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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Rua do Matão – Travessa 14 no. 321 – CEP 05508-900 – Cidade Universitária São Paulo – Brasil – http://www.ib.usp.br 1 INTRODUÇÃO 1. A BOTÂNICA ECONÔMICA E O PROFISSIONAL BIÓLOGO A importância econômica dos recursos obtidos do reino vegetal é inegável. O homem depende, para sua sobrevivência e bem estar, de recursos naturais, grande parte dos quais provém, direta ou indiretamente, de plantas. A atividade econômica voltada à produção de recursos econômicos vegetais é espantosa e de dimensões dificilmente apreensíveis à compreensão humana. Só para dar uma pálida idéia da produção de um setor da botânica econômica brasileira, vamos citar um dado já antigo de Rizzini e Mors (1976), que mencionam a produção de lenha no Brasil em 1973: 132.580.175 metros cúbicos, que se destinaram principalmente à produção de celulose, papel e carvão (este último correspondendo a 9.130.175 metros cúbicos). Imaginando-se que toda essa lenha fosse apresentada em toras de 30 cm de diâmetro, e reunindo-as todas numa única fileira, esta teria um comprimento de aproximadamente 473.000 Km, ou seja, mais de uma vez e meia a distância da Terra à Lua. O conhecimento geral do que se explota comercialmente e como se transformam os recursos provenientes das plantas é importante para o biólogo, a fim de que ele possa dialogar, em sua atividade profissional, com especialistas de outras áreas, como os agrônomos, os engenheiros, os farmacêuticos etc. É importante lembrar também que, de um modo geral, os cursos de biologia têm tradicionalmente uma forte conotação acadêmica, pouca atenção sendo dada aos aspectos aplicados da ciência. Por essa razão, é importante que o estudante tenha em seu currículo uma disciplina que discuta a contribuição que a biologia e os biólogos podem dar à produção e manejo de recursos obtidos de plantas. É absolutamente seguro afirmar-se que a importância do estudo da botânica econômica nunca foi tão grande, num curso para biólogos, como o é nos dias atuais. A Humanidade enfrenta hoje desafios muito sérios, que põem em risco a sua própria sobrevivência como espécie biológica. Em vários períodos anteriores da História da nossa civilização, disseminou-se um medo irracional de que "o mundo iria acabar". Isso ocorreu, por exemplo, no final do primeiro milênio, e em algumas ocasiões em que o cometa Haley se aproximou da Terra, alterando visivelmente o aspecto celeste noturno. Em todas essas ocasiões, não tinha qualquer fundamento o temor da chegada de um final dos tempos. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Rua do Matão – Travessa 14 no. 321 – CEP 05508-900 – Cidade Universitária São Paulo – Brasil – http://www.ib.usp.br 2 Hoje estamos diante de uma ameaça real, não devida a uma eventual hecatombe nuclear (que não pode, na verdade, ser descartada), mas sim a outros fatores que convergiram, no atual momento histórico, não somente na extinção em massa de espécies de plantas e animais (somente comparável a uns poucos períodos em eras geológicas passadas), mas que põem seriamente em risco também a existência da nossa própria espécie. Ironicamente, diante de uma possibilidade concreta de extinção da humanidade, num horizonte muito próximo, relativamente pouca gente parece preocupada nos dias atuais. Um dos desafios sérios da atualidade é da o da fome: atualmente, estima-se que 1,1 bilhão de pessoas vivem na mais absoluta miséria. Esse quadro é intensamente agravado pelo aumento explosivo da população mundial que vem ocorrendo neste século. A situação torna-se ainda mais aguda pelo fato de que a de aumento populacional é muito maior nos países em desenvolvimento, ou seja, nas regiões do planeta em que a subnutrição e a desnutrição das populações humanas é mais grave. A população mundial, atualmente em torno de 6 bilhões de habitantes, é acrescida a cada ano de 96 milhões de novos seres humanos. Isso impõe a necessidade de, não apenas aliviar o problema da fome dos povos mais carentes, como também o de prover alimento para o enorme contingente de pessoas que continuamente se integram à população já existente. A atuação humana na explotação inadequada dos recursos naturais, em particular dos recursos energéticos, tem resultado em conseqüências desastrosas para o meio ambiente, com reflexos na saúde dos seres humanos, na drástica redução da biodiversidade, na exaustão de muitas riquezas naturais de grande importância e na diminuição da capacidade de fornecimento de recursos naturais pelos ecossistemas. Tudo isso afeta a economia e agrava ainda mais o já desesperador estado de subdesen- volvimento em que se encontram muitos países. O uso de recursos energéticos fósseis, além de outras atividades econômicas, tem acarretado alterações na composição do ar, que permitem prever mudanças climáticas em escala global, de dimensões difíceis de serem previstas. Tem-se observado também um enorme descaso em relação a outras questões ambientais, como a tradicional falta de preocupação de se preservar as espécies de plantas e animais, à medida que novas áreas de vegetação natural vão sendo abertas à pecuária e à agricultura. Outro aspecto muito preocupante ligado às atividades agrícolas refere-se ao melhoramento genético, que vem há muitos anos preocupando-se apenas com a seleção de caracteres comercial e agronomicamente interessantes. Com isso, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Rua do Matão – Travessa 14 no. 321 – CEP 05508-900 – Cidade Universitária São Paulo – Brasil – http://www.ib.usp.br 3 promove-se uma crescente uniformidade genética e perda gradativa de grande parte do patrimônio genético de muitas culturas de grande importância, inclusive para a alimentação humana. A perda do patrimônio genético das culturas torna-as cada vez mais vulneráveis aos ataques de doenças e pragas. A conseqüência mais séria desse quadro, chamado erosão gênica, é um sério risco de perdermos no futuro as culturas das quais depende a nossa própria alimentação. Há ainda um terceiro efeito danoso, aliás muito conhecido e comentado, que as atividades humanas vêm impondo aos ecossistemas: o da contaminação do meio ambiente, não apenas do ar, mas também do solo e das águas, o que agrava ainda mais o problema da redução da biodiversidade, ao eliminar muitas espécies de plantas e animais, e fecha um ciclo vicioso em que o homem moderno encontra-se enclausurado e que coloca em risco a sua própria sobrevivência como espécie. É óbvio que o desenvolvimento de qualquer país depende da explotação racional dos recursos naturais. Cite-se, a esse respeito, um pequeno trecho do célebre romance "As viagens de Gulliver" de Jonathan Swift: "E assim exprimiu ele a sua opinião: quem quer que pudesse fazer crescer duas espigas de milho ou duas folhas de grama no lugar onde antes só crescia uma, mereceria mais gratidão da humanidade e prestaria à Pátria serviço muito mais importante que toda a raça de políticos reunida". Em países em desenvolvimento, e em particular no Brasil, tal explotação representa a principal esperança de superação da ampla defasagem que hoje distancia o nosso grau de desenvolvimento e o dos países do primeiro mundo. O que significa, para nós, "explotação racional"? Do ponto de vista biológico, tal explotação se caracterizaria por um extremo cuidado na utilização dos recursos naturais, de tal modo que o prejuízo resultante em termos de redução da biodiversidade e da qualidade das condições do meio ambiente fosse o menor possível. É extremamente importante lembrar-se que o Brasil detém aproximadamente um quinto da diversidade total de angiospermas: isto significa que, das 250.000 espécies (aproximadamente) que se estima existir, 50.000 ocorrem em território brasileiro. Um dos aspectos mais comentados na atualidade, em relação ao valor da biodiversidadede regiões tropicais, refere-se ao desenvolvimento de medicamentos para a cura de males fortemente refratáveis aos recursos hoje disponíveis, como o câncer, a AIDS, a diabete e tantos outros males, e também a doenças hoje desconhecidas, mas que certamente aparecerão no futuro. As substâncias de origem natural, que entram na UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Rua do Matão – Travessa 14 no. 321 – CEP 05508-900 – Cidade Universitária São Paulo – Brasil – http://www.ib.usp.br 4 composição da maioria dos medicamentos que contêm fármacos oriundos direta ou indiretamente de plantas, são extraídas de espécies originalmente tropicais. É nos trópicos que provavelmente se descobrirão os fármacos poderosos que ajudarão a controlar os males do homem e dos animais domésticos no futuro. Reside aí uma forte razão para a preservação da biodiversidade do Brasil, uma tarefa que compete, em última análise, a todos os cidadãos do País, mas que diz respeito mais diretamente às atividades profissionais dos biólogos. 2. RELAÇÕES ENTRE OS PROBLEMAS ECONÔMICOS E AMBIENTAIS Conquanto ninguém duvide da necessidade de mobilização dos recursos naturais para que se acelere o processo de desenvolvimento dos países e se atinjam níveis de vida de melhor qualidade para as populações humanas, reconhece-se hoje como indispensável uma reflexão que leve em conta os vários aspectos da problemática que envolve o binômio ambiente-desenvolvimento, exatamente o tema da Conferência ECO-92, realizada no Rio de Janeiro. Já está superada a época em que se acreditava que os problemas econômicos e os ambientais fossem assuntos de ciências mutuamente independentes. Na atualidade, é impossível discutir-se economia sem se levar em conta as implicações ambientais que os projetos podem acarretar. A exigência na elaboração de relatórios de impacto ambiental (RIMA), que hoje se impõe antes da execução de qualquer projeto de maior porte, não resulta de reações de fundo romântico ou de sentimentos de amor e piedade em relação aos elementos da natureza, mas da convicção de que o agravamento da problemática ambiental fatalmente implica em reflexos negativos na economia. O estudo e manejo das questões ambientais é, em escala crescente, encarado como uma tarefa multidisciplinar, para a qual devem convergir os conhecimentos de uma multiplicidade de disciplinas científicas, tanto as ligadas às áreas biológicas, como a própria biologia, a medicina, a veterinária, a agronomia, como também as ciências exatas, como a física, a química, a geologia, e as ciências humanas, como o direito, a sociologia, a antropologia, a geografia, história e economia. Seguindo essa tendência, há atualmente propostas, em várias universidades, de estabelecimento de cursos multidisciplinares voltados à ciência ambiental, que deverá a médio prazo converter-se em matéria transdisciplinar. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Rua do Matão – Travessa 14 no. 321 – CEP 05508-900 – Cidade Universitária São Paulo – Brasil – http://www.ib.usp.br 5 Um famoso economista da atualidade tem, de fato, na biologia a sua formação básica. Trata-se de Barry Commoner, que evidenciou com elegância e clareza as interrelações entre os ecossistemas e os aspectos mais gerais da economia, conseguindo com isso uma notoriedade em escala mundial. Ele demonstrou que a produção, em todos os ramos da atividade econômica, não envolve apenas os sistemas produtivos (usinas geradoras de energia, parques industriais, agricultura e pecuária, etc.) e os sistemas econômicos (todo o conjunto do mercado financeiro, como bancos, bolsas de investimentos, etc.); deve-se agregar também os ecossistemas, que representam, de fato, os provedores dos recursos, ou matéria prima, que alimentam os sistemas produtivos. A interligação entre os três sistemas ocorre, segundo Commoner e de maneira resumida, como se segue. Os ecossistemas nutrem os sistemas produtivos com recursos naturais, que representam a matéria prima de todos os processos industriais. Os sistemas produtivos, por seu turno, geram os bens, que movimentam os sistemas econômicos. Cabe a estes fornecer os capitais que garantam a sustentação e a ampliação dos sistemas produtivos. O funcionamento destes últimos resulta inevitavelmente num processo de degradação do meio ambiente (poluição), que poderá ter um maior ou menor impacto, dependendo principalmente da opção que os sistemas produtivos fizerem em termos das duas fontes alternativas de energia que irão movimentar os sistemas: fontes renováveis (como as obtidas do reino vegetal) ou fontes não-renováveis (combustíveis fósseis ou nucleares). As primeiras são muito menos poluidoras que as últimas e geram mais emprego de mão-de-obra, o que colabora para fortalecer os sistemas econômicos e estes os produtivos . As fontes não-renováveis de energia promovem um processo muito mais sério de alterações ambientais, gerando um processo de crise ambiental, o que tende a reduzir a médio e longo prazo a diversidade e a disponibilidade de recursos naturais para a alimentação dos sistemas produtivos. Isto gera um processo de crise energética. Esta, por seu turno, reduz a produção dos sistemas produtivos, gerando um processo de redução de fornecimento de bens e, conseqüentemente, afetando os sistemas econômicos. Tem-se aí um processo de crise econômica. Portanto, uma crise ambiental reduz o fornecimento de recursos, podendo levar a uma crise na produção de bens; isso pode gerar uma crise energética. Conseqüentemente, a crise energética e de produção de bens acabará afetando os sistemas econômicos, advindo daí uma crise econômica. A figura abaixo ilustra as interrelações entre os três sistemas e entre as crises associadas a cada um deles. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Rua do Matão – Travessa 14 no. 321 – CEP 05508-900 – Cidade Universitária São Paulo – Brasil – http://www.ib.usp.br 6 ECOSSISTEMAS SISTEMAS PRODUTIVOS SISTEMAS ECONÔMICOS recursos bens POLUIÇÃO CAPITAIS CRISE CRISE CRISE AMBIENTAL ENERGÉTICA ECONÔMICA 3. OS PROBLEMAS ATUAIS E A BOTÂNICA ECONÔMICA Diante de tudo o que foi acima discutido, cabe agora indagar qual a melhor abordagem em termos de tópicos a serem ministrados em uma disciplina de botânica econômica para futuros biólogos. Tradicionalmente, os programas de botânica econômica contemplam itens que apresentam listas de espécies economicamente importantes e aspectos a elas relacionados, como os produtos derivados dessas plantas, sua industrialização, usos e comercialização. É evidente que todas essas matérias devem ser abordadas em botânica econômica, mas há outros enfoques que talvez se relacionem muito mais às atividades dos biólogos do que os conhecimentos gerais sobre as plantas de valor econômico que os programas tradicionais enfocam. Temas como a origem das plantas cultivadas, sua biogeografia e evolução, espécies selvagens e taxonomicamente relacionadas às culturas tradicionais, melhoramento genético, programas de conservação do patrimônio genético das plantas de valor econômico, a contribuição da biomassa para a solução de problemas relacionados ao uso da energia, além de outros assuntos, são áreas nas quais a atuação do biólogo tem na atualidade uma importância crescente, merecendo então maior prioridade nas aulas de Botânica Econômica.
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