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Prévia do material em texto

Alfabetização e LetramentoRaquel Auxiliadora Borges 
MEC / SEED / UAB2012
B732a Borges, Raquel Auxiliadora Alfabetização e Letramento — São João del-Rei, MG : UFSJ, 2012. 96 p. Curso de Graduação em Pedagogia. 1. Ensino 2. Educação I. Título CDU: 374
Reitor Helvécio Luiz Reis Coordenador UAB/NEAD/UFSJ Heitor Antônio GonçalvesComissão Editorial: Fábio Alexandre de Matos
 Flávia Cristina Figueiredo Coura
 Geraldo Tibúrcio de Almeida e Silva
 José do Carmo Toledo
 José Luiz de Oliveira
 Leonardo Cristian Rocha (Presidente)
 Maria Amélia Cesari Quaglia
 Maria do Carmo Santos Neta
 Maria Jaqueline de Grammont Machado de Araújo
 Maria Rita Rocha do Carmo
 Marise Maria Santana da Rocha
 Rosângela Branca do Carmo
 Rosângela Maria de Almeida Camarano Leal
 Terezinha Lombello FerreiraEdição Núcleo de Educação a Distância
 Comissão Editorial - NEAD-UFSJCapa/Diagramação 
 Eduardo Henrique de Oliveira Gaio
SUMÁRIO
Pra começo de conversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05
Unidade 1 – Alfabetização e Letramento: histórico, conceitos, discussões . . . . . 091.1 Um pouco de história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121.2 Conceito de Alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191.3 Conceito de Letramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201.4 Alfabetização digital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Unidade 2 - Aportes teóricos relativos ao processo de alfabetização . . . . . . 272.1 Teoria da aquisição da Linguagem Oral . . . . . . . . . . . . . . 292.2 Diversidade linguística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312.3 Psicogênese da língua escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 442.4 Conceitos linguísticos básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 572.5 Analise de “erros” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.6 Competências ortográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Unidade 3 - Um olhar atento para a prática alfabetizadora . . . . . . . . . . 653.1 Discussões sobre a prática alfabetizadora . . . . . . . . . . . . . . 673.2 Currículo para a fase inicial da alfabetização . . . . . . . . . . . . . 703.3 Métodos de Alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Considerações Finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Discutindo Conceitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
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Pra começo de conversa...
Prezado(a) Estudante: 
Nosso “Pra começo de conversa...” 
na verdade, foi pensado e escrito depois de terminado o trabalho com a pretensão de retratar e introduzir você, caro (a) Estudante, nos textos aqui discutidos. Esta conversa inicial tem o objetivo de estabelecer laços entre nós, gerando cumplicidade e despertando o interesse necessários para a leitura daquilo que se oferece.
Neste momento você inicia aqui um trajeto que será percorrido com a atenção voltada 
para o mesmo objeto de leitura que ora foi pensado e refletido pelo escritor, e é isso que nos aproxima, ainda que o momento da escrita seja uma ação realizada num momento distinto da leitura que agora você realiza, o fato de nos dedicarmos ao mesmo objeto nos torna cúmplices.
 Este material foi preparado para você, estudante do Curso de Pedagogia a distância, do Núcleo de Educação a Distância da Universidade Federal de São João del-Rei, com o objetivo de discutir sobre o tema “Alfabetização e Letramento”, trazendo à tona as teorias que embasam essas discussões e apresentando situações práticas para o desenvolvimento da ação docente alfabetizadora. 
Ao final deste caderno, esperamos que você possa, de forma mais concreta, compreender conceitualmente ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO e se sentir melhor preparado(a) para aplicar tais conhecimentos no dia a dia da sala de aula.
Na unidade 1, discutiremos sobre os Conceitos de Alfabetização e Letramento, quando 
você terá oportunidade de confirmar ou refutar suas hipóteses sobre tais conceitos e conhecer um pouco mais da história social que os envolvem. Falaremos brevemente sobre um novo conceito de alfabetização que atualmente se anuncia: a Alfabetização digital, que é hoje uma vertente que precisa ser considerada nas práticas alfabetizadoras.
Na unidade 2, discutiremos sobre a Psicogênese da Língua Escrita, estudos que revolucionaram as práticas alfabetizadoras, pois trazem à tona um novo olhar sobre a 
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condução desse processo. Para isso, perpassaremos sobre as teorias de aquisição da linguagem oral, discussões dos conceitos linguísticos básicos (principalmente de fonética e fonologia), questões da diversidade linguística de grupos sociais e questões da análise 
de erros e da construção das competências ortográficas. 
Ao final do caderno, encontra-se uma seção onde colocamos conceitos importantes que são discutidos ao longo do caderno, diante dos quais faz toda diferença você se apropriar 
de seus significados para melhor compreensão dos textos escritos. Consulte sempre que precisar.
Na unidade 3, buscaremos um viés mais prático alicerçado pelas teorias discutidas nas unidades anteriores. Discutiremos então sobre a Organização de atividades, intervenções pedagógicas e avaliação, assinalando a postura do professor mediante esses aspectos. 
Como objetivo explicito neste caderno, temos a pretensão de: - desenvolver condições para que você, estudante do curso de Pedagogia do NEAD/UFSJ, se aproprie dos conceitos de Alfabetização e Letramento dentro da perspectiva histórica em que estão inseridos; - possibilitar a inserção nas discussões sobre Alfabetização digital que, atualmente, é uma nova demanda social; - levar à compreensão de aspectos teóricos importantes para a compreensão de como a criança constrói o conhecimento sobre a linguagem escrita; - desenvolver condições favoráveis a uma prática alfabetizadora consistente a partir de discussões sobre a mesma.
Iremos, juntos, construindo essas discussões através das atividades que aqui são propostas 
antes, no decorrer e ao final de cada uma das unidades temáticas. Essas atividades são propostas com o objetivo de levá-lo(a) a fazer uma avaliação de seus conhecimentos prévios antes de iniciar a leitura da unidade e, posteriormente, para que você possa fazer uma autoavaliação dos conhecimentos de que se apropriou durante a leitura.
São propostos também alguns fóruns (temáticos e da turma) no decorrer das unidades para que você interaja comigo, com seu tutor e com seus colegas de turma e para que 
você possa colocar em questão seus conceitos, discuti-los e, enfim, consolidá-los. Também iremos sugerir atividades para serem feitas na plataforma e, a partir delas, você será avaliado (a) dentro da construção deste processo.
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De antemão, adianto que é impossível discutir todas as dimensões que abrangem este tema e ainda mais apresentar todasas estratégias que podem guiar o trabalho do alfabetizador. Porém, para um inicio de conversa ...., vamos lá! 
Desejo a você uma boa leitura, um bom entendimento do que aqui vai proposto. Que após o estudo deste material você se sinta mais seguro (a) para discutir o tema ALFABETIZAÇAO 
E LETRAMENTO e, principalmente, para modificar seu olhar em relação à prática docente alfabetizadora, aplicando os conhecimentos assimilados e os reconhecendo em sua prática.
Raquel Auxiliadora Borges
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Alfabetização e Letramento: Histórico, 
Conceitos e Discussões
Objetivos
• Conceituar Alfabetização e Letramento. 
• Diferenciar o que é específico dos processos de Alfabetização e de Letramento.
• Identificar na Alfabetização e no Letramento o que é ponto de interseção e o que são pontos diferenciais,
• Descrever a evolução do conceito de Alfabetização e de Letramento. 
Problematizando...Na certeza de que, para você, este tema não é totalmente novo, proponho que antes de 
iniciar os estudos desta unidade você reflita sobre algumas questões e que, depois, durante 
a leitura da unidade, você possa ir confirmando ou não suas hipóteses.1- Para você, o que é Alfabetização?2- Como você conceitua Letramento?3- Você acha que alfabetizar é o mesmo que letrar?4- Posso alfabetizar sem letrar? E letrar sem alfabetizar?5- O que é específico de cada conceito? E onde está o ponto de interseção dos mesmos?
unidade 1
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unidade 1
Muito ouvimos falar sobre “Alfabetização e Letramento” e muito já sabemos sobre esses conceitos. Mas não podemos aqui iniciar nossas discussões sem revisitar o que os autores que se debruçam sobre esse tema consideram como conceito de “Alfabetização” e sobre o conceito de “Letramento” e como esses dois conceitos dialogam na literatura pertinente. 
Mesmo porque vivemos em meio a um grande modismo, quando muito se discute sobre a Alfabetização e Letramento. São termos recorrentes na fala de educadores em geral, mas 
muitos não têm a clareza conceitual para se estabelecer uma prática docente eficaz. Por isso, torna-se necessário que façamos uma discussão mais aprofundada desses conceitos, buscando ferramentas teóricas que auxiliem na compreensão dos mesmos e das teorias que os sustentam. 
A alfabetização tornou-se, ao longo da trajetória do ensino público e fundamental no Brasil, um objeto de constantes pesquisas e análises em diversos campos do conhecimento, sejam eles linguísticos, sociológicos, psicolinguísticos, históricos. Tais estudos discutem questões pertinentes à formação de leitores e escritores competentes, capazes de participar da vida social em qualquer contexto, prontos a fazer uso da leitura e escrita, de acordo com os 
usos e funções sociais exigidos em diversos momentos específicos. 
Revisitando esses estudos, buscaremos conceituar os termos ALFABETIZAÇÃO e 
LETRAMENTO e inter-relacioná-los, discutindo seus significados na prática alfabetizadora cotidiana. Para isso percorreremos brevemente “um pouco de história” para compreender como o conceito de ALFABETIZAÇÃO evoluiu ao longo da história e como o termo LETRAMENTO passou a compor as discussões sobre o tema, considerando a evolução 
da sociedade, uma vez que os conceitos de alfabetização se modificam de acordo com as condições sócioeconômicas e culturais que são vigentes em determinadas épocas e lugares.
Anunciaremos também a alfabetização que nos dias de hoje está em voga, a ALFABETIZAÇÃO DIGITAL, da qual decorre um novo formato de letramento praticado na sociedade atual.
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1.1 Um pouco de História 
A evolução da escrita sempre busca simplificação, economia e agilidade na representação. É sempre marcada por necessidades historicamente determinadas (BARBOSA, 1990, p.77).
Desde os primórdios da civilização humana, a linguagem sempre esteve presente de alguma forma atendendo às necessidades de comunicação. Porém, ao longo dos tempos passou e ainda passa por grandes transformações e avanços distintos em cada período histórico.
Inicialmente, o homem buscava se comunicar através da linguagem gestual, da linguagem oral (através dos sons que emitia), mas a compreensão do que se queria comunicar não 
era entendida de forma eficaz, o que demandou a evolução da linguagem para que os seres humanos pudessem se fazer entender. Cada povo tinha a sua maneira de se manifestar, variando sua língua ou dialeto, se comunicando de forma simples, oral e gestual.
Ainda não se sabia de que forma poderiam registrar a língua falada, utilizavam, então, estratégias como a pintura ou o desenho. Conforme Barbosa (1990), a pintura foi um antecedente da escrita e quando os desenhos passaram a transmitir e comunicar fatos e ideias passaram então a ser utilizados como símbolos:O homem, através dos tempos, vem buscando comunicar-se com gestos, expressões e com a fala. A escrita tem origem no momento em que o homem aprende a comunicar seus pensamentos e sentimentos por meio de signos. Signos que sejam compreensíveis por outros homens que possuem ideias sobre como funciona esse sistema de comunicação (BARBOSA, 1990, p. 34).
Os signos utilizados pelo homem vão evoluindo com o tempo, pois houve uma real necessidade de se criar um mecanismo que contribuísse para que as memórias fossem 
registradas de forma permanente e que pudesse ser também um instrumento mais eficaz de comunicação entre um maior número de pessoas. Nessa evolução, é possível distinguir três fases distintas que, paulatinamente, abriram espaço para a criação da linguagem escrita alfabética, que possibilitou e contribuiu para a perpetuação e transmissão do conhecimento, por ser uma linguagem simbólica entendida por todos.
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unidade 1
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Brevemente citaremos, com base em Cagliari (2009), as três fases da evolução histórica do sistema de escrita:
•	 A pictórica: escrita através de desenhos ou pictogramas não associados a um som, mas a uma imagem do que se quer representar.
•	 A ideográfica: desenhos especiais chamados ideogramas, que foram evoluindo e 
perdendo alguns dos traços mais representativos das figuras retratadas e tornaram-se uma simples convenção de escrita. É dessa escrita que provém nosso alfabeto.
•	 A alfabética: que se caracteriza pelo uso de letras que se originaram dos ideogramas, 
que assumiram a representação fonográfica. Mas antes que ao alfabeto se tornasse o que hoje conhecemos, ele passou por inúmeras transformações. 
Os homens foram então, ao longo dos tempos, criando formas de comunicação, sistemas de signos e símbolos, para construir a memória de um povo, comunicar-se, trocar informações e repassá-las a gerações futuras etc. Essa necessidade tanto era social, da comunidade, como também pessoal, individual, para que o sujeito pudesse repassar suas experiências, organizar suas ideias.
Desde seu surgimento, a escrita contribuiu, em muito, para o desenvolvimento da humanidade, pois possibilitou arquivar, veicular e produzir informações, estabelecer 
e firmar contratos, permitindo a comunicação a distância, tornando-se fundamental na movimentação econômica e cultural das nações. Portanto, o fato de se apropriar da linguagem escrita confere mobilidade e autonomia e, por isso, foi surgindo cada vez mais uma urgência em sua democratização, o que somente seria possível através da alfabetização.
Essa democratização somente começou a ser possível a partir da implantação da escola republicana, pois, até então, conforme Barbosa (1990), 
[...] a história da escola e a história da alfabetização foram linhas sinuosas e difusas que se, em algum momento se uniam e se confundiam, logo adiante mantinham distância, marcando cada uma a sua independência: na maior parte das vezes, ensinar a ler competia aos pais (BARBOSA, 1990, p.16).
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Barbosa (1990) afirma ainda que, a partir da escola republicana, estas duas linhas: alfabetização e escolarização se entrelaçam e se emaranham, nascendo daí as concepções em relação ao processo de alfabetização. Essas concepções também tiveram sua linhade 
evolução, ao longo dos tempos, modificando o que se conceitua como alfabetização, como 
indivíduo alfabetizado. Esses conceitos nunca foram e não o são até os dias de hoje definidos à revelia da história social. Sempre houve um ponto de interseção. A alfabetização, em toda a história, sempre cumpriu uma função social, bem como cumpre a escola.
Os problemas atuais relativos à educação e escolarização são problemas que vieram desde a descoberta da escrita até a sistematização da escola e perduram até hoje, tudo isso porque, na verdade, sempre houve e ainda há interesses obscuros que, quando não conseguem conter a evolução natural dos fatos, tentam impedir a socialização dos mesmos. Portanto, as mudanças históricas do conceito de alfabetização nos mostram que não há neutralidade na educação, e a alfabetização sempre serviu aos interesses sociais vigentes em cada período.
Frago (1993), ao estudar a questão da funcionalidade da escrita ao longo da história social, propõe a existência de três categorias de utilidade/necessidade, de acordo com os usos e 
desusos que se faz da leitura e da escrita: uma de caráter econômico-profissional, outra de prestígio ou busca de status e, finalmente, uma de tipo ideológico (religião, política). O processo de uso da escrita pode ser impulsionado pelos três tipos ou ainda pelo que se torne necessário em determinada realidade. Ou seja, a busca das habilidades de leitura e escrita assim como as respectivas habilidades de compreensão podem-se dar em função 
dos benefícios econômicos que produzem; ou pelo prestígio social que assegura aos indivíduos; ou pela possibilidade de dominar e/ou estar informado sobre determinada ideologia política ou religiosa.
É possível, então, a partir da história da alfabetização, estabelecer uma correspondência entre os usos da escrita com a estrutura sócio-ocupacional, ou seja, de acordo com a posição 
social e profissão do indivíduo, este poderia estar mais ou menos em contato com a escrita e mais ou menos privilegiado no âmbito escolar, pressupondo-se uma diferenciação na difusão da mesma, tanto quantitativa quanto qualitativamente.
As práticas culturais de leitura e escrita sempre se modificaram conforme o surgimento de diferentes necessidades comunicacionais da sociedade. Em meio a todo esse contexto, a 
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unidade 1
linguagem escrita que é um sistema de representação simbólica (composta pelas letras do 
alfabeto, que são sinais gráficos, símbolos que possibilitam comunicação e entendimento), se coloca como um veículo histórico social que atende às necessidades de registro e comunicação. Com a evolução da sociedade, cada vez mais se ampliam os usos e funções da linguagem escrita e da leitura. Nesse contexto, alfabetizar é uma tarefa que tem como objetivo tornar o individuo capaz de utilizar a linguagem em todos os seus aspectos. 
Sobre a alfabetização, Ferreiro (1993) salienta que 
[...] há que se alfabetizar para ler o que os outros produzem ou produziram, mas também para que a capacidade de “dizer por escrito” esteja mais democraticamente distribuída. Alguém que pode colocar no papel suas próprias palavras é alguém que não tem medo de falar em voz alta (FERREIRO, 1993, p. 54).
Ferreiro (1993) observa ainda que se faz necessária a democratização do acesso à linguagem escrita, possibilitando a um grupo maior de pessoas o acesso às riquezas culturais e à diversidade existente em nossa sociedade.
Portanto, a linguagem escrita é uma variável importantíssima em todo este processo, uma vez que se faz presente no dia a dia da sociedade contemporânea, colocando-se aparentemente como corriqueira para todo e qualquer indivíduo, através de diversos portadores de texto. No entanto, contraditoriamente, são encontrados muitos analfabetos, os quais são inferiorizados e discriminados. Isso porque, em uma sociedade contemporânea completamente inserida em uma cultura grafocêntrica, o domínio da linguagem escrita confere status e aceitação. O desvelamento do papel da linguagem escrita implica um aprofundamento no conhecimento dos valores atribuídos a ela e da interação que ocorre entre essa e a sociedade. É essa concepção que deve direcionar os trabalhos alfabetizadores 
e, nessa perspectiva, alfabetizar é dar condições sociais de existência e de afirmação social.
Em nosso dia a dia, sobretudo a vida urbana nos proporciona estar constantemente em contato com a escrita: em anúncios, jornais, tevês, revistas, embalagens de produtos comerciais, cartazes, avisos, ônibus, livros e muitos outros portadores de texto, e nossa 
atitude frente a cada um deles é específica. Entender essa especificidade é fator relevante para o entendimento e encaminhamento dos processos de alfabetização. 
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Nesse tipo de ambiente histórico-cultural, a escrita é considerada um artefato que traz 
benefícios óbvios e indiscutíveis ao indivíduo que a possui. Depreende-se então que em nossa sociedade, enfatiza-se a cultura grafocêntrica. Entretanto, Gnerre(1991), ao analisar 
as teorias que mitificam a escrita, destaca o fato de que o domínio da escrita para os indivíduos das camadas populares é revestido por uma polaridade de atitudes. Em nossas sociedades, onde a escrita está fortemente presente, é possível encontrar uma acriticidade que leva os indivíduos a se submeterem a qualquer material impresso, somente pelo fato de ter sido escrito, super-valorizando assim a linguagem escrita. Em contrapartida, a rejeição 
à escrita ocorre porque os indivíduos se sentem inseguros, desconfiam de que a escrita, sendo um objeto alheio ao seu mundo, não pode ser controlada e, consequentemente, acabam por rejeitá-la. (GNERRE,1991). 
Independentemente dessa polaridade, percebemos em nosso meio que a escrita é um objeto que confere poder a quem a domina: ela permite uma participação mais ativa no 
mundo da cultura e do trabalho qualificado. A alfabetização seria, então, um passo decisivo para que as camadas populares adentrassem no mundo do conhecimento e do saber. 
É preciso também considerar que a sociedade capitalista reforça a diferenciação do valor da leitura para as diferentes classes sociais, conferindo à escrita um papel discriminatório. Segundo Osakabe (1982), para os dominados, o valor ler-escrever é um 
valor de produtividade, e não um valor que afirma o sujeito e lhe franqueia a diversidade de conhecimento. Essa situação denuncia as diferenças impostas pela sociedade e pelo sistema de divisão de classes, diferenças que indicam que aquilo que pode ser funcional 
para determinada classe pode não o ser para outra, como afirma Frago (1993, p.39):
[...] a funcionalidade ou desfuncionalidade da leitura e escrita é algo subjetivamente sentido por cada indivíduo ou grupo social concreto e sua evidência é, correlativamente, o uso ou desuso que se faz de alguma ou ambas as habilidades.
Mas o que ainda presenciamos é que, mesmo nos aspectos mais particulares do processo de alfabetização, que é o trabalho com os códigos oral e escrito, a escola não fornece contato com as funções e uso dos mesmos, realizado com muito mais precisão no contato mútuo que os indivíduos exercem em sociedade. As práticas e usos da escrita no cotidiano das crianças de classes populares acabam sendo inferiorizados ou mesmo desconsiderados pela escola. 
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unidade 1
Entretanto, os estudos sobre alfabetização predominantemente privilegiaram, ao longo dos tempos, os aspectos estruturais, perceptuais e cognitivos, envolvidos no processo. Não são muito antigas as discussões e pesquisas sobre a alfabetização numa perspectiva 
sócio-histórica, ou seja, sobre o significado da alfabetização e sobre os usos e funções da escrita que despontaram na literatura tanto nacional como internacional (Soares, 2004).
Se a utilização da leitura e da escrita se modificou ao longo dos anos, obviamente também 
se modificou o que se considera um indivíduo alfabetizado. No início do século XX, 
mais especificamente até meados dos anos de 1940, segundo Soares (2004), o conceitode alfabetizado que vigorou era o de ter competência para ler e escrever o próprio nome. Posteriormente, com as transformações sociais, esse conceito de alfabetização 
foi se modificando, passando-se a conceber como competência inerente ao estado de alfabetizado a redação de um bilhete simples, pois para isso são necessárias habilidades para uma prática social da leitura e da escrita, pois se considerava alfabetizado aquele que 
não apenas dominava as habilidades de codificar e decodificar, ou seja, ler e escrever, mas aquele capaz de saber usar a leitura e a escrita para exercer uma prática social. 
No entanto, dentro de pouco tempo, esse conceito acabou sendo insuficiente para designar o estar alfabetizado frente à sociedade em constante mutação. Carmo (2010) 
reitera essas afirmações e salienta que, com o desenvolvimento econômico e cientifico da sociedade, cada vez mais se exigia uma nova postura de homem e de cidadão, o que levou a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) 
a redefinir, no ano de 1965, o objetivo da alfabetização, ficando assim entendido que a alfabetização visaria 
[...] preparar o homem para desempenhar um papel social, cívico e econômico”. Assim, espera-se que o indivíduo compreenda sua situação na sociedade e, mais ainda, possa auxiliar sua transformação. É esse 
perfil de homem, enquanto ser político e social, que norteará as várias 
definições de alfabetização da década de 70 em diante (LAGÔA, apud CARMO, 2010, p.19). 
Apesar de todas as tentativas de se redefinir a alfabetização, de acordo com as exigências da nova ordem econômica mundial e de preparar os indivíduos para o competitivo mercado de trabalho, que exige uma formação cada vez mais abrangente, ainda encontramos um grande número de analfabetos funcionais em nossa sociedade. De acordo com Ribeiro (1993), não há carência de escolas para todos, mas há sim carência de qualidade na 
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educação para todos. Ainda hoje essa fala se faz mais que atual. A garantia do acesso à escolarização para todos foi instituída pela Constituição Federal de 1988 e enfatizada na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9394, do ano de 1996, segundo a qual a educação fundamental é de caráter obrigatório e gratuito na rede pública de ensino. Portanto, todos tem direito à entrada e permanência na escola, pelo menos até o 
fim do Ensino Fundamental, mas a que condições esta permanência tem-se dado ainda é motivo de muitas críticas. 
Os anos que os indivíduos passam na escola não são garantia de sucesso no processo de ensino-aprendizagem, pois muitas vezes o currículo selecionado, a metodologia trabalhada, as concepções da escola e do professor estão tão distantes de sua realidade que não há chances de produzir sucesso escolar com a desconsideração da realidade do aprendiz. Para se reverter este quadro seria necessário, entre outros fatores, valorizar a cultura popular, quer em suas manifestações escritas, quer orais. Portanto, mesmo que 
o indivíduo consiga se escolarizar, não se garante a sua proficiência para lidar com os diferentes usos e funções sociais da escrita. Na verdade, a escola deveria conduzir os alunos a, além das habilidades mecânicas de alfabetização, ao estado de alfabetizado funcional.
Com a crescente necessidade de aprimoramento de comunicação e as grandes transformações no mundo digital, chegamos atualmente um alto nível de tecnologia 
que modifica também as práticas de leitura e de escrita, pois surgem novas formas de alfabetização, outros meios de materialização das informações, através de CDs, DVDs, computadores, celulares, tablets, redes sociais etc., e tudo isso vai modificando tanto a conceituação de alfabetização e letramento quanto as práticas pedagógicas em sala de aula. Existem tantas outras possibilidades e novidades, como a mudança do livro de papel para o livro na tela do computador, carta enviada pelo correio pela carta enviada pelo computador (e-mails), a possibilidade de conversar com pessoas que se encontram ao seu lado ou com pessoas que estão do outro lado do mundo por meio de bate-papos com vídeos, informações trocadas em tempo real. 
Através desse texto pudemos, sucintamente, acompanhar como a escrita surgiu e como evolui ao longo da história e como sempre esteve atrelada aos interesses sociais vigentes. 
Agora, caro(a) Estudante, vamos definir, detalhadamente, os conceitos de alfabetização e letramento no texto a seguir.
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1.2 Conceito de Alfabetização
A Alfabetização, em seu sentido específico, é um termo da nossa língua comumente associado à compreensão, aquisição e a aprendizagem inicial da leitura e da escrita, ou seja, à aquisição do código alfabético propriamente dito. Para Soares (2003, p. 91) a “Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja, o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e a ciência da escrita”. Quando a autora trata das tecnologias da escrita, refere-se ao domínio mesmo de como pegar no lápis, do direcionamento da escrita, da consciência fonológica, entre outras, destacando a importância de se entender as 
especificidades da alfabetização. Para essa autora, atribuir um significado muito amplo à 
alfabetização seria negar-lhe sua especificidade. No entanto, torna-se importante auxiliar os sujeitos nesse processo de aprendizagem e apropriação da escrita, promovendo práticas sociais que envolvam tanto a leitura quanto a escrita.
De acordo com Soares (2004), existe atualmente uma mudança significativa na forma de compreender a alfabetização. Essa mudança remete à ideia de que o acesso ao mundo da escrita exige habilidades para além da capacidade em aprender a ler e escrever, ou seja, são necessárias também condições para que as pessoas tenham acesso ao mundo da escrita, tornando-se capaz de ler e escrever e fazendo uso competente da linguagem escrita. No entanto, esse processo de compreensão e aquisição não se limita apenas ao domínio de um código, abrange a utilização da linguagem oral e escrita nas múltiplas situações em que elas são necessárias, seja lendo ou produzindo textos.
Nessa perspectiva, é primordial a compreensão de que a alfabetização é parte constituinte 
da prática da leitura e da escrita, com seus desdobramentos e especificidades. Por isso, é relevante entender a importância da apropriação da escrita e interagir com esse processo que se mostra de forma bastante dinâmica.
Na obra “Letramento e Alfabetização: as muitas facetas da alfabetização”, Soares (1985, 
p. 21) afirma que a alfabetização prevê “um conjunto de habilidades, o que a caracteriza como um fenômeno de natureza complexa e multifacetado” e complementa dizendo que “essas facetas referem-se fundamentalmente às perspectivas psicológica, psicolinguística, sociolinguística e propriamente linguística do processo”.
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Não é mais possível depois de toda a revolução nas teorias sobre Alfabetização, não se considerarem todas essas facetas no processo vivenciado pela criança. Veremos aqui, ao longo deste caderno, todo o arcabouço teórico que hoje se discute em relação ao tema e perceber que o letramento hoje se imbricou na alfabetização. Não se discute que são eventos que podem se dar independentes, pois o sujeito pode ser letrado e não ser alfabetizado ou o processo de alfabetização pode ocorrer sem se considerar a funcionalidade da língua. Porém, nem uma situação nem outra são satisfatórias para se formar o cidadão para a sociedade atual. 
É necessário considerar-se no processo de alfabetização a funcionalidade da escrita e da leitura, o que traz outra perspectiva para os trabalhos com a linguagem escrita e gera diversas discussões acerca da utilização da escrita pelos indivíduos sociais, trazendo à tona um novo conceito: o letramento, que é tema de nosso próximo tópico.
1.3 Conceito de Letramento
No Brasil, o movimento em torno da inserção do termo letramentoé dado pelo despertar da importância e da valorização de habilidades que envolvem as práticas da leitura e da escrita e para o uso efetivo dessas habilidades. Porém, os conceitos alfabetização e de letramento muitas vezes se mesclam se superpõem e frequentemente se confundem, devido ao fato de não serem bem compreendidos no âmbito educacional, mesmo porque em alguns momentos da prática é isso mesmo que acontece: alfabetiza-se letrando e letra-se alfabetizando. Assim, reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e escrita nas suas diversas manifestações sociais e culturais, a que se refere o letramento, tem grande importância frente às discussões educacionais e pedagógicas atuais. 
Data da década de 80 o surgimento do termo letramento no cenário brasileiro com o sentido que hoje é discutido e praticado. A partir de então, a literatura que discute o tema 
tem sido cada vez mais intensificada. Soares (2004) destaca que o termo letramento é uma tradução para o português da palavra inglesa literacy, que etimologicamente significa 
“littera: palavra latina = letra + cy = sufixo que indica qualidade, condição, estado” ( p. 35) . Essa transposição do termo letramento para o português se refere à condição ou o estado daquele que aprende as habilidades de ler e escrever e passa a usá-las, envolvendo-se em práticas sociais. Nessa perspectiva,
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unidade 1
[...] a hipótese é que aprender a ler e a escrever e, além disso, fazer uso da leitura e da escrita transformam o indivíduo, levam o indivíduo a um outro estado ou condição sob vários aspectos: social, cultural, cognitivo, linguístico, entre outros (SOARES, 2004, p.38).
Segundo Soares (2004a), o Letramento é um estado de quem não apenas lê e escreve, mas que cultiva e exerce as práticas sociais de escrita. Tudo isso pode ser percebido nos indivíduos que conseguem exercer práticas sociais de leitura e escrita como leitura de jornais, livros, tabelas, formulários, recibos etc. e, da mesma forma, utiliza a escrita nas 
suas diversas funções como escrever cartas, ofícios, requerimento etc. Essa afirmação da autora de que o letramento possibilita cultivar e exercer práticas sociais de leitura nos leva a entender que o sujeito letrado mantém uma relação com a linguagem de forma mais ampla e não apenas com a mecânica decifração da língua, demonstrando a noção de dinâmica de movimento. Letramento gera atitudes práticas favoráveis à utilização da leitura e da escrita. Não é apenas conhecimento, é também prática, atividade.
Também nessa perspectiva de que Letramento não é apenas conhecimento, mas também 
envolvimento, prática, atividade, Kleiman (1995, p.19) afirma que
Podemos definir hoje, o letramento, como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, 
em contextos específicos, para objetivos específicos.
Para Kleiman (1995), estudos sobre o letramento investigam o desenvolvimento social 
que acompanhou a disseminação dos usos da escrita, refletindo as mudanças que se deram a partir do uso extensivo da escrita nas sociedades. Nessa linha, a mesma autora, com base nas pesquisas de Street, destaca que há dois modelos de letramento. Um seria o modelo de letramento autônomo, que se refere à concepção de que “a escrita seria um produto completo em si mesmo, que não estaria preso no contexto de sua produção para ser interpretado” (KLEIMAN, 1995, p. 21). 
O outro seria o modelo de letramento ideológico, que é denominado para destacar explicitamente o “fato de que todas as práticas de letramento são aspectos não apenas da cultura, mas também das estruturas de poder numa sociedade” (STREET apud KLEIMAN, 1995, p. 38).
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A inserção no mundo letrado, ou seja, na cultura valorizada socialmente, se dá através das 
práticas sociais. Utilizar as habilidades de leitura e escrita em contextos específicos e com 
objetivos específicos não são atitudes neutras, uma vez que somos seres sociais, envolvidos em práticas sociais concretas carregadas de ideologia, de interesses. Para Street, “o que práticas e conceitos particulares de leitura e escrita são para uma dada sociedade depende do contexto; elas são envolvidas em ideologia e não podem ser isoladas ou tratadas como neutras ou meramente técnicas” (STREET apud KLEIMAN, 1995). Street (2003) discute o conceito de letramento ideológico destacando explicitamente o “fato de que todas as práticas de letramento são aspectos não apenas da cultura, mas também das estruturas de poder numa sociedade” (STREET, 2003, p.78).
Não há neutralidade em nenhuma pratica social, sempre há um determinante, um interesse que conduz essas práticas e, consequentemente, as práticas de alfabetização 
e letramento são influenciadas por essa ideologia social. Para Street (2003), as práticas 
de letramento definem a forma como o individuo se coloca frente a leitura e a escrita conforme o contexto social e cultural em que o mesmo se encontra, sendo essas práticas 
dependentes desse contexto e influenciadas pela ideologia que as perpassa. Isso significa pensar que em comunidades diferentes os usos e funções da leitura e escrita encontram também sentidos diferentes, de acordo com o que é importante em cada uma, conforme 
as condições socioeconômicas, culturais e políticas que as influenciam (STREET, 2003). 
O letramento é então compreendido como um conjunto de práticas definidas através de fatores sociais e culturais. 
Portanto, letramento é um estado ou uma forma de manifestação de viver ou ser, em que o indivíduo interage com os mais diversos tipos e modos de escrita e leitura que se encontram no seu cotidiano, abrangendo assim todo o seu contexto social e cultural. Soares (2004a) 
afirma que o letramento é uma condição, portanto, um modo de existência.
Freire (1988) já antecipava que
[...] a compreensão crítica do ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo [...]. A compreensão do texto a ser alcançado por sua leitura crítica implica a percepção entre texto e contexto (p. 12).Sabe-se que o nível de letramento do indivíduo pode ser otimizado pelas práticas escolares. É preciso, então, que haja escolarização real e efetiva da população, pois a necessidade do letramento foi percebida quando o acesso à escolaridade se ampliou, e mais pessoas aprenderam a ler e escrever e precisaram de mais do que saber ler e escrever. 
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Levando em consideração o conceito de letramento que abrange a compreensão do mundo e todo e qualquer evento de letramento ocorrido na vida do indivíduo, não se poderia determinar o número de alfabetizados apenas pela aquisição mecânica do código escrito. Dessa forma, estaria ocorrendo uma minimização da capacidade de comunicação via escrita. Nesse sentido, o conceito de Alfabetizado passou a designar o indivíduo que, além de dominar as técnicas da escrita e da leitura, fosse capaz de utilizar seus conhecimentos em situações reais de uso.
Kleiman (1995) afirma que o fato de as crianças serem capazes de reconhecer e compreender o texto escrito e ainda conseguir fazer analogias entre este e os objetos e seres de seu contexto real representa que esta criança está se apropriando de “uma 
prática discursiva letrada” (p.18) e que, portanto, esta criança pode ser considerada letrada, mesmo que ainda não saiba ler e escrever. De acordo com essas noções, a criança vai construindo suas concepções sobre a linguagem escrita, em sua vida cotidiana. 
Essa concepção modifica completamente a postura e prática docente do alfabetizador, pois dever ser, em primeiro lugar, ele mesmo alguém que utiliza as diversas funções sociais da leitura e escrita, bem como deve programar atividades que levem seus alunos a terem contato com a linguagem em seus diferentes usos e funções, possibilitando contato com os diversos portadores e gêneros textuais.
FIGURA 01Fonte: helomartins.com.brAcesso em: 22 de mar. de 2012Essa imagem ilustra bem o conceitode letramento. É abrir as portas e janelas do mundo por meio da leitura, da oralidade, e ser capaz de se relacionar bem nas diversas práticas sociais. 
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“Letramento é, sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é, e de tudo que pode ser”. Magda Soares 
1.4 Alfabetização digital
Com a crescente necessidade de aprimoramento de comunicação e as grandes transformações no mundo digital, chegamos, atualmente, a um alto nível de tecnologia que modifica também as práticas de leitura e de escrita, pois surgem novas formas de alfabetização, outros meios de materialização das informações, através de CDs, DVDs, computadores, celulares, tablets, redes sociais etc., e tudo isso vai modificando tanto a conceituação de alfabetização e letramento quanto as práticas pedagógicas em sala de aula. Existem tantas outras possibilidades e novidades, como a mudança do livro de papel para o livro na tela do computador, carta enviada pelo correio pela carta enviada pelo computador (e-mails), a possibilidade de conversar com pessoas que se encontram ao seu lado ou com pessoas que estão do outro lado do mundo informações trocadas em tempo real. 
Alfabetizado e letrado atualmente é o individuo que, além de estar apto a ler, escrever com compreensão, atende a uma outra exigência que tem sido feita para inserção na sociedade: a alfabetização digital. 
A alfabetização digital está diretamente relacionada ao uso e domínio dos recursos do mundo da informática, mundo digital, sendo então o indivíduo capacitado a utilizar os recursos de edição de textos, internet etc. Isso tem sido uma exigência para inserção no 
mercado de trabalho, nas mais simples até as mais sofisticadas escolhas profissionais.
Através desse mecanismo, o homem estabelece comunicação, acessa e troca informações com pessoas do mundo inteiro, muitas vezes em tempo real. Obviamente, a qualidade 
(ou o grau) da alfabetização e letramento da pessoa irão influenciar diretamente nas possibilidades ilimitadas que pode acessar.
Utilizar em sala de aula essas ferramentas, possibilitando e incentivando o uso efetivo das salas de informática e mesmo o uso domiciliar com critério, é uma tarefa importante dentro das escolas de hoje, pois o aluno pode-se ver perdido frente ao universo que encontra on line.
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unidade 1
Ensinar os alunos como funcionam as redes sociais de comunicação: seus pontos positivos 
e seus riscos, ou instrumentalizar o aluno a identificar a funcionalidade de cada ferramenta, 
pois, da mesma forma como os textos escritos têm suas especificidades, as ferramentas como e-mail, blogs, sites de busca, redes sociais como twitter, facebook, orkut, etc. também 
possuem funções específicas.
 ATIVIDADECaro(a) Estudante:
Ao final desta unidade, em que revisitamos brevemente a história da escrita e da alfabetização e conceituamos os termos que são tema de toda nossa discussão 
nesse caderno ALFABETIZAÇÃO e LETRAMENTO, você modificou algumas de suas 
concepções. Para sistematizar o que aprendeu, convido você a refletir sobre as seguintes questões:1) Depois de discutirmos acerca desses conceitos, você poderia novamente responder às questões que foram colocadas ao início da unidade e constatar o 
que apreendeu sobre Alfabetização e Letramento, conceituando e identificando os pontos de interseção entre esses processos.2) Descreva em 15 linhas o que você aprendeu sobre a evolução dos conceitos de alfabetização e letramento a partir da breve incursão feita no histórico da escrita.
 SAIBA MAIS...
• Se você deseja saber mais sobre os conceitos de Alfabetização e Letramento e sua evolução ao longo das duas últimas décadas, leia: SOARES, M. B. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2003, 21. 
• Se você deseja saber mais sobre as concepções escolares de alfabetização e letramento, leia: SOARES, M. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
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Aportes teóricos relativos ao processo de 
alfabetização
Objetivos 
•	 Descrever a psicogênese da linguagem escrita.
•	 Explicar a teoria da aquisição da linguagem oral e sua influência nos processos de alfabetização.
•	 Apresentar os conceitos linguísticos e sua influência no ato de alfabetizar.
•	 Justificar a diversidade linguística nos diferentes grupos sociais.
•	 Explicitar o papel do “erro” no processo de alfabetização.
•	 Relacionar as competências ortográficas.
 Problematizando...1) Para você, como ocorre o processo de alfabetização da criança? 2) Você acha que ler e escrever são aprendizados similares ao aprendizado da fala?3) O que é “erro” no processo de alfabetização?4) Como lidar com as diferenças de dialeto das crianças? Existe dialeto certo e dialeto errado?5) É importante ensinar gramática e ortografia para a criança na fase de alfabetização?
unidade 2
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Caro(a) Estudante, nesta unidade discutiremos teorias sobre a aquisição da linguagem oral pela criança e como essas teorias se relacionam com as teorias alfabetização e letramento, ou seja, com a aquisição da linguagem escrita e sua funcionalidade. É pertinente discutir também sobre o meio pelo qual adquirimos nossa linguagem oral. Os diferentes grupos 
sociais nos quais nos inter-relacionamos influenciam e muito no nosso processo de 
alfabetização. E fica então a questão: Como o alfabetizador deve lidar com as diferenças de linguagem dos grupos sociais?
Revisitaremos também algumas teorias que fundamentam/sustentam a prática alfabetizadora. Iniciando pela Psicogênese da linguagem escrita, revisitando brevemente as teorias de Jean Piaget e Lev Semenovitch Vigostsky sobre a construção do conhecimento pela criança, até chegar à proposta de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky sobre o processo de construção da escrita. Todo esse arcabouço teórico nos permitirá compreender a relação entre a apropriação do sistema de escrita e o respeito que precisamos ter com os diferentes ritmos de cada criança, respeito pelo seu contexto social, pelo seu dialeto, compreendendo que, em muitos momentos, aquilo que se julga “erro” nada mais é do que parte do processo de construção que, se bem conduzido, levará o aluno a se apropriar 
com proficiência da linguagem escrita, compreendendo que, em muitos momentos, a 
linguagem exigida na sociedade é o dialeto padrão, ortograficamente correto. 
Discutiremos também os conceitos linguísticos e suas influências na alfabetização, com maior ênfase na fonética e fonologia, que andam lado a lado com o trabalho de alfabetização e letramento. 
A apropriação desses aportes teóricos torna a prática alfabetizadora mais coerente com o processo vivenciado pela criança, sendo então de grande importância apresentá-los e discuti-los para você, caro(a) Estudante do Curso de Pedagogia. Então, vamos lá...
2.1 Teoria da aquisição da Linguagem Oral
Revistando algumas teorias sobre a aquisição da linguagem oral pela criança, temos as: 
•	 Teorias empiristas: que consideram que a criança constrói sua linguagem através da interação com o meio, ou seja, através da experiência com a mesma. 
•	 Teorias inatistas: consideram que a criança é dotada biologicamente de aparatos 
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inatos para o desenvolvimento da linguagem no momento em que é exposta à mesma. 
•	 Teorias interacionistas: consideram que a criança aprende através da interação com o objeto (linguagem) sob a mediação das pessoas que convivem em seu meio social. 
Conforme Vygotsky (1998), a escrita se depreende da oralidade, pois linguagem escrita e a leitura começam a ser construídas a partir da mediação da linguagem oral e da fala que 
contribui na construção dos significados.
Aprender a falar, segundo Cagliari (2009) “constitui-se num processo mental e físico 
muito mais complexo e difícil do que simplesmente escrever” (p. 40), porém, as crianças “aprendem a falar naturalmente. Dotada de características genéticas para falar, em contato com o modelo, uma criança, em pouquíssimotempo, adquire o domínio verbal de sua língua”. (p. 85).
Cagliari (2009) observa ainda que a criança tem liberdade e oportunidade para atuar sobre a fala, formulando suas hipóteses. Errar, acertar, construir e, quando necessário, ocorre a mediação de adultos que a ajudam a construir o seu sistema linguístico de 
maneira adequada. Segundo Ferreiro (1993), a mãe não oculta de seu filho certos fonemas 
da língua porque são difíceis, agem normalmente, falam, cantam sem a preocupação de saber quais fonemas estão apresentando e em que ordem estão fazendo (p. 29). 
Ferreiro salienta ainda que ninguém nega às crianças acesso à informação linguística antes que sejam falantes; ninguém propõe um plano de apresentação dessa informação linguística em uma sequência predeterminada. Essa informação linguística se apresenta 
em contextos funcionais, o que permite que a criança construa significados plausíveis para os sons emitidos (FERREIRO, 1993).
Corroborando essa concepção, Cagliari (2009) afirma que qualquer criança, quando chega à escola, já fala e entende a linguagem e para isso não foram necessários treinamentos 
específicos, não foi necessário organizar o que iria ser ensinado primeiro, o que seria 
ensinado depois, conforme uma ordem crescente de dificuldades. Somente foi necessário conviver com pessoas que utilizavam a linguagem de forma natural, sem pretensão de hierarquizar o ensino da fala. E, “nesse seu processo, se percebe uma evolução nem sempre simples nem sempre lógica, mas sempre condizente com seu modo de ser e de estar no mundo” (CAGLIARI, 2009, p. 15).
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unidade 2
As crianças adquirem a linguagem oral quando envolvidas em contextos comunicativos 
nos quais essa linguagem é significativa para elas, e isso acontece da mesma forma mais tarde quando da aquisição da linguagem escrita: a criança terá tanto mais facilidade quanto mais puder estar em contato com os usos e funções sociais da escrita e da leitura. 
Isso nos leva a perceber que, apesar de não ser simples, é sempre possível a criança em contato com falantes da língua construir suas hipóteses sobre a linguagem, até que ela também passe a utilizar com desenvoltura a linguagem oral, sendo entendida e entendendo perfeitamente através da fala.
Cagliari (2009) afirma que as crianças de 3 a 7 anos utilizam um vocabulário rico com 
as regras gramaticais específicas da linguagem, e isso mostra que ela tem capacidade intelectual para aprender. A apropriação da linguagem escrita se dará de forma similar...
2.2 Diversidade linguística 
Considerando-se o processo histórico de escolarização, discutido na Unidade 1, percebemos que as classes dominantes sempre impuseram o ensino, a alfabetização que julgavam convenientes. Por sua vez, a escola assume, na sociedade capitalista, a tarefa de impor para as demais classes sua ideologia. Freitas (1991), analisando Althusser (s.d.), aponta que a escola assume as funções que antes eram reservadas à Igreja, tornando-se o principal veículo de manutenção do status quo, uma vez que toma crianças de todas as classes e lhes inculca a ideologia de uma única classe: a dominante. 
Na maioria das análises já feitas sobre a aquisição das habilidades de leitura e escrita, percebe-se que a mesma tem por função adaptar os indivíduos ao discurso dominante, às funções que o mesmo atribui à comunicação oral ou escrita, tornando-se mecanismo de adaptação social.
Segundo Horta (1998), os direitos sociais da cidadania passaram por um complexo 
processo e foram definidos em íntima relação com as transformações globais da sociedade. Os primeiros direitos reconhecidos, proclamados e protegidos foram a vida, a liberdade, a igualdade, a propriedade privada e a segurança jurídica. Somente na época moderna é que aparecerá “a idéia do ensino como um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado” (p.7). Após a II Guerra Mundial, houve uma democratização do ensino e aumentou-se a 
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duração da escolaridade obrigatória, mas somente na Declaração Universal dos Direitos Humanos é que se proclamou que toda pessoa tem direito à educação, sendo este argumento 
reafirmado na Declaração dos Direitos da Criança, onde se afirma que toda criança tem o direito de receber educação gratuita e obrigatória ao menos nas etapas elementares.
No caso da educação, a garantia depende da definição da educação enquanto direito público subjetivo, o qual se refere ao “poder de ação que a pessoa possui, de proteger ou defender um bem considerado inalienável e ao mesmo tempo legalmente reconhecido” (HORTA, 1998, p.8); no Brasil, desde a década de 1930, este assunto tem estado em pauta nas discussões, mas somente na Constituição Federal de 1988 “prevalece na lei”. Este foi o 
primeiro grande documento oficial que concedeu à criança direito à educação em creches e 
pré-escolas, modificando a concepção do que seja um atendimento educacional à infância. Essas intenções políticas foram consagradas em legislações posteriores à Constituição de 1988, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei no 9.294/ 96), o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – de 1990. A escolarização obrigatória a partir dos anos 1990 causou grandes transtornos e 
dificuldades, uma vez que a escola não estava preparada para receber tantos alunos, principalmente das camadas populares, o que a levou a enfrentar sérios problemas. A escola não estava preparada para receber toda a demanda de alunos que agora se 
encontravam em seus muros. Dessa forma, o fracasso escolar de parcelas significativas das crianças oriundas das camadas populares nos anos iniciais de escolaridade passou a constituir traço marcante do sistema de ensino tanto no Brasil como em vários outros países. É muito comum encontrarmos nas escolas brasileiras turmas de alfabetização das 
quais uma boa parcela das crianças “tem dificuldades” no processo de alfabetização.
Mas isso ocorre porque, embora aberta a todas as crianças, a escola continua estruturada para aquelas provenientes das classes mais privilegiadas, e dessa forma as crianças das classes populares não conseguem se adequar ao contexto escolar, uma vez que não têm as mesmas oportunidades que as outras, pois seu contexto, sua linguagem são desconsiderados em função de uma prática alfabetizadora alicerçada no dialeto padrão. Esse é um problema tão complexo e tão recorrente em nossas escolas que dedicaremos em especial um momento para discutirmos esse assunto aqui na unidade 2.
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unidade 2
Borges (2001) salienta que, na prática, constata-se que a pretensa “escola para todos” não foi feita para as crianças proletárias. A inadequação é tanta que, mal elas iniciam 
seu processo de alfabetização, já se deparam com uma série de dificuldades. A escola se expande, sim, e chega às camadas populares, mas não é a mesma para todos. Empobrecida no seu conteúdo, hierarquizada na sua organização, atende às demandas político-
econômicas definidas por uma sociedade não igualitária.
A escola feita para a elite não se interessa pela singularidade das histórias escolares nem 
pelo saber de classe. Os profissionais da educação sonham com um aluno ideal e não se preparam para trabalhar com o aluno real, buscando conhecer seu contexto, sua forma de vida. A imagem que têm em mente ao se referirem às famílias de seus alunos revela, acima de tudo, seu aprisionamento a uma concepção idealizada de família. A família que aparentam ter como padrão é abstrata, fruto de construções ideológicas, das quais muitas vezes nem têm consciência.
Ainda dentro dessa perspectiva, Soares (1993) revela que 
Não só estamos longe de ter escola para todos, como também a escola que temos é antes contra o povo que para o povo... se vem ocorrendo uma progressiva democratização do acesso à escola, não tem igualmente ocorrido a democratização da escola. Nossa escola tem-se mostrado incompetente para a educação das camadas populares, e essa incompetência, gerando o fracasso escolar, tem tido o grave efeito não só de acentuaras desigualdades sociais, mas, sobretudo, de legitimá-las. (p.5-6).
Tudo isso ocorre porque as classes dominantes na verdade não consideram a cultura, a linguagem das classes populares porque temem quando o povo não teme (Chauí, 1990), pois se as classes populares romperem com a “cultura do silêncio”, descobrirão que não apenas podem falar, mas também que seu discurso crítico sobre o mundo, seu mundo é uma forma de refazê-lo (Freire, 1992). A escola, assim, passa a ser um local onde não se respeitam as diferenças, as peculiaridades de cada indivíduo; ao contrário, ela as considera como distúrbios, anomalias, discriminando-as e rejeitando-as.
Porém, essa criança que fracassa, na qual só se veem lacunas, dificuldades e deficiências, tem positividades, experiências acumuladas na sua história pessoal de vida que a levam 
à aquisição de um saber próprio, de uma maneira específica de perceber e apreender o 
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mundo e o conhecimento; acredito que a alfabetização terá tanto mais sucesso quanto 
mais partimos dessa sua especificidade e desse seu modo de apreender o objeto do conhecimento, ou seja, quando a colocamos como agente, sujeito do processo de ensino-aprendizagem, e não simplesmente como mero espectador ou objeto passivo desse processo. 
Esse fato denuncia que a cultura, o conhecimento prévio, as vivências, o modo de falar e se expressar, ou seja, todo o contexto dos sujeitos provenientes das classes populares é 
desconsiderado dentro da escola, é tido como inferior. Assim, torna-se muito difícil para a criança aprender algo que é colocado de forma descontextualizada do seu modus vivendi, segundo Chauí (1990).
Porém, as classes dominantes continuam impondo sua vontade, seu dialeto, sua realidade. Isso ocorre porque as lutas de representações têm a mesma importância que as lutas que ocorrem no interior do campo econômico, ambas fornecendo instrumento de compreensão dos mecanismos pelos quais um grupo social tenta impor a sua concepção de mundo e o seu domínio.
Entretanto, apesar dessa influência e domínio exercido pela classe dominante, o discurso continua tendo as características de quem o enuncia, e do contexto onde este se dá. O 
papel da escola tem sido o de tentar sufocar e modificar este discurso, adequando-o aos interesses dominantes e fazendo do acesso à escrita, pelas camadas populares, a renúncia ao seu saber próprio. Como denuncia Soares (1993), apesar de aparentemente aberta para as camadas populares, a escola leva os indivíduos dessas camadas a negar seu próprio discurso, o discurso de sua classe, sendo dele desapropriados pela legitimação do discurso da classe dominante, que impõe a sua retórica de classe como critério de qualidade da comunicação escrita.
Esse processo contribui para resguardar a hegemonia do discurso dominante, pois, através da posse e uso da linguagem escrita como privilégios de sua classe, esta não só impõe sua norma linguística como a socialmente prestigiada, como também veicula através dela sua ideologia (SOARES, 1993).
Porém, muitos são os obstáculos para que as camadas populares tenham sucesso no processo de escolarização realizado pelo sistema escolar vigente. Sobre esse assunto, 
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unidade 2
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Soares (1993) afirma que
O conflito entre a linguagem de uma escola fundamental a serviço das classes privilegiadas, cujos padrões lingüísticos usa e quer ver usados, e a linguagem das camadas populares, que essa escola censura e estigmatiza, é uma das principais causas do fracasso dos alunos pertencentes a essas camadas, na aquisição do saber escolar. (p.6).
Isso ocorre porque, além de desconsiderar as diferenciadas situações e formas em que a linguagem pode ocorrer, são também desconsideradas pela escola os usos e funções que os sujeitos pertencentes às camadas populares fazem da linguagem. O modelo seguido pela escola é o padrão, utilizado pelas classes dominantes, e esse é assumido como o único correto.
No âmbito de toda essa problemática, encontramos inúmeras variáveis que precisam ser estudadas e aprofundadas, na tentativa de melhor entender o que está falho, buscando sanar os problemas.
A existência de diferentes formas de perceber e usar a escrita em diferentes classes sociais não é considerada no âmbito escolar, porque “as escolas tendem a ver o valor e os propósitos da lectoescrtia de uma maneira relativamente limitada” (Woods, 1990, p.253); ou, conforme propõe Kleiman (1995) “as práticas de uso da escrita da escola [...] sustentam-se num modelo de letramento que é por muitos pesquisadores considerado 
tanto parcial como equivocado” (p.21), dificultando para o aprendiz o acesso à totalidade 
das habilidades, não apenas de codificar e decodificar, como também de compreensão e expressão da escrita.
A instituição escolar parte do pressuposto de que os sujeitos têm um desejo de se apropriar das habilidades de leitura e escrita, antecipando as expectativas do sujeito com o qual se 
desenvolverá o trabalho educacional. No entanto, para que se tenha maior fidedignidade nas inferências, deve-se levar em conta, como coloca Gnerre (1991), as diferenças de idade, de classe social, de grupo étnico, e também as relações de classe próprias de cada momento histórico. De acordo com tais características é que se devem desenvolver as bases 
de um projeto educacional ou, mais especificamente, da alfabetização. As contradições, a polaridade de atitudes devem ser fatores considerados no processo educacional, pois o indivíduo enquanto ser social carrega tais fatores consigo.
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Portanto, a escola precisa aprender a valorizar a cultura, a vivência de outras classes que não a dominante. As funções e os usos da escrita em diferentes classes são diferenciados. De acordo com o contexto e com a demanda de vida dos sujeitos, eles encontram necessidades e prioridades distintas para a linguagem escrita. Os sujeitos das camadas populares se valem da escrita em muitos momentos no seu dia a dia. Se procurarmos perceber o que a realidade dos sujeitos de camadas populares nos mostra, nós nos depararemos com usos e funções diferenciadas, mas concretamente existentes.
Para que nossas escolas funcionem a favor daqueles que a procuram e põem nela suas expectativas e na verdade são os que mais precisam dela, precisamos continuar exigindo 
do Estado o cumprimento de suas obrigações (afinal, a Constituição diz que a educação constitui um direito subjetivo). Mais ainda, é preciso que nós mesmos atuemos de forma 
coerente e intencional, a fim de reverter esse quadro. Nesse sentido, a principal ideia é começar exigindo que as leis sejam aprovadas após a participação efetiva dos grupos da sociedade plural nas discussões dos problemas e mais importante que sejam colocadas em prática, que sejam cumpridas.
Entretanto, o “erro” da escola era (ainda é?) ignorar a rica cultura produzida pelo povo, 
por isso as dificuldades de um bem sucedido processo de alfabetização e de escolarização. A escola esquece que o ato de alfabetizar transcende os limites da sala de aula e acaba se realizando com muito mais precisão no contato mútuo que os indivíduos exercem em sociedade. A escola da vida supera a escola instituição. Cagliari (1998) aponta a relevância 
desse saber adquirido no cotidiano e faz a seguinte afirmação:
O modelo da escola fica na vida. Esses modos de se referir ao sistema de escrita, impregnados na cultura, revelam métodos de alfabetização e processos de uso do conhecimento sobre a escrita e a leitura que as pessoas usam na sociedade. A maioria das crianças, quando entra na escola para se alfabetizar, já tomou contato com este tipo de comportamento alguma vez em sua vida e, não raramente, esperam que a escola faça exatamente isso (mais do que as crianças, seus pais têm essa expectativa e tudo que é diferente, parece inadequado). (p.77).
É possível perceber que as crianças de classes populares, mesmo antes de sua entrada na escola já têm interação com a escrita, e essa interação se dá de diversas maneiras. Isso ocorre em virtude dasvariadas funções que a escrita cumpre em nossa sociedade. A criança presencia a utilização da escrita e a partir da vivência dessas situações é possível 
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unidade 2
à criança perceber uma característica fundamental desse objeto, que é o próprio fato de ele possibilitar usos diversos, em decorrência das diferentes funções sociais que cumpre. 
No entanto, por menor que seja a participação nesses eventos, não existe grau zero de letramento, sempre se tem algum conhecimento: qualquer atividade desenvolvida pelo sujeito, mesmo as orais que são marcadas por traços da escrita, como escutar rádio por exemplo, são considerados eventos de letramento (KLEIMAN, 1998, p.181).
Um dos problemas da escola brasileira tem sido valorizar somente as experiências de letramento que acontecem dentro da escola e que dão ênfase aos conhecimentos das classes favorecidas. Não há uma preocupação em oferecer às camadas populares o contato com seu próprio saber, que deveria ser o ponto de partida para a assimilação de outros saberes. Barbosa (1990, p. 129) diz a esse respeito que é desse modo que a escola proporciona uma experiência rica de situações de uso da escrita, favorecendo especialmente aquelas crianças que não tiveram a oportunidade de viver essas experiências em seu meio social e familiar.
A escola deve buscar soluções para efetivar uma política de resistência à desvalorização do ensino público, e essas alternativas podem ser encontradas não só no espaço escolar como também na comunidade, nas famílias, que também fazem parte do cotidiano, que produz, por si próprio, conhecimento.
É preciso programar o ensino de acordo com a realidade concreta do aprendiz, dentro de 
seu mundo social e suas práticas de classes, identificando quais são os valores, normas, cultura, interesses que devem embasar o processo (BRANDÃO, 1986).
A relevância desse tema está no fato de que, se o alfabetizador estiver consciente e bem informado sobre o contexto de seus alunos, se for conhecedor dos usos e funções da escrita que estes privilegiam, muitos dos dilemas da alfabetização das crianças das camadas populares de nossa sociedade seriam resolvidos, pois, nesse caso, o professor teria como base para seu trabalho uma situação real e concreta dessas crianças (BORGES, 2001).
Partindo do pressuposto de que os alfabetizadores só poderão desenvolver um trabalho 
eficiente se este estiver voltado para o aluno que se encontra em sala de aula e não para um aluno idealizado e distante de seu cotidiano, torna-se necessário que este professor conheça, o melhor possível, a realidade das crianças com as quais trabalha.
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Urge superar a limitação, o preconceito e o comprometimento ideológico, com uma única parcela da sociedade: a dominante, desvendando o universo das crianças de classes 
populares, reconhecendo sua alteridade e buscando captar o significado de suas práticas culturais. Segundo Borges (2001), falta aos alfabetizadores um conhecimento de quem são essas crianças para além dos muros da escola, qual a realidade por elas vivida, qual o universo cultural em que estão inseridas e a partir do qual constroem e representam sua visão de mundo. Falta conhecer melhor sua rede de relações sociais e ações concretas do cotidiano em que esses sujeitos se constituem, suas identidades, seus sistemas de regras e normas de conduta.
Partimos do pressuposto de que é no interjogo entre as práticas culturais construídas historicamente pelas classes populares e os padrões socioculturais da sociedade mais ampla, que se forjam, no cotidiano dos sujeitos desses segmentos, normas, valores, padrões de conduta. Os hábitos, comportamentos e padrões de conduta manifestados por elas na escola não podem ser descritos remetendo-se à ausência ou desvio em relação a padrões de comportamentos referidos às classes dominantes.
Soares (2004) destaca que, além das especificidades da alfabetização, é preciso considerar a natureza e as características de cada grupo envolvido no processo de aprendizagem, pois as múltiplas manifestações de grupos distintos demandam dimensões também distintas. Ou seja, a promoção e sucesso da apropriação do sistema de escrita exigem metodologias que levem em consideração o contexto e a realidade dos grupos envolvidos.
Bagno (2007) observa que, do ponto de vista histórico e cultural, as variantes linguísticas (variação de fala dentro de uma mesma língua que pode ser sotaque, linguagem técnica de 
acordo com profissão etc.) não podem ser comparadas com a variante padrão (socialmente aceita), que é a valorizada socialmente; na verdade, não existe como julgar se uma é melhor ou se outra é pior, pois cumprem funções históricas, culturais e comunicativas, conforme necessidades das diferentes comunidades. 
As comunidades se unem a partir de seu modo de falar, de se expressar, pelas interações 
que definem a identidade do grupo. Segundo Lahire (1997), as ações e reações da criança “se apoiam relacionalmente na dos adultos que, sem sabê-lo, desenham, traçam espaços de comportamento e de representações possíveis para elas”. (p.17).
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Cagliari (2009) salienta que há diferenças entre o modo de falar de uma comunidade e outra, mas qualquer uma delas respeita as regras que foram socialmente convencionadas; caso contrário, não haveria entendimento entre uma e outra. Como exemplo, Cagliari (2009) cita: uma comunidade pode dizer “nóis vai prantá arrois” e em outra comunidade 
se diz: “nós vamos plantar arroz”, porém as duas se fizeram entender. O que seria estranho, na verdade, é se em algum dialeto fosse dito “prantá vai arrois nóis”. Isso não ocorre, o que temos, portanto, são diferenças dialetais e não dialetos errados.Inverter a posição das palavras numa frase, comprometendo seu entendimento pode ser considerado erro linguístico, pois contrariam a estrutura da língua. Mas não é isso que as crianças de classes populares fazem. O que comumente vemos são falares diferentes, dialetos que se diferenciam mas que se fazem entender da mesma forma (CAGLIARI, 2009).Nesse entendimento, a escola jamais poderia desvalorizar a variante lingüística de seus alunos, pois isso demonstra discriminação. Como já foi enfatizado acima, as variações 
podem ser atribuídas a localidades geográficas, idade, classes sociais, dialetos profissionais etc., e se tudo isso é fato, não há como a escola desvalorizar ou discriminar o dialeto do aluno, o que precisa ser feito é um trabalho com essas variações mostrando as diferenças e dando ao aluno a oportunidade de se apropriar da variante padrão. 
O grupo social e, mais especificamente, o núcleo familiar pode ser um dos fatores determinantes do resultado escolar das crianças, sobretudo no momento decisivo do 
aprendizado da leitura e da escrita. Esse papel da família na preparação dos filhos para o processo de escolarização é assim descrito por Bourdieu (1998): “Além de um léxico e de sintaxe, cada indivíduo herda, se deu meio, uma certa atitude em relação às palavras e o seu uso que o prepara mais ou menos para os jogos escolares...” (p.56).
Por isso, o que se passa na família tem muitos efeitos na vida escolar dos filhos, porém não a determina. Nenhum processo determina o desenvolvimento escolar, mas sim a junção e 
interrelação de uns com os outros. Sobre isso, Charlot (1996, p. 57) afirma: “Sem dúvida, o que se passa na família não é sem efeito na história escolar dos jovens, mas esses efeitos operam articulados com outros processos: contribuem para estruturar a história escolar dos jovens, mas jamais a determinam”.
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As crianças das classes populares encontram dificuldades na alfabetização e a discriminação de sua realidade, cultura e dialeto é um dos fatores, pois a escola não valoriza, não entende o que essas crianças dizem, o que elas sabem. Ignorando o conhecimento por elas produzido, a escola as leva ao fracasso.
Em consonância com este posicionamento, Paulo Freire insiste há muito que nós educadores progressistas temos a imperiosa necessidade de nos familiarizarmoscom 
[...] a sintaxe, com a semântica dos grupos populares, de entender como fazem eles sua leitura do mundo, de perceber suas “manhas” indispensáveis à cultura de resistência que se vai constituindo e sem a qual não podem defender-se da violência a que são submetidos (FREIRE, 1992, p.107).
Borges (2001) argumenta que a educação deveria ocorrer como forma de conscientização, de desnudamento das “inverdades” colocadas pela ideologia dominante, e isso deve começar a acontecer dentro de nossas salas de aula, levando em consideração o sujeito 
que está sentado naquela carteira, dentro daquela escola, que fica naquela rua, situada naquele bairro que faz parte daquele Estado que é parte da Federação que coexiste com inúmeras outras distribuídas pelo mundo afora.
Freire (1992) ressalta que o educador ou a educadora progressista, ainda quando às vezes tenha de “falar ao povo deve ir transformando o ao povo em com o povo. E isso implica respeito ao “saber de experiência feito [...] somente a partir do qual é possível superá-lo” (FREIRE, 1992, p.28). Somente respeitando e valorizando o que o indivíduo sabe, o senso comum, o saber de experiência feito é que se darão condições ao mesmo de superar seu próprio conhecimento.
Cagliari (2009) defende também essa concepção quando afirma que
Para a escola, aceitar a variação lingüística como um fato lingüístico, precisa mudar toda a sua visão de valores educacionais. Enquanto isso não acontece, os professores mais bem esclarecidos deveriam pelo menos discutir o problema da variação lingüística com seus alunos e mostrar-lhes como os diferentes dialetos são, por que são diferentes, o que isso representa em termo das estruturas lingüísticas das línguas e, sobretudo, como a sociedade encara a variação lingüística, seus preconceitos e a conseqüência disso na vida de cada um. (p. 71).
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A função social da escola deveria ser de socializar o saber sistematizado. E, para o cumprimento dessa função, todas as atividades internas deveriam ser estruturadas e organizadas a partir do contexto do aluno.
Partindo do pressuposto de que os alfabetizadores só poderão desenvolver um trabalho 
eficiente se estes estiverem voltados para o aluno que se encontra em sala de aula e não para um aluno idealizado e distante de seu cotidiano, torna-se necessário que este professor conheça, o melhor possível, a realidade das crianças com as quais trabalha. De modo geral, revelam seu desconhecimento sobre a vida concreta das pessoas com as 
quais lidam, direta ou indiretamente. Emitem opiniões que, de regra, não se confirmam. Quando existe algum conhecimento, este não costuma ser usado como elemento individualizador da criança, isto é, com o intuito de compreendê-la como sujeito único e completo, com suas particularidades, necessidades e desejos, valorizando a linguagem de seu contexto social. Borges (2001) enfatiza que enxergar a criança como indivíduo e respeitá-la é passo essencial para estabelecer a relação biunívoca de ensinar e aprender e, valorizar seu dialeto é imprescindível para que ela se sinta segura e consiga ser bem sucedida em seu processo de alfabetização. Mas o que se percebe, na pratica, é que esse conhecimento alimenta os preconceitos do professor em relação à criança e sua família, alicerçando estigmas preexistentes.
Brandão (1986) defende, com veemência, esse conhecimento da realidade do público com quem o professor vai trabalhar:
O desconhecimento não assumido da realidade do “outro”, autoriza percebê-lo “como eu quero”, para intervir sobre ele transformando-o segundo a imagem e o horizonte que antecipadamente a minha boa consciência desenhou para ele através do meu trabalho, através das ações planejadas pelo educador sobre um universo de vida e saber cuja lógica e cujas razões sociais e simbólicas não só ele desconhece como, na verdade, não quer conhecer. (p.13-4).
Cagliari (2009) chama a atenção para o fato de crianças pobres, se falam um dialeto diferente do que é falado na escola, sofrerão discriminação, e todas as suas conquistas em relação à linguagem até aquele momento serão desconsideradas pela escola e elas 
se sentirão inferiorizadas porque a escola lhes mostrará todas as suas “dificuldades” em aprender.
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Torna-se, portanto, necessário que profissionais da educação assumam uma postura compromissada, no sentido de valorizar e respeitar o contexto do aluno, pois a 
aprendizagem é tanto mais eficiente quanto mais for contextualizada. Conhecer o valor ou função atribuídos à língua escrita, a sociedade são extremamente importantes para que a 
escola possa compreender o significado que tem, para as crianças, a aquisição da língua 
escrita, pois esse significado interfere certamente em sua alfabetização.
Por ter certeza de que os usos e funções da escrita estão extremamente presentes no dia a dia dos alunos e que apesar disso a escola ainda não tem clareza de como lidar com as 
diferenças, tornando a aquisição da escrita um problema, é que precisamos desmitificar essa questão, para que assim possamos sanar tais problemas que se colocam no cotidiano 
escolar, impedindo que sujeitos se tornem verdadeiros cidadãos. Como afirma Freire (1992, p. 42), existe uma imperativa “necessidade, nos trabalhos de alfabetização numa perspectiva de compreensão da linguagem e de seu papel, [...] na conquista da cidadania”.
Como vimos, a escrita é um objeto que confere poder a quem a domina: ela permite 
entrada no mundo da cultura e do trabalho qualificado. Nesse sentido, a alfabetização seria, então, um passo decisivo para que as camadas populares adentrassem no mundo do conhecimento e do saber. Como coloca Gerken (1991), em nossa sociedade pressupõe-se que o domínio da língua escrita se constitui em elemento fundamental para o aumento de poder de participação no processo de transformação da sociedade por parte dos setores populares. É preciso que os trabalhos de alfabetização ocorram dentro de uma perspectiva progressista, de compreensão da linguagem e de seu papel antes referido na conquista da cidadania. Não se chega à cidadania se o ensino da leitura e da escrita não vierem acompanhados de leitura do mundo, se não se faz o exercício da leitura e da releitura do mundo que devem ser anteriores à leitura da palavra, o ensino que não considera tais 
aspectos científicos, políticos e pedagógicos é capenga (Freire, 1992).
Entendemos que a norma padrão da língua portuguesa, ao ser colocada como a única válida, transforma-se em um arbitrário cultural. Consequentemente, os alunos que não têm a linguagem padrão como familiar, uma vez que não se apropriaram dela no seio da família e dela se encontram distantes, podem sentir-se à margem dos padrões determinados pela 
escola. Esses alunos, muitas vezes, são vistos como portadores de deficiências linguísticas causadas pela “pobreza cultural” do contexto em que vivem ou, então, neles reside “a falta de um dom”, uma espécie de desigualdade natural que os fazem fracassar na escola. No 
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entanto, os defensores dessas teorias não mencionam o fator desigualdade social em suas explicações. E, enquanto isso, por muitas vezes, os alunos carregam uma responsabilidade que no mínimo não é só deles: a do fracasso escolar.
Enfim, o uso pelos alunos provenientes das camadas populares, de variantes linguisticas social e escolarmente estigmatizadas, provoca preconceitos linguísticos e levam a 
dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver usada a variante-padrão socialmente prestigiada (Soares, 1995, p. 17). 
Se tomadas como prática social, a leitura e a escrita fazem a diferença para aqueles que a dominam. Assim, Bourdieu (1998) salienta que as crianças favorecidas socialmente herdam não somente a cultura, mas uma relação familiar com essa cultura, que é demonstrada em forma de um habitus adquirido por intermédio da sua convivência com seu meio social. Por exemplo, a criança que frequenta teatros, cinemas e livrarias com a família continuará, certamente,

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