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InformeInformeAGRONEGÓCIO 0202 O futuro das negociações de Doha Agroenergia: Brasil e a produção de energia sustentável Fruticultura: Cor, sabor e competitividade no agronegócio brasileiro 1 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIOAPRESENTAÇÃO O INFORME Agronegócio é uma publicação semestral do Escritório IICA - Brasil, dirigida a técnicos, empresários, pesquisadores e todos aqueles que buscam informações sobre o agronegócio e temas relacionados. O IICA neste Informe abre um espaço interativo destinado a todos aqueles que têm interesse em compartilhar conosco seus comentários, críticas e/ou solicitar a publicação de artigos e fi chas técni- cas relacionadas com Negociações, Comércio Agrícola e Agronegócio no Brasil. Somos uma tribuna aberta para a recepção, organização, discussão, produção e publicação de arti- gos especializados; comentários e opiniões técnicas que para este fi m, deverão ser encaminhados para os endereços da nossa Equipe de Agronegócio: marco.ortega@iica.int henrique.bezerra@iica.int daniela.faria@iica.int vanderson.gomes@iica.int diego.donizetti@iica.int Os artigos devem ser digitados em Word, espaço duplo, fonte Times New Roman, corpo 12, folha formato A4, com páginas numeradas (de acordo com as normas da ABNT). Os interessados em publicar artigos deverão colocar as referências utilizadas na elaboração do artigo e apresentá-las em ordem alfabética. Esta é uma publicação sem fi ns lucrativos, do IICA Brasil. Os artigos e textos foram recopilados de fontes diversas na tentativa de divulgar os trabalhos que consideramos relevantes e necessários para apoiar um processo de aprendizagem contínua sobre iniciativas e eventos locais, regionais e globais relacionados com o Agronegócio. As fontes citadas aparecem no final de cada artigo para resguardar os direitos autorais. 2 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO CARTA AO LEITOR O Brasil ocupa posição de liderança e destaque no mercado mundial de produtos agropecuários. É um país com enorme extensão territorial, ampla gama de produtos agroalimentares e grande diver- sidade na organização de estruturas para a produção rural. Falamos de um contexto territorial com grandes desafi os e oportunidades para uma organização como o IICA, que visa garantir competiti- vidade no agronegócio e bem estar nas comunidades rurais. Tais objetivos nos têm obrigado a uma revisão constante de estratégias num processo contínuo e bem sucedido de reposicionamento, no sentido de aproveitar as vantagens que proporcionam ambientes em constante mudança. Nesse caminho, o IICA estabelece novas áreas temáticas que se inserem estrategicamente nas mais relevantes discussões e questões de interesse global; reforça áreas como Tecnologia Rural, Sanidade e Inocuidade dos Alimentos, Gestão do Conhecimento, e cria Veículos Informativos para garantir o intercâmbio de idéias e conhecimentos por meio de mecanismos interativos que se sustentam em tecnologias de ponta e possibilitam de maneira sustentável, a difusão e estímulo a pesquisas sobre temas inovadores no âmbito rural. Os objetivos do Informe de Agronegócio do IICA Brasil são: Ser um veículo sustentável de intercâmbio de informações, conhecimentos e experiências que possam ser utilizadas pelos tomadores de decisão sobre políticas públicas como insu- mos para ampliar e alimentar a discussão, proposição e formulação de novos programas e projetos para o desenvolvimento rural, direcionadas ao âmbito rural e ao agronegócio; e Apresentar, comparar e discutir diferentes problemas, contextos e conjunturas econômicas nos âmbitos nacional (regiões do Brasil), regional (Mercosul) e mundial, em um caráter infor- mativo que pretende apoiar e favorecer uma análise critica destes fatos. No presente número, os leitores encontrarão alguns dos temas mais relevantes da agropecuária brasileira e mundial, como são: avanços e questões sobre as negociações agrícolas internacionais, impacto e sinergia no agronegócio e na agricultura familiar dos programas de alimentos e de gera- ção de renda em realidades distintas do hemisfério, novos rumos do seguro rural, estado atual das principais cadeias produtivas e dados sobre produção da agricultura familiar. Além disso, o Informe Agronegócio traz uma visão crítica sobre a questão do meio ambiente e textos que apresentam algu- mas experiências do IICA nas áreas de Desenvolvimento Rural Sustentável, Sanidade, Agroenergia e outras informações recentes e relevantes. Alguns textos e artigos foram extraídos de documentos produzidos por técnicos de indubitável repu- tação de instituições acadêmicas e organismos de pesquisa e de fi nanciamento. Outros foram ela- borados a partir das pesquisas da Equipe de Agronegócio do IICA Brasil. Esperamos que os temas, informações e dados publicados neste informe sejam de grande utilidade no estímulo a debates, programas, projetos e demais ações estruturantes. IICA busca através deste veículo, estimular discussões pertinentes e refl exões necessárias para a melhora contínua da oferta de Cooperação para a Agricultura e disponibilizar aos nossos leitores e amigos uma tribuna pública que lhes permita a divulgação de importantes assuntos e os incentive a participar com seus artigos, opiniões e comentários num foro permanente de esclarecimento, produ- ção e compartilhamento de experiências bem sucedidas e daquelas com perspectivas de sucesso no agronegócio e demais atividades que se desenvolvem no mundo rural. Carlos Américo Basco Representante do IICA no Brasil 3 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIOSUMÁRIO PANORAMA MUNDIAL...........................................................................................................................6 ENTENDENDO O TERMO “ACESSO A MERCADOS”............................................................................13 PROGRAMAS DE ALIMENTOS, AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGÓCIOS:...................................................19 COMPETITIVIDADE NO AGRONEGÓCIO.............................................................................................30 PANORAMA BRASILEIRO....................................................................................................................34 PRONAF DEZ ANOS DEPOIS.............................................................................................................34 A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NO MERCADO MUNDIAL DE CARNES................................................38 A IMPORTÂNCIA DA SOJA NO BRASIL..............................................................................................44 TENDÊNCIAS E AVANÇOS DA CADEIA PRODUTIVA DE LEITE E DERIVADO.....................................48 PRODUÇÃO INTEGRADA DE FRUTAS – PIF: UM SUCESSO BRASILEIRO...............................55 OS NOVOS RUMOS NO SEGURO RURAL............................................................................................59 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO NORDESTE...........................................................................64 AGRICULTURA PATRONAL X AGRICULTURA FAMILIAR.......................................................................70 TRIBUNA ABERTA..............................................................................................................................75 RUMO À LIDERANÇA NO MDL..........................................................................................................75 A ERA DA AGROENERGIA.................................................................................................................79 PROGRAMA HEMISFÉRICO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA HORIZONTAL EM AGROENERGIA E BIOCOM- BUSTÍVEIS DO IICA BRASIL...............................................................................................................83 ANEXO: 1...........................................................................................................................................96ENERGIA A PARTIR DE FONTES RENOVÁVEIS .................................................................................98 PARCERIAS POR UM BRASIL SEM FOME E MAIS JUSTO................................................................101 POBREZA, DESIGUALDADE E CRESCIMENTO NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL.........................107 GOVERNO, UNIVERSIDADE E AGRICULTORES ORGANIZADOS SE REUNEM PARA AVALIAR PROGRAMA DE ALIMENTOS. .............................................................................................................................112 A GESTÃO DO CONHECIMENTO E O MUNDO AGRÍCOLA..............................................................120 NOVO MINISTRO DA AGRICULTURA LUÍS CARLOS GUEDES PINTO REVELA CONTINUIDADE NO SEU DISCURSO DE POSSE.....................................................................................................................126 A IMPORTÂNCIA DA MERCADORIA, SOB A ÓTICA JURÍDICA TRADICIONAL, É SUA MATERIALIDADE, SUA CORPOREIDADE......................................................................................................................127 4 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 5 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 6 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO PANORAMA MUNDIAL PANORAMA DAS NEGOCIAÇÕES AGRÍCOLAS NA OMC (1º SEMESTRE DE 2006) Henrique Bezerra Equipe de Agronegócio A defesa da liberalização multilateral do comércio agrícola está pautada, em grande parte, na crença de que ela traria um amplo benefício econômico-social aos países em desenvolvimento e desenvol- vidos. No entanto, a atual Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) encontra-se paralizada devido a alguns temas sensíveis, considerados como principais entraves ao avanço das negociações, como o acesso aos mercados agrícolas, a eliminação dos subsídios à exportação e a redução significativa dos subsídios domésticos distorcivos aos produtos agrícolas dos países desenvolvidos. Após anos de calorosos debates, chegamos à 6ª Reunião Ministerial da OMC, em dezembro de 2005, em Hong Kong, sem nenhum avanço significativo logrado na direção proposta pela Rodada do Desenvolvimento, como é conhecida a Rodada Doha. Talvez por isso, o maior mérito desta últi- ma reunião tenha sido o fato dela não fracassar totalmente, como em reuniões anteriores (Cancún, 2003, e Seattle, 1999). Como único ganho concreto, ficou acertado o término dos subsídios às exportações agrícolas em 2013. Até mesmo esse ganho, que alguns interpretaram como bastante relevante, representa menos de 2% das vantagens que poderiam ser auferidas por uma ampla libe- ralização do comércio agrícola mundial, de acordo com o Banco Mundial. Devido à limitação dos avanços em Hong Kong, foram estabelecidos novos prazos para o avanço das negociações: 30 de abril de 2006, para acordo sobre as modalidades (amplitude e rapidez da abertura dos mercados), e 31 de julho de 2006, para o lançamento de propostas concretas pelos países membros. Mais uma vez, os negociadores foram incapazes de pactuar quanto a seus com- promissos, restando o prazo de 31 de julho como data limite para qualquer avanço significativo que possa ser alcançado no âmbito da OMC, dado o tempo necessário para a internalização dos acordos pelas legislaturas nacionais (por volta de seis meses). Esse seria o prazo limite para uma eventual aprovação pelo senado norte-americano através do mecanismo de Fast Track ou Trade Promotion Authority1, que expira em março de 2007, e é a única forma que garante segurança aos outros paí- ses que a maior potência econômica aprovará os acordos tais quais acertados no âmbito da OMC. Assim como em outros casos, os negociadores foram incapazes de chegar a um acordo antes do dia 31 de julho. O G6 (Grupo dos seis principais membros da OMC, formado por Austrália, Brasil, Estados Unidos, Índia, Japão e União Européia) reuniu-se extraordinariamente para tentar afinar as propostas e melhorar ofertas de acesso a mercados, pelos dos europeus, corte dos subsídios agrícolas, pelos americanos, e abertura a produtos manufaturados e serviços, pelos países em desenvolvimento. Porém, não houve acordo sequer no primeiro tema, causando o atual estado de paralisia em que se encontra a OMC. As principais contendas entre os países membros da OMC estão entre os EUA, a União Européia e os grandes países em desenvolvimento. Os EUA e os países emergentes qualificam a proposta européia de acesso a mercados e de corte tarifário de incipiente, enquanto os europeus, assim como os americanos, acusam os países em desenvolvimento de intransigentes e inflexíveis na sua 1 Refere-se à autoridade dada ao Presidente dos EUA para negociar acordos comerciais que o Congresso pode aprovar ou desaprovar, mas não emendar. Essa autoridade é votada periodicamente. 7 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO recusa de liberalizar suas tarifas aos produtos industrializados e de discutir os demais Temas de Cingapura2.Para dificultar ainda mais o avanço das negociações, tanto europeus quanto os países em desenvolvimento julgam a proposta americana de corte nos subsídios produtivos como irrisória. O real desafio imposto aos negaciadores de Doha está no âmbito interno. Para que de fato haja um amplo acordo multilateral de liberalização agrícola, é necessária a existência de um forte grupo de interesse nacional que enxergue nos ganhos da liberalização uma razão para pressionar seus governos a fazerem concessões que, em última instância, levarão as outras partes a melhorarem suas ofertas, aumentando os ganhos líquidos da negociação. Esses ganhos viriam através da libe- ralização do comércio de bens e serviços e subseqüentes saltos de produtividade e eficiência, que trarão um maior bem-estar econômico a todos. PERSPECTIVAS DOS PRINCIPAIS ATORES EUA Existe um forte debate dentro dos Estados Unidos acerca da conveniência de um acordo multilateral de livre comércio que implique no sacrifício de alguns setores políticamente concertados e de peso. Os principais argumentos e desafios contra um acordo no âmbito da OMC são: - A promoção de Acordos Bilaterais de Comércio são mais interessantes aos negociadores estadu- nidenses devido à sua clara superioridade de força e poder de barganha, como exemplificado no CAFTA, sigla em inglês para o Acordo de Livre Comércio com os países da América Central, recen- temente aprovado pelo congresso americano. - Existe um forte lobby, em especial dos democratas, contra o fim dos subsídios agrícolas a alguns setores pouco competitivos da economia americana. Isso ficou claro na aprovação do acordo com os países centro-americanos supracitado, onde seu êxito dependeu da ínfima margem de um voto a favor do acordo pelo senado americano. Muitos acusam a administração republicana de ter ganhado uma batalha para perder a guerra, usando escassos recursos políticos a favor de um acordo perifé- rico em detrimento de um amplo acordo multilateral na OMC. Enquanto houver tempo suficiente para que algum acordo no âmbito da OMC seja aprovado pelo senado americano dentro da vigência do Fast Track, esse fator servirá como um catalisador das negociações. Porém, o prazo expira em março de 2007 e, a menos que haja um acordo antes do dia 31 de julho de 2006, esse prazo dificilmente será atingido, e um fator que agora serve de catalisador funcionará como um forte entrave para um maior avanço das negociações, pois as partes estarão conscientes da improbabilidade de aprovação na íntegra de um acordo multilateral pelo senado sem o mecanismo do Fast Track. E, sabendo do risco de emendas, os outros países tampouco aceitarão comprometer-se a fazer concessões de peso aos americanos, prejudicando as negociações. Nem todas as variáveis afastam os EUA de um acordo êxitoso. Existe uma forte necessidade de corte dos gastos públicos americanos para conter seu déficit orçamentário.Os subsídios agrícolas são um dos gastos mais vultuosos e ineficientes da máquina estatal americana, logo, há uma pres- são interna para sua diminuição. Além disso, um amplo acordo de liberalização do comércio agrícola seria economicamente vantajoso para vários setores extremamente competitivos dos EUA, que são a maior potência agrícola do mundo. 2 Os Temas de Cingapura referem-se a investimentos, política de competição, transparência em compras governamentais e facilitação de comércio, temas ainda não tratados no âmbito da OMC e de grande interesse para os países desenvolvidos. 8 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO UNIÃO EUROPÉIAAs principais questões que afetam a posição européia quanto ao livre comércio são a continuação da Política Agrícola Comum, conhecida por sua sigla em inglês CAP, e o acesso aos seus mercados de produtos agrícolas. A pressão externa ao bloco é unânime em apontar a União Européia como o ator mais subsidiado e protegido do comércio agrícola mundial. Internamente, porém, existem países, liderados pela Inglaterra, que criticam o gasto excessivo e pouco eficiente da CAP (sozinha, ela representa 44% do orçamento europeu, somando mais de € 43 bilhões em 2005). Eles argumentam que essa política de preços mínimos e transferência direta de renda a atividades pouco competitivas alimenta um tipo de assistencialismo cíclico e insustentável, que faz com que pessoas e recursos migrem a setores que, sem os subsídios, seriam economica- mente inviáveis. O consumidor europeu paga, portanto, duas vezes o preço desses subsídios, ao custeá-los no pagamento dos impostos, e ao comprar produtos muito acima do preço internacional. Os defensores da continuação, e até mesmo expansão, da CAP são liderados pela França e, em menor grau, Alemanha, com crescente apoio dos novos membros do leste europeu, especialmente o maior deles, a Polônia. A França, desde 2004, foi o principal opositor das propostas de liberalização feitas pelo comissário europeu, Peter Mandelson, por considerá-las prejudiciais a seus agricultores, ameaçando vetar qualquer acordo feito em nome da União Européia e questionando o mandato do comissariado europeu nas negociações. Isso ocorre pelo fato da França ser a maior beneficiada pelos recursos da CAP e por ser o maior produtor agrícola da União Européia (ver gráficos). Assim como nos EUA, fatores políticos de curto prazo também afetam o posicionamento europeu. A França terá eleições presidenciais em 2007, e os políticos franceses, em especial o primeiro ministro Dominique de Villepin, sentiram a força dos movimentos anti-liberalizantes e anti-globalização em seu país quando tentaram aprovar uma legislação trabalhista menos custosa e mais competitiva em termos internacionais. Os mesmos posicionamentos e dificuldades são enfrentados no que se refere ao acesso ao mercado europeu, que é protegido através de tarifas e cotas que impedem que produtos de outras regiões ingressem no mercado europeu a preços acessíveis. GRANDES ECONOMIAS EMERGENTES Apesar de unidos em torno da demanda de liberalização dos mercados dos países desenvolvidos, união que levou inclusive à criação de grupos como o G-203, os grandes países emergentes, lidera- dos por Brasil, Índia e China, possuem interesses bastante divergentes quanto ao resultado global desejado das negociações de Doha. A retórica de interesses comuns é válida quanto ao argumento de que, durante a década de 1990, países como Índia, Brasil e China liberalizaram seu comércio em bens e serviços bem mais inten- samente que os países desenvolvidos. Agora, de acordo com esses países, seria a vez dos países desenvolvidos derrubarem suas barreiras aos produtos agrícolas e manufaturados de baixo valor 3 O G-20 é um bloco de países em desenvolvimento formado em 20 de agosto de 2003. O grupo emergiu da 5ª Reunião Ministerial da OMC, em Can- cún, e foi responsável pela afirmação da demanda por uma maior liberalização do comércio agrícola para os países em desenvolvimento. 9 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO agregado sem que para isso haja, necessariamente, uma maior liberalização dos países em desen- volvimento, pois eles já fizeram seu dever de casa. O argumento procede na medida em que, de fato, os principais países emergentes abriram mais suas economias, na década de 1990, do que os países desenvolvidos. Porém, esse argumento é enviesado, pois a base de comparação é extremamente desigual. As economias emergentes, até a década de 1980, eram fortemente fechadas ao comércio internacional, ao contrário das econo- mias desenvolvidas. Dizer que essas economias liberalizaram-se mais na década de 1990 que as economias desenvolvidas não significa que elas são, de fato, mais abertas. Além do mais, essa libe- ralização foi motivada por razões internas, como combate à inflação e aumento da competitividade nacional, e não por uma simples abertura dos mercados nacionais aos exportadores estrangeiros. Isso legitima a demanda dos países desenvolvidos por maior abertura dos mercados emergentes, e é na hora de estabelecer a moeda de troca dos países em desenvolvimento aos países desenvol- vidos que há conflito. A Índia é, e pretende continuar a ser, fortemente protecionista no seu comércio agrícola. Mais de 60% da mão-de-obra indiana encontra-se no setor agrícola, sendo este o verdadeiro motor da economia Indiana. Contudo, o setor de serviços é o mais dinâmico e competitivo. Isso explica a posição agres- siva que o país possui nesta área e conservadora no comércio de bens industriais e agrícolas. A China, assim como a Índia, é um país altamente protecionista no setor agrícola, porém seu setor de serviços ainda é bastante fechado. A indústria intensiva em mão-de-obra é o carro motor dessa economia, estando seu interesse fortemente atrelado à maior liberalização dos produtos manufatu- rados. Já o Brasil é bastante competitivo no setor agrícola, além de possuir um setor manufatureiro bem desenvolvido. Dos três países citados, é o que mais se beneficiaria de uma ampla liberalização do comércio global. Essas divergências entre os países em desenvolvimento é muitas vezes usada como complicador pelos países desenvolvidos, que constrangem membros do mesmo bloco que possuem interesses individuais distintos, como é o caso do Brasil e da Índia no G-20. O PAPEL DA AGRICULTURA NA RODADA DE DOHA Nos mais de quarenta anos de existência do GATT4, o tema da agricultura foi postergado pela falta de interesse dos países membros de implementar uma real abertura deste setor. Depois da Segunda Guerra Mundial, os países centrais passaram a encarar o tema da segurança alimentar como cen- tral, o que justificava a busca pela auto-suficiência agrícola. Com a inclusão de novos membros ao GATT, em sua maioria países em desenvolvimento, e sua subseqüente evolução à OMC, com mais de 140 países membros, a agricultura passou a ser central. O paradoxo reside no fato de que, no mesmo período em que a agricultura passou a ser o tema central nos debates, sua participação no PIB mundial passou de 10%, nos anos 1960, para menos de 4% atualmente. Tendo encolhido sua participação inclusive nas exportações dos países em de- senvolvimento, representando, hoje, menos de 12% do total. 4 General Agreement on Tariffs and Trade – GATT foi criado pela Conferência de Bretton Woods e é considerado o precursor da OMC. O GATT foi parte de um amplo plano de recuperação econômica depois da Segunda Guerra Mundial e incluía a redução de tarifas e promoção do comércio e interdependência internacional. 10 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO A razão para que esses fatores sejam centrais no debate acerca da liberalização comercial está no fato deles, por serem políticamente mais sensíveis, terem sido postergados o máximo possível. E ainda que sua importância econômica seja menor que nas décadas anteriores, aagricultura continua sendo importante para a maioria dos países em desenvolvimento. No meio rural é onde concentram- se os maiores bolsões de miséria e países superpopulosos como Índia e China possuem uma popu- lação rural de mais de 40%, contrastando com os menos de 3% da União Européia e EUA. Sendo o objetivo central da atual rodada promover o desenvolvimento, nada mais natural do que a agricultura ser prioritária. Porém, qual o tamanho do problema? A tabela seguinte mostra o tamanho da proteção que esse setor recebe dos governos nacionais. Em alguns países, como a Noruega, os subsídios governamentais à agricultura passam de 70% do valor da produção total, isto é, de cada 100 dólares produzidos, outros 70 são embolsados com ajuda do governo. Isso, obviamente, distorce o comércio mundial, penalizando os países mais eficientes e os mais pobres, que dependem da exportação de algumas poucas commodities agrícolas e não têm recursos para subsidiar seus agricultores. FUTURO DAS NEGOCIAÇÕES Apesar de vários motivos para mantermos um olhar pessimista sobre o futuro da Rodada Doha, existe uma grande vontade dos principais países envolvidos no sucesso das negociações. Como apontou o primeiro ministro britânico, Toni Blair, na reunião do G-8 (Os sete países mais ricos do mundo mais a Rússia), o interesse não é só político, mas também econômico, e as forças polí- ticas por trás desses ganhos econômicos devem impor-se sobre os setores que serão perdedores, como alguns agricultores do mundo desenvolvido, que representam a minoria. Os ganhos que o primeiro ministro inglês apontou são reais. Cálculos do Banco Mundial afirmam que uma total liberalização do comércio mundial incrementaria a renda mundial em US$ 300 bilhões anuais, sendo que 65% dessa renda iria para os países em desenvolvimento. Para gerar mais renda nos países em desenvolvimento, essa liberalização teria que vir não só dos países desenvolvidos. A liberalização do comércio gera renda principalmente nos países que a ado- tam. O comércio Sul-Sul já representa uma larga fatia do comércio mundial, e ele enfrenta grandes barreiras. É válido o argumento de que essas economias precisam de mais tempo para poderem expor-se à competição internacional, mas, mais tempo não pode confundir-se com protecionismo 11 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO eterno. O tratamento diferenciado garantido aos países em desenvolvimento deve ser encarado como uma oportunidade, e não um privilégio. A Rodada do Uruguai levou mais de oito anos para ser encerrada, e o número de países era menor que os atuais 150. É natural que esta Rodada, nas quais os países em desenvolvimento estão mais participativos e com maior poder de barganha, dure mais que seis anos. Para que haja um acordo, teremos que chegar a um denominador comum. Os EUA terão que diminuir seus vultuosos subsídios à produção, a União Européia terá que abrir seu mercado e também diminuir seus subsídios, e os países em desenvolvimento terão que oferecer vantagens às economias desenvolvidas em troca das vantagens oferecidas pela liberalização agrícola. Isso traria um acordo multilateral de benefícios amplos e de longo prazo, ajudando a cumprir o mandato que essa Rodada se propôs, e promover o desenvolvimento e progresso de todos. BIBLIOGRAFIA Anderson, Kym e Will Martin (eds), “Agricultural Trade Reform and the Doha Development Agenda”, The World Bank (2006). Breda, Norma, Rogério Farias e Raphael Cunha, “Generalized System of Preferences in General Agreement on tariffs and Trade/World Trade Organization: History and Current Issues”, Journal of World Trade 39(4) (2005): 637-670. Bhagwati, Jagdish, “The Theory of Preferential Trade Agreements: Historical Evolution of Current Trends”. The American Economic Review, Vol.86 No 2 (1996): 82-87 Bhagwati, Jagdish, “Trading Preferentially: Theory and Policy”. The Economic Journal, Vol. 108 No 449 (1998): 1128-1148. Hart, Michael e Bill Dymond, “Special and Differential Treatment and the Doha ‘Development’ Round”. Journal of World Trade, Vol. 37 No 2 (2003): 395-415. Jales, Mario, “Inserção do Brasil no Comércio Internacional Agrícola e a Expansão dos Fluxos Co- merciais Sul-Sul” (2005). Krueger, Anne, “Are Preferential Trade Arrangements Trade-Liberalizing or Protectionist?” The Jour- nal of Economics Perspective, Vol. 13 No 4 (1999): 105-124. Oxfam Briefing Paper , “A sweeter future? “The Potential for the EU Sugar Reform to Contribute to Poverty Reduction on Southern Africa” (2004). Devereux, Michael, “Growth, Specialization, and Trade Liberalization”. International Economic Re- view, Vol. 38, No 3 (1997): 565-585 Hoekman, Bernard e Will Martin (eds) “Developing Countries and the WTO. A Pro-Active Agenda”. Oxford:Blackwell (2001). www.economist.com www.ftaa-alca.org www.icone.com.br www.mre.gov.br www.oecd.org www.unctad.org www.worldbank.org www.wto.org 12 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 13 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIOENTENDENDO O TERMO “ACESSO A MERCADOS” Daniela Carneiro de Faria Equipe de Agronegócio O termo “acesso a mercados” está relacionado aos instrumentos e disciplinas que afetam a entrada de produtos de um país qualquer em outros países, tais como as restrições e/ou limitações à im- portação (tarifas, quotas tarifárias, quotas de importação, etc.), com influência direta na competição entre produtos importados e seus similares domésticos. Refere-se ao grau de abertura de deter- minado mercado aos produtos estrangeiros, o que deveria ser ampliado, ou seja: as barreiras ou restrições comerciais deveriam sofrer redução. O grande objetivo do acesso a mercados é melhorar a competitividade e ampliar as oportunidades de comércio na área agrícola. Para isso, a Política de Acesso a Mercados trata principalmente de Produtos Especiais, Mecanismo de Salvaguarda Espe- cial e Salvaguardas Especiais (os três instrumentos citados são para conceder uma abertura menor ou mais suave do que a regra geral). As Salvaguardas Especiais, denominadas SSG, foram criadas em 1994 na Rodada do Uruguai. As Salvaguardas Especiais são medidas de proteção para produtos agrícolas previstas pelo acordo sobre agricultura, quando eles sofrem declínio abrupto de preços ou quando há um aumento repen- tino de importações em determinado país. Salvaguarda agrícola especial pode somente ser usada nos produtos que foram tarifados na Rodada do Uruguai - que atingem menos de 20% de todos os produtos agrícolas. Não pode ser usada em importações dentro das quotas de tarifas, e só pode ser usada se o governo reservar o direito de fazer assim em sua programação dos compromissos na agricultura. O Acordo Agrícola da OMC prevê a possibilidade de aplicação de salvaguardas espe- ciais, cuja finalidade é garantir que, uma vez convertidas as restrições quantitativas às importações em tarifas aduaneiras, seja assegurado um nível mínimo de proteção em caso de baixa substancial dos preços no mercado mundial ou elevação anormal das importações. Esta cláusula só é aplicável aos produtos designados expressamente nas listas negociadas, resultando na aplicação de tarifas adicionais ou sobretaxas às importações extra quotas. Essencialmente, as propostas são, ou de continuar com a SSG enquanto a reforma continuar, ou de finalizá-la. Na prática, a salvaguarda agrícola especial foi usada em relativamente poucos casos. Muitos países em desenvolvimento escolheram em não tarifar, mas para consolidar preferivelmente tarifas teto, eles fizeram com que as tarifas resultantes fossem mais elevadas. Portanto, não foi permitido usar a salvaguarda especial por esta razão. Participam desse grupo os 39 Membros da OMC.1 Já o Mecanismo de Salvaguardas Especiais, SSM, foi esboçado em Cancún em 2003. Não muito definido, este seria similar ao SSG, mas disponível somente aos paísesem desenvolvimento O SSG esteve disponível a todos os membros da OMC que tarifaram as suas barreiras ao comércio. Como aos países em desenvolvimento foi permitida a consolidação de tarifas bem acima das tarifas aplicadas na ocasião, sem utilizar a metodologia acordada para o processo de tarificação, poucos foram os que escreveram na sua lista de compromissos a disposição de utilizar este tipo de instru- mento. O Brasil, por exemplo, consolidou as suas tarifas agrícolas que ainda não estavam conso- lidadas antes da Rodada Uruguai em 35% e 55% para aqueles produtos com elevados subsídios concedidos pelos demais países, apesar de aplicar tarifas significativamente menores atualmente. O SSM foi criado porque a SSG não foi suficiente para os países em desenvolvimento que nem sempre souberam o que estavam assinando quando assinaram o acordo agrícola. O Mecanismo de Salvaguarda Especial é uma disposição que responde a uma necessidade vital de proteção no caso de aumento forte de importações. É uma expectativa de diversos países em desenvolvimento. Os membros estão negociando ainda a seleção dos produtos elegíveis, dos gatilhos e dos remédios (o 1 Os 39 Membros são: Austrália, Barbados, Botswana, Bulgária, Canadá, Colômbia, Costa Rica, República Tcheca, Equador, El Salvador, União Européia, Guatemala, Hungria, Islândia, Indonésia, Israel, Japão, Coréia, Malásia, México, Marrocos, Namíbia, Nova Zelândia, Nicarágua, Noruega, Panamá, Filipinas, Polônia, România, Republica Eslováquia, áfrica do Sul, Suazilandia, Taipei Chinês, Tailândia, Tunísia, Estados Unidos, Uruguai e Venezuela. 14 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO tamanho da tarifa da proteção que seria provocada). Os membros desses países têm o direito de ter um recurso a um mecanismo especial da proteção baseado em gatilhos da quantidade e do preço da importação, com os arranjos precisos a serem definidos mais tarde. O mecanismo de proteção poderá incluir um gatilho de preço para a elevação imediata e automática da tarifa protetora. Depen- dendo de como funcione o mecanismo, a tarifa cobrada efetivamente poderá até ficar maior que a consolidada, isto é, registrada na OMC. O mecanismo especial da proteção seria uma parte integral das modalidades e o resultado das negociações na agricultura. Participam desse grupo apenas países em desenvolvimento. Os Produtos especiais também foram esboçados em Cancún em 2003. Dentro desse grupo também só participam países em desenvolvimento. O conceito de “Produtos Especiais” é um ponto sob ne- gociação no acesso a mercados e estará disponível somente aos países em desenvolvimento, para que esses possam se desenvolver. Muitos países (incluindo alguns membros do grupo de Cairns) se interessam em proteger determinados produtos enquanto continuam com o processo de liberali- zação comercial. Porém o conceito e os detalhes “da idéia dos produtos especiais” não foram acor- dados ainda pelos membros da OMC. Há algumas questões importantes acerca deste tema: como os produtos especiais devem ser definidos; e que tratamento deve lhes ser dado. Os membros dos países em desenvolvimento terão a flexibilidade de designar um número apropriado dos produtos como produtos especiais, baseado em critérios da segurança do alimento, da segurança dos meios de subsistência e de necessidades rurais do desenvolvimento. Estes produtos serão elegíveis para um tratamento mais flexível. Os critérios e o tratamento destes produtos serão especificados mais tarde, durante a fase de negociação, e reconhecerão a importância fundamental de produtos espe- ciais aos países em desenvolvimento. O Brasil, como terceiro exportador agrícola mundial, luta pelo fim dos subsídios agrícolas da União Européia e Estados Unidos nas negociações multilaterais da Organização Mundial do Comércio. Para o Brasil, o acesso aos mercados agrícolas do primeiro mundo é uma prioridade incontestável. E é nisso que a diplomacia brasileira concentra grande parte de sua energia. O Brasil tende a ser beneficiado com reduções tarifárias e com regras claras para o preenchimento dos volumes estipu- lados de acesso, para produtos agropecuários, setor em que é muito competitivo. Abaixo, se vê a diferença nas características de cada grupo de países na conferência de 2006 no que diz respeito aos assuntos do acesso a mercados. Na Conferência Ministerial de Hong Kong, para os Produtos Especiais, foi proposto, mas ainda não discutido integralmente com os membros, que os países em desenvolvimento tenham o direito de escolher como produtos especiais ao menos 20% de suas linhas tarifárias agrícolas, na Declaração de Hong Kong está mencionado que haverá um número adequado de produtos especiais, mas a questão da definição de uma percentagem de linhas tarifárias como limite foi retirada da versão inicial da declaração. Esse assunto precisa ser resolvido no capítulo das modalidades. Alguns mem- bros consideram que os produtos especiais devem ser completamente isentos de novos compro- missos de acesso a mercados e usufruam de um acesso automático ao Mecanismo de Salvaguarda Especial (SSM). Outros argumentam que é preciso haver algum grau de abertura de mercado para os produtos especiais, sempre refletindo um tratamento mais flexível que o destinado a outros pro- dutos. Persistem as divergências e, portanto, tem sido impossível definir qual flexibilidade adotar para os produtos especiais. Para o Mecanismo de Salvaguarda Especial há concordância em que é necessário um mecanismo de salvaguarda especial para países em desenvolvimento. E que deve haver um gatilho de quan- tidade. Há divergência sobre como lidar com situações consideradas menos do que “surtos” de importação. Permanecem fortes divergências sobre se e como uma salvaguarda especial deve ser baseada em preço para lidar especificamente com os efeitos de preços. 15 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 16 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 17 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO PAÍSES MEMBROS DOS RESPECTIVOS GRUPOS: 18 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 19 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIOPROGRAMAS DE ALIMENTOS, AGRICULTURA FAMILIAR E AGRONEGÓCIOS: DEVERIAM FAZER SINERGIA? Marco Ortega Equipe de Agronegócio INTRODUÇÃO O relatório final da Cúpula Mundial da Alimentação realizado em Roma em 1996 consolidou uma posição respaldada por todos os representantes dos países que assistiram ao evento. Num trecho do texto declaram: Nós, representantes de Estado e de Governo, reunidos nesta Cúpula Mundial da Alimentação a ins- tâncias da FAO, organismo do sistema de Nações Unidas, reafirmamos o direito de todos ao acesso a alimentos seguros e nutritivos e a uma dieta alimentar adequada que assegure o direito de todos a estar livres da fome. We, the Heads of State and Government,1 or our representatives, gathered at the World Food Sum- mit at the invitation of the Food and Agriculture Organization of the United Nations, reaffirm the right of everyone to have access to safe and nutritious food, consistent with the right to adequate food and the fundamental right of everyone to be free from hunger. (Original em ingles) De igual maneira em 2001, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre celebrado no Brasil introduziu no texto final a seguinte afirmação “A preocupação com o sistema agroalimentar não se dá apenas em função da quantidade suficiente e qualidade dos alimentos nem do número de pessoas a alimentar. Os avanços observados no processo de liberalização da economia, em especial da agricultura, bem como no uso da biotecnologia, controlada por poucas empresas comerciais e dissociada dos aspectos éticos e morais, vêm produzindo um forte impacto sobre a garantia da segurança alimentar, trazendo à tona preocupações relativas à sustentabilidade deste atual modelo, à soberania alimentardos estados nacionais e ao futuro democrático desta questão”. A fome e o déficit de alimentos em quantidade e qualidade persistem mesmo incoerentes com o aumento na produção de alimentos de origem agrícola alcançado pela maioria dos países do plane- ta. O denominado “problema” da fome não tem sido superado embora existam metas e intenções proclamadas nos mais importantes fóruns mundiais. Conclusões avançadas poderiam mostrar que embora a produção de alimentos aumentasse, fato que confirmam os relatórios de organismos mundiais como a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), FIDA (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola), PMA (Programa Mundial de Alimentos do Sistema das Nações Unidas) e organismos regionais dos cinco continentes, o número de pessoas sem acesso regular aos alimentos não tem diminuído. Segundo estudos realizados por organismos competentes e relacionados com a matéria, a fome não esta diretamente relacionada com a produção de alimentos e sim com o acesso e controle, tanto dos alimentos como de todo o processo produtivo, o que inclui a “Cultura” que sustenta a produção, distribuição e consumo nas distintas sociedades. A categoria, “Soberania Alimentar” procura estabe- lecer um caráter sinérgico na abordagem de todo o processo.1 1 FAO, Cúpula Mundial da Alimentação realizada em Roma em 1996 e Fórum social Mundial realizado em Porto Alegre, Brasil em 2001. 20 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO “Soberania Alimentar” implica a determinação e o abastecimento dos requerimentos dos alimentos da população a partir da produção local e nacional”.2 Então, a Soberania Alimentar conduz à capacidade de autoabastecimento que começa na unidade familiar, segue com a comunidade e finalmente, todo o país. Seria conveniente incluir também nesta cadeia, dois destinatários fundamentais e finais de todo o processo, segmentos do Agronegócio e Mercado mundial, já que se constituem em elos relevantes da cadeia de provedores-clientes. Um controle efetivo e de forma autônoma do processo produtivo exercido pelos governos e sociedade organizada, deveria ser a garantia do acesso físico e econômico a alimentos inócuos e nutritivos pela população, basicamente pelos mais pobres. Um componente essencial para a consolidação da soberania alimentar é garantir o acesso à água, terra, recursos genéticos (tecnologia) e aos mercados justos e eqüitativos, juntamente com o apoio dos governos e da sociedade em geral. Soberania Alimentar tem sido vista e utilizada pelos governos como fundamento para incluir nas suas agendas distintos programas de ajuste estrutural, alguns governos argumentam a obrigação na utilização de melhores terras para a produção de produtos de exportação. Isto implica que cada vez estamos mais obrigados a produzir para a exportação e a importação de relevantes itens para comer mais e melhor. Pouco a pouco, os países estão deixando de produzir para o consumo interno. Pensa-se que no futuro todos os países produzirão aqueles itens nos quais possuem maior eficiência (em termos de exportação). Então, a segurança alimentar poderia estar nas mãos de empresas multinacionais de alimentação e deixaríamos para elas as decisões soberanas da nossa alimentação? Esta situação preocupa pelo fato de que grandes espaços dedicados à produção dos alimentos demandados pelos distintos povos passaram a ser ocupados por plantios de commodities. E todo o processo da sua coleta, distribuição, comercialização e exportação estão cada vez mais nas mãos de grandes grupos empresariais, igualmente as decisões e a capacidade dos governos ver-se-ão impedidas por decisões nitidamente empresariais e não sociais. Toda a argumentação da respon- sabilidade social das entidades do governo e de setores não governamentais; de empresas que realizam “investimento social”, se sustenta no incremento de seus resultados positivos, sejam eles eleitorais ou econômicos. Estes não deixaram de ser, ao menos no curto prazo, os principais moto- res e objetivos de suas respectivas gestões. Este artigo busca estabelecer, mesmo que incipientemente, uma relação entre as políticas e pro- gramas de alimentos e de geração de renda para pequenos produtores e pobres rurais, com a agricultura familiar, segmento que os programas buscam dinamizar em relação ao grande negócio da agricultura sistêmica ou Agronegócio, espaço econômico onde se encontram e realizam os pro- cessos finais da cadeia de geração de valor. POLÍTICAS E PROGRAMAS DE AJUDA ALIMENTAR Para paliar o “problema da fome”, alguns países estabeleceram como solução, políticas públicas e programas de ajuda alimentar e nutricional. Mas, será que estes programas são a solução? Ou será que eles agravam e deixam mais evidentes outras carências? 2 FAO: 1996 21 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO Na maioria dos países da América Latina existem programas e ações localizadas para mitigar e com- bater os efeitos da fome e a deficiente distribuição de renda presente neles. Existem fortes criticas aos programas de assistência alimentar e nutricional devido à ausência de eficientes instrumentos legais e mecanismos de controle que evitem que seus benefícios sejam apropriados por segmentos “mais fortes” da cadeia de valor: coletores, distribuidores, comerciantes e exportadores; ou por seg- mentos de “não agricultores”, ou seja, agentes financeiros, distribuidores e comerciantes, ao invés de serem aproveitados pelos pequenos produtores e pobres rurais. No Brasil, o maior volume dos recursos para implementar programas de desenvolvimento e espe- cificamente, programas de alimentos e geração de renda, procede principalmente, dos próprios orçamentos federais e estaduais, com relativos diferenciais de ajuda externa. Estes programas têm sido encaminhados à promoção dos setores mais castigados da agricultura: pequenos arrendatários e proprietários com parcelas que oscilam entre 0 – 4 hectares e que conformam o segmento que no país se denomina agricultura familiar. Recentemente4, o Brasil realizou uma avaliação dos efeitos dos principais programas alimentares: Fome Zero5, Programa de Alimentos e Nutrição, Bolsa Família6 e Programa do Leite. Se re-ava- liaram também, os impactos de programas conexos de distribuição de renda e mistos (alimento - geração de renda) na busca de medir o efeito sobre a ampliação ou não, das desigualdades entre contingentes populacionais dos centros urbanos e rurais de distinto porte, e entre segmentos dedi- cados à agricultura e a outros setores de produção. Resultados avançados indicam que se bem estes programas têm incrementado a produção, dina- mizado as atividades entre produtores da agricultura familiar e criado demanda para importante grupo populacional, a situação de desigualdade não diminuiu sensivelmente. Isto se deveu, entre outras coisas, à falta de planejamento estratégico das instâncias que comandaram o processo e de instrumentos efi cientes que atenuassem a tendência de transferência dos benefícios dos programas para atores da cadeia produtiva menos vinculados ao processo de produção agrícola (atores fora da porteira). Conseqüentemente, a renda tem se concentrado mais em segmentos de “não agricultores” do que em produtores agrícolas e tem prejudicado, especifi camente, a pequenos produtores que continuam entre os mais pobres.7 Num discurso internacional, o Presidente Luis Inácio (Lula) Da Silva afirmou em relação ao progra- ma FOME ZERO que: “Para implantar uma política dessa natureza, a mobilização popular é fun- damental, de forma que se assegure ademais da decisão política dos governantes, a participação efetiva de toda a sociedade”. (Discursos em espanhol Lula, 2001). 3 “É comum caracterizar a agricultura familiar como um setor atrasado do ponto de vista econômico, tecnológico e social, voltado fundamentalmentepara a produção de produtos alimentares básicos e com a lógica de produção de subsistência”. Guanziroli, C.; Buainaim, A. e Meirelles de Souza, H. 2004. 4 Oficina de discussão realizada na Universidade de Brasília no dia 28 de julho de 2006 com participação dos Ministérios de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento, Companhia Nacional de Abastecimento, Fundação Universidade de Brasília, Confederações de Trabalhadores Rurais do Nordeste e Sul do país. 5 Programa Hambre Cero del Gobierno Brasileño que parte del presupuesto de que todas las personas deben tener acceso diario y de forma digna a alimentos en cantidad y calidad suficientes para atender a las necesidades nutricionales básicas y al mantenimiento de la salud. La garantía de este derecho es una condición para que se alcance la ciudadanía y para que una nación pueda considerarse civilizada. El Derecho a la Alimentación se incluye en el plano de los demás derechos civiles, políticos, económicos, sociales y culturales. Su reconocimiento implica que el Estado debe garan- tizar el acceso a la cantidad y a la calidad de los alimentos consumidos por la población a través de una política permanente de Seguridad Alimentar y Nutricional. 6 Nota: Bolsa Família nasce para enfrentar o maior desafio da sociedade brasileira, que é o de combater a fome e a miséria, e promover a emanci- pação das famílias mais pobres do país. Através do programa o governo federal concede mensalmente benefícios em dinheiro para as famílias mais necessitadas em situação de pobreza, com renda per capita de até R$ 100 mensais, que associa à transferência do benefício financeiro o acesso aos direitos sociais básicos - saúde, alimentação, educação e assistência social. O Programa atende duas finalidades básicas: enfrentar o maior desafio da sociedade brasileira, que é o de combater a miséria e a exclusão social, e também promover a emancipação das famílias mais pobres. Bolsa Família unificou todos os benefícios sociais (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio Gás) do governo federal num único programa. A medida proporcionou mais agilidade na liberação do dinheiro a quem precisa, reduziu burocracias e criou mais facilidade no controle dos recursos, dando assim mais transparência ao programa. 7 Conferencias do IPEA, FAO, UNB, MDS e outros, 2006. 22 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO PROGRAMA DE ALIMENTOS NOS ESTADOS UNIDOSNos Estados Unidos um dos componentes da denominada assistência ao desenvolvimento é a ajuda alimentar que na opinião de alguns setores, se constitui num mecanismo para colocar seus excedentes agrícolas e promover a abertura de mercados externos para seus produtos e em certos casos, esta ajuda é acusada de influenciar políticamente os países. O PL 480 é o maior programa de ajuda alimentar dos Estados Unidos, constitui uma importante fer- ramenta para a expansão dos mercados e tem ajudado a colocar produtos agrícolas que sem esse instrumento não teriam sido colocados nos mercados externos, basicamente nos países menos desenvolvidos aonde foram direcionadas as ajudas alimentares. O PL 480: Food for Peace está conformado por 3 títulos: Título I: vendem-se produtos agrícolas norte americanos aos países em desenvolvimento, mediante financiamento de concessão de longo prazo aprovado pela Commodity Credit Cor- poration (CCC) do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Estes produtos são vendidos no mercado local do país receptor do crédito8. Título II: provê doações para assistência alimentar de emergência e para projetos de desen- volvimento, através de organizações voluntárias, ou agências de organismos multilaterais como o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA). Título III: ajuda-se aos países extremamente pobres (renda per capita inferior a US$ 635 dólares). É manejado pela USAID. 70% dos produtos alimentares do PL 480 foram entregues através das modalidades do título I, isto é entrega de produtos alimentares mediante credito . Em 1999 o programa de ajuda alimentar manejou US$1.2 bilhões de dólares com os quais apoiou o envio de aproximadamente 4 milhões de toneladas métricas de produtos agrícolas, dos quais 1,6 toneladas métricas foram doações ao Programa Mundial de Alimentos (PMA). “COMMODITY CREDIT CORPORATION” CRÉDITO A PRODUTORES DE COMMODITIES9 Programa de apoio aos produtores de commodities agrícolas dos Estados Unidos, se constitui em ajuda financeira do Governo para instituições financeiras pertencentes ao Governo dos Estados Unidos, criada em 1933 para apoiar e proteger a renda dos agricultores e os preços dos produtos agrícolas, e subsidiar produtos agrícolas de exportação desse país. Também serviram para incre- mentar a produção e estabilizar os preços, assegurando uma oferta adequada e facilitando uma comercialização mais eficiente. Outros programas como o da seção 416(b)10 e o Programa de Alimentos para o Progresso, que exportam fundamentalmente excedentes agrícolas. Existem outras iniciativas de ajuda alimentária como o Pacote de Assistência Alimentar para Rússia, ajuda alimentar para uma região conhecida como o “Corno da África e Etiópia”, a Iniciativa Global para a Alimentação Escolar, e um novo pro- grama de ajuda para o Afeganistão. Os projetos aprovados pelo Departamento de Agricultura são implementados pelo PMA e uma orga- nização privada voluntária (geralmente de origem norte americana) que institui burocracias interna- cionais custosas às quais se destina um alto percentual da ajuda. 8 http://www.fas.usda.gov/excredits/ 9 http://agriculture.house.gov/glossary/commodity_credit_corporatio_ccc.htm 10 (FAS, 2001). 23 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIOREQUISITO QUE IMPÕEM OS ESTADOS UNIDOS:Restrição à importação de produtos agrícolas similares devido ao fato de que evita a concorrência com terceiros. - Com freqüência, a carga (os alimentos) tem que ser transportada por empresas dos Esta- dos Unidos, normalmente com tarifas superiores às cobradas no mercado internacional. Isto significa melhores negócios para sua marinha mercante (Salgado, 2002). PROGRAMA MUNDIAL DE ALIMENTOS DAS NAÇÕES UNIDAS (PMA) Mais de 60 países financiam as operações do Programa Mundial de Alimentos (PMA), no entanto, a maior parte da ajuda provém da zona do milho dos Estados Unidos (Walsh. 2000). Em 1998, o PMA recebeu US$ 1,7 bilhão de dólares. Estados Unidos foi o maior contribuinte do programa. Em 1998, este país entrega ao PMA US$ 875 milhões de dólares, seguido pela União Européia que entregou quase US$ 185 milhões.11 Os custos administrativos podem ser muito altos, mas não se conta com a informação específica sobre os mesmos, porque ao ser parte do sistema de Nações Unidas não está sujeito a nenhum tipo de auditoria ou sistema de rendição de contas.12 PROGRAMA DE ALIMENTOS NA AMÉRICA CENTRAL (EXTRAÍDO DE: TRABAJO EN COLA- BORACIÓN 7, FAO, PMA E FIDA 2005) “Prolongada y fecunda colaboración en América Central” O FIDA (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola) e a FAO estão contribuindo com uma nova fase do programa de desenvolvimento que se realiza há vários anos na América Central. Essas organizações têm cooperado na constituição da Unidade Regional para a Ajuda Técnica (RUTA), estabelecida em 1982. O corpo Executivo do FIDA aprovou em 2004 uma doação de 1,23 milhões de dólares dos EUA. Para a fase VI da RUTA, a FAO contribuiu com US$ 570.000 dólares, essen- cialmente em assistência através da contratação de pessoas. A RUTA é uma iniciativa conjunta para o desenvolvimento rural, que reúne sete governos e sete organizações internacionais. Seu objetivo geral e reduzir a pobreza nas zonas rurais da região e apoiar o desenvolvimento sustentável. Na América Central, cerca de dois terços das pessoas pobres vivem em zonas rurais. O desenvolvi-mento nesta região, no seu conjunto, tem sido desigual no último decênio. O programa une os governos de Belice, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá, com sete associados no desenvolvimento: o Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, o Banco Interamericano de De- senvolvimento, o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, o Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentárias e o Banco Mundial, além da FAO e do FIDA. O trabalho da RUTA consiste em reduzir a pobreza rural mediante a formulação de políticas e proje- tos; direção de estudos rurais, assistência através da execução de projetos e facilitação do diálogo. 11 WFP home page. 12 Palacios, S., Correa J. P. 2001. 24 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO Em grande parte da América Central onde a RUTA atua a pobreza e a degradação ambiental formam um círculo vicioso. Nesses locais a Unidade promove a gestão sustentável dos recursos naturais e dá apoio a uma série de projetos na região, orientados à proteção do meio ambiente. O programa de alimentos na América Central se ocupa em melhorar as condições de vida e de renda das mulheres e dos indígenas. Numa época de tecnologia em franca e acelerada evolução, outro âmbito prioritário a enfrentar é a perda dos meios de subsistência e os problemas decorrentes da situação. PROGRAMA BIENESTARINA NA COLÔMBIA Na Colômbia o Instituto de Bem-estar Familiar (ICBF), realiza o Plano Nacional de Alimentação e Nutrição. Este Programa de ajuda alimentária está direcionado à população mais pobre e vulnerável do país, especialmente crianças nas escolas e lares comunitários; que inclui o fornecimento de um alimento chamado Bienestarina, em cuja fórmula se inclui soja. No convênio inicial estabeleceu-se que toda a soja utilizada seria de produção nacional, para promover a reativação do setor produtor de soja do país e incentivar o consumo nacional deste produto. As considerações da população a respeito do Programa foram que estava se utilizando, sem o con- sentimento deles feijão de soja geneticamente modificado (transgênicos). O resultado da análise solicitada pelas organizações das comunidades revelou que 90 % da soja utilizada no Programa era Geneticamente Modificada. (7 - FAO-FIDA-PMA 2005) PROGRAMA DE NUTRIÇÃO HUMANA A idéia de promover um programa de melhoria da segurança alimentar e nutricional na América La- tina e no Caribe surgiu no início dos anos 1990. Embora de uma forma geral a região tenha obtido índices favoráveis de desenvolvimento econômico, os números absolutos de pessoas em condição de pobreza e de crianças subnutridas estavam em crescimento. Nessas condições desfavoráveis, o ciclo de pobreza tende a se perpetuar, já que a subnutrição e a insegurança alimentar podem trazer efeitos para a vida toda – prejudicando o desenvolvimento físico, mental e emocional, a produtivida- de e a capacidade de reprodução.13 A deterioração no grau de segurança alimentar em alguns grupos populacionais ocorreu, entre ou- tros fatores, devido às características das políticas agrícolas adotadas em grande parte da região. Em geral, essas políticas levavam a uma agricultura comercial de larga escala com grandes áreas de monocultura, dependência de mercados distantes, globalizados e voláteis e degradação dos recursos naturais. Com isso, muitos pequenos agricultores produziam em áreas marginais de terra e não conseguiam competir nos mesmos mercados que os agricultores comerciais de grande escala. Houve diminuição da renda e redução de quantidade, qualidade e diversidade dos alimentos das famílias. Em alguns lugares, isso provocou a migração em grande escala, exaurindo o capital humano e social das áreas rurais.14 13 Segundo Samir Amin (2004) Será que podemos imaginar outras alternativas, e poder discuti-las amplamente? Alternativas nas quais a agricultura camponesa fosse mantida durante o futuro visível do século XXI, mas que simultaneamente entra-se num processo de continuo progresso tecnoló- gico e social? Por este caminho, as mudanças poderiam verificar-se numa taxa que permitiria uma progressiva transferência dos camponeses aos empregos não rurais e não agrícolas. Tal conjunto estratégico de objetivos envolve complexas políticas alimentárias do campesinato nacional, regional e local. Ao nível nacional implicam macropolíticas que protegem a produção alimentária do campesinato da competência desigual dos agricultores moderni- zados e das corporações dos agribusiness locais e internacionais. Isto ajudará a garantir preços internos dos alimentos aceitáveis - separados dos preços dos mercados internos dos alimentos aceitáveis, separados dos preços dos mercados internacionais, os quais são sustentados pelos subsídios agrícolas do Norte rico. Tais objetivos políticos também questionam os modelos de desenvolvimento industrial e urbano, os quais deveriam estar menos baseados nas prioridades orientadas à exportação (por exemplo: mantendo salários, baixos, o que implica preços baixos para os alimentos) e mais direcionados à expansão do mercado interno socialmente equilibrado. 14 Segundo a FAO os paises desenvolvidos têm destinado recursos para a assistência ao desenvolvimento de paises menos desenvolvidos próximos a 1% do seu produto interno bruto. O Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento (IIED) concluiu que em 2002 a assistência ofi cial destes paises para os menos desenvolvidos caiu de 53.000 milhões em 2001 em comparação com os 56.000 milhões do ano precedente. 25 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIOIMPACTOS DOS PROGRAMAS DE ALIMENTOS NA PRODUÇÃO LOCALA ajuda alimentária constitui então, um subsídio adicional aos produtos agrícolas? Em alguns ca- sos, os alimentos que se importam através dos programas de ajuda alimentária vendem-se no país receptor (monetiza-se a ajuda). Nesse caso, os efeitos para os produtores locais são fatais, pois o produto entra como ajuda e é vendido a um preço tão baixo – por estar subsidiado- que não pode concorrer com a produção local. Os países do Norte têm se negado a aceitar mudanças nas políticas agrícolas impostas pela Orga- nização Mundial do Comércio, como são a eliminação de subsídios à exportação e às tarifas. No entanto, em países do terceiro mundo, estas políticas já tem começado a implementar-se, o que tem expulsado à agricultura local. Como exemplo vemos que nos Estados Unidos existe um subsídio à exportação do trigo. Ao con- trário, noutros países têm subsídios à importação de trigo, porque se aduz uma melhor qualidade do trigo importado, atentando contra a soberania alimentar dos países. NO BALANÇO COMERCIAL Argumenta-se com freqüência que a ajuda alimentar beneficia o balanço comercial dos países re- ceptores, no curto prazo, já que o país deixa de importar15, embora os alimentos doados estejam orientando à estrutura produtiva nacional para uma nova estrutura de consumo, baseada em maté- ria-prima importada; o que gera um menor investimento do aparelho produtivo agropecuário nacional e maior saída de divisas nas crescentes importações.16 Adotam-se ademais padrões alimentares diferentes. Os alimentos doados na maioria são produtos processados e a capacidade de processamento da indústria nacional em muitos dos países recep- tores está baseada em insumos importados; portanto o consumo nacional esta sendo orientado por produtos com alto conteúdo de matéria-prima importada. PROGRAMAS DE AJUDA ALIMENTAR EM SITUAÇÕES DE DESASTRE Na erupção do Vulcão do Nevado do Ruiz na Colômbia em 1986, vários especialistas no tema ana- lisaram o papel da ajuda externa em condições de emergência. Eles consideraram que a reação normal entre os danificados e a presença de um instinto de conservação lhes permitiu encontrar soluções a seus próprios problemas.Amiúde uma grande afluência de ajuda pode inibir os meca- nismos de recuperação e a iniciativa local. Os que oferecem ajuda dão por certo que eles têm pleno conhecimento das necessidades dos po- bres e por isso apressam-se a elaborar projetos em seu nome, desdenhando a capacidade que tem os afetados de trabalhar com seus próprios recursos ou os recursos locais. Geralmente os governos ou entidades que dão a ajuda, atuam de maneira inconsulta, acreditam que a ajuda deve considerar de maneira imediata e situar-se no lugar da desgraça, baseando-se no critério de um funcionário da entidade. No caso de Armero17 chegaram pesadas roupas de inverno, alimentos exóticos ou alimentos que se produzem no país, e que teriam sido conseguidos mais ba- ratos no mercado local. Distribuíram leite às crianças indígenas que tinham intolerância à lactose. Elas sofreram danos estomacais, o que tornou mais agudo seu problema de desnutrição. Este tipo de ajuda pode desalentar aos produtores locais, criar dependência, modificar os costumes alimentares, favorecer os intermediários e pode dar ocasião à corrupção. 15 Prudêncio e Velasco, 1987. 16 Prudêncio e Velasco, 1987. 17 Local do Desastre 26 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO AJUDA ALIMENTAR E POLÍTICA EXTERIORAlguns críticos consideram que a ajuda alimentar tem sido usada sempre para atingir os objetivos da política exterior nos Estados Unidos, pois o país que recebe a ajuda é condicionado pelo país doador para seguir determinada linha política18. Na ajuda alimentar recebida pelos países em desenvolvimento de países desenvolvidos tem-se privilegiado a ajuda a países que implementam reformas estruturais direcionadas para o livre mer- cado. A ajuda alimentar nestes anos tem obrigado os países a aceitar reformas do Fundo Monetário Inter- nacional e do Banco Mundial. “Médicos sem Fronteiras” declararam que estas operações de ajuda não são de maneira alguma operações de ajuda humanitária, são uma operação de propaganda militar, destinada a criar uma opinião internacional de aceitação e favorável às incursões militares lideradas por exércitos de gran- des potências. CONCLUSÕES Este artigo teve a intenção de incursionar em várias direções e posturas políticas no sentido de apresentar as proximidades que existem entre programas de alimentos que em diferentes países pretendem apoiar ou promover os pequenos agricultores de uma categoria conceptual denominada “agricultura familiar”. Esse apoio se daria a partir da dinamização dos sistemas de produção dos pequenos produtores e da absorção sustentável dos seus produtos mediante uma série de medidas e ações direcionadas e manejadas pelo Estado através de políticas públicas. Em tese estas políticas deveriam fortalecer estes grupos e aprovisionar os programas; porém na realidade terminam por dinamizar e consolidar a força e o poder do agronegócio ou agricultura patronal, que se torna o beneficiário principal das ações e políticas públicas. Isto ocorre devido à fragilidade ou à falta de uma inserção adequada dos pequenos produtores num mercado complexo e repleto de processos e tramitações burocráticas que não permite sua inserção efetiva. O Agronegócio e os produtores de mediano porte, devidamente cadastrados, com maiores conheci- mentos e tecnologia, e com suficiente capital de trabalho terminam sendo os principais beneficiários pelos inúmeros obstáculos burocráticos que devem enfrentar os pequenos produtores devido às regras impostas e difusas estabelecidas pelas agencias governamentais no processo de implemen- tação dos programas de ajuda alimentar e de redistribuição da renda. Sob a prática da “responsabilidade social’ ou “investimento social” como denominado por muitas empresas na atualidade, tem se iniciado mudanças através do que se convencionou chamar de Co- mércio Justo e Economia Solidária. Porém, ainda hoje continuam distantes e inalcançáveis os bene- fícios e o impacto positivo na distribuição de renda para um grande número de pequenos produtores pobres. Eles se mantêm desarticulados pela ausência ou deficiência de modalidades concretas e efetivas de associativismo, pela presença de novos e incompreensíveis instrumentos de financia- 18 The Associated Press em 2001 se pergunta “Que lógica teria disparar com uma mão e dar medicina com a outra? Afirma que “em resumo a ajuda alimentar dos países desenvolvidos serve para: - colocar seus excedentes agrícolas, - limitar a concorrência no mercado internacional - gerar lucros para as empresas desses países, por exemplo: suas empresas de navegação. - influir políticamente nos países receptores - promover a política exterior de países desenvolvidos Com os seguintes impactos no país receptor: Expulsão dos produtores locais Obediência às políticas dos países desenvolvidos Perdas de capacidade produtiva local Perdas de emprego, o que conduz à pobreza. Dependência de alimentos importados, e mudanças nos padrões alimentares. 27 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO mento e sob condições “leoninas” para a negociação com segmentos mais aparelhados da cadeia e através de formas de comercialização que claramente lesam seus interesses. Tudo isto aliado ao desconhecimento de formas mais depuradas de organização e de barganha na hora da realização da produção. Segmentos “fora da porteira” nacionais e internacionais continuam sendo os principais beneficiários dos impactos de muitos programas e políticas públicas implementadas pelos distintos governos dos países em desenvolvimento. Carece-se de propostas mais eficientes e mais participativas de planejamento, programação, monitoramento e avaliação. Processos de educação, organização, articulação e empoderamento que assegurem que os destinatários dos programas públicos, nos documentos: os mais pobres sejam efetivamente alvos e receptores dos impactos positivos destes programas e não meros meios para o fortalecimento de segmento fortes das cadeias de valor. Se não se revisam e avaliam em detalhe e com justiça os programas e políticas públicas que con- tinuam a favorecer o grande agronegócio, este continuará a desempenhar um papel importante na manutenção das desigualdades regionais, no empobrecimento dos pequenos produtores e na piora da qualidade de vida destas populações. Isso termina, como bumerangue aumentando os gastos do governo em novos programas sociais dirigidos a paliar ou combater a fome, a desnutrição e a po- breza e transforma os novos programas de alimentos e de geração de renda em excelentes oportu- nidades para o fortalecimento dos “melhores” produtores na ótica do mercado, mas os responsáveis por aumentos significativos dos problemas sociais que geram um “círculo vicioso”, mais pobreza e maiores despesas públicas para combater suas seqüelas. Esta questão se resolveria melhorando a capacidade dos pequenos agricultores familiares para en- frentar com sucesso mercados com novas prerrogativas e trâmites mais complexos. Resolver-se-ia mediante a facilitação de uma participação mais eficiente deste segmento nos processos de tomada de decisão e de negociação mediante acesso a um importante segmento das cadeias de valor do agronegócio, como é o caso do supermercado. Por outro lado, falando da importância da sinergia necessária entre processos de um sistema maior podemos comparar o que ocorre nas relações comerciais entre os países de distinto nível de de- senvolvimento. Se exige nos fóruns internacionais aos países desenvolvidos, um melhor tratamento aos países em desenvolvimento por meio da eliminação de subsídios, da diminuição de barreiras de entrada dos produtos e de relações de comércio menos desiguais. Ao interno dos países ocorre que os setores produtivos exigem uma melhor infra-estrutura para o escoamento da produção e instrumentos ade- quados de financiamento, enquanto que setoresmenos favorecidos precisam ter acesso a ativos como a terra19. A sinergia destes setores poderia realizar-se se tanto as relações de troca fossem mais justas, como o comércio fosse mais solidário. Se isto ocorre nos cenários de países desenvolvidos porque não se repete dentro das fronteiras nacionais entre pequenos produtores rurais e o grande agronegócio. Quem recebe por facilitar e democratizar esta relação? As ações, programas e políticas públicas dos países deveriam preocupar-se em resolver os gargalos internos e eliminar gradativamente as desigualdades mediante a promulgação de leis diferenciadas, políticas agrícolas participativas, que se formulem desde a fonte. Estas devem ser adequadas à re- alidade, promovendo um processo de educação rural, capacitação e acompanhamento eficiente aos agricultores. O objetivo seria ensinar-lhes a comercializar sob condições mais eqüitativas e garantir a realização da sua atividade, além da geração e melhor distribuição dos benefícios. 19 O acesso à terra é fundamental para a participação no mercado e recebimento dos benefícios do fi nanciamento. Além disso, se constitui num aval para aquisições familiares. 28 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO A relação sistêmica entre os programas de alimentos, a agricultura familiar que em teoria o supre e o Agronegócio que compra a produção final ou lhe presta serviços que lhe agregam valor deveria ser mais sinérgica e propender a garantir o ganhar - ganhar. Isso implicaria uma diminuição dos gastos do governo pela eficiência e ganhos em produtividade e competitividade de todos os segmentos das cadeias produtivas. Cada elo geraria diferenciais que hoje são apropriados de maneira desigual pelos segmentos mais fortes e com maior poder de barganha da cadeia, principalmente aqueles que estão fora da porteira e que parecem ainda não entender que se insistirem nesta posição continu- arão a demonstrar intencionalidade na manutenção dos mesmos níveis de pobreza no campo e de sua seqüela nos centros urbanos. 29 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 30 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO COMPETITIVIDADE NO AGRONEGÓCIO Vanderson Gomes Equipe de Agronegócio Há algum tempo o agronegócio é a alavanca da economia brasileira, o Brasil é inegavelmente um forte jogador no setor do agronegócio mundial. Devido ao crescimento desse setor, o país tem gera- do saldos comerciais positivos, empregos e tem movimentando toda economia doméstica. As Nações Unidas foram as primeiras a reconhecer a força do Brasil, criando barreiras tarifárias e sanitárias, tentando, através de subsídios, amenizarem a competitividade brasileira na briga de novos mercados. Mas nem tudo é fácil, o agronegócio brasileiro hoje se encontra em um trade off. O país precisa encarar seus problemas e reconhecer a competitividade internacional, a busca por produtividade, por qualidade e por produtos diferenciados impulsionaram mudanças nos conceitos e processos de produção que colocaram o agronegócio brasileiro no atual patamar de importância mundial. As vantagens naturais do Brasil, como sua biodiversidade são pontos alvos na discussão sobre o agro- negócio, mas não podem ser consideradas isoladamente, por isso é necessário conseguir soluções para o grande setor produtivo. Alguns dos principais problemas no agronegócio brasileiro são: Estradas – 80% do transporte da safra agrícola brasileira é realizado nas rodovias, onde grande parte dos dirigentes de entidades representativas sabem que existe uma perda da safra durante o transporte rodoviário por conseqüência da situação precária dessas estradas. De acordo com um estudo desenvolvido pela Associação Brasileira de Agribusiness – ABAG, o Brasil perde cerca de 6% de sua produção de grãos no transporte da safra aos mercados de destino. Existem sugestões para uma amenização desses problemas rodoviários que se- riam desde implantação de um sistema de integração modal – rodovia, ferrovia e hidrovia – ao aporte de investimentos maciços em pavimentação e restauração de trechos hoje con- siderados nocivos ao escoamento da produção nacional. Armazenagem – A capacidade de armazenamento do país é pequena. A de grãos, por exemplo, é de 106 milhões de toneladas, que representa um número menor em relação a produção nacional, sendo que teríamos que ter capacidade para pelo menos 180 milhões de toneladas de grãos. Além da falta de espaço, acrescenta-se o problema da distribuição irre- gular dos armazéns existentes junto às áreas de produção e também a necessidade de ade- quação ou mesmo construção de novas unidades. Por esse problema, o produtor é obrigado a vender sua colheita a qualquer preço, porque não pode esperar pelo melhor momento, pois não tem onde guardar sua produção. Se no âmbito interno, a situação é difícil, os gargalos externos também prometem dificultar a expan- são do agronegócio brasileiro. Fatores como o aumento da oferta mundial de grãos e com o cres- cimento da produção de concorrentes importantes, como Argentina e Estados Unidos, evidenciam que o país deve estar alerta. É imperativo ao Brasil melhorar a competitividade, com diferenciação de produtos e serviços, envol- vendo agregação de valores por meio do processamento agroindustrial, criação de novos produtos, marketing e desenvolvimento de canais de distribuição. A oferta de alimentos de qualidade e com certificação de origem (rastreabilidade) é um dos princi- pais itens de competitividade do agronegócio mundial. O Brasil tem se destacado como um impor- tante fornecedor de alimento com estas características. Prova disso é que 95% do suco de laranja consumido pela rede mundial de lanchonetes McDonald’s, por exemplo, é vendido por produtores 31 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO brasileiros, mas existem dificuldades que impedem um desempenho ainda melhor no mercado in- ternacional, ligadas principalmente a fatores fitossanitários, criando dificuldades para o ingresso do mercado exportador brasileiro nos principais mercados compradores de carne bovina (nos quais a participação é de 45%). O Brasil começará a criar um ambiente favorável, com o surgimento de novas tecnologias associa- das ao agronegócio, investimentos de longo prazo e sofisticação na gestão de empresas, para poder lutar com um pouco mais de igualdade. Obviamente existem restrições ao avanço do Brasil na direção da agregar valor, porque os nossos compradores, Europa, Estados Unidos, China, Rússia, têm o objetivo de importar matérias-primas e agregar valor dentro das suas fronteiras, gerando assim emprego. É por isso que o país tem que explorar mais os nichos de mercado, como o setor sucroalcooleiro, já que somos pioneiros na utilização e distribuição do etanol como combustível, o Brasil se tornou o primeiro país a utilizar uma forma de energia alternativa em grande escala como opção ao petróleo. Devido à necessidade mundial de diminuir a emissão de gases poluentes no setor automotivo, o álcool e o biodiesel (combustível extraído de óleos vegetais) são grandes aliados no processo de expansão da competitividade brasileira. Sem a definição de estratégias eficientes é gerado um limite de acesso aos mercados, que acaba refletindo em uma inibição no incremento do investimento. Dessa forma, os países perdem não so- mente recursos internacionais, mas também geração de investimentos, emprego e renda. 32 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 33 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO 34 IN FO RM E AG RO NE GÓ CIO PANORAMA BRASILEIRO PRONAF DEZ ANOS DEPOIS: RESULTADOS E PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL Carlos E. Guanziroli Professor e Chefe do Departamento de Economia Universidade Fluminense, Rio de Janeiro, Consultor do IICA - Brasil Versão resumida da apresentação no painel de
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