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HISTÓRIA DA ARTE COMO HISTÓRIA DA CIDADE

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Modalidade: Comunicação oral, apresentação slides GT: Artes Visuais 
Eixo Temático: Histórias: documentações, acervos e narrativas. 
 
 
 
HISTÓRIA DA ARTE COMO HISTÓRIA DA CIDADE: LEITURA DE IMAGEM NA 
OBRA DE ADRIANA VAREJÃO 
 
 
Ane Beatriz dos Santos Reis (UFPE/PE/BR) 
Luciana Tavares (UFPE/PE/BR) 
Maria das Vitórias Negreiros do Amaral (UFPE/PE/BR) 
 
 
RESUMO: 
O planejamento pedagógico da escola é uma proposta documental que sinaliza o que o 
professor de Artes precisa pesquisar e discutir com seus estudantes. Quando a opção for 
trabalhar a História da Arte, este planejamento pode ser formatado como um mapa 
cronológico da História da Arte e seus estilos ou baseado em projetos interdisciplinares ou 
ainda organizado sobre temas discutidos com os estudantes. Tal planejamento, diante de 
tantas possibilidades que a História da Arte apresenta para problematização, não cabe ser 
fechado em nomes de artistas ou títulos de obras. Sendo assim, recai sobre o 
professor/pesquisador escolher que artistas pesquisar a cada conteúdo abordado e que 
obras discutir. Como escolher? Como definir obras e artistas que serão pesquisados? 
Considerar apenas a bibliografia disponível? Livros, revistas, sites? Esse é o ponto principal 
desse artigo. Iremos abordar, portanto a possibilidade de pesquisa e problematização da 
narrativa da história da Arte a partir das relações “Arte e cidade”. Teremos como referência 
principal os escritos de Giulio Carlo Argan, a partir dos anos 60 do século XX, (ARGAN, 
2010), que trazem em diversos aspectos as relações entre Arte e cidade e suas implicações. 
A artista escolhida nesse artigo é Adriana Varejão e sua obra “Linda do Rosário, 2004”, da 
série Ruína de Charque. Acrescentaremos aos textos de Argan a bibliografia disponível 
(livros, sites, entrevistas, revistas, etc) sobre a artista e sua trajetória e questionaremos se 
essa obra de Adriana conta a história da cidade e que relações podemos tecer a respeito 
disso? 
Palavras-chave: História da Arte; leitura de imagem; cidade 
 
 
HISTORY OF ART AS A CITY HISTORY: IMAGE READING IN THE WORK OF 
ADRIANA VAREJÃO 
 
 
ABSTRACT ou RESUMEN ou SOMMAIRE: 
The pedagogical plan of a school is a proposal document that signals what the Arts teacher 
needs to research and discuss with your students. It can be formatted as a chronological 
map of art history and its styles or based on interdisciplinary projects or even organized on 
topics discussed with students. Such planning, with so many possibilities that art history 
presents for questioning, could not be closed in artist names or titles of works. Therefore, 
depends on the teacher/researcher choosing which artists should be researched for each 
covered topic as well as which works should be discussed. How to choose? How to set 
works and artists that will be researched? Consider only the available literature? Books, 
magazines, websites? This is the main point of this article. We will address, therefore, the 
possibility of research and questioning of the narrative of art history using the relations "art 
and the city". We will have as main reference the writings of Giulio Carlo Argan, from the 
decade of sixties of the twentieth century (Argan, 2010), which bring in many respects the 
relationship between art and the city along its implications. The selected artist within this 
article is Adriana Varejão and her work known as "Linda do Rosário, 2004," from the Ruin of 
Jerky series. Will add to the texts of the Argan available literature (books, websites, 
interviews, magazines, etc) about the artist and his career and shall question whether the 
work of Adriana tells the story of the city and which relationships can we weave about it? 
Key words: History of Art; image reading; city 
 
1 Introdução 
Problematizar a História da Arte na escola, tanto no Ensino Fundamental (EF) 
quanto no Ensino Médio (EM), é uma tarefa desafiadora e motivadora. 
Especificamente, a docência no EM, nos últimos anos acompanhou transformações 
não só didáticas e metodológicas, mas também nas avaliações, em face às 
mudanças ocorridas nos processos de ingresso nas universidades brasileiras. Como 
exemplo podemos citar, no estado de Pernambuco, a Universidade Federal de 
Pernambuco (UFPE) que até 2013 realizava o processo seletivo com provas 
vestibulares em duas etapas, a partir de 2014 aderiu ao Sistema de Seleção 
Unificada (Sisu) do Ministério da Educação (MEC) que utiliza as notas do Exame 
Nacional do Ensino Médio (ENEM). Segundo levantamento da Associação Nacional 
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), realizado em 
2013, das 63 universidades federais brasileiras, 54 adotaram o Sisu, parcial ou 
totalmente. 
Não é nosso objetivo principal analisar neste artigo as questões de Artes ou 
também as interdisciplinares que caíram nas provas anteriores do ENEM, mas é 
relevante sinalizar que o formato da prova do exame nacional traz uma abertura a 
novas discussões e problematizações em Artes. Tal formato aproxima os conteúdos 
elencados nos projetos pedagógicos das instituições de ensino aos conteúdos de 
outros componentes curriculares, aos contextos históricos/sociais de cada época e 
também a uma leitura de imagem crítica das obras de arte. Nesse sentido quando 
Argan (2010, p. 19) afirma que 
 
(...) Uma História da Arte só é possível e legítima se explicar o fenômeno 
artístico em sua globalidade; não se pode fazer uma História da Arte se não 
se admite a existência de uma relação entre todos os fenômenos artísticos, 
qualquer que seja a dimensão espaço-temporal em que foram produzidos. 
 
O autor nos provoca a repensar as narrativas e as histórias da Arte que 
pesquisamos em livros e reproduzimos em sala de aula sem discutirmos tais 
relações? Isolamos a discussão na obra, ou no estilo, ou apenas no contexto 
histórico? Também, como podemos instigar os nossos estudantes a fazerem essas 
relações? E que relações nossos estudantes podem fazer com tais obras, mesmo 
àquelas de tempos remotos ou às da contemporaneidade e que estão bem próximas 
do seu cotidiano? Ou ainda nos processos artísticos da Arte contemporânea, que 
por vezes são difíceis de serem entendidos até mesmo pelo professor, como 
aproximar e explicar tal fenômeno artístico em sua globalidade? O tema presente 
nos escritos de Argan a partir dos anos 60 do século XX, “arte e cidade” e reunidos 
no livro “História da Arte como história da cidade” (ARGAN, 2010), será o fio 
condutor dessa pesquisa. 
Propomos discutir sobre Arte contemporânea, com foco nos adolescentes do 
Ensino Médio (EM), e escolher um artista e uma de suas obras ou uma série de 
obras, que tenham ou sinalizem, de alguma forma, essa relação arte-cidade. Essa 
proposta contempla pesquisar sobre História da Arte sim, mas não somente realizar 
um recorte sobre a obra e seu autor ou sua estética, mas tecer relações sobre a 
mesma e seu processo criativo com o contexto em que ela foi produzida; com as 
pessoas e histórias que fazem parte de sua narrativa; com a cidade ou cidades em 
que essa narrativa se desenvolveu. Nesse texto, a artista escolhida é Adriana 
Varejão e sua obra “Linda do Rosário, 2004”, da série Ruína de Charque. Para 
esmiuçar e constatar ou não que “Linda do Rosário” tem uma relação obra-cidade-
história da arte-história da cidade, (considerando aqui “cidade”, local onde ela foi 
produzida ou qualquer outra cidade que a artista tenha pesquisado), se faz 
necessário a leitura de imagem e discutir suas complexidades. Para tanto 
buscaremos em Terezinha Losada (LOSADA, 2011) em oficina do olhar sincrônico, 
as orientações para a interpretação da imagem, a partir das abordagens linguísticas 
de Roman Jakobson. 
A metodologia, direcionada para o ensino de Arte no EM, é baseada sob as 
orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais/Artes do MEC (PCN/Artes). Paraas Artes Visuais no EM os PCN/Artes requerem do estudante “adquirir competência 
para perceber homens e mulheres enquanto seres simbólicos e sociais que pensam 
e se expressam através de signos também visuais e audiovisuais” ”(PCN/EM, 2000, 
p. 55). Acreditamos que nessa percepção pessoal e/ou coletiva do ser simbólico não 
se passa por uma História da Arte não vivenciada e experimentada. 
Conhecer histórias sem conexões com sua realidade ou sem tecer relações 
com suas vivências, mesmo àquelas dos tempos mais remotos, se torna uma 
experiência sem trocas, sem conhecimento da dimensão espaço-temporal que 
Argan defende. Ou ainda, como nos aponta Paulo Freire1, repetição de um formato 
de “educação bancária” da História da Arte, com descrições, informações sobre o 
artista e seu estilo ou também sobre a obra em si. Um pacote de informações que 
muitas vezes parece um pacote vazio, sem sentido para os estudantes, sem relação 
com o seu contexto, seu entendimento, seus anseios. 
Na prática pedagógica, pensar em uma História da Arte como troca de 
conhecimentos e experiências é o princípio para a elaboração de um projeto 
pedagógico da escola. A Resolução nº 2/20122, do Conselho Nacional de Educação 
(CNE/MEC) insere o componente curricular Arte na área de conhecimento 
“Linguagens” e no Artigo 15 traz orientações para a elaboração do projeto político-
pedagógico das instituições de ensino. 
 
Art. 15. Com fundamento no princípio do pluralismo de ideias e de 
concepções pedagógicas, no exercício de sua autonomia e na gestão 
democrática, o projeto político-pedagógico das unidades escolares, deve 
traduzir a proposta educativa construída coletivamente, garantida a 
participação efetiva da comunidade escolar e local, bem como a 
permanente construção da identidade entre a escola e o território no qual 
está inserida (Resolução CNE/CEB 2/2012, p. 6) 
 
1. Paulo Freire (1921-1997) foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento 
internacionais. Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva seu 
nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. O principal livro de 
Freire se intitula Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele contidos baseiam boa parte do conjunto 
de sua obra (http://revistaescola.abril.com.br/formacao/mentor-educacao-consciencia-423220.shtml). 
2. Resolução CNE/CEB 2/2012. Diário Oficial da União, Brasília, 31/01/2012, Seção 1, p. 20. 
 
Nessa pesquisa discutiremos a disciplina Arte apenas na linguagem Artes Visuais. 
Propomos, para o projeto pedagógico do componente Artes Visuais, uma proposta 
educativa construída coletivamente, em que suas práticas metodológicas não 
somente configurem um mapa cronológico da História da Arte ou reduza seus 
conhecimentos a descrições formais sobre os movimentos artísticos. Tal 
planejamento, diante de tantas possibilidades que a História da Arte apresenta para 
seus pesquisadores e problematizadores na escola, não cabe ser fechado apenas 
em nomes de artistas ou títulos de obras, devendo nesse contexto aguçar o senso 
crítico dos estudantes e tecer relações entre essas histórias e suas implicações em 
épocas passadas e na atualidade. 
Destacamos ainda nos PCN/Ensino Médio/Linguagens Códigos e suas 
Tecnologias – Artes, as orientações quanto a competências e habilidades para “ler e 
interpretar produções artísticas e culturais” 
 
(…) compreender as linguagens artísticas como manifestações sensíveis, 
cognitivas e integradoras da identidade. Em outras palavras, saber ler 
produções artísticas significa fazer apreciações críticas de trabalhos de arte, 
com atribuição de significados e estabelecimento de relações com variados 
conhecimentos. (PCN+ Ensino Médio/Linguagens Códigos e suas 
Tecnologias – 2001, p. 1863.) 
 
Compreender as linguagens artísticas como manifestações sensíveis, 
cognitivas e integradoras da identidade requer entre outras ações, muita pesquisa 
sobre tais linguagens e suas produções, acompanhado de senso crítico aguçado. E 
pesquisa não somente nos livros de artes, revistas ou sites de instituições culturais, 
mas também pesquisas sobre a cidade, sobre a sociedade e sua complexidade. 
Sugerimos para o planejamento pedagógico para Artes Visuais no EM 
discutir, entre outros conteúdos, as vanguardas artísticas e a arte contemporânea, 
por abrirem espaço para leituras mais subjetivas do que se quer mostrar através da 
imagem em questão. O objetivo neste período da Arte não era reproduzir somente 
de forma fiel a natureza e sim suscitar outras possibilidades de leitura do que se 
mostrava. Portanto, as vanguardas e arte contemporânea proporcionam ao 
estudante uma atitude mais crítica e reflexiva de leitura de imagem, como sugerem 
os PCN’s. Nesse sentido, discutiremos como estabelecer relações com variados 
conhecimentos e buscar elementos integradores de identidade, a partir da produção 
artística contemporânea na obra da artista Adriana Varejão. E na escolha de um 
recorte da produção de Adriana, propomos problematizar o processo criativo, a 
narrativa e a leitura de imagem da obra Linda do Rosário, 2009, da série Ruínas de 
Charque. A essa proposta acrescentamos outros questionamentos: essa Arte conta 
a história da cidade? O que conta e como conta? A referência principal são os textos 
sobre crítica e História da Arte, a partir dos anos 60 do século XX, que 
problematizam Arte e cidade de Giulio Carlo Argan, (ARGAN, 2010). Tais escritos 
trazem sob diversos aspectos as relações entre Arte e cidade e suas implicações. 
 
2 Um pouco da artista Adriana Varejão 
Pesquisar sobre a artista Adriana Varejão através da internet não é uma 
tarefa difícil. Numa pesquisa aleatória com seu nome no site de busca 
www.google.com encontramos, aproximadamente, 239.000 resultados relacionados 
 
3. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens.pdf	
  
com o nome Adriana Varejão na rede mundial. Entre estas, informações sobre sua 
trajetória, há entrevistas, artigos publicados por graduandos e pós-graduandos em 
Arte e centenas de fotos da artista, imagens de suas produções e exposições 
temporárias e permanentes de suas obras. Outra fonte de pesquisa é o site da 
própria Adriana4, muito bem estruturado e com informações biográficas, exposições, 
textos e publicações, imagens e vídeos sobre sua trajetória artística. 
Adriana Varejão nasceu no Rio de Janeiro em 1964, cidade onde atualmente 
mora e trabalha, no mínimo, oito horas por dia, em um grande ateliê. Seu mergulho 
no universo da arte acontece no centro nervoso da Arte contemporânea no Rio de 
Janeiro dos anos 1980, o Parque Laje5. Em 1985, com colegas dessa época, monta 
um ateliê e inicia sua carreira como artista plástica. Sua primeira exposição 
individual acontece em 1986, e as primeiras coletivas, da trajetória meteórica, em 
1989 no Stedelijk Museum, Amsterdam, Holanda e Fundação Calouste Gulbenkian, 
Lisboa, Portugal. 
No período de agosto à outubro de 2014, a artista mostra sua primeira vídeo 
instalação, “Transbarroco” no Instituto Oi Futuro/RJ. Em entrevista divulgada no site 
do Instituto, em julho de 2014, a artista falou sobre seu processo de criação 
comparando-se a uma criança curiosa, com se resgatasse a percepção infantil não 
moldada pela educação escolar, livre de preconceitos. E ainda preconizou sobre a 
importância da pesquisa como fonte inspiradora para suas criações, “(...) Quando 
estou entre uma série e outra costumo folhear livros, ver imagens, absorver o 
máximo possível de informação. Isso estimula a minha criatividade” (entrevista para 
o site oifuturo.org, divulgada em 24/07/20146). 
As inúmeras referências da História da Arte, especialmente o Barroco e as 
imagens e informações que a artista absorve em suas pesquisas sãodegustadas e 
transformadas no seu processo criativo, resultando em séries de trabalhos e obras 
cada vez mais instigantes e elaboradas. Desafio para os amantes da Arte 
contemporânea, para os professores de Arte nas escolas e espaços não formais e 
também para todos que vislumbram a Arte de Adriana Varejão e sua pesquisa 
artística sobre o Barroco. 
O interesse pelo Barroco, por temas da colonização do Brasil e por 
azulejaria vieram logo depois, e a acompanham até hoje. A eles se somou a 
representação da carne como elemento estético, a visceralidade e a 
investigação do corpo humano (PESSANHA, Luciana. Adriana Varejão e o 
gosto pelo eterno, publicado no site www.adriana.net. Acessado em 
15/08/2014). 
 
3 Linda do Rosário, 2004, Adriana Varejão 
As ruínas servem de metáfora para um tempo inacabado. Indicam a 
fragilidade da tradição, a precariedade da noção de projeto e a instabilidade 
dos valores em países como o Brasil, onde o descontínuo é a regra. 
Representam o tempo iminente da decomposição da carne. (Adriana 
Varejão). 
 
Na pluralidade das obras de Adriana Varejão não é fácil escolher apenas uma 
ou até mesmo uma série de um determinado período da trajetória da artista. O 
 
4. adrianavarejão.net 
5 Escola de Artes Visuais do Parque Lage, vinculada à Secretaria de Estado de Cultura do Estado do 
Rio de Janeiro, espaço aberto às mais diversificadas experiências artísticas. 
6. Disponível em: http://www.oifuturo.org.br/noticias/adriana-varejao-e-as-multiplas-influencias-de-
sua-obra/ 
primeiro critério a ser definido é a questão relacionada à estética. Entre tantas obras 
qual escolher? As que remetem ao belo, mas que também intrigam? Pois nos 
figurativos de Adriana Varejão nenhuma imagem é simplista. Ou optar pelo grotesco 
que inibi, afasta o olhar e por vezes causa desconforto? Pressupondo que a 
segunda opção é mais desafiadora. Esta será a escolha e entre tantas obras que a 
artista já produziu nesse aspecto, a selecionada é Linda do Rosário, 2004, da série 
Ruínas de Charque. 
 
Imagem 1 – Linda do Rosário, 2004 
(alumínio, poliuretano e tinta a óleo, 195 x 800 x 25 cm, Instituo Inhotim/Galeria Adriana Varejão) 
 
 
 
Fonte: http://www.adrianavarejao.net/pt-br/category/categoria/pinturas-series 
 
 
Imagem 2 – Linda do Rosário, 2004, vista superior 
(alumínio, poliuretano e tinta a óleo, 195 x 800 x 25 cm, Instituo Inhotim/Galeria Adriana Varejão) 
 
 
 
Fonte: http://www.inhotim.org.br/blog/tag/inhotim-escola-2/ 
 
Uma parede em escombros, revestida de pintura que remete a azulejos 
brancos, recheada de vísceras que estão à mostra. Essa é Linda do Rosário, 2004 
(alumínio, poliuretano e tinta a óleo, 195 x 800 x 25 cm), exposta no Instituto Inhotim, 
Galeria Adriana Varejão, Brumadinho/MG. Em diversos textos em blogs 
especialmente sobre viagens, há relatos de visitantes que não aguentam ficar muito 
tempo na sala, onde está essa obra, por sentir o cheiro forte de carne fresca. A 
parede não só enche os olhos, mas também embrulha o estômago das pessoas 
mais sensíveis. 
Charque é uma série produzida entre os anos 2000-2004, composta das 
obras Linda da Lapa, 2004, Linda do Rosário, 2004, Ruína de charque Penha, 2002, 
Ruína de charque Santa Cruz (quina), 2002, Ruína de charque Cordovil, 2002, 
Ruína de charque São Paulo, 2000, Ruína de charque Chacahua, 2000, Ruína de 
charque Caruaru, 2000. Nos processos criativos de cada obra, uma história, 
pesquisas, referências e imagens que a artista transforma e corporifica a seu modo 
peculiar. 
Conheceremos então o que há por trás das carnes de Linda do Rosário. 
A imagem não é agradável aos olhos, nem aos outros órgãos do sentido. Em 
Linda do Rosário, Adriana inspira-se em Goya (Nature morte à la tête de mouton, 
1808-1812 e Saturno devorando um filho, 1819-1823) e Rembrandt (Lição de 
Anatomia do Dr. Tulp, 1632). Como referência na Arte contemporânea buscamos 
também Artur Barrio (Livro de carne, 1979), esse não citado pela artista, mas trazido 
para o contexto pela sua força imagética. 
 
Imagem 3 – Nature morte à la tête de mouton, Francisco de Goya, 1808-1812 
(óleo sobre tela, 45x62cm, Museu do Louvre, Paris, França) 
 
 
 
Fonte: http://cartelfr.louvre.fr/cartelfr/visite?srv=car_not_frame&idNotice=2122 
 
Imagem 4 - Lição de Anatomia do Dr. Tulp, Rembrand, 1632 
(óleo sobre tela, 169,5x216cm, Museu Mauritshuis, Haia, Holanda) 
 
 
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Li%C3%A7%C3%A3o_de_Anatomia_do_Dr._Tulp 
Imagem 5 – Saturno devorando um filho, Francisco de Goya, 1820-1823 
(pintura mural transferida para tela, 143,5x81,4cm, Museu do Prado, Prado, Espanha) 
 
 
 
Fonte: https://www.museodelprado.es/goya-en-el-prado/obras/ 
 
 
Imagem 6 – Livro de carne, Artur Barrio, 1978-1979 
(carne bovina fatiada e exposta em formato de livro) 
 
 
 
Fonte: http://arturbarrio-trabalhos.blogspot.com.br/ 
 
Nas obras que foram referências para a artista temos somente “carne”. Em 
Linda do Rosário, por que carne e parede se unem para contar uma história ou 
suscitar tantas outras? E o que essa obra pode ser relacionada com a história da 
cidade do Rio de Janeiro? 
“Folhear livros, ver imagens, absorver o máximo possível de informação”. 
Essa máxima de Adriana é também o processo para quem quer entender, degustar, 
ler por completo suas obras. Encontramos, então, uma música: 
 
Conversa de botas batidas, Los Hermanos, 2003 
- Veja você onde é que o barco foi desaguar 
- a gente só queria o amor… 
- Deus parece às vezes se esquecer 
- ai, não fala isso, por favor 
Esse é só o começo do fim da nossa vida 
Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida 
que a gente vai passar… 
- Veja você, quando é que tudo foi desabar a gente corre pra se esconder… 
- E se amar, se amar até o fim, sem saber que o fim já vai chegar 
 
Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga 
Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar 
Abre a janela agora, deixa que o sol te veja 
É só lembrar que o amor é tão maior que estamos sós no céu 
Abre as cortinas pra mim que eu não me escondo de ninguém 
O amor já desvendou nosso lugar e agora esta de bem 
 
Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga 
Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar 
Diz quem é maior que o amor? 
Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora 
Vem, vamos além. Vão dizer que a vida é passageira 
Sem notar que a nossa estrela vai cair. 
Uma história de amor ou ficção? Onde aconteceu? O que será que 
aconteceu? O que essa música fala sobre Linda do Rosário? “Folhear livros, ver 
imagens, absorver o máximo possível de informação”, acrescentaremos a frase de 
Adriana: vasculhar sites, blogs, jornais impressos. E descobrir quem é Linda do 
Rosário. 
Tesouros, informações encontradas durante a pesquisa começam a 
desvendar as minúcias do processo criativo da artista e aquela parede de carne que 
não agrada a muitos, se transforma em outros significados. 
A letra da “música” a mesma história que a obra das Artes Visuais condensa 
em uma parede recheada de vísceras. Fotografias tiradas de um canteiro de 
demolição foram o estopim para a criação de Linda do Rosário. Das ruínas de um 
prédio, na Rua do Rosário, centro da cidade do Rio de Janeiro, nasceu a obra 
exposta no Instituto Inhotim. 
No dia 25 de setembro de 2002, no interior do Hotel Linda do Rosário, um 
prédio de cinco andares no centro da cidade do Rio de Janeiro na hora do almoço, 
ouve-se estalos. O porteiro alerta aos funcionários e hóspedes para saírem do 
prédio imediatamente. Antes de deixar o local, lembra de duas pessoas que 
ocupavam um quarto. Bate na porta, interfona, mas não recebe retorno. Dois dias 
depois, os bombeiros que trabalhavam na retirada dos escombros, localizaram duas 
vítimasdo desabamento. Dois corpos nus e abraçados, foram encontrados sobre os 
restos de uma cama. Era um professor, 71 anos, e uma bancária, 47 anos. Amantes 
secretos que não acreditaram nos argumentos do porteiro e preferiram aguardar, 
quem sabe, se amando como se fosse a última vez. 
Ler a parede com vísceras de Linda do Rosário, como apenas uma 
representação dos corpos esmagados pelas toneladas de concreto e outros 
materiais andares abaixo, nos escombros do prédio ruído, é uma conclusão 
simplista e não cabe na complexidade que envolve o tema cidade, o tema amantes 
ou ruínas é contado tanto na música quanto nas Artes Visuais. 
O fato ocorrido no centro da cidade carioca, um hotel que desabou e suas 
ruínas, é apenas o começo da pesquisa da artista para sua materialização e 
conclusão do processo criativo que é a parede. Nesse sentido vamos inverter a 
lógica; história contada e imagem produzida para contar uma história a partir da 
imagem, como nos indaga e logo depois nos afirma Argan (2010, p. 51), citando o 
grande mérito de Erwim Panofsky7, “é possível proceder a uma história das 
imagens? (...) é possível fazer uma História da Arte como história das imagens. E o 
que pretendemos nessa pesquisa não é desvendar a história por trás da parede 
exposta no Instituto Inhotim, mas como essa parede conta essa história e ainda, se 
há essa relação, como que essa parede se relaciona com o tema Arte e cidade? 
Então vamos primeiro responder a questão proposta para pesquisar a História 
da Arte: Linda do Rosário conta a história da cidade do Rio de Janeiro? 
Não somente conta, mas ressignifica essa história, não é apenas uma casal 
que escondia seu amor proibido e foi descoberto por um fato trágico. Linda do 
Rosário une o casal às quatro paredes, refúgio dos amantes, desfruta da estética do 
grotesco para contar uma história de amor e também discute a cidade e suas ruínas. 
Richard Sennett, em Carne e pedra (SENNET, 2014), traça uma narrativa rica 
em imagens e conceitos sobre a relação corpo-cidade, as implicações do corpo 
humano e o espaço urbano, da Grécia antiga à moderna Nova York. No capítulo 
oito, intitulado “Corpos em movimento”, explica a relação das descobertas do 
homem moderno sobre o corpo humano de William Harvey8 e as transformações das 
cidades baseadas nos novos entendimentos sobre a circulação sanguínea. 
Carne e pedra poderia ser o título da obra Linda do Rosário. É o que vemos, é 
o que representa: carne e pedra. Essa simbiose entre corpos e espaços urbanos é 
uma ligação muito mais antiga do que percebemos e Sennet conta em várias épocas 
como ela se procedeu ao longo da história ocidental. 
Por mais de dois mil anos a ciência médica aceitou os princípios relativos ao 
calor do corpo que governaram a Atenas de Péricles. (...) Com o surgimento 
da obra de William Harvey, De motu cordis, em 1628, essa certeza foi 
abalada. Por meio de suas descobertas sobre a circulação do sangue, 
Harvey deu início a uma revolução científica que mudou toda a 
compreensão do corpo. 
(...) A revolução de Harvey favoreceu mudanças de expectativas e planos 
urbanísticos em todo mundo. (...) No Iluminismo do século XVIII, elas 
começaram a ser aplicadas aos centros urbanos. Construtores e 
reformadores passaram a dar maior ênfase a tudo que facilitasse a 
liberdade do trânsito das pessoas e seu consumo de oxigênio, imaginando 
uma cidade de artérias e veias continuas, por meio das quais os habitantes 
pudessem se transportar tais quais hemácias e leucócitos no plasma 
saudável. (SENNETT, 2010, p. 261-262) 
 
7. Erwim Panofsky (1892-1968), historiador de arte alemão, professor de História da Arte na 
Universidade de Hamburgo, entre 1921 e 1933. Com a ascensão dos nazistas ao poder, ele se 
mudou para os Estados Unidos, onde lecionou no Instituto de Estudos Avançados em Princeton e na 
Universidade de Harvard. Para Panofsky a História da Arte é uma ciência em que se definem três 
momentos inseparáveis do ato interpretativo das obras em sua globalidade: a leitura no sentido 
fenomênico da imagem; a interpretação de seu significado iconográfico; e a penetração de seu 
conteúdo essencial como expressão de valores. 
8. William Harvey (1578-1657), médico inglês pesquisou sobre o funcionamento do coração e a 
circulação do sangue pelas artérias e veias, tais descobertas revolucionaram a medicina. 
 
Vermelho sangue, vísceras expostas, parede de azulejos, compõem um 
mesmo corpo ou dois corpos unidos pela eternidade, pelo abrigo de um segredo, 
pela força de um amor proibido e que ninguém mais poderá separar. 
(...) Valorizada tanto pela medicina como pela economia, a circulação criou 
uma ética da indiferença. O corpo errante cristão, exilado do Paraíso, tinha 
pelo menos a promessa feita por Deus de que se tornaria mais unificado 
com o ambiente e com outro seres humanos sem lugar. É assim que John 
Milton, contemporâneo de Harvey, relata a Queda, em Paraíso perdido. O 
corpo leigo em infindável locomoção corre o riso de ignorar essa história, ao 
perder suas conexões com outras pessoas e com os lugares através dos 
quais se move. (SENNETT, 2010, p.263) 
Locais, aqui, entendidos como espaços urbanos. E espaços urbanos não 
somente os traçados que compõem uma cidade mas também como nos apresenta 
Argan (2010) os ambientes das casas particulares, a decoração do quarto de dormir 
ou da sala de jantar, até o tipo de roupa e de adornos com que as pessoas andam, 
representam seu papel na dimensão cênica da cidade (ARGAN, 2010, p. 43). 
Um casal que nutre um amor proibido, conforme as convenções sociais, 
circula pela cidade e seus espaços secretos. Os amantes são recebidos na 
recepção de um hotel por funcionários atenciosos que desconhecem suas histórias. 
O espaço urbano contemporâneo, o hotel, seus ambientes, seus personagens 
priorizam a individualidade e a privacidade de seus frequentadores. Em Linda do 
Rosário, os amantes são expostos em uma sala, com toda liberdade que a arte lhes 
oferece, unidos pela morte trágica, pela imagem poética agora são vistos sem 
preconceitos, sem rodeios, sem segredos. 
 
4 Leitura de imagem, Linda do Rosário, 2004 
Descobrimos a história que envolveu o processo criativo de Linda do Rosário, 
e comprovamos sua relação com a história da cidade. Partiremos agora para 
visualizar somente a obra em si, mas não distanciando do que ela representa e suas 
relações com a história dos personagens e da cidade. Discutiremos sobre a leitura 
da obra, exposta no Instituto Inhotim, apropriando-nos dos estudos de Terezinha 
Losada e seus caminhos, pontos de parada e reflexão na leitura de imagem 
(LOSADA, 2011). Um conjunto de oficinas didáticas – olhar sincrônico e olhar 
diacrônico9, em que a autora lança mão de teóricos como Ernest Gombrich, Roman 
Jakobson, Samira Chalhub e Hannah Arendt para esmiuçar imagens, sejam elas 
obras de Arte, propagandas, fotografias, ou qualquer imagem produzida com as 
mais diversas intenções. 
 
9. Em seu livro A interpretação da imagem, subsídios para o ensino da arte (LOSADA, 2011), a 
professora Terezinha Losada propõe a leitura de imagem, seja essa uma obra de arte, uma fotografia 
publicitária, ou qualquer outra imagem produzida para variados fins, a partir de duas propostas de 
oficinas pedagógicas: olhar sincrônico e olhar diacrônico. A primeira, olhar sincrônico, baseia-se em 
conceitos oriundos das teorias da linguagem, e o eixo enfatizado é o da “recepção”. A interpretação 
da imagem é realizada a partir das próprias referências culturais dos estudantes. Para essa oficina a 
autora fundamenta suas pesquisas nos teóricos Roman Jakobson e Samira Chalhub. A segunda, 
olhar diacrônico, prioriza o eixo da emissão. Aqui propõe, na leitura das obras de arte, um 
afrontamento entre a arte contemporânea e a arteproduzida no período renascentista a partir de 
conceitos e características da arte ocidental hegemônica classificados por teóricos como Ernest 
Gombrich. Nas duas oficinas, a autora não oferece leituras prontas, mas instiga, com conceitos-
chaves, o estudante a refletir, junto com os teóricos, sobre as produções artísticas e os demais signos 
da cultura visual. 
Nesse artigo faremos a leitura sugerida por Losada, a partir dos estudos 
sobre o processo comunicativo do linguista Roman Jakobson. Para compreender as 
os elementos da comunicação Jakobson especifica seis funções de linguagem e 
relaciona cada uma com um dos componentes do processo comunicativo. Seus 
estudos utiliza certas características gerais no universo das mensagens que 
articulamos para estabelecer critérios objetivos para a atividade interpretativa. Nesse 
aspecto, Jakobson influenciou o desenvolvimento da critica literária e também da 
Arte. 
Losada (LOSADA, 2011), propõe a leitura de imagem, baseada em Jakobson 
e as seis funções da linguagem, e suas relações com os componentes do processo 
comunicativo: referencial, emotiva, conativa, fática, metalinguística e a função 
poética. Na leitura da imagem, com base no processo comunicativo, o objetivo 
primeiro é desvendar a função poética: como os elementos foram selecionados e 
combinados na obra, gerando diferentes ênfases nas demais funções e para concluir 
a leitura, identificar em qual delas está a ênfase da imagem analisada. 
O quadro abaixo, apresenta os conceitos das funções da linguagem 
propostas por Jakobson. Faremos, portanto, a leitura da obra Linda do Rosário sob 
tais conceitos, segundo as orientações da oficina do olhar sincrônico de Losada 
(LOSADA, 2011). 
 
Funções da linguagem (Roman Jakobson e Samira Chalhub) 
Função da 
Linguagem 
Fator 
Comunicativo 
Questão Relação 
Referencial Referente Do que se fala? De quem se fala? Arte e realidade 
Emotiva Emissor Quem fala? Arte e autoria 
Conativa Receptor Com quem se fala? Arte e público 
Fática Canal Onde se fala? Arte e tecnologia 
Metalinguística Código Com o que se fala? Arte e estilos 
Poética* Mensagem Como se fala? Arte e criatividade 
* A função poética já foi descrita quando abordamos sobre o processo criativo da artista, sua 
pesquisa, escolha de narrativa, seleção de materiais e finalização estética da obra Linda do Rosário. 
 
Portanto temos em “Linda do Rosário”: 
 
Função Referencial: “Linda do Rosário” fala de uma parede revestida de 
azulejos brancos. Mas essa parede não é nada comum, está recheada de carne 
fresca, bem vermelha e vísceras expostas. Quem não conhece a história trágica 
ocorrida no centro da cidade do Rio de Janeiro e o processo criativo da artista até 
chegar a parede exposta em uma das salas do Instituto Inhotim, não vai concluir que 
parede com carne expressa uma história de amor. A relação Arte e realidade que 
encontramos em Linda do Rosário, está implícita na resolução poética da obra. 
 
Função Emotiva: quem conta e da forma que conta é a própria artista. O seu 
olhar sobre o acontecimento e a combinação escolhida para contar essa história é 
singular nas obras da artista Adriana Varejão. Um casal eternizado nos escombros 
de um hotel, agora exposto como arte contemporânea, é uma nova forma de contar. 
 
Função Conativa: a obra dirige-se diretamente ao público visitante. Choca, 
causa náuseas, incomoda. Reações que poderiam ocasionar, com a descoberta do 
amor proibido, nas pessoas mais próximas do casal de amantes. Varejão põe em 
crise a sociedade e suas relações, seus princípios, suas hipocrisias, suas ruínas de 
carne e pedra. 
 
Função Fática: a artista apropria-se de materiais tradicionais da pintura como 
tinta à óleo e outros menos tradicionais como espuma e alumínio para criar uma 
imagem inusitada. 
 
Função Metalingüística: as pessoas olham para “Linda do Rosário” e 
perguntam o que é isso? O que isso representa? Além de contar uma história de 
forma singular, a artista traz referencias a História da Arte em Rembrandt, Goya e 
também Artur Barrio, artistas que, cada um a seu tempo e em sua poética, 
expuseram as entranhas do corpo humano e também do animal. Nessa função a 
artista reúne seus conhecimentos em Arte, sua busca pelo tema, sua pesquisa de 
materiais e a finalização do processo criativo, portanto é aqui que está a ênfase da 
obra Linda do Rosário. 
 
5 Conclusões 
Provocação, vontade de conhecer, atração, curiosidade, intolerância, alívio, 
ignorância. Todas estas sensações estão alí contidas naquela ruína. 
Mas, estão também saltando dela para o interior de cada um que a observa, 
desconfiado, desafiado. Saltam também para fora dos espaços pré-definidos, pela 
escola, pelo professor, pelos expectadores. As ruínas não estão somente em 
Inhotim, estão nas ruas, dentro de cada um de nós, pelas ruas do Recife, de 
Amsterdã, dentro de Rembrandt, de uma Varejão, Goya, Zé de Mandacaru artista 
popular. Estão lá e aqui. É uma parede? E para que servem paredes? São 
invólucros? O que querem esconder? Podemos transpô-la, mas queremos isto 
mesmo? Pertence a que época? É feita de que material? Por quem? isso realmente 
importa? É uma imagem? É uma imagem! Sabemos que não é somente isso e que 
imagens são muito mais que algo representado de forma bidimensional, 
policromada, exposta. Estudantes do Ensino Médio quando oportunizados, diante 
dessas paredes param! Param para refletir, para perguntar e se interessam não só 
pelo artista, mas pela obra, pelo material utilizado, pela cidade, pelo gênero, pela 
contemporaneidade, pelo professor, pela aula, pela Arte. Esta é só uma obra de uma 
leitura imediata? Certamente não! Ficará retida neste espaço temporal? Na limitação 
física da escola onde foi apresentada aos estudantes pelo professor? Relações 
construídas em salas de aula, em espaços expositivos, ultrapassam muros. 
A cada dia a quantidade de questões que tratam de Arte nos exames 
seletivos de vestibulares têm aumentado. No último Exame Nacional do Ensino 
Médio (ENEM) em 2013, somente no segundo dia de prova, na prova de Códigos, 
linguagens e suas tecnologias, tivemos uma questão de leitura de imagem que 
versava sobre o trabalho infantil e utilizava para isto uma imagem do artista gráfico 
polonês Kuczyuskiego de 2008, cobrando do estudante uma interpretação da 
imagem ali representada, outra que tratava de música no período da ditadura militar 
brasileira e relacionava trechos de música a movimentos artísticos e culturais como 
o Tropicalismo relacionando Arte e história do Brasil 
Enfim, leituras de imagens, Arte contemporânea, música, Arte na ditadura 
militar, performances, formas de se produzir e trabalhar Arte como conhecimento. 
Pode parecer pouco de uma prova de quarenta e quatro questões, mas, torna-se 
significativo se pensarmos que nos vestibulares da década de noventa, não havia 
nenhuma questão sobre Arte. E por que isto tem mudado? Porque as relações de 
conhecimento construídas entre estudantes e escola, obra de arte e fruidor, artistas 
e pessoas comuns, o mundo lá fora e nosso mundo mudaram. As distâncias 
diminuíram, todas! Não somente as físicas. 
Arte e vestibular, estudante e professor, público e artista, óbvio e intrínseco. 
Histórias são contadas, histórias da cidade, das pessoas, da história da Arte. As 
pessoas querem ouvir. Adrianas e ruínas, gente e azulejos, construção de processos 
artísticos, de aulas, de conhecimento, de apropriações e principalmente reflexões. 
Ainda há um longo caminho a percorrer tanto em pesquisas, metodologias em sala 
de aula, legislações de ensino. Contudo acreditamos que se conhecer, conhecer a 
cidade, ouvir histórias, deixar envolver-se por elas é um formato interessante para 
experimentar, vivenciar Arte no contexto escolar, na produção de pesquisas em 
História da Arte e também na produção da Arte. Assim, livros,aulas, revistas, sites, 
pessoas, paredes, acabam por nos contar muitas histórias, de gente, de coisas, de 
amores, de vida. 
 
Referências: 
ARGAN, Giolio Carlo, História da Artecomo história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 
2005. 
FREIRE, Paulo, Padagogia da autonomia, saberes necessários à prática educativa. São 
Paulo: Paz e Terra, 2011. 
LOSADA, Terezinha, A interpretação da imagem, subsídios para o ensino da arte. Rio de 
Janeiro: Mauad X, 2011 
SENNETT, Richard, Carne e pedra, o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de 
Janeiro: BestBolso, 214. 
Adriana Varejão: metáforas da memória/Instituto Arte na Escola; autoria de Luciano 
Buchmann ; coordenação de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque. – São Paulo: Instituto 
Arte na Escola, 2005. 
http://www.andifes.org.br/ 
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens.pdf 
http://www.adrianavarejao.net/pt-br/ 
http://www.oifuturo.org.br/ 
 
Ane Beatriz dos Santos Reis 
Graduanda de Artes Visuais Licenciatura/UFPE, 8o período; professora de Artes Colégio 
Santa Emília, Olinda/PE, Ensino Médio/3o ano; bolsista do PIBID/UFPE Artes Visuais, 2012-
2013; voluntária no grupo de pesquisa PIBIC/UFPE coord. pela Professora Doutora Maria 
Betânia e Silva; mediadora em oficina no “Arte na Escola”, nov/2011; arte/educadora na 
exposição “Pernambuco em mini-quadros” Centro Cultural Correios/Recife, jun-ago/2011. 
http://lattes.cnpq.br/3107392190306783 
 
Luciana Tavares 
Mestranda em Artes Visuais na Universidade Federal de Pernambuco na linha de pesquisa 
do Ensino das Artes Visuais. Atualmente é professora de Ensino da Arte no Ensino Médio 
nas redes privadas e pública na Região Metropolitana do Recife. 
http://lattes.cnpq.br/7282555558301402 
 
Maria das Vitórias Negreiros do Amaral 
Pós-Doutora em Arte/educação e Feminismo pelo Inst. de Investigaciones Feministas de la 
Universidad Complutense de Madrid, 2012. Doutora em Artes, Universidade de São Paulo, 
2005. Mestre em Antropologia, Universidade Federal de Pernambuco, 2000. Graduada em 
Educação Artística, Universidade Federal de Pernambuco, 1987. Atualmente é professora 
adjunto e coord. do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco. 
http://lattes.cnpq.br/3317479462307817

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