…] Na itinerante não se ensina somente no espaço da sala de aula. Conectada com a 
vida, ela trata do lixo, da água, da fome no acampamento, verificando seus problemas 
e soluções. Por isso, a aula pode acontecer à beira do riacho, na roça, na marcha, no 
pedágio, em seguida a um despejo e na própria sala de aula. E isto tudo sem dispensar 
sua função de escola, tratando pedagogicamente estas situações, trabalhando as 
dimensões necessárias para entender o fato em questão. É uma escola que sai, concreta 
e abstratamente, de seus 'muros' para encontrar-se na realidade, estudá-la e 
transformá-la (MST, 2010, p. 29). 
Por isso, a proposta e o princípio educativo na escola itinerante seguem as orientações 
do MST, que partem da “relação teoria e prática, educação pelo e para o trabalho, auto-
organização dos estudantes, gestão democrática, criação de coletivos pedagógicos” e “esses 
princípios balizaram a escola a se organizar de forma diferente com tempo e espaços educativos, 
espaços de auto-organização dos estudantes e um vínculo direto com a luta por reforma agrária” 
(MARIANO; SAPELLI, 2015, p. 1745). 
Corrobora nesta análise Dal Ri e Vieitez, quando asseveram que 
A organização e a gestão da escola são elementos fundamentais de qualquer sistema 
ou unidade de ensino, pois, dependendo de como elas se processam, a vivência na 
escola pode ser democrática ou não. Para vivenciar a democracia, o MST propõe para 
as suas escolas a gestão democrática, a auto-organização dos alunos e o coletivismo 
(DAL RI; VIEITEZ, 2010, p. 61). 
Nessa linha de raciocínio, podemos entender que a escola da luta por reforma agraria só 
pode existir tendo o locus educativo na centralidade de seus sujeitos, com domínio sobre a 
cultura pedagógica e o poder que na escola emerge. Dessa forma, a escola se estrutura sobre os 
pilares democráticos no entender do MST, cuja existência se faz no processo de 
intencionalidade de formação de um sujeito com capacidade crítica e consciência organizativa 
para construir novas relações sociais e de produção. Estudando a educação no MST, Bezerra 
Neto, enfatiza que, no plano ideal, a escola que o MST apresenta “deve ser o lugar da vivencia 
22 
 
e desenvolvimento de novos valores, como o companheirismo, o trabalho coletivo, a disposição 
de aprender sempre, o saber fazer bem feito, a indignação contra as injustiças, a disciplina, a 
ternura chegando a uma consciência organizativa” (BEZERRA NETO, 1999, p. 81). 
Nesta perspectiva, Dal Ri e Vieitez sustentam que “o MST também desenvolve a idéia 
de gestão democrática”, mas “com uma perspectiva diferente daquela utilizada pelo Estado”. 
Para eles, o objetivo do MST “vai além da participação, uma vez que sinaliza com a idéia de 
controle da escola pelas forças populares, ou seja, por professores, funcionários, alunos, pais e 
comunidade local” (DAL RI; VIEITEZ, 2010, p. 56). Dessa forma, a comunidade deve ocupar 
a escola para transformá-la por dentro. 
Em seus documentos, o MST traz a seguinte organização para a Escola Itinerante no 
Paraná7. Reconhece que a escola “não é um espaço emancipado das relações capitalistas. 
Conquistada a escola, a luta continua, é permanente, e são diversos os momentos em que nossa 
escola enfrenta tensões sociais e posiciona-se frente a elas (MST, 2010, p. 31). É uma escola na 
contradição capital e trabalho. Mas o processo de escolarização se dá por meio dos ciclos de 
formação humana8, pois o MST considera o processo de aprendizagem e desenvolvimentode 
forma permanente. Neste caso, assume que “Ciclo é movimento, não nos deixa parados, é 
processo, é relação, é agrupar e reagrupar-se para aprender e ensinar” (PARANÁ, 2009, p. 34). 
Por isso, o MST ressalta a importância para a ação pedagógica com um currículo adequado às 
escolas em seu território, pois o currículo por ciclos “vem para renovar os métodos de 
organização e de ensino que antes justificava a função social da escola pela intervenção 
educativa legitimada nos conteúdos hierarquicamente organizados.” Ressaltando que os ciclos 
exigem dos “educadores um novo olhar sobre o sujeito que aprende e nos desafiam para novas 
concepções e métodos de avaliação como, por exemplo, a promoção e não o fracasso dos 
sujeitos” (MST, 2008b, p. 27). 
Para dar conta das intenções educacionais do MST, o projeto político-pedagógico da 
escola-base apresenta a organização escolar da Escola Itinerante Carlos Marighella a seguinte 
forma: 
 
7 A Escola Itinerante do MST apresenta particularidades na sua criação, pois em cada Estado da Federação que a 
escola foi conquistada os Conselhos Estaduais de Educação disciplinaram um modelo de organização e de oferta 
que diferem entre si. 
8 Os Ciclos de Formação Humana se fundamentam no processo de desenvolvimento humano numa temporalidade: 
Infância – Pré-adolescência – Adolescência – Juventude – Idade Adulta – Velhice (PARANÁ, 2009, p. 34). 
23 
 
Tabela 2. Ciclo de escolaridade na Escola Itinerante Carlos Marighella 
 
CICLOS DA VIDA 
HUMANA 
 
CICLO DA FORMAÇÃO 
HUMANA 
CICLO DA EDUCAÇÃO 
BÁSICA 
IDADE 
INFÂNCIA 
I Ciclo da Formação Humana 
Ciclo único – Educação 
Infantil 
4 anos 
5 anos 
 
II Ciclo da Formação Humana 
I Ciclo do Ensino 
Fundamental 
6 anos 
7 anos 
8 anos 
Classe Intermediária 
PRÉ-ADOLESCÊNCIA 
III Ciclo da Formação Humana II Ciclo do Ensino Fund. 
9 anos 
10 anos 
11 anos 
Classe Intermediária 
ADOLESCÊNCIA IV Ciclo da Formação Humana III Ciclo do Ensino Fund. 
12 anos 
13 anos 
14 anos 
FONTE: PARANÁ (projeto político-pedagógica do CEC. Iraci Salete Strozak, 2009 (adaptado pelo autor). 
Dessa forma, na Escola Itinerante Carlos Marighella, os ciclos ofertados são infância, 
pré-adolescência e adolescência, o que corresponde ao ensino fundamental na sua totalidade. 
Ou seja, há a educação infantil e o ensino fundamental do 1 ao 9 ano, além da educação de 
jovens e adultos. Neste processo de formação escolar, os ciclos se fundamentam no processo 
de desenvolvimento humano centrado nas temporalidade do humano, cujo caminho percorrido 
é natural, passando pela infância, pré-adolescência, adolescência, juventude, idade adulta, 
velhice. No processo de escolarização, o ciclo incorpora a formação global do sujeito, levando 
em conta a capacidade de aprendizagem e os ritmos de cada sujeito no processo educativo. 
Dessa forma, o fazer pedagógico do educador deve buscar e ter como parâmetro três elementos 
essenciais, o desenvolvimento humano, as caraterísticas pessoais e as vivências socioculturais 
dos educandos. Por isso, a formação humana por ciclos traz um continuo de aprendizagem, que 
é mediado pelos educadores do ciclo e por diferentes agrupamentos do espaço escolar, cuja 
finalidade é a formação do sujeito na perspectiva da emancipação humano-política do ser social 
na esfera do modo de produção capitalista. Mas isto não ocorre somente no ambiente da sala de 
aula. Para o MST, outros ambientes de escolarização podem ser criados, pois entende que a sala de 
aula não pode ser o único existente na escola. Dessa forma, novos ambientes são criados, levando 
em consideração o tempo escolar. Assim, dar maior dinâmica no processo de ensino, são criados os 
tempo educativos que buscam na dimensão educacional social seu lugar. Neste sentido, são criados 
o tempo-aula, tempo-trabalho, tempo-oficina, tempo-lazer, tempo-leitura, tempo-gestão etc. 
Nas palavras do MST, 
24 
 
[...] criamos um jeito de ajudar a desenvolver as diferentes dimensões humanas, que 
tem sido bastante incorporado nas Escolas Itinerantes. São os tempos educativos 
como oficina, trabalho, leitura, aula, pesquisa, entre outros. Estes momentos, às vezes, 
têm outras denominações e nem sempre são os mesmos em cada escola. Cada tempo 
educativo busca desenvolver diferentes potencialidades e para isso precisam ser 
organizados de forma coerente com o projeto da escola e com a dimensão sobre a qual 
pretende atuar (MST, 2009b, 26). 
Dessa forma, este processo consolida a ação pedagógica como princípio de emancipação 
política dos Sem Terra. Sua ação é marcado pelos atos no interior da escola, centrada na 
organização do espaço do acampamento como educador. Neste caso, o acampamento é um 
grande educador para os Sem Terra, pois “Todas as famílias que compõem um acampamento 
estão organizadas nos núcleos” cujos espaços elas ocupam e “se reúnem periodicamente e 
juntas discutem questões do cotidiano do acampamento e da sociedade (local e nacional). É um 
local de intensa participação e convivência política, no qual o estudo, a formação e a tomada de 
decisões são privilegiados” (MST, 2010, p. 33). Neste sentido, exercem a democracia como 
poder popular. 
 Na linha política do MST, a democracia como poder popular é determinante no 
movimento. Nesta perspectiva, uma caraterística marcante na escola itinerante é sua forma de 
gestão. Para a elite, que quer uma escola dissociada da vida material, portanto, uma escola que 
não se vincula ao real, o MST caminha a contrapelo, pois a organização da escola, de relações 
democráticas, promove uma forma de relacionamento que permita a ela se emancipar e traz 
uma conotação nova, pois ela experiência outras relações no seu âmbito, quer seja no sentido 
da administração, quer seja na ação pedagógica. Destaco a expressão de Dal Ri e Vieitez, para 
quem, “a organização da escola não costuma ser apresentada como um fator pedagógico 
importante”, pois os sujeitos “escolares normalmente vivenciam essa organização, sem maiores 
reflexões ou preocupações, considerando-a um meio para a realização dos objetivos 
pedagógicos propostos”, mas “a organização da escola é um importante elemento pedagógico, 
é um currículo que, por não fazer parte dos conteúdos programáticos explicitados, encontrasse 
oculto” (DAL RI; VIEITEZ, 2010, p. 71). 
 Dessa forma, a escola itinerante é um currículo expresso nas suas formas de agir 
pedagogicamente. Este processo é constatado na materialidade da própria escola, que nasce das 
lutas por reforma agrária. Eis como o MST se manifesta: 
As Escolas Itinerantes se materializam, por vezes, em barracos de lona utilizados 
como salas de aula, mas também se fazem em outros espaços como na beira da estrada, 
nas marchas, nas ocupações de latifúndios e prédios públicos, e em outros tipos de 
mobilizações. Enfim, acompanhando o itinerário do acampamento. Estas escolas são 
25 
 
escolas públicas da rede estadual de ensino, conquistadas por meio de pressões, 
mobilizações e financiadas pelo Estado (MST, 2010, p.19). 
 Na materialidade dessa escola, o coletivo se torna permanente como fazer da escola. Ou 
seja, é próprio da escola itinerante o poder popular no seu interior, pois ela nasce no interior de 
um movimento que se estrutura hierarquicamente disciplinado por ações democráticas, cujas 
células constitutivas são os núcleos de base e as brigadas. Do ponto de vista da organização 
coletiva da escola no MST, Dal Ri e Vieitez afirmam que 
A direção coletiva de cada processo pedagógico implica a participação efetiva da 
comunidade na gestão da escola, bem como a relação desta com o conjunto de escolas 
ligadas ao Movimento e sua subordinaçãocrítica e ativa aos seus princípios (MST, 
1996). Segundo o MST (1999: 9), a direção coletiva é uma forma de garantir a 
participação de todas as pessoas na tomada de decisões, de dividirem-se as tarefas e 
as funções de acordo com as qualidades e as aptidões pessoais e, também, de 
superação do paternalismo e do presidencialismo (DAL RI; VIEITEZ, 2010, p. 61). 
 Romper com a lógica da escola guiada por princípios liberais, portanto, é essencial para 
a emancipação humano-política no capitalismo. Dessa forma, o MST proclama uma escola cuja 
centralidade seja na gestão democrática, mas o coordenador, de acordo com Celestino (2014) 
“é o elemento principal para o funcionamento das três gestões9, porém é necessária a divisão 
das tarefas para organização da escola”. Dessa forma, “As reuniões dos coletivos são espaços 
para debates dos meios de gestão. Há sempre uma divisão de tarefas, mas sempre de acordo 
com as discussões do coletivo” (ENTREVISTA, PORECATU, 2014). Como parte do processo, 
“Nas Escolas Itinerantes já existem algumas equipes de trabalho que são: Rádio, Biblioteca, 
Horta, Cultura, Lazer, Embelezamento, entre outras. Neste espaço os educandos refletem sobre 
a funcionalidade de cada equipe e elaboram planos de trabalho e formas de atuação” (MST, 
2009b, p. 36). Ou seja, o coordenador pedagógico assume as funções burocráticas que o Estado 
exige para o funcionamento da escola pública, mas isso não implica na submissão da 
comunidade escolar aos ditames do coordenador. O que há é uma unidade escolar como um 
fórum permanente de debates nas suas instancias deliberativas. A democracia é a máxima na 
organização escolar como um todo, cuja participação é estimulada entre os acampados e 
assentados. 
Para esse fim, organiza-se a escola por meio de coletivos, dentre os quais destacamos: 
 1. Coletivo por sala de educandos, que o MST assim apresenta: 
Núcleos de Base ou Grupos de Atividades que consistem num coletivo de 5 a 10 
educandos, a depender do número em cada turma. Cada núcleo possui um coordenador 
e coordenadora que assumem essa responsabilidade por determinado período. É 
 
9 Gestão administrativa, pedagógica e financeira. 
26 
 
interessante que durante o ano, todos possam assumir essa tarefa em seu grupo, para 
ir rompendo com práticas autoritárias. Organizam-se para fazer um trabalho escolar 
em grupo, para discutir as místicas, a estrutura da escola, avaliar os educadores, a 
participação dos pais e acampados na escola, enfim, tudo que diz respeito à escola e à 
vida destes educandos. [...] (MST, 2009b, p. 35). 
 2. Coletivo de educadores, conforme traz o MST: 
Os educadores se organizam em coletivos pedagógicos, assumindo que sua formação 
também se realiza neste espaço, ou seja, quem educa precisa se educar continuamente, 
e faz isso por meio da reflexão sobre a prática, do estudo, do planejamento coletivo 
das atividades de sua turma, da escola (MST, 2009b, p. 37). 
 3. Coordenação de educadores, que “é formada pelos coordenadores de cada turma. Essa 
coordenação se responsabiliza em discutir e encaminhar propostas vindas da organização das 
turmas, mas que estão voltadas para toda a escola” (MST, 2009b, p. 35). 
 Neste processo, enfatizamos a organização dos coletivos como um processo que permite 
aos educadores, educandos e comunidade escolar uma maior participação na gestão da escola, 
tornando-a, verdadeiramente, uma gestão democrática, que expressa na atitude política dos 
acampados como poder popular. 
 
4 Considerações finais 
 O Paraná é, por excelência, o Estado da Escola Itinerante do MST. A escola itinerante 
traz em seu bojo a escola da contradição, cujo aspecto central é sua existência em território do 
MST legalizada pelo Estado. A escola da resistência se fundamenta no direito à educação e se 
materializa na educação do campo como escola pública que traz em sua gênese a itinerância, 
pois é uma escola que se movimenta com a comunidade de acordo com as circunstâncias ditadas 
pela história. História que se faz na contradição social, pois ela é um continuo em movimento 
no devir do homem, que carrega a experiência das lutas por terra e a faz na itinerância dentro 
dos princípios e fundamentos do movimento. Carrega, neste caso, a organização centrada nos 
coletivos, na auto-organização dos estudos, na realização do autosserviço, como processo de 
articulação do ensino e trabalho, na materialidade da gestão democrática com ampla 
participação dos acampados, com os tempos educativos e o processo de escolarização que busca 
a formação do homem omnilateral por meio dos ciclos de formação humana. 
 Mas escola itinerante Carlos Marighella é uma escola na contradição social, apesar de 
ser um escola pública nos marcos do capitalismo. Sua materialidade se faz na luta pela terra, 
com ações de reintegração de posse e ocupações, que a história registra e a memória é carregada 
no fazer a escola. Enfim, é uma escola que se movimenta, não enquanto estrutura físicas, mas 
27 
 
nos seu processo pedagógico, cuja ação se desenvolve onde quer que esteja. Portanto, se 
materializa também como prática pedagógica fora do acampamento. 
 
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