Buscar

As concepções do cuidado de si na filosofia antiga

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

I. Introdução:
Michel Foucault, em sua obra A Hermenêutica do Sujeito, pretende mostrar que na antiguidade a atitude filosófica, diferentemente de como é concebida hoje, aparece como uma prática de vida, um exercício constante de transformação de si, uma maneira de viver. Em outras palavras, Foucault afirma que na antiguidade o exercício filosófico está totalmente associado à vida prática. Isto porque, como aponta o autor, a noção de epiméleia heautoû (o cuidado de si) tem um papel central no pensamento antigo. Diz Foucault: “Parece-me que a epiméleia heautoû (o cuidado de si e a regra a que lhe era associada) não cessou de constituir um princípio fundamental para caracterizar a atitude filosófica ao longo de quase toda a cultura grega, helenística e romana” (Foucault. Op. Cit. p.10). [1: Foucault, M. A Hermenêutica do Sujeito: curso dado no Collège de France (1981-1982). Tradução: márcio Alves da Fonseca, Salma Tannus muchail. 3ª edição – São Paulo: WMF Martins fontes, 2010.]
No entanto, como sustentado por Foucault, a noção de cuidado de si passou por várias transformações. Diante disto, nosso objetivo neste trabalho é apontar a principal diferença entre as concepções do cuidado de si socrático-platônico e o cuidado de si estoico. Por este viés, tentaremos mostrar que nas duas correntes, supracitadas, o eu e, por conseguinte, as técnicas de si se apresentam com estatutos e finalidades diferentes. 
II. O cuidado de si socrático-platônico
Na tentativa de apontar algumas peculiaridades do cuidado de si socrático-platônico voltamos nosso olhar para o diálogo de Platão intitulado O Primeiro Alcibíades. Conforme nos diz o texto, o objetivo do jovem Alcibíades é ascender ao poder político, no entanto, em seu diálogo com Sócrates fica claro que o jovem não está pronto para tal ofício. Por conta disto, Alcibíades é aconselhado por Sócrates a ocupar-se consigo mesmo, a conhecer-se a si mesmo, visto que sem isto seria incapaz de realizar seus intentos. Deste modo, o cuidado de si aparece como uma prerrogativa para o governo da pólis ou, em outras palavras, o cuidado de si tem como finalidade o cuidado dos outros. Comenta Foucault: “Como vemos, “ocupar-se consigo” está, porém, implicado na vontade do indivíduo de exercer o poder político sobre os outros e dela decorre. Não se pode governar os outros, não se pode bem governar os outros [...], se não se está ocupado consigo mesmo [se não se governa a si mesmo]. ” (Foucault. ___ Op. Cit.p.35. Grifo nosso). [2: Platão. Diálogos: Fedro, Cartas, O Primeiro Alcibíades. Tradução: Carlos Alberto Nunes. 2ª edição revisada – Belém: EDUFPA, 2007.][3: Platão. _Op. cit. p.266 [124b].]
Ainda neste contexto, vê-se que, a necessidade de ocupar-se consigo mesmo também deriva da má formação. Ora, Sócrates apresenta a Alcibíades várias evidências de que sua formação não fora adequada, sobretudo, se o objetivo é o da vida política. Assim, o cuidado de si apresenta uma necessidade básica para seu desenvolvimento, seja ela, a relação mestre-discípulo, relação esta que, quanto mais cedo ocorra tanto melhor.[4: Diz o autor: “[...] o cuidado de si [...] tem sempre a necessidade de passar pela relação com um outro que é o mestre. Não se pode cuidar de si sem passar pelo mestre, não há cuidado de si sem a presença de um mestre”. (Foucault. _Op. Cit. p.55).][5: Platão. _Op. Cit. p.273 [127e].]
Assim que se adquire a consciência de que é preciso ocupar-se consigo mesmo, uma questão se coloca: “Que significa cuidar de si mesmo? ” Como se sabe, todo o exercício filosófico Socrático é feito a partir da inscrição de Delfos, o “gnôthi seautón” ou conhece-te a ti mesmo, assim a resposta à pergunta colocada não será outra senão que para cuidar de si mesmo é preciso conhecer-se a si mesmo. Diante disto, constata-se que o cuidado de si, no referido pensamento, consiste no conhecimento de si, ou, de outro modo, é na esteira do conhecimento de si que o cuidado de si aí se desenvolve. Foucault comenta:[6: Platão. _Op. cit. p.273 [127e-128a].][7: Platão. _Op. Cit. p.275 [129a].]
“É para conhecer-se a si mesmo que é preciso dobrar-se sobre si; é para conhecer-se a si mesmo que é preciso desligar-se das sensações que nos iludem; é para conhecer-se a si mesmo que é preciso estabelecer a alma em uma fixidez imóvel que a desvincula de todos os acontecimentos exteriores. É ao mesmo tempo para conhecer-se a si mesmo e na medida em que se conhece a si mesmo, que tudo isso deve ser feito.” (Foucault. __Op. Cit. p.63). 
A partir daqui uma nova questão se apresenta, questão que tem em sua resposta um ponto fundamental da filosofia socrático-platônica, isto é, a transcendência. Como se constatou, cuidar de si, ocupar-se consigo é conhecer-se. Mas, o que é este “si” com o qual se deve ocupar? O que é o “eu” que deve ser conhecido? À que se reporta quem nos orienta a nos conhecermos? É da fala de Sócrates que nos vem a resposta: “É a alma, portanto, que nos recomenda conhecer quem nos apresenta o preceito: Conhece-te a ti mesmo. ” Deste modo, compreende-se que cuidar de si, neste contexto, é cuidar da alma. Diz ainda Sócrates: “...assentamos que é da alma que precisamos cuidar e para que devemos volver as vistas”. [8: Platão. _Op. cit. p.266 [124b].][9: Platão. _Op. Cit. p.281 [132c].]
Sendo assim, compreendemos que é à alma que devemos dirigir o nosso olhar e que, nesse sentido, a alma se conhece na medida em que volta o olhar a si mesma. Isso só acontece quando a alma se contempla no divino. Deste modo, chega-se à conclusão de que quando a alma volta o olhar para si, ela transcende, ou seja, a contemplação do divino é desencadeada e quando a alma se assimila ao divino encontra tudo o que é necessário para uma vida feliz bem como, o saber necessário para o exercício da função que se almeja, no caso o governo. Comenta Foucault: [10: Platão. _Op. Cit. p.283 [133b].][11: Platão. _Op. Cit. p.283 [133c].]
“Abrindo-se para o divino, o movimento pelo qual nos permitirá que a alma atinja a sabedoria. [...] dotada de sofhfosýne [sabedoria] a alma poderá, neste momento retornar ao mundo aqui de baixo. E saberá então conduzir-se como se deve, saberá governar a cidade. ” (Foucault. __ Op. Cit. p.66).
Com isto, poderíamos concluir que todas as técnicas de si terão como finalidade levar o sujeito a transcendência, sem a qual não é possível o acesso a verdade, poderíamos ainda dizer que, nesta configuração do cuidado de si, para que o indivíduo alcance a verdade ele precisa se deslocar deste mundo em busca do transcendente, do ideal, ou mesmo, do mundo das ideias.
Seria-nos possível apontar outras tantas características do cuidado de si no pensamento socrático-platônico e, de modo específico no Alcibíades. Todavia, tendo em vista nosso objetivo, passaremos a mostrar o contraste entre o cuidado de si socrático-platônico e o cuidado de si estoico no que diz respeito à relação entre cuidado e conhecimento. Mas, antes disso, recapitulemos alguns pontos acerca do cuidado socrático-platônico que nos serão referência para a distinção.
A finalidade de cuidar de si, neste contexto, é a ascensão ao poder político.
Os trabalhos sobre si devem ser realizados em quanto se é jovem.
O cuidado de si, aqui, se encaminha pela esteira do conhece-te a ti mesmo. É intelectualizado. 
Cuidar de si é cuidar da alma, do mesmo modo, conhecer-se é conhecer a alma.
O cuidado de si, aqui, tem um caráter transcendente. Somente transcendendo ao divino se pode alcançar as verdades e respostas que se precisa para a vida prática.
III. Distinções entre o cuidado de si socrático-platônico e o cuidado de si estoico.
O primeiro fator de distinção que poderíamos apontar concerne à “universalização” do cuidado de si. Todavia, devemos ter claro que, embora o princípio do cuidado de si no estoicismo possa ser tomado como preceito de vida para todos, ele não aparece, nesse período, como uma lei universal ou regra jurídica imposta a todas as pessoas, mas pelo contrário, o que acontece é que para os estoicos todas as pessoasestão aptas a cuidarem de si mesmas desde que assim desejem. Isto por que, neste período, entende-se que “o cuidado de si implica sempre uma escolha de modo de vida, ” o acesso às técnicas de si não é mais uma questão de status, mas sim de escolha pessoal disponível a todos, no entanto aos que não fazem esta escolha e não cuidam de si nada lhes é imposto. [12: Foucault. _Op. cit. p.102]
Como observado, no, Alcibíades o cuidado de si estava destinado aos jovens aristocratas que um dia deveriam ocupar cargos políticos, em outras palavras, o cuidado de si era um privilégio de uma classe seleta de cidadãos. Todavia, no estoicismo, como já dito, esta prática de cuidado é para todas as pessoas independentemente da idade, gênero ou função social. Assim, o que antes se apresentava como uma preparação momentânea para a vida, ou seja, o que devia ser praticado na juventude, agora se coloca como forma de vida. É nesse sentido que o princípio do cuidado de si no estoicismo se torna universal. Este fator de distinção se estende à diferença concernente à finalidade cuidado. [13: Foucault. _Op. cit. p.446]
No período socrático-platônico, a finalidade do cuidado de si era o cuidado dos outros. Diferentemente, no estoicismo, cuida-se de si por si mesmo, ou seja, as práticas de si não têm como motivação o cuidado dos outros, mas o estabelecer-se consigo, o governar a si, o ter prazer consigo mesmo. Como diria Sêneca: a tranquilidade da alma, uma vida sossegada. De acordo com Foucault, no estoicismo: “cuida-se de si, por si mesmo, e é no cuidado de si que esse cuidado encontra sua própria recompensa. ” Como vemos o estatuto do cuidado de si no estoicismo é outro, nesse contexto filosófico, não se busca a transcendência ou o deslocar-se para um mundo ideal a procura de verdades, mas, de outro modo, as práticas de si visam o estabelecimento do sujeito na imanência e consigo mesmo, isto é, o trabalho de si estoico visa saber como se transformar nesse mundo e transformar esse mundo.[14: Sêneca. Da tranquilidade da Alma & A vida retirada. Tradução: Luiz Feracine. São Paulo – Escala. ][15: Foucault. _Op. cit. p.160]
Talvez a questão da auto finalização do cuidado de si possa nos parecer um tanto egoística, no entanto, não é esta a ideia estoica, pois, o cuidado de si estoico não é fundado em um pensamento egocêntrico mas é transpassado pela noção e valorização da amizade e do amor. Nesta tradição o cuidado que tenho comigo está articulado ao cuidado que tenho com o outro. O que aponta para outro aspecto fundamental de distanciamento entre essas duas formas do cuidado, a saber, o que concerne aos tipos de relação sociais.
No Alcibíades, as relações as quais o cuidado de si envolvia, se apresentavam como institucionais, ora, como se vê, estas relações eram entre mestre e discípulo, governante e governados. Já no estoicismo fica claro que os vínculos sociais são entendidos pela amizade e pelo amor. Um bom exemplo são as cartas que Sêneca troca com Sereno. Nestas cartas vemos como os amigos, através de suas conversas, se ajudam nos mais variados aspectos da vida. Disso, podemos concluir que o cuidado de si, nestes termos, não é apenas o cuidado da alma, assim como se sucedia no momento socrático-platônico. Mas, o cuidado de si envolve todo o indivíduo com todas as suas atribuições, o voltar-se para si é o passar-se em revista, isto é, examinar como se vive, buscando curar-se dos vícios, angústias e frustrações, assim, o cuidado de si assume também um caráter terapêutico no sentido pessoal e também social, visto que, como já dito, o cuidado que tenho comigo está articulado ao cuidado que tenho com o outro.
Em suas correspondências com Sêneca, Sereno se apresenta como um doente e Sêneca prescreve, na medida em que amigo de Sereno, como remédio várias sugestões de atitudes que seriam salutares à Sereno. Dizemos que Sêneca dá sugestões porque o cuidado de si não se apresenta aqui como uma regra ou uma condição para um fim, como já dito, mas, de outro modo, ele deve ser escolhido e assumido livremente, apenas pelo desejo do indivíduo de ter uma vida virtuosa, sem a mínima preocupação com o devir, pois afinal de contas como diria Sêneca: “...nada advém para o sábio contra sua expectativa. Não o livramos dos azares da vida e, sim, dos erros. Assim se tudo não aconteceu como desejou, ao menos, não fugiu de sua previsão. ”[16: Sêneca. _Op. Cit. cap. I par.2 ][17: Sêneca. _Op. Cit. cap. XIII, par.3.]
IV. Conclusão.
Conforme procuramos mostrar, o cuidado de si em sua tradição, ao menos nos períodos aos quais nos referimos (socrático-platônico e helenístico-romano), apresenta sutis diferenças, mas parece que a distinção mais expressiva está no que se refere à apropriação do “eu”. 
Enquanto em Sócrates e Platão o cuidado de si envolvia um deslocamento do “eu” para o transcendente, de forma a dar atenção apenas a alma em detrimento do corpo, no segundo momento por nos abordado o “eu” é assumido se modo integral, ou seja, o cuidado do corpo não se separa do cuidado da alma. 
Por fim, concluímos também que no período socrático-platônico, o “eu” só é observado sendo alvo de cuidado na medida em que motivado pelo cuidado dos outros, deste modo, observamos que as relações interpessoais envolvidas nas práticas de si têm aí um caráter institucional, hierárquico (mestre e discípulo/ governante e governados). Todavia, no período helenístico-romano, o “eu” passa a ser a meta definitiva e única do cuidado de si, não em um sentido egoísta, mas tendo em vista que quando cuido de mim cuido do outro e quando cuido do outro cuido de mim, isto para dizer que neste período os vínculos sociais são entendidos pela amizade e pelo amor. 
V. BIBLIOGRAFIA 
Foucault, M. (1926 – 1984) A Hermenêutica do Sujeito: curso dado no Collège de France (1981-1982). (Tradução: márcio Alves da Fonseca, Salma annus muchail. 3ª edição – São Paulo: WMF Martins fontes, 2010).
Platão. Diálogos: Fedro – cartas – O Primeiro Alcibíades. (Tradução: Carlos Alberto Nunes. 2ª edição revisada – Belém, Pa: EDUFPA, 2007).
Sêneca (4? d.C – 65 d.C.) Da tranquilidade da Alma; a vida retirada (tradução: Luiz Feracine. São Paulo – Escala, 2006.

Outros materiais

Perguntas Recentes