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4 A primeira entrevista em psicoterapia breve Em nossos estudos sobre psicoterapias breves destaca-se progressivamente com maior evidência o papel crucial que desempenha o primeiro contato com o paciente. Com base em nossa experiência assistencial, coincidente com o que foi obser- vado por diversos autores (3)/ (4) , (11) , pensamos que o de- sempenho do terapeuta nessa primeira entrevista pode ter uma influência decisiva na continuidade ou no abandono do trata- mento, e, sendo eie mantido, na eficácia que o processo tera- pêutico possa vir a alcançar1. Dos materiais estudados em supervisões e grupos de traba- lho sobre psicoterapias breves, deprsende-se que não está su- ficientemente explícito como deve ser uma primeira entrevista para estas terapias, quais são suas necessidades específicas e suas condições de eficácia; tampouco ficou esclarecido se tal entrevista pode ter uma estrutura definida. Freqüentemente, na prática assistencial, esta entrevista aparece confundida com o esquema tradicional de história clínica, ou então com certo esti- lo de primeira entrevista psicanalítica. No primeiro caso, ope- ra-he com um modelo que definiria a entrevista sobretudo como fonte de informação — e, quanto mais minuciosa, melhor — o que leva a se consumir várias horas na coleta enciclopédica dc dados sobre a vida do paciente (modelo de história clínica). 63 No segundo, tende-se a dar a esse primeiro contato o caráter de fonte primordial de dados para o terapeuta, "que no devido momento serão restituídos ao paciente", e como ocasião de um acordo formal (aceitação do enquadramento e convocação para a primeira sessão), com a idéia de que "o material virá depois, e só com o avanço do processo se poderá ver com maior clareza". Nestes casos, o que não aparece (julgamos que, em parte, por hipertrofia e trasladação mecânica da ne- cessária dose de ambigüidade e parcimônia do analista do con- texto de sua técnica) é, por exemplo, tudo o que o paciente, para iniciar uma psicoterapia, precisa saber do terapeuta e aprender dele precisamente nesse encontro inicial. Em primeiro lugar, é importante destacar o fato de que esta entrevista está destinada a cumprir não apenas funções diagnosticas e de fixação de um contrato; mais que isso, em psicoterapias breves, ela desempenhará um papel terapêutico, como o evidenciam pesquisas realizadas com a finalidade de avaliar efeitos da primeira entrevista (6) , (16) . É mister, então, que sua ação terapêutica não se exerça meramente pelo efeito de placebo do contato inicial, e sim que o terapeuta possa rea- lizar intervenções adequadas, capazes de potenciar esse efeito. Estamos experimentando nos últimos três anos um estilo de entrevista, seja para iniciar a psicoterapia, seja para orien- tação e encaminhamento, que é o que exporemos neste trabalho. Múltiplas observações clínicas nos permitiram comprovar que este enfoque tem possibilitado criar, logo de saída, uma alian- ça sólida para pôr em marcha o processo terapêutico. Com este estilo de trabalho, verificamos uma redução acentuada no índice de deserções, inclusive nos casos encaminhados ao fim de tais entrevistas. Com base nesta experiência, julgamos que uma primeira entrevista para fins de psicoterapia breve deve e pode estru- turar-se definidamente, com traços próprios que a distinguem dos outros tipos de contato inicial. Dentro de nossa perspectiva, esta entrevista, para ser efi- caz, deve cumprir em fases sucessivas várias tarejas: 1. Diagnóstico aproximativo inicial, a partir dos dados fornecidos pelo paciente. 64 2. Esclarecimento inicial do terapeuta no tocante a pro- blemática colocada e à orientação terapêutica que decorre do diagnóstico da mesma. 3. Elaboração conjunta desse panorama mediante pro- gressivos reajustamentos. 4 . Obtenção de acordos gerais sobre o sentido e os obje- tivos que se atribujriam à relação terapêutica que se proponha instalar entre ambos. 5 . Acordos específicos sobre as condições de funciona- mento dessa relação (contrato). 6. Antecipações mínimas sobre o modo de conduzir a interação na tarefa, terapêutica. Consideramos necessários alguns aclaramentos a propó- sito desse esquema- da primeira entrevista: — A ordem.-em que propomos as fases segue uma pro- gressão lógica; esta, no entanto, não pode ser rígida, unídirecio- nal, já que a discussão de cada ponto leva a reajustar, pela obtenção de dados mais precisos, os anteriores. — O tempo a ser descendido pelo terapeuta para cumprir o processo implicado nesse conjunto de tarefas pode variar conforme sua experiência, seu grau de formação e o tipo de paciente. O essencial não é o tempo, mas sim o processo que deve ter curso entre ambos através dessas etapas, os objetivos a cumprir antes de pôr em marcha o tratamento. (Evidente- mente, se for possível condensar este processo, maiores serão suas possibilidades de eficácia, dada a íntima solidariedade que existe entre suas fases e visto que é preferível consolidar a aliança terapêutica sem delongas.) — Nossa discussão se baseia principalmente em expe- riências de psicoterapia individual de esclarecimento. Conside- ramos, entretanto, que ela se possa estender, em boa medida, a outras psicoterapias de tempo limitado, como as de grupos e famílias. — O que expomos não é o esquema, e sim um esquema de entrevista que pretende organizar dados de nossa experiên- cia pessoal e de várias pesquisas sobre o tema. O grau de gene- ralização a que possa aspirar este esquema deverá ser verifi- 65 cado mediante investigações mais rigorosas que as do método clínico com o qual registramos nossas observações2. Passamos a comentar as diferentes fases ou momentos-da primeira entrevista, que já abordamos em suas linhas gerais: O diagnóstico. A informação proporcionada pelo paciente Julgamos que é função de uma primeira entrevista esta- belecerá diagnostico do paciêlíti~êm três planos fundamentais: ã~. Clínico e psicodinâmico. Á busca inicial orientada no sentido de uma primeira síntese diagnostica pode localizar-se na coleta seletiva de dados referentes a: ^ T j Sintomas principais que motivam a consulta, tempo de evolução e circunstâncias de variação, supressão ou agra- vamento. !• Í/2~.) Grupo familiar do paciente, estrutura, marcos em sua evolução,- enfermidades importantes, clima emocional, papéis assumidos. S f3'.) Relação êxito-fracasso no comportamento do paciente cora deferência a diversas áreas adaptativas e com perspectiva evolutiva: maturação, jogos, estudos ou trabalho, sexualidade, sociabilidade, auto-estima. (Isto equivale à avaliação do ego.) 'i^J Aspectos interacionais do comportamento do paciente na entrevista (modalidades da comunicação, dados transferen- ciais e contratransferenciais, identificação de estruturas de com- portamento predominantes). A busca de dados sobre cada um desses planos deve s r necessariamente seletiva, guiada por uma constante atividade de análise e síntese do terapeuta, que se dirija para a cons- trução : de um modelo abrangente preliminar global, etiopato- gênico, clínico e psicodinâmico3. Este modelo se condensaria em uma interpretação panorâmica inicial (exemplo I ) . À ma- t neira-dè.-um puzzle, cada peça neste processo sugere o caráter 66 dó. dado imediatamente necessário. O paciente registra sempre a presença ou ausência dessa atividade orientadora do terapeu- ta com uma clara alternativa: experimentar a segurança de estar com um expert que "sabe para onde vai", ou a sensação oposta, de mal-estar, incerteza e confusão, que pode fazê-lo duvidar da idoneidade do terapeuta. [Neste sentido, as decla- rações de pacientes que desistem depois da primeira entrevista são altamente ilustrativas (11) . ] Uma intervenção útil do terapeuta, destinada aevitar a incerteza inicial e seus riscos, consiste em começar fornecendo ao paciente um enquadramento desta primeira entrevista, acla- rando o sentido da mesma e os passos que deverão ser dados para que sejam alcançados os seus objetivos4. b. O diagnóstico da motivação e das aptidões do paciente para a psicoterapia. Julgamos que o conceito de motivação para o tratamento ainda não recebeu em nosso meio toda a atenção que merece. Com este termo ficam comumente abran- gidos diversos aspectos do comportamento do paciente, suas expectativas de cura, sua disposição para aceitar a psicoterapia, suas aptidões para participar da mesma de modo ativo. Alguns autores não arredam pé de uma insistência especial nos com- ponentes inconscientes do comportamento para com o terapeuta, destacando, em particular, a importância da transferência Inicial e das fantasias de enfermidade e de cura com que o paciente chega para a consulta (7) , (13). Outros autores realçam o pa- pel desempenhado pelas aptidões ou capacidades egóicas do paciente, reforçáveis em seus aspectos conscientes. Dentro deste enfoque (12) , (13), um paciente está bem motivado para iniciar uma psicoterapia breve de esclarecimento se for possível iden- tificar~~Heter~~ — — — ( ' T j O reconhecimento do caráter psicológico de seus dis- túrbios. : A. capacidade de introspecção s sua disposição para transmitir com honestidade o que possa reconhecer de si próprio. ( j $ ) O desejo de se compreender, a atitude de participação ativa na busca. ( A disposição para experimentar, para tentar mudanças. 67 •(5,y A esperança de que o tratamento alcance resultados positivos. '(jS:) A disposição de realizar certos sacrifícios para alcan- çar tais resultados. Se ao paciente faltam estas condições, não deverá ser recomendada a técnica de esclarecimento. Ele se poderá bene- ficiar, em lugar disso, com uma psicoterapia de apoio, diretiva, supressiva de sintomas. Em conjunto, o que se requer é avaliar a aptidão do pa- ciente para estabelecer um compromisso de trabalho e para tirar proveito da experiência terapêutica. Como indicadores prognósticos da resposta ao tratamento, com base nos quais se torne possível selecionar adequadamente os pacientes, ambas as séries de parâmetros (conscientes e inconscientes) precisam ser levadas em consideração. O que acontece, a nosso ver, é que os critérios relacionados no enfoque "egóico" da motivação são suficientes para prognosticar o paciente apto, porque, es- tando presentes tais comportamentos, atestam implicitamente a ocorrência de fenômenos transferenciais e fantasias de en- fermidade e cura compatíveis com o aproveitamento da expe- riência terapêutica. Contudo, essa série de aspectos manifestos, ainda que úíil para traçar o perfil do paciente ideal, é insu- ficiente para compreender todos os planos de dificuldades po- tenciais a avaliar em numerosos pacientes problemáticos, é com estes pacientes — problemáticos do ponto de vista de sua motivação para o tratamento — que mais necessário se torna recordar que o diagnóstico-dessa motivação não pode ser.-es- tático, com base naquilo que o paciente traz para a entrevista, ou seja, individual ou intrapessoal, e sim que deve ser posto à prova como fenômeno interacional, com tudo o que o terapeuta possa fazer para estimular sua motivação5 (exemplo Tf). A motivação é um dado importante para a escolha final do tratamento, mas deve ser considerada em relação com outros planos do diagnóstico e com dados emergentes no processo interacional da entrevista. c. O diagnóstico das condições de vida do paciente. Re- 1 ferimo-nos, por um lado, às condições que se vinculam direta- mente à possibilidade de que o paciente inicie e mantenha com regularidade um tratamento que exige, em geral, esforços maio- res do que os tratamentos tradicionais na prática médica. Têm t que ser levadas em conta as condições de estabilidade geográ- 68 fica, horários, situação econômica, local de residência, obriga- ções familiares —• considerando-se todos estes pontos, não iso- ladamente, mas em relação com os demais planos do diagnósti- co. Por outro lado, esse diagnóstico visa também a identificar fatores patogênicos (que contribuem para a enfermidade) nes- sas condições de vida, assim como os recursos do meio que possam contribuir para a cura (potencial terapêutico utilizável das condições de vida). 2 A informação que é devolvida inicialmente pelo terapeuta. Clarificação do problema e reforço da motivação Assim como para o terapeuta é essencial, no primeiro con- tato, conhecer dados da enfermidade, saber o que pensa o pa- ciente de seus distúrbios e quais as expectativas que alimenta j em relação ao tratamento, também é essencial para o paciente 1 conhecer o que pensa o terapeuta sobre todos estes pontos. A tarefa da primeira entrevista (decidir se é viável construir um vínculo terapêutico com/base em determinada informação com- partilhada) encontra sua matéria-prima, numa primeira fase, na informação que o paciente fornece, orientada pelo tera- peuta. Neste segundo momento a tarefa implica o fornecimento de informação que possa partir do terapeuta, sua capacidade de resposta às indagações do paciente. Tal reciprocidade de direitos à mútua informação nos parece uma regra interacional característica desta primeira entrevista. Dentro do desnível de papéis- a que não há como escapar, esta entrevista precisa funcionar com a maior simetria possível (nas sessões subse- qüentes, a assimetria do vínculo está fadada a se acentuar, entre outros aspectos, pela combinação seletiva que o terapeuta poderá fazer entre respostas no plano manifesto e interpreta- ções sobre o plano latente, ou entre interpretações de conteú- do e- interpretações de forma). Nesta fase da entrevista, cabe ao terapeuta oferecer ao paciente uma imagem global, introdu- tória, porém o mais precisa possível, acerca do diagnóstico; em primeiro lugar, e do prognóstico ligado a uma perspectiva de tratamento. Ao dizermos diagnóstico estamos nos referindo, 69 antes que tudo, ao dinâmico, que se expressa na formulação interpretativa de uma esfera central dos conflitos, unificadora dos problemas relatados pelo paciente. Mas, em conexão com essa formulação global, precisa estar presente o traçado de uma perspectiva terapêutica, que sugira o tipo de tratamento a ser adotado, seu tempo de duração aproximado e os objetivos que se proporiam para o mesmo. 3 \ Confrontação entre as expectativas do paciente e a perspectiva do terapeuta. Reajustes e busca de acordos Entendemos que um momento prévio essencial a qualquer proposição concreta sobre tratamento consiste na instalação deliberada, por parte do terapeuta, de um diálogo aberto entre ambos acerca de suas mútuas expectativas. Duas pessoas que chegam a essa relação com uma mundovísão*1 ( I I ) , (15>, com experiências e com informação (3) muito diversas sobre psico- patologia e psicoterapia, precisam atingir, por aproximações sucessivas, e não através de acordos rápidos, uma zona de en- contro das diferenças de perspectiva entre ambas, e, então, localizar as discrepâncias e enfrentá-las. O importante é de- sobstruir o campo de confusões, ambigüidades e desacordos implícitos, fatores, todos, nefastos a um eficaz cumprimento do contrato e ao funcionamento do processo terapêutico. O papel do terapeuta, aqui, é animar o paciente a que questione, oponha dúvidas e objeções a tudo o que lhe seja exposto. Porque o problema não consiste apenas em ver o que é preciso que o paciente faça, mas em considerar, sobretudo, o que ele está disposto a fazer, quais são suas disposições e suas difi- culdades para se tratar (exemplo I I ) . A importância deste momento de intercâmbio é crucial; nele se decide a consolida- ção de uma aliança terapêutica.Se o tratamento a ser proposto não satisfizer certas expectativas do paciente, o risco de desis- 1 tência é iminente (10). (Ver exemplo clínico IV.) Um es- tudo de deserções em 100 pacientes não internados (3) mos- trou que os terapeutas com maior índice de deserção (46%) tiveram para com seus pacientes uma atitude rígida, pouco l comunicativa, em comparação com os de índices mais baixos 70 (16%) , Destacamos a existência de vários níveis de ação so- bre o paciente implicados na abertura de um diálogo acerca de suas expectativas de tratamento. Este diálogo cumpre uma função aclaradora, capaz de reforçar a motivação inicial para aceitar uma psicoterapia. A busca ativa, por parte do tera- peuta, das dúvidas do paciente, tem também uma função de apoio, de contenção dirigida a partes infantis deste último; há alguém que, com seus conhecimentos e com sua tolerância, acolhe uma criança que duvida, que manifesta inclusive des- confiança para com ele e para com seu tratamento. A clarificação de expectativas não se limita a possibilitar a consolidação do vínculo; cumpre, também, f'mção terapêu- tica específica: uma determinada imagem do futuro passa a incluir-se ativamente no presente da tarefa (5) . Está provado experimentalmente que a explicitação dos resultados que se espera alcançar com o tratamento se vincula significativamente a melhores resultados (ver exemplo clínico V) . Em todo este processo de intercâmbio é importante que a abertura do terapeuta às objeções do paciente seja real e sincera; que a liberdade de decisão do paciente seja tangível e não meramente formal. Para tanto, suas dúvidas conscientes deverão ser consideradas, antes de mais nada, em seus aspec- tos adultos e conscientes, e deverão receber, antes de mais nada, informação. Qualquer precipitação interpretativa do te- rapeuta poderá ser vivenciada como uma intrusão ainda não autorizada pelo paciente, como um desconhecimento de suas partes adultas. E isto é decisivo, na medida em que um as- pecto importante da aliança terapêutica se estabelece com as partes adultas do paciente. Em nossa experiência de primeiras entrevistas, esta fase girou em torno de problemas tais como: "Doutor, receio que no tratamento o senhor me obrigue a me divorciar, como única solução para minhas angústias" ou "Ouvi dizer num programa que quando a gente se mete nestes tratamentos, depois não consegue mais deixá-los, de maneira que estou sem saber ainda s e . . . " Algumas destas reservas e temores teriam atuado sub-r&pticiamente, como resistências mais obscuras, se não- houvessem sido ativamente indagados no primeiro contato. Só mediante este processo que consiga instalar um vínculo e torná-lo digno de confiança, graças à clarificação de seus significados e alcances, é possível para o paciente aceitar a proposição concreta de um contrato te- rapêutico de um modo mais sólido (exemplo VI) . 71 4 Proposição de um contrato terapêutico. Antecipações a respeito da tarefa terapêutica Se se chega a propor um contrato terapêutico através do processo descrito de explicitações e acordos gerais, certos de- talhes sobre o tratamento a ser iniciado podem ocupar um breve lapso. Compreendem especificações sobre horários (fre- qüência e duração das entrevistas), eventualmente honorários •e duração do tratamento. Já se indicou a utilidade de se oferecer ao paciente uma preparação mínima para facilitar o começo de sua psicote- rapia. Aceito esse ponto de vista, o momento final da entre- vista consiste em verificar a dose de informação de que o pa- ciente dispõe sobre o funcionamento da relação terapêutica. Para o paciente não informado, o terapeuta poderá antecipar sumariamente o caráter da tarefa a ser empreendida e os pa- péis respectivos de um e de outro na mesma. Pode-se apre- ciar o sentido deste tipo de preparação no método desenvol- vido por uma equipe que trabalha com psicoterapias breves em Baltimore, E U A (4) , (5) , (7). Trata-se de uma entrevista denominada "entrevista indutora do papel de paciente", na qual um membro experimentado do staff instrui os pacientes, logo em seguida à sua admissão para a psicoterapia, acerca dos seguintes aspectos: a . Visão geral da psicoterapia como método de apren- dizagem. b. Caracterização dos respectivos papéis, de paciente e terapeuta, aclarando qual o comportamento que se espera de cada um. c. Antecipação do surgimento de fenômenos resístenciais, explicados como ocorrências universais e que, longe de indicar um mau curso do tratamento, são um reflexo do grau de com- promisso com o mesmo, d. Formulação realista das expectativas sobre resultados a alcançar em poucos meses de psicoterapia. Quando lhe for dada alta, o paciente não terá eliminado seus problemas, mas a vivência do processo de aprendizagem o ajudará a enfrentá- los melhor. 72 Uma pesquisa avaliou os resultados da psicoterapia em um grupo de pacientes que tiveram a entrevista indutora c os comparou com os de outro grupo (controle) que não teve essa entrevista. Ambos os grupos eram comparáveis quanto à patologia, classe social, sexo, idade etc., e a psicoterapia empregada foi a mesma. O grupo experimental (motivado ou induzido) obteve maiores benefícios com o tratamento: mos- trou maior facilidade para funcionar na relação terapêutica, compareceu às sessões com maior regularidade e apresentou uma melhora mais acentuada quanto ao alívio de sintomas e ao reajustamento social. Papel da interpretação na primeira entrevista. Ao longo de nossos comentários, assinalamos o papel que desempenham na entrevista reformulações, perguntas, sugestões, informações fornecidas pelo terapeuta. As condições e possibilidades da interpretação merecem, a nosso ver uma atenção particular. Em primeiro lugar, a possibilidade de se manipular a entre- vista com um enfoque interpretativo enfrenta o risco de uma reação negativa do paciente, que pode se sentir invadido em excesso, ou desqualificado quanto às idéias que alimenta so- bre sua própria situação, antes de ter conhecido e aceito as regras do jogo de uma relação terapêutica (1) . Alertamos para o caráter desquàlificador que pode assumir a manipula- ção interpretativa em um contexto que não é o de uma sessão de psicoterapia e sim o de uma consulta orientadora. Mas, ievando-se em conta as características deste outro contexto, que exige um manejo cuidadoso da interpretação, a necessidade de que o terapeuta interprete é ineludível sob dois aspectos: a . Em torno do diagnóstico, é fundamental que o tera- peuta possa já oferecer, mesmo com as limitações dos dados que extras em curto espaço de tempo, uma visão panorâmica do sentido da enfermidade, da trama central dos conflitos li- gada ao motivo de consulta. Esta interpretação proporciona uma imagem nova dos distúrbios (função esclarecedora), ao mesmo tempo que oferece um exemplo do que pode ser o processo terapêutico (função didática e reforçadora da mo- tivação). Constrói, ainda, o quadro global abrangente do qual decorrem os objetivos e a estratégia terapêutica (função diag- nostica das aptidões do paciente, indicador importante no que diz respeito ao tipo de técnica a ser escolhido) 73 b. Diante de alguns dos obstáculos que interferem na possibilidade de o paciente vir a aceitar um tratamento e comprometer-se no contrato terapêutico, a interpretação trans- ferencial pode desempenhar, com freqüência, um papel de- cisivo. Sua função é neutralizar ansiedades ligadas a fantasias transferenciais intensas que podem precipitar a desistência a curto prazo. Destina-se a reforçar a motivação par? o tra- tamento e, só num plano secundário, a clarificar em si as- pectos do comportamento do paciente, tarefa que requer um timing mínimo. O essencial na primeira entrevista é instalar o vínculo e esclarecê-lo emseu significado e a!~ance. Para se ter uma compreensão de conjunto do comportamento do pa- ciente, pode-se esperar pelo resto do processo terapêutico. Comentários e exemplos clínicos I . Um exemplo de interpretação panorâmica inicial, em primeira entrevista. Trata-se de uma paciente solteira, de 20 anos, de uma família do interior mal constituída, que deixou sua casa aos 10 anos e foi viver com um casal de idade, sem filhos, que a adotou como afilhada. Os sintomas que deram motivo à consulta são angústia e depressão ligadas ao fato de haver tido relações sexuais com um rapaz que em seguida a abandonou. A paciente pensa que o que a afeta é o senti- mento de culpa por suas relações sexuais. Na entrevista for- nece informação mais detalhada sobre sua infância e rua vida atual. A interpretação do terapeuta se expressa nestes termos: "Não resta dúvida de que a culpa que você sente por causa dessa experiência de iniciação sexuaí é importante. Mas isto não decorre apenas porque o sexo sempre representou algo mau, proibido, para você; está também ligado a outros as- pectos seus: por um lado, a moral duvidosa que observou em sua mãe, e toda a crítica que lhe terá feito; por outro, o fato de que passar a ter vida sexual é, em certo sentido, deixar de ser criança, é como um marco de crescimento, e isto deve angustiá-la porque lhe anuncia a possibilidade de ter que dei- xar seus pais adotivos, não 'por haver pecado' mas 'por haver crescido'." Neste exemplo pode-se ver que a interpretação pano- râmica encara os sintomas como expressão de um conflito 74 central, vincula componentes arcaicos a componentes atuais cio conflito, inclui a luta entre elementos regressivos e ele- mentos adaptativos no comportamento. Devolve ao paciente, logo de início, uma imagem global retraduzida de sua situa- ção. Seu efeito decisivo não está tanto na profundidade, com precisão de matizes, de seus diversos componentes, mas no fato de que conduz a pensar na situação, desde este início, como uma totalidade que inclui numerosos parâmetros; isto é, no fato de que organiza desde já •— ainda que em forma de "rascunho" — uma estrutura. I I . Trata-se de uma paciente "difícil", do ponto de vista de suá-motivação e de suas aptidões para a psicoterapia. Uma mulher de 40 anos que procura uma consulta particular, víti- ma de angústia e depressão intensas, ligadas ao agravamento critico de conflitos conjugais de longa data. Não pode iniciar um tratamento longo porque nove meses depois partirá em viagem (já organizada) que a ocupará todo o ano seguinte. Tampouco pode aceitar um contrato terapêutico de tempo li- mitado; a simples idéia de marcar dias e horas regulares de sessão produz-lhe uma angústia intolerável. P c essa razão, havia consultado vários médicos sem poder iniciar tratamento. A paciente mostrava, na sessão, comportamentos fóbicos c his- téricos. O terapeuta ençendeu que a dificuldade maior residia em uma severa claustrofobia suscitada pela situação do en- quadramento terapêutico. Precisou então atender a vários pla- nos de problemas apresentados. A paciente pedia ajuda e esclarecia que a ajuda oferecida até agora — com enquadra- mentos — não podia aceitar. Sua fobia ao vínculo terapêutico levava-a freqüentemente a negar que tivesse uma real ne- cessidade dele. E, ao mesmo tempo, tinha que se consultar porque como estava não podia continuar. O terapeuta trabalhou, então, primeiramente, no sentido de dar-lhe maior consciência da enfermidade e da necessidade de tratamento. Depois precisou oferecer-lhe um vínculo aberto, isto é, sem compromissos: não haveria entrevistas com horários prees- tabelecidos. Elas ocorreriam quando as possibilidades de ambos coincidissem e sempre em face de um novo chamado da pa- ciente. O trabalho em cima desses problemas, analisando as re- sistências da paciente ao tratamento, suas ansiedades fóbicas transferenciais, discriminando com ela diferentes aspectos do problema "aceitar tratamento", tomou ao todo oito entrevistas, realizadas do modo irregular como havia sido combinado, ao longo de dois meses. Simultaneamente, foi medicada. Ao cabo desse período de trabalho, a paciente pôde aceitar uma psico- terapia de tempo limitado com sessões regulares dentro de horários fixos. Os resultados foram considerados, uma vez transcorrido esse lapso, moderadamente satisfatórios: alívio dos sintomas, maior compreensão (não resolução) de sua problemática conjugal, recuperação de atividades que havia abandonado. Pelo que se concluiu de um acompanhamento le- vado a efeito depois do retorno de sua viagem, e à luz de sua experiência posterior, a psicoterapia foi considerada muito produtiva. III, Este é um exemplo de psicoterapia abreviada por decisão do paciente, na qual, até a última sessão, ambos os participantes mantiveram diferentes expectativas quanto ao tra- tamento sem explicitação prévia de suas discrepâncias. Uma paciente de 22 anos recorre a consulta em hospital por causa de ijtn estado de angústia que a vem afetando nos últimos meses (nervosismo, insónia, dores de cabeça), desde o momento em que teve que abandonar um trabalho bem re- munerado porque lhe pareceu que a empresa andava metida em transações escusas. O maior salário dentro de sua casa era o dela, já que seus pais e irmãos menores têm ocupações irregulares, mal pagas. Ela é a responsável da casa, em quem todos se apoiam. Pensa casar-se nos próximos meses. O Tera- peuta pede uma série de dados standard para confeccionar a história clínica, depois maiores especificações sobre os pro- blemas atuais e marca uma segunda entrevista com a paciente "para continuar vendo sua situação" Medica-a com um tran- qüilizante. Não propõe um contrato terapêutico, nem sequer especifica objetivos. Mas sua expectativa é poder esclarecer a paciente sobre o significado oculto de seus sintomas. Quando a paciente comparece à segunda entrevista "sentindo-se muito melhor", isto lhe desagrada, nota que a paciente vai querer deixar o tratamento em pouco tempo. Sucedem-se quatro ses- sões em que o foco se centraliza no problema de seu casa- mento e, na culpa que possa sentir por deixar sua família. Na sexta e última entrevista, a paciente informa que sua melhora se acentuou, que conseguiu um novo trabalho mais oem remunerado e esteve vendo com seu namorado uma casa 76 adequada às suas necessidades. Está pouco a pouco se desli- gando de sua família e verifica que eles conseguem se arran- jar sozinhos. Pensa que o tratamento "cumpriu sua missão'". O terapeuta se inquieta, não pode deixá-la ir-se assim "tão depressa, sem ter uma visão completa de suas coisas". A paciente esclarece que precisa interromper o tratamento por- que seu trabalho a ocupa durante o horário do hospital e porque conseguir o que conseguiu era tudo o que esperava. O terapeuta aceita (não tem outra alternativa) e fica entre intrigado e frustrado. Não crê que se haja completado um tratamento, mas tampouco tem certeza de que devem ocorrer recaídas e que por isso se justifique que procure reter a pa- ciente. É evidente que o terapeuta baseia suas expectativas num esquema de modificações por insight, inadequado para compreender outros fenômenos que concorreram pata a me- lhora, mobilizados em período tão breve. IV. As desistências podem ser muito ilustrativas ida problemática ligada à primeira entrevista. Um paciente de trinta anos aparece para consulta, quei- xando-se de uma angústia e urn^i depressão que já duram seis meses e que foram aumentando até prejudicar seu rendi- mento, razão pela qual decidiu-se finalmente a procurar o terapeuta. Separou-se há um ano de sua esposa e de um filho de dois anos. A separação ocorreu depois de três anos de um casamento com dificuldades de comunicação e desacordos quan- to ao modo de viver de cada um. Porfim houve infidelidade da mulher, que precipitou a separação, ainda que' o relato seja pouco preciso no tocante aos fatos que desembocaram no rompimento. O paciente a princípio aferrou-se ao trabalho e a uma vida social intensa, o que não impediu o progressivo debüitamento de suas forças e o surgimento de uma sintoma- tologia depressiva, que ele relaciona, acima de tudo, ao fato de sentir falta do filho, á quem vê uma vez por semana. Sua história pessoal impressiona. A mãe era prostituta, com uma vida muito irregular: não conheceu o pai. Criou-se passando de uma família para outra, com intervalos de meses. As mu- danças foram permanentes. Finalmente, viveu dos oito aos dez anos com sua avó; houve reaparecimentos esporádicos da máe, até que deixou de vê-la, por ela ter fixado residência no es- trangeiro há cinco anos. Sua avó morreu pouco depois. Não tem parentes. O paciente é muito eficiente em seu trabalhe e 77 líder respeitado no grupo social em. que atua, que é "tudo para ele". Vem ao hospital para que lhe dêem algum medica- mento que lhe alivie os sintomas, sobretudo suas crises de angústia. Não sabe a que se devem, nem o imagina. Durante o processo de contato inicial (três primeiras entrevistas) recei- tam-lhe tranqüilizantes e o paciente se sente consideravelmen- te aliviado. Ao cabo de poucas sessões, dá a entender que ' já está melhor, que o tratamento cumpriu seus objetivos. O te- rapeuta considera que aceitar a mera modificação nos sinto- mas como fim do tratamento não ê correto, e que este pa- ciente tem problemas importantes a elaborar. Procura escla- recer o significado dos sintomas e orienta a relação para uma terapia de esclarecimento (insight). O paciente falta às sessões seguintes. O terapeuta marca, novas consultas, ele comparece a ama, depois volta a faltar. O paciente diz que já "se sente bastante bem", que é melhor não continuar. O terapeuta" se inclina a considerar esta deserção como um fracasso do trata- mento. A esta altura e com estes dados, devemos nos pergun- tar onde está o "fracasso". Queremos sublinhar a ausência de acordos preliminares, necessários para que um tratamento determinado, com obje- tivos explícitos aceitos por ambos, se ponha realmente em marcha. Através dessas poucas entrevistas, paciente e tera- peuta mantiveram expectativas diferentes sobre a tarefa* que têm em comum. Não é possível deixar de dár a devida impor- tância a este desacordo básico: mais necessário que dirigir a atenção do paciente para os conteúdos da enfermidade com maior especificação é estabelecer acordos sobre a natureza e os fins do vínculo terapêutico". V, Uma paciente solteira, de trinta e quatro anos, é in- ternada no hospital por grave tentativa de suicídio com barbi- túricos; seu gesto foi determinado pelo fracasso de uma rela- ção amorosa e por lhe parecer intolerável a convivência com sua mãe (melancólica em alto grau, que descarregava na fi- lha toda a sua depressão), Há quatro meses ela- queria ir morar só, mas a mãe insis- tia em afirmar que ficaria doente se isso acontecesse, criando forte sentimento de culpa na paciente e uma sensação de im- potência para dar esse passo. Nas primeiras entrevistas, depois de estudar todos os elementos compreendidos em sua história, seus médicos (plantonista e residente) formularam-lhe expli- 78 citumente os objetivos do tratamento: internação durante dois ou três meses para aliviar sua depressão, elaborar a culpa frente à mãe por ir morar sozinha, ver possibilidades futuras ligadas à sua profissão (nunca exercida) e estudar um modo pelo qual, ao receber alta, a paciente pudesse efetivamente ir morar só, (Entrevistas iniciais com o grupo familiar haviam mostrado que a mãe tinha uma personalidade melancólica grave que tornava realmente muito difícil a convivência com eia.) A paciente aceitou os objetivos propostos. Sua evolução foi favorável, os objetivos se cumpriram. Continuou sua psi- coterapia como paciente externa. Decorridos quinze meses, era notória a consolidação de suas modificações adaptativas, fa- miliares e intrapessoais (começou a trabalhar com sucesso, havia incrementado sua auto-estima, vivia de forma indepen- dente). Nessa época comentou com o terapeuta: "Acho que foi uma ajuda muito grande para mim encontrar no hospital algo bem concreto; que me fixassem metas definidas a alcan- çar Anteriormente, havia consultado três ou quatro psiquia- tras que me davam algum medicamento e me diziam coisas a meu respeito, mas nunca soube onde queriam chagar com tudo isso. Sempre me recordo da primeira conversa que tive- mos quando me internei: senti muita confiança, porque vi que os senhores sabiam que direção dar ao tratamento, vi que entendiam bem o que eu precisava" VI. Em nossa experiência assistencial, hospitalar e pri- vada, vimos, em primeira entrevista de caráter diagnóstico, de orientação ou para iniciar tratamento, um número conside- rável de pacientes (uns seiscentos, pelo menos, em oito anos). Um setor deles, aproximadamente cinqüenta pacientes entre- vistados nos últimos três anos, merece especial atenção. Tra- ta-se de pessoas que haviam procurado um ou mais profis- sionais (psiquiatras, psicólogos, psicanalistas) nas últimas se- manas anteriores à consulta. Interrogados sobre as razões des- sa perambulação por diferentes consultórios, as respostas que tivemos com extraordinária freqüência foram: "O que ele me disse não me deixou satisfeita, não aclarou minhas dúvidas, propôs-me que começasse o tratamento e aguardasse para ver como as coisas se encaminhariam depois", "Não me soube 79 explicar o que é que eu tenho, se é grave, o tempo que vou levar para ficar curada". "Não me soube convencer de que tenho que me comprometer a um tratamento asstm por tanto tempo". "Não deixou claro o que é possível obter depois de todo esse esforço, os resultados que vou alcançar". -Não gos- tei da maneira como me tratou, muito frio, muito distante, eu ficava sem saber se ele entendia o que estava se passando comigo e se concordava ou não com o qua eu lhe dizia". "Não vi muito sentido em ter ido lã com todo este problema que tanto me angustia, e ele começar a me perguntar se eu me masturbava quando criança ou se havia presenciado as relações sexuais de meus pais". "Saí muito mal dessa entre- vista, as interpretações feitas me angustiaram demais". Não se trata de negar, como o paciente faz com fre- qüência, o papel que pode ser atribuído, nesse desencontro, às suas próprias resistências. Mas o que importa é ver que além disso, determinadas omissões ou atitudes rígidas do terapeuta estimulam essas resistências. Achamos que tais atitudes do terapeuta, em lugar de preparar o terreno para a consolidação de uma boa aliança terapêutica, contribuem, ao contrário, para criar neçses casos uma poderosa aliança resistencial. Uma indicação de qne isto acontece nos é dada pelo fato de que, na maior parte desse lote de pacientes a que me refiro, as resistências não foram de tal magnitude que os impedissem de iniciar e conservar depois uma relação terapêutica. Neste trabalho estamos dis- cutindo aspectos técnicos da primeira entrevista. Por trás des- ses aspectos, escondem-se numerosos problemas contratrans- ferenciais de instituições e terapeutas, cujo estudo abriria cer- tamente um capítulo importante para a compreensão de deser- ções e de outras dificuldades em psicoterapia. Em boa pro- porção destes casos — com várias primeiras entrevistas frus- tradas — pareceu-nos perceptível no comportamento dos en- trevistadores a atuação na qualidade de um superego rígido, exigente, mais disposto a pressionar do que a elaborar com o paciente seu ingresso no tratamento. Sob este aspecto, certamente, poucas idéias nos impres- sionam pela força de sua verdade como a distinção feita por Ronald Laíng: "o paciente,mais que um-objeto~a-modificar, é uma pessoa-á-aceitar." 80 Noms 1 O problema das deserções é de uma magnitude inquietante. Vários estudos mostram que, de cada 100 pacientes que comparecem a primeiras entrevistas em diferentes instituições, entre 30 e 65 desistem imediata- mente (4) , (17). Não resta dúvida de que o fenômeno deserção está multideterminado, e, entre as variáveis a considerar, figuram: o tipo de paciente, o grupo familiar, as condições culturais e sóciooconôrnicas, as características da instituição e do terapeuta. Aqui vamos pôr em relevo o papei particular que pode desempenhar outra das variáveis intervenien- tes: o tipo de primeira entrevista. 2 Tais investigações nos deverão mostrar, por exemplo, se o que agora se pode propor como um esquema geral de entrevista deverá des- dobrar-se em uma diversidade de tipos de entrevista ajustados segundo variações na díade: tipo de pacíente-tipo de terapeuta. 3 Trata-se, naturalmente, de uma primeira aproximação, suscetível de ulterior enriquecimento e reajustes pelos dados que venham a ser fornecidos através de outros métodos (psicodiagnósticos, entrevista fa- miliar), assim como através das entrevistas posteriores. 4 A entrevista tem uma tarefa: o diagnóstico e a orientação tera- pêutica. Mas são requeridas, igualmente, tarefas destinadas a criar as condições adequadas para o cumprimento daquela função principal. To- das as explicitações que o terapeuta faça sobre método e finalidades da entrevista são essenciais para criar tais condições. A luta contra a ambi- güidade deve ser, desde o início, um princípio diretor em psicoterapia breve. B O estudo de procedimentos que permitem fazer destes pacientes "difíceis" sujeitos mais aptos para a tarefa psícoterapêutica abre, certa- mente, um capítulo de enorme importância assistencial. Nesta linha me- recem ser mencionados Arnold P. Goldstein e sua equipe da Universi- dade de Syracuse, que vêm desenvolvendo amplas pesquisa? sobre o tema (6) . Estes estudos põem em relevo que o contato inicial'condensa fenômenos interacionais complexos, que fazem da situação-príineira- entrevista um campo dinâmico muito rico, digno de uma especial dedi cação. 0 Uma consideração adicional sobre este caso e sobre o problema dos objetivos limitados ao alívio de sintomas. Entendemos que o com- portamento desíe paciente transmitia uma mensagem: não -estava em condições de suportar uma ruptura de suas defesas maníacas e obsessivas freníe ã sua separação. Talvez a mensagem refletisse o grau de tolerân- cia à ansiedade que a economia psíquica do paciente podia suportar. É de supor que somente ante um alívio de sua ferida narcisística (a de ter ficado só "outra vez em sua vida") , alívio do gênero que lhe poderia proporcionar o encontro de uma nova companheira, o paciente se torne capaz- de tolerar essa mobilização de ansiedades que significa para ele pór-se frente a frente com toda a sua vida de perdas e kban- donos. 81 Quando falamos de motivação para o tratamento deveríamos incluir, como uma dimensão fundamental do que se chama "disposição para ;ndagar sobre si mesmo", um particular componente dinâmico dessa dis- posição, que 6 a tolerância à mobilização de ansiedades de Uma deter- minada estrutura de personalidade em urna específica situação vital. Mudanças na situação vital podem acarretar variações DO grau de tols- râtiria à ansiedade e, em conseqüência, modificar a motivação para. o tratamento. Nota do revisor 1,11 Tradução de Weltanschauung (cosmovisión, no original). Bibliografia (1) Arroyo, V.; Fischer, L.; Schwartz, N. e Wajssman, P., "Co- míenzo del vínculo terapêutico; el primer encueatro", em Kesselman, H., Psicoterapia breve, Kargieman, Buenos Aires, 1970. (2) Bernstein, B., "Social class, speech systems, and psycho-therapy", em Riessman, F.; Cohen, J. e Pearl, A., Mental health of the poor, Free Press, Nova Iorque, 1964, pp. 194-205. (3) Dymond Cartwright, R-, "Psychotherapeutic processes", Ann. Rec. Psychol., 1968, 19, pp. 387-416. (4) Frank, J. e outros, "Why patients leave psychotherapy". Arch. Neurol. Psychiat., março 1957, 77, pp. 283-299. (5) Frank, J., "The role of hope in psychotherapy", Inst. J. Psy- chiatr., 5, 1968, pp. 383-395. (6) Goldstein, A., "Maximizing the initial psychotherapeutic rela- tionship", Amer. J. Psychoter,, 1969, 23,'3, pp. 430-451. {7) Hoehn-Saric, R. e outros, "Systematic preparation of patients for psychotherapy. 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(12) Sifneos, P., "Learning to solve emotional problems: a con- trolled study of short-term anxiety provoking psychotherapy", Ciba Foundation Symposium on the role of learning in psychotherapy, Lon- dres, 1968, pp. 87-96. 82 (13) — — , "The motivational process, A selection and prognostic criterion for psychotherapy of short duration", Psychiat. Quart., 1968, pp. 1-9. (14) Sluzki, C , "Las psicoterapias y el medio hospitalario", Insti- tuto de Desarrollo Económico y Social, Coloquio Psicologia y Socio- logia, Buenos Aires, 1964. (15) Spiegel, J., "Some cultural aspects of transference and counter- transference", Menial health of lhe poor, pp. 303-320. (16) Ulenhut, E. H. e Covi, L.,"Subjective change with the initial interview", Amer. J. Psycholher., 23, 3, 1969, pp. 415-429. (17) Vera, L. e Thieberg, J„ "Un estúdio sobre deserción de pacientes. Experiência de residentes en consultórios externos de un hos- pital psiquiátrico", Ac/n Psiqmot. Psicol. Amêr. Lat., 1970, 16, pp. 57-61. 83
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