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Introduc¸a˜o a` teoria de erros e medidas Jorge Diego Marconi Em F´ısica, a ide´ia de medida esta´ subjacente a tudo. E´ atrave´s de experieˆncias que se pode obter valores quantitativos consistentes para certas propriedades da mate´ria, sejam elas propriedades das chamadas part´ıculas elementares - os constituintes u´ltimos da mate´ria, sejam elas as grandezas que nos permitem entender um pouco as gala´xias e outros objetos estelares. No dia a dia, medimos grandezas normais, aquelas que esta˜o dentro de nossos conceitos antropomo´rficos de descric¸a˜o da natureza. Mas a natureza na˜o e´ so´ o que vemos ao nosso redor. Quando estudamos o microcosmo, ha´ outras propriedades da natureza que na˜o teˆm correspondeˆncia na nossa vida do dia a dia. Quando nos afastamos de nosso sistema planeta´rio e estudamos a nossa gala´xia ou outras estrelas, tambe´m sa˜o encontrados estranhos mundos onde na˜o valem as grandezas com as quais estamos acostumados. Para descrever essas novas propriedades, sa˜o atribu´ıdos nomes a elas e sa˜o feitas medidas sistema´ticas. Tanto nesses campos avanc¸ados da f´ısica quanto em nossas experieˆncias no laborato´rio de IF129, os resultados das medidas sa˜o sempre expressos por nu´meros que indicam quantas vezes uma propriedade f´ısica de um certo corpo e´ maior ou menor que um determinado padra˜o, definido de forma arbitra´ria, mas conhecido por todos. Esse padra˜o e´ a unidade daquela propriedade f´ısica particular. Um assunto que aparece imediatamente em f´ısica experimental e´ que qualquer medida que fizermos sera´ sempre afetada por algum tipo de erro. Como explicaremos a seguir, esses erros podem ser causados pela qualidade (ou falta de) dos instrumentos, pela falta de cuidado do observador, ou podem ser erros estat´ısticos. Os principais tipos de erros sa˜o: Erros sistema´ticos Erros sistema´ticos sa˜o aqueles causados por defeitos dos instrumentos, por exemplo, falta de calibrac¸a˜o. Se um termoˆmetro marca sistematicamente 1 ◦C a mais, porque esta´ descal- ibrado, nunca sera´ poss´ıvel eliminar esse erro, por mais cuidado que se tome. Deve-se recalibrar o termoˆmetro. Para identificar e calcular esses erros, deve-se mudar o instru- mento de medida. No caso de erros sistema´ticos, as medidas sera˜o afetadas em conjunto, sempre para mais ou para menos. Erros casuais Erros acidentais, casuais ou aleato´rios, sa˜o aqueles causados em geral por variac¸o˜es nas condic¸o˜es em que as medidas foram feitas: temperatura, pressa˜o, umidade e por erros de leitura por parte do observador. Em geral, nesse tipo de erro, ha´ igual probabilidade de que as medidas sejam afetadas para mais ou para menos; efetuando-se uma se´rie de medidas e calculando-se a me´dia, consegue-se compensar de certa maneira o efeito desse tipo de erro, obtendo-se uma melhor estimativa da grandeza f´ısica que se quer medir. Assim, todas as medidas de uma propriedade f´ısica esta˜o afetadas por uma incerteza, que vamos chamar em geral de erro, desvio ou imprecisa˜o da medida. Deste modo, os resultados das medidas devem ser expressos de tal modo que se possa avaliar a precisa˜o com que elas foram feitas (ou calculadas). 1 Para poder apresentar melhor alguns conceitos, vamos considerar a seguinte situac¸a˜o: suponha que voceˆ mediu uma determinada magnitude x, por exemplo 50 vezes (ou N vezes), sempre nas mesmas condic¸o˜es e com o mesmo instrumento. Em geral, esses 50 valores va˜o ser diferentes entre eles, similares mas diferentes. Neste caso, qual e´ o valor que eu devo dar como resultado final e com que erro? Para isso vamos comec¸ar definindo o valor me´dio das medic¸o˜es como, x = 50∑ i=1 xi 50 (1) para o caso em que N = 50. A teoria de erros mostra que, com um conjunto finito de medidas, na˜o e´ poss´ıvel obter o valor exato da grandeza que se esta´ medindo, e demonstra que essa me´dia, calculada com base nos valores experimentais, e´ o melhor estimador dessa grandeza. Enta˜o, ate´ agora temos o valor que vamos dar como resultado das 50 medic¸o˜es, ou seja a me´dia, mas ainda na˜o sabemos quantos d´ıgitos va˜o ficar nem qual e´ o erro associado. Se o leitor for perspicaz, talvez pense, “se esses 50 valores deram esta me´dia, e essa me´dia representa o valor mais prova´vel da minha medic¸a˜o, enta˜o o erro deveria estar, de alguma maneira, associado a´ dispersa˜o de todos os valores ao redor da me´dia”. Vamos enta˜o definir o desvio quadra´tico me´dio ou desvio padra˜o como: σ = √√√√√ ∑ 50 i=1 (x− xi)2 (50− 1) (2) A teoria dos erros vai associar, a uma certa medida, na˜o o erro que se comete, mas sim um intervalo de valores ao redor da me´dia, dentro do qual o valor verdadeiro tem uma alta probabilidade de ser encontrado. E o nu´mero que melhor estima esse intervalo e´ dado por: σx = ∆xestatistico = σ√ 50 (3) A este erro, que mede de alguma forma a dispersa˜o dos dados ao redor da me´dia, vamos chamar de erro estat´ıstico. Agora finalmente, com o conjunto de 50 dados experimentais, podemos determinar um resultado final e um erro associado. E´ importante mencionar que o nu´mero 50, que aqui representa o nu´mero total de dados, pode ser obviamente generalizado para N dados, ficando enta˜o as equac¸o˜es para o caso geral como: x = N∑ i=1 xi N (4) σ = √√√√√ ∑ N i=1 (x− xi)2 (N − 1) (5) 2 σx = ∆xestatistico = σ√ N (6) O leitor atento, pore´m, tera´ percebido que o instrumento de medic¸a˜o tem um erro associado, o que na˜o foi considerado ate´ agora. Na˜o levar em conta o erro do instrumento seria como dizer que medir, por exemplo, a largura de uma mesa com uma re´gua graduada em cm a medi-la´ com outra graduada em mm na˜o faz diferenc¸a, e isso na˜o parece razoa´vel. Assim, ainda falta um passo para obtermos o erro que vamos chamar de total, para coloca´- lo como erro associado da me´dia. O erro total vai estar dado pela seguinte equac¸a˜o: ∆xtotal = √ (∆xestatistico)2 + (∆xinstrumental)2 (7) A pergunta agora vai ser: qual e´ o erro instrumental? Vamos explicar isto com ex- emplos. Suponha que temos que medir o comprimento de uma folha de papel com uma re´gua que tem diviso˜es ate´ mil´ımetros. Vamos supor que o canto da folha caia entre as diviso˜es correspondentes de 233 e 234 mm. O resultado dessa medida simples pode se escrever assim: L = (233,5± 0,5) mm Desta forma, voceˆ esta´ escrevendo exatamente o ma´ximo que voceˆ pode dizer da medida com o instrumento que voceˆ tem, neste caso a re´gua com diviso˜es ate´ mil´ımetros. Isto e´, que o valor esta´ entre 233 e 234 mm. E´ poss´ıvel que as diviso˜es da re´gua estejam ruins, e que voceˆ na˜o esteja muito seguro de que a medida esteja entre 233 e 234 mm, mas sim que esta´ entre 232 e 234 mm. Nesse caso escrevemos: L = (233± 1) mm Estes dois casos representam os crite´rios geralmente aceitos para colocar o erro instru- mental de uma medida: colocar a metade da mı´nima divisa˜o do instrumento de medida ou colocar diretamente a mı´nima divisa˜o do instrumento, em nosso exemplo seriam 0,5 mm ou 1 mm. Qual e´ o mais correto? Como e´ um crite´rio, na˜o e´ poss´ıvel dizer qual e´ o mais ou o menos correto. Vai depender da medic¸a˜o, do bom senso e da experieˆncia do experimentador. Mas estes dois crite´rios sa˜o, sem du´vida, os mais usados. Suponha que voceˆ tenha medido uma magnitude f´ısica 100 vezes, sempre com o mesmo instrumento e sempre com as mesmas condic¸o˜es, e vamos supor que o instrumento tenha uma incerteza ∆instrumental. Quais sa˜o os valores da medida e o erro associado que vamos apresentar? O valor e´ simplesmente a me´dia dada pela equac¸a˜o (4). Vamos supor que voce mediu 100 vezes um tempo de algum fenoˆmeno f´ısico; o resultado da me´dia pode ser, por exemplo, 1,235464 s, que e´ um nu´mero com muitos d´ıgitos. Vamos calcular agora o erro estat´ıstico com as equac¸o˜es (5) e (6), e vamos supor que o resultado seja 0,0234556778s, outro nu´mero com muitos d´ıgitos. Supomos tambe´m que ∆instrumental = 0,01 s. O erro total, usando a equac¸a˜o (7) e´ 0,025498.... s. O que voceˆ acha que deveria ser escrito como resultado final? Com o que temos ate´ aqui seria (1,235464 ± 0,025498) s. Mas as coisas na˜o sa˜o ta˜o simples, e vamos ao u´ltimo passo do processo. Analisemos o seguinte: o erro esta´ informando qua˜o precisa foi a medic¸a˜o. Neste caso, o tempo foi medido ate´, no ma´ximo, o cente´simo de segundo, indicado em nosso exemplo com o primeiro nu´mero 2 3 depois dos zeros a´ esquerda. Resulta enta˜o que o nu´mero 5 que vem depois do 2 na˜o esta´, essencialmente, dando muita mais informac¸a˜o, pois o 2 anterior e´ um ordem de magnitude maior. Assim, para que o resultado fique mais claro, vamos fazer o arredondamento. Como? A ide´ia e´ que fique so´ a informac¸a˜o essencial, assim vamos chamar de primeiro d´ıgito significativo ao primeiro d´ıgito do valor do erro que seja diferente de zero. Neste caso seria o 2. Mas vamos dar tambe´m certa importaˆncia ao que vem depois, o segundo d´ıgito significativo, em nosso caso o 5. Como vale 5, enta˜o o 2 vai virar 3, com o qual o erro vai ficar como 0,03 s. O crite´rio que usamos foi o seguinte: se o segundo d´ıgito significativo esta´ entre 0 e 4, enta˜o o primeiro fica como esta´; mas se o segundo d´ıgito esta´ entre 5 e 9, o primeiro se incrementa em uma unidade. Como no exemplo considerado, o segundo d´ıgito e´ 5, enta˜o o 2 vira 3. Agora quase terminamos; o que falta e´ acomodar o valor da me´dia, para que fique com o mesmo nu´mero de decimais que o erro. Como este ficou valendo 0,03 s, que tem dois decimais, enta˜o do valor de 1,235464 s, que tem 6 decimais, deve passar a ter somente dois nu´meros decimais. Como? Usamos o crite´rio de arredondar que usamos com o erro. O segundo decimal e´ 3, o terceiro e´ 5, enta˜o o segundo vira 4. Assim, o resultado final da medic¸a˜o pode ser expresso como: (1,24± 0,03) s Os conceitos ate´ aqui servem so´ para as chamadas medic¸o˜es diretas, ou seja para magnitudes que voceˆ mede diretamente com algum instrumento, como por exemplo um tempo ou um comprimento. Tudo isto devera´ ficar claro ao longo dos diferentes experi- mentos. Trataremos posteriormente o caso das chamadas medic¸o˜es indiretas, onde o valor da magnitude procurada e´ obtido depois de algum ca´lculo. Por exemplo, se quisermos obter o volume de um cubo, o que vamos medir em forma direta va˜o ser os lados do cubo, e para achar o volume temos que fazer uma conta, V = L1.L2.L3. Neste caso, qual vai ser o erro do volume? A resposta na˜o e´ complicada mas requer conhecimentos de ca´lculo, especificamente de derivadas. Trataremos deste assunto ao longo do curso. Refereˆncias 1 - Jose´ Henrique Vuolo, Fundamentos da Teoria de Erros, Editora Edgard Blu¨cher Ltda (1992). 2 - Curt Egon Hennies et al, Problemas Experimentais em F´ısica, Editora da Universidade Estadual de Campinas (1989). Estes livros podem ser encontrados na Biblioteca da F´ısica e recomendamos fortemente que sejam consultados. 4
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