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É Possível Facilitar a Leitura Um Guia para Escrever Claro

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Um guia completo e moderno com estratégias de como escrever textos 
informativos mais claros. Afinal, em qualquer atividade profissional, e 
mesmo na vida cotidiana, todos precisam conhecer os caminhos da 
escrita - tanto para escrever de forma inteligível quanto para ler com 
compreensão. Lúcia Fulgêncio e Yara Liberato apontam problemas e 
soluções visando a uma escrita legível e à formação de um leitor 
crítico. Além disso, contribuem com maestria para a tarefa de 
professores e de autores de textos informativos e didáticos.
Introdução
Se não somos inteligíveis é porque
não somos inteligentes.
Rousseau
Em qualquer atividade profissional, e mesmo na vida cotidiana, todos precisam 
conhecer os caminhos da escrita – tanto para escrever de forma inteligível quanto 
para ler com compreensão. Ler e escrever implicam em comunicação, e para atingir 
esse objetivo é preciso que o texto seja compreensível. Este livro propõe estratégias de 
como escrever textos informativos mais claros. Mostra também o que se pode fazer 
para definir a legibilidade do texto, visando a interferir no processo do aprendizado 
da leitura, de maneira a facilitá-lo.
Tratando dos fatores que podem constituir dificuldade para a leitura de um 
texto, sobretudo aqueles de caráter didático, acreditamos que é possível alterar a 
forma linguística de um texto de modo a facilitar sua compreensão. Esperamos, 
com isso, contribuir para a tarefa de professores e de autores de textos informativos 
e didáticos. Para autores, sugerindo-lhes caminhos para a elaboração de textos mais 
legíveis, adequados a seu público específico. Para professores – sejam eles professores de 
português, ou de geografia, história, ciências, ou mesmo de matemática – sugerindo-
lhes possíveis parâmetros para a avaliação de textos com que devam trabalhar, e 
sugerindo-lhes como prever e suprir as dificuldades que os alunos experimentam na 
leitura dos textos disponíveis.
10 É possível facilitar a leitura
No capítulo “Um modelo de descrição da leitura” é apresentada uma descrição 
de como se processa a leitura: por exemplo, quais os passos que permitem chegar à 
interpretação do texto, quais os tipos de informação que o leitor precisa utilizar para 
compreender, como atua a memória durante a leitura, dentre outros aspectos. No 
capítulo “A utilização do conhecimento prévio” examinamos como é importante o 
conhecimento de mundo e do assunto do texto para se poder fazer inferências, ligar 
as partes do texto, estabelecer nexo lógico entre as informações e compor a paisagem 
mental do texto. Os capítulos “Tópico” e “Elementos dados e anáfora” tratam de 
problemas relacionados ao discurso, isto é, questões que vão além do âmbito da 
sentença, atingindo a organização do texto como um todo. No capítulo “Tópico” 
examinamos como é importante para a compreensão a correta identificação do 
tópico (isto é, do assunto sobre o qual se fala), e como a paragrafação se relaciona 
com a estruturação dos diversos subtópicos do texto. No capítulo “Elementos 
dados e anáfora” examinamos em que sentido a interpretação das anáforas (como 
os pronomes, por exemplo) pode interferir na facilidade com que se lê um texto. 
No capítulo “Vocabulário” tratamos da importância do conhecimento do léxico na 
compreensão, e no capítulo “Estrutura interna das sentenças” tratamos de fatores 
sintáticos, relacionados com a estrutura interna da sentença. O último capítulo, 
“Efeito do gênero textual”, escrito pelo professor Mário Perini, comenta a tendência 
de escrever e ler textos informativos como se fossem literários, confundindo os dois 
gêneros. Abordamos assim aspectos sintáticos, semânticos, discursivos e cognitivos 
envolvidos na habilidade da leitura, apontando como os textos podem ser construídos 
com mais clareza, de modo a privilegiar a legibilidade.
Os fatores sintáticos são talvez os menos prejudiciais se comparados com 
os demais, mas também comprometem a legibilidade, principalmente quando se 
acumulam no texto. Por outro lado, o emprego de vocabulário conhecido, claro e 
preciso é de fundamental importância para a compreensão do texto. Já a avaliação 
correta do conhecimento prévio do leitor talvez seja a maior garantia de legibilidade de 
um texto. Isto é, o uso adequado do conhecimento prévio do leitor pode compensar 
qualquer outro fator de dificuldade apresentado por traços de natureza discursiva, 
sintática ou lexical, dissolvendo possíveis problemas.
Como ilustração, são apresentados exemplos retirados de livros didáticos. A 
escolha desses livros foi feita de forma totalmente aleatória, isenta de qualquer pressuposto 
ou de qualquer intenção que não a de exemplificar o que se afirma com um material 
autêntico, preparado para ser utilizado realmente no aprendizado das disciplinas do 
ensino fundamental. Não pretendemos, de forma alguma, criticar qualquer autor, 
mesmo porque o fato de haver passagens que possam apresentar problemas, segundo 
nossa análise, não significa que todo o livro tenha uma legibilidade comprometida.
11Introdução
Optamos pela colocação das notas no rodapé da página para que a legibilidade 
deste livro não seja prejudicada. Dessa forma, o leitor não precisa interromper a leitura 
para procurar a página onde estaria a nota. 
Esperamos que as observações que fazemos sobre a legibilidade dos textos 
possam esclarecer, em parte, o que constitui a dificuldade de um texto e assim 
possam contribuir para que seja facilitada a tarefa de ler. Não temos, em absoluto, 
a pretensão de esgotar o assunto. A leitura é, sem dúvida, um campo de pesquisa 
que tem ainda muito a ser explorado. 
* * *
Este trabalho se iniciou com Mário Perini, um dos primeiros linguistas 
brasileiros a se voltar para o problema da leitura funcional. Já no final da década de 
1970 apresentou um trabalho sobre leitura no Congresso da AILA, realizado em 
Montreal. Mais tarde publicou vários outros artigos sobre o assunto, quando o interesse 
pelo estudo da leitura já havia se difundido e produzido frutos.
Preocupado com a situação de alunos mais carentes que têm problemas no 
aprendizado da leitura, resumiu suas ideias em um texto publicado em 1988, no qual 
aponta uma possível saída para o problema: discutir e melhorar a qualidade do texto 
didático, provavelmente “o único tipo de material escrito com o qual esses alunos têm 
oportunidade de um convívio relativamente intenso e prolongado”.
Partindo do pressuposto de que se aprende a ler lendo, afirmava que a “leitura 
funcional nascerá do convívio com o material escrito adequado, e somente dele”. 
Propôs, então, que “os textos deveriam ser graduados quanto à sua dificuldade de 
leitura, de modo que um texto de terceira série fosse significativamente mais simples 
do que um de oitava série, ou de nível universitário”. Mas, como ele próprio afirmou, 
“não é em absoluto óbvio o que constitui a dificuldade de um texto”.
Este livro é o resultado da pesquisa que desenvolvemos a partir de então, na 
tentativa de definir a dificuldade de leitura de um texto, ou seja, sua legibilidade. A 
versão que ora apresentamos é o resultado da fusão de dois outros livros publicados 
anteriormente – chamados Como facilitar a leitura e A leitura na escola – que foram 
revistos, reformulados e ampliados.
Registramos portanto nossos agradecimentos a Mário Perini, que, além de 
ter sido um dos iniciadores e o grande impulsionador da pesquisa sobre linguística 
aplicada à leitura, sugeriu e coordenou nossa pesquisa, além de incluir neste livro um 
capítulo de sua autoria. E agradecemos também a Denise Machado, que leu todo o 
texto e fez excelentes críticas, baseadas em sua longa experiência como professora de 
redação e revisora de textos.
Um modelo de descrição da leitura
A leitura de que nos ocupamos neste livro é aquela a que Perini (1988) chamou 
leitura funcional. Não a simples decodificaçãodo sinal gráfico (que é aprendida 
nos primeiros anos de alfabetização), mas a leitura, com compreensão, de textos 
informativos. Nosso interesse está centrado exclusivamente na compreensão das 
informações veiculadas pelo texto, de forma que não serão objeto de nosso estudo outros 
aspectos envolvidos na atividade da leitura, como a análise crítica ou literária.
Neste primeiro capítulo procuraremos descrever alguns aspectos que constituem 
a leitura funcional, em que o leitor procura construir um sentido para o texto. A 
compreensão de textos é um processo complexo em que interagem diversos fatores 
como conhecimentos linguísticos, conhecimento prévio a respeito do assunto do 
texto, conhecimento geral a respeito do mundo, motivação e interesse na leitura, 
dentre outros. Conhecer como atua cada um desses fatores é imprescindível para a 
discussão da prática do ensino da leitura. Neste livro nos restringiremos a alguns deles, 
que passamos a expor a seguir.
Informação visual e informação não-visual
A leitura não é uma atividade meramente visual. O acesso à informação visual – 
isto é, à informação percebida, captada pelos olhos (abreviadamente IV) – é obviamente 
14 É possível facilitar a leitura
necessário, mas não suficiente. Como sugere Smith (1989), podemos, por exemplo, 
enxergar perfeitamente um texto, e ainda assim não conseguimos lê-lo por estar escrito 
em uma língua que não conhecemos. Esse conhecimento da língua é imprescindível 
e já devemos possuí-lo antes de nos empenharmos na leitura do texto. Ele faz parte 
do conhecimento que temos, estocado na memória, ao qual damos o nome de 
conhecimento prévio ou informação não-visual (abreviadamente InãoV).
Além do conhecimento da língua, outros tipos de InãoV são igualmente 
importantes na leitura. Por exemplo, o conhecimento sobre o assunto de que trata o 
texto. É possível que um leitor não consiga ler um texto que, embora escrito numa 
língua que ele domina, trate de um assunto sobre o qual ele não tem informações. 
Também nesse caso diríamos que lhe falta informação não-visual adequada.
Na verdade, a informação não-visual que utilizamos na leitura compreende 
tanto o conhecimento da língua e do assunto do texto como também todo e qualquer 
outro conhecimento que possuímos e que compõe a nossa teoria do mundo. Isso 
inclui tudo o que sabemos, desde o nome de nosso melhor amigo, ou dados culturais 
como o de que “nas festas juninas se dança quadrilha”, até relações mais complexas 
que podemos perceber entre objetos e acontecimentos do mundo. Todo esse 
conhecimento está, de alguma forma, armazenado em nossa memória, juntamente 
com o conhecimento da linguagem – em uma parte que os psicólogos chamam de 
memória de longo prazo – e é utilizado no processo da leitura, permitindo dar sentido 
àquilo que a visão capta. Vejamos um exemplo de como a informação não-visual pode 
ser importante na leitura:
(1) A casa da Bia foi assaltada. Ela está pensando em comprar um cachorro.
Essas duas sentenças estão relacionadas por uma série de informações não 
expressas explicitamente, como a de que quem tem sua casa assaltada pode querer 
buscar mais segurança, e a de que um cachorro pode guardar casas. Essas informações 
devem fazer parte do conhecimento de mundo do leitor, e são utilizadas para construir 
a relação entre as sentenças. O leitor que compreende o texto acima imagina que o 
cachorro que Bia está pensando em comprar vai servir para evitar que sua casa seja 
assaltada novamente. Sem esse conhecimento prévio não-linguístico é impossível 
conectar as duas sentenças num todo coerente.
Resumidamente, podemos afirmar que a leitura é o resultado da interação 
entre o que o leitor já sabe e o que ele retira do texto. Em outras palavras, a leitura é 
o resultado da interação entre IV e InãoV.
Portanto, a atividade da leitura pode ser representada pela seguinte fórmula:
LER = IV + InãoV
15Um modelo de descrição da leitura
Esses dois tipos de informação (IV e InãoV) mantêm entre si uma relação 
inversamente proporcional, isto é, quanto mais informação não-visual estiver disponível 
ao leitor, menos informação visual ele necessitará retirar do texto (retornaremos a esse 
ponto mais adiante). Smith (1989) exemplifica essa relação com o fato de romances 
populares serem tão mais fáceis de ler do que, por exemplo, artigos técnicos. Os 
romances podem ser lidos de forma relativamente rápida, com iluminação fraca, 
impressão de má qualidade e letras pequenas. Por outro lado, os textos técnicos 
demandam mais tempo e atenção, e melhor qualidade de impressão. Outro exemplo 
do autor: nomes de cidades conhecidas em sinais rodoviários podem ser lidos a uma 
distância maior do que nomes de cidades desconhecidas, em placas do mesmo tamanho. 
O que se passa é que utilizamos nosso conhecimento prévio (ou seja, a InãoV) para 
“adivinhar”, para prever parte da informação visual contida no texto.
Previsões
Antes de examinarmos como a capacidade de estabelecer previsões atua na 
leitura, é preciso observar, primeiramente, que a capacidade de prever é empregada não 
somente quando nós estamos lendo, mas a todo momento, seja qual for a atividade que 
estejamos praticando. Na nossa vida diária usamos constantemente o conhecimento 
armazenado na memória, toda a nossa “teoria do mundo”, para fazer previsões acerca 
daquilo que acreditamos ser mais provável acontecer no futuro. Baseados na nossa 
experiência individual e no nosso conhecimento geral do mundo, formulamos previsões 
com relação àquilo que esperamos que se realize.
Por exemplo, quando estamos dirigindo um carro e vamos atravessar uma rua, 
olhamos primeiro para os lados. Fazemos isso porque supomos que outros carros possam 
cruzar a rua onde estamos. Prevemos também que, se os dois carros cruzarem a rua no 
mesmo instante, vão bater; e se isso acontecer, que o acidente pode danificar os carros 
e machucar pessoas; que, se os carros estragarem, terão de ir para uma oficina; e assim 
por diante. Então, se olhamos para os lados antes de atravessar um cruzamento, estamos 
agindo em resposta às previsões que formulamos para essa situação.
Nem sempre nossas previsões são conscientes, mas elas são certamente bastante 
precisas. Tanto é que, se uma previsão falha, ficamos surpresos. Por exemplo, no 
nosso caso anterior, vimos que podemos supor que outros carros venham a atravessar 
a rua; no entanto, se no lugar de um carro virmos um elefante ou um disco voador, 
ficaremos surpresos, porque isso não corresponde às nossas previsões (isto é, àquilo 
que esperamos que aconteça).
Esse tipo de habilidade de estabelecer previsões (ou de prever o que 
provavelmente acontecerá) aplica-se também à leitura: o leitor está constantemente
16 É possível facilitar a leitura
fazendo previsões sobre o que é provável que apareça num determinado texto. Vejamos 
agora alguns exemplos de como funciona a previsão na leitura.
O leitor pode fazer previsões com base no seu conhecimento sobre as 
combinações de letras possíveis numa língua. Por exemplo, existe um produto cuja 
marca é N***TURAL. Provavelmente todos lemos aí a palavra natural, apesar de a 
letra A não estar representada por seu símbolo convencional, e sim pelo desenho ***. 
Chegamos a essa interpretação com base em nosso conhecimento a respeito de que tipo 
de letra seria possível nesse contexto (entre a letra N, em início de palavra, e a letra T): 
em português, poderíamos ter aí somente uma vogal, nunca uma consoante. Baseados 
também no nosso conhecimento léxico, que inclui a palavra natural como um item já 
existente na língua, chegamos então à identificação do nome do produto.
Um outro exemplo, apresentado por Perini, Fulgêncio & Rehfeld (1984), é o 
seguinte: imaginemos a situação de termos de ler um manuscrito de uma pessoa que escreve 
as letras U e N da mesma forma e encontramos a sequência mostrada na seguintefigura:
Jnliana senton na rna.
Apesar de termos seis vezes a repetição da forma gráfica n, ela será lida três vezes 
como N e três vezes como U: a interpretação será “Juliana sentou na rua”, e não “Jnliaua 
seuton ua rna”, ou qualquer outra coisa parecida. Na verdade, o leitor acredita ver N em na 
e U em rua. Isso se deve à previsão que fazemos baseados na probabilidade de ocorrência 
de letras naquele contexto e na existência de um item léxico com aquela composição.
Esse é, de fato, um dos principais problemas que dificultam a tarefa de revisão 
de textos. Conduzido pelas previsões, o leitor não vê letra por letra de cada palavra 
nem mesmo todas as palavras do texto. Nas situações em que é possível prever a 
ocorrência de determinada letra ou palavra, o leitor simplesmente passa por cima da 
forma visual, completando com suas previsões a informação presente naquele trecho. 
Por isso, muitas vezes o revisor nem mesmo percebe alguma incorreção na escrita e 
deixa passar erros de imprensa.
Temos então, na compreensão de um texto, uma espécie de colaboração ou de 
interação entre a informação visual e o nosso conhecimento anterior.
Esse processo de compreensão é explicado pela formulação de estratégias. O 
leitor está equipado com uma série de técnicas heurísticas (ou estratégias perceptuais) 
que lhe permitem recuperar o sentido do texto através de pistas fornecidas pela 
informação visual. Essas estratégias são de vários tipos: ortográficas, morfossintáticas, 
semântico-pragmáticas e discursivas. Um exemplo de estratégia ortográfica pode ser 
formulado aproximadamente da seguinte maneira:
a. se encontrar a letra J no início de uma palavra (ou sílaba), considere que a 
 letra seguinte só pode ser uma vogal.
17Um modelo de descrição da leitura
É isso que nos faz ler “Juliana” na sequência escrita Jnliana, em vez de “Jnliana”, 
apesar de a letra U estar grafada de forma idêntica à letra N. 
Da mesma forma como atuam as previsões de nível ortográfico, atuam 
também as previsões relacionadas à morfossintaxe: o leitor tem interiorizadas as regras 
morfossintáticas da língua e pode prever as sequências de palavras ou sintagmas possíveis 
na formação de sentenças. Por exemplo, se encontra uma sequência do tipo
Maria é...
espera que depois venha um adjetivo (como em Maria é simpática) ou um sintagma 
nominal (como em Maria é uma fera). Outras estratégias morfossintáticas lhe permitem 
prever outras sequências, como por exemplo:
b. se encontrar uma conjunção, marque o início de uma oração.
Existem também estratégias semântico-pragmáticas: são aquelas baseadas em 
conhecimento prévio relacionado com o significado das expressões, com o assunto 
tratado no texto e com as condições conhecidas do mundo exterior. Essas estratégias 
são muito úteis para ajudar o leitor na interpretação de certos segmentos linguísticos. 
Por exemplo, num texto sobre culinária, podemos esperar que sejam indicados nomes 
de alimentos e não de venenos ou de dinossauros. Então, se estamos lendo uma receita 
e encontramos a indicação
(2) Acrescente um pouco de endívia
mesmo sem saber exatamente do que se trata, e sem conhecer a palavra endívia, 
podemos prever que se trata de um alimento. 
O leitor emprega também estratégias discursivas que lhe permitem fazer previsões 
a respeito de certos aspectos da organização do texto como um todo. Diante de um texto 
de propaganda, de um editorial de jornal, de um romance policial, de um conto de fadas 
ou de um memorando, o leitor faz previsões diferentes quanto à forma de cada texto 
e quanto ao estilo de cada um, com base no que ele sabe a respeito da organização de 
cada gênero discursivo. Portanto, o conhecimento prévio a respeito dos gêneros textuais 
também contribui para a previsibilidade do que se espera que apareça no texto, tanto 
com relação à sua forma quanto com relação ao conteúdo.
Não vamos nos estender mais aqui sobre esse ponto. O que pretendemos com 
esses exemplos foi mostrar como o leitor eficiente utiliza seu conhecimento prévio, 
linguístico e não-linguístico, para fazer previsões durante a leitura.
Vimos que o leitor eficiente não se concentra exclusivamente no material visual 
para obter informação. Ele pode formular previsões acerca do que supõe que venha a 
aparecer no texto e, dessa forma, pode compreender o texto muito mais rapidamente, 
18 É possível facilitar a leitura
saltando algumas partes altamente previsíveis, completando a informação aí contida 
com as previsões formuladas. Mas se o leitor não dispõe de informação não-visual 
adequada, muito pouco do texto pode ser previsto e, nesse caso, o leitor precisa buscar 
muito mais informação no material escrito.
O processamento que se baseia principalmente na informação visual é chamado 
ascendente, ou bottom-up; e o que utiliza basicamente informação não-visual é chamado 
descendente, ou top-down. Os dois processos se alternam e atuam ao mesmo tempo na 
atividade da leitura. Podemos então dizer que a leitura eficiente é resultado da interação 
de ambos os tipos de processamento. Kato (1985) identifica três tipos de leitor, com 
base nesses dois processamentos:
Teríamos o tipo que privilegia o processamento descendente, utilizando muito pouco 
o ascendente. É o leitor que apreende facilmente as ideias gerais e principais do texto, é 
fluente e veloz, mas por outro lado faz excessos de adivinhações, sem procurar confirmá-
las com os dados do texto, através de uma leitura ascendente. [...] O segundo tipo de 
leitor é aquele que se utiliza basicamente do processo ascendente [...], que apreende 
detalhes detectando até erros de ortografia, mas que, ao contrário do primeiro, não 
tira conclusões apressadas. É, porém, vagaroso e pouco fluente e tem dificuldade de 
sintetizar as ideias do texto por não saber distinguir o que é mais importante do que 
é meramente ilustrativo ou redundante. O terceiro tipo de leitor, o leitor maduro, 
é aquele que usa, de forma adequada e no momento apropriado, os dois processos 
complementarmente. (p. 40-41)
Podemos então dizer que a leitura fluente é feita através de um processamento 
parcial do material visual, sendo completada pelas previsões. Como veremos mais 
adiante, o que é previsível muitas vezes nem é processado visualmente: o leitor 
simplesmente salta aquele trecho, completando a informação aí contida com o que 
ele prevê que deve aparecer naquele trecho.
Resumindo o que vimos até aqui, chegamos à conclusão de que a informação 
visual e a informação não-visual mantêm uma relação inversamente proporcional 
na leitura: quanto mais InãoV o leitor tiver disponível sobre um determinado texto, 
menor quantidade de IV ele necessitará para compreendê-lo; e o inverso também 
é verdadeiro: quanto menos InãoV o leitor possuir, mais ele precisará se valer de 
cada detalhe do material impresso. E mais ainda: quanto mais IV o leitor necessitar, 
mais difícil e trabalhoso será ler o texto. E se a InãoV é muito escassa (como, por 
exemplo, quando lemos um artigo técnico de nível avançado que pressupõe noções 
que não possuímos), a compreensão pode se tornar impossível, porque o leitor fica 
excessivamente dependente da IV e demora demais na decodificação dos símbolos 
gráficos e na procura do significado de cada item. Isso dificulta a montagem das 
informações do texto. Essa dependência exagerada da informação visual pode dificultar 
19Um modelo de descrição da leitura
a leitura e até mesmo torná-la impossível, pela simples razão de que a quantidade de IV 
de que podemos dispor a cada momento é limitada. Smith (1989) explica essa limitação 
mostrando três aspectos do funcionamento do sistema visual:
1. o cérebro não vê exatamente o que é percebido pelos olhos;
2. ver toma tempo;
3. ver é algo episódico.
Ainda segundo Smith, essas limitações têm três implicações para a leitura: a 
leitura deve ser rápida, deve ser seletivae depende daquilo que o leitor já sabe. Vejamos, 
de maneira bem resumida, cada um dos três pontos citados.
Aspectos do funcionamento do sistema visual
O cérebro não vê o que os olhos percebem
O estímulo visual não vai diretamente do olho ao cérebro. As fibras nervosas 
que ligam o olho ao cérebro têm pontos de interconexão onde ocorre uma análise 
complexa e uma transformação de sinais. Ao chegar ao cérebro, o sinal percebido é 
reprocessado, de tal maneira que, por exemplo, ao observarmos um prato redondo 
sobre uma mesa, nós o “vemos” como uma forma circular, embora do ângulo pelo 
qual observamos, o olho esteja captando uma imagem com certeza oval. Da mesma 
forma, ao observarmos um quadro na parede, se não estamos exatamente de frente para 
ele, a imagem que sensibiliza nossos olhos é um trapézio; apesar disso, nós o “vemos” 
como uma forma quadrada ou retangular. Podemos dizer, então, que os olhos captam 
informação visual, mas é o cérebro que “vê”.
Ver toma tempo
As pesquisas mostraram que o tempo durante o qual o olho deve ficar exposto 
a uma informação visual, para percebê-la, é muito pequeno: cerca de 50 milésimos 
de segundo; mas que o cérebro leva mais tempo para processar essa informação: cerca 
de 1/4 de segundo (ou 250 milissegundos). O cérebro requer tempo para tomar suas 
decisões e interpretar o que é que foi visto. 
Portanto, na hipótese de que durante a leitura o cérebro tivesse de “ver” todas as 
palavras e todos os símbolos impressos, ele seria capaz de processar, no máximo, 4 palavras 
por segundo ou 240 palavras por minuto (isso se tomarmos a palavra – e não cada letra, 
por exemplo – como a unidade perceptual). Mas o que acontece é que leitores eficientes 
20 É possível facilitar a leitura
conseguem ler mais do que 240 palavras por minuto, isto é, conseguem interpretar uma 
quantidade maior de material do que a capacidade máxima de interpretação a partir 
da visão. Esses dois fatos parecem contraditórios, mas é possível explicar esse aparente 
paradoxo se aceitamos que, para ler, o cérebro não precisa ver tudo o que está impresso 
no papel: ele pode prever parte da informação e saltar aqueles trechos que podem ser 
completados sem a necessidade de intermediação da visão.
Sabemos, além disso, que o tempo gasto pelo cérebro na interpretação de um 
estímulo é diretamente proporcional ao número de alternativas entre as quais o cérebro 
deve decidir. Um exemplo de como isso funciona é fornecido por experiências em 
que se pede a uma pessoa para dizer o que viu numa projeção rápida de uma imagem 
qualquer. O tempo gasto para a resposta vai variar dependendo do que ela esperava ver. 
Se projetamos a letra A e nada lhe dizemos, o tempo que a pessoa gastará para identificar 
a imagem como sendo a letra A será maior do que se lhe for dito antecipadamente 
que o símbolo projetado é uma letra. Será menor ainda se lhe dissermos que a letra 
ocorre na primeira metade do alfabeto, e ainda menor se a informação for de que se 
trata de uma vogal.
Na leitura, é imprescindível que o cérebro possa fazer uso da informação não-visual 
a fim de reduzir o número de alternativas. A informação visual permanece disponível 
ao cérebro por pouco tempo, após ter sido captada pelo olho. Uma vez que o cérebro 
tenha feito uma primeira identificação da informação visual, ela é jogada em um estágio 
da memória chamado memória de curto prazo (MCP),1 onde permanece na sua forma 
literal até que seja construído um significado para ela. A MCP tem uma capacidade 
reduzida, de cerca de cinco a nove unidades. Essas unidades são mantidas na MCP na sua 
forma literal somente até o significado ser computado; uma vez montado o significado, 
ele é enviado para a memória de longo prazo (MLP), que é uma memória duradoura, e a 
forma literal é esquecida. Nessa passagem da memória de curto prazo para a memória 
de longo prazo, a informação é recodificada: o conteúdo literal é perdido e somente o 
conteúdo semântico (isto é, o significado) é memorizado.
Também o tempo de permanência dos itens na memória de curto prazo é 
limitado: seu conteúdo é apagado pela entrada de novos itens. E mesmo que não 
entre informação nova, o conteúdo da MCP é apagado após um curto espaço de 
tempo. É por isso que, quando alguém nos informa um número de telefone que não 
conhecíamos antes, ficamos repetindo o número na cabeça até que possamos discá-lo 
ou anotá-lo. Se não repetimos o número, fazendo com que ele torne a dar entrada na 
MCP, nós o esquecemos rapidamente.
1 Na primeira versão deste livro, os dois tipos de memória foram chamados de “memória de curto termo” e “memória 
de longo termo”, mas a praxe na literatura linguística acabou consagrando os termos “memória de curto prazo” e 
“memória de longo prazo”, respectivamente, que adotaremos de agora em diante.
21Um modelo de descrição da leitura
E é por isso também (isto é, pelo fato de o material contido na MCP ser perdido 
tão rapidamente e pelo fato de a MCP ter um conteúdo tão limitado) que, quando 
uma pessoa tenta ler muito vagarosamente, não consegue compreender e integrar as 
informações do texto: se a leitura é lenta, o material percebido sai da MCP e é esquecido 
antes mesmo que o cérebro consiga organizá-lo em unidades de significado, e possa 
enviar o conteúdo semântico para a memória de longo prazo.
Para perceber melhor como isso funciona, e como é breve o tempo de 
permanência de uma informação na MCP, basta tentar lembrar a forma exata da 
sentença que você acabou de ler. É possível que você recupere o significado, presente 
na sua memória de longo prazo – e é o que esperamos, se você está dando sentido ao 
que está lendo – mas a forma literal da sentença (que seria lembrada se ainda estivesse 
presente na MCP) dificilmente será recuperada. Ela se perdeu, saiu da MCP tão logo 
o significado foi processado.
A cada final de sentença o leitor processa a interpretação daquele trecho e passa 
a informação percebida para a memória de longo prazo. Por isso a última palavra de 
cada frase é fixada mais demoradamente do que as outras palavras. Isso acontece porque 
nesse momento o leitor está fechando o sentido da sentença, e por isso pára naquele 
ponto. Segundo Perfetti (1985), esse momento requer um processamento extra para 
agrupar as partes da sentença, integrar os trechos que tinham sido mal compreendidos 
e integrar as informações num todo coerente – o que leva tempo.
O fatiamento na leitura
Dissemos anteriormente que a capacidade da MCP varia em torno de sete 
unidades; a cada uma dessas unidades armazenadas na MCP chamamos fatia. Miller 
(1956) foi o primeiro a usar o termo “fatia” (chunk), quando estabeleceu que a 
capacidade da MCP poderia ser traduzida em “7, mais ou menos 2 fatias”.
Observe que somos capazes de repetir sete letras aleatórias (com uma pequena 
margem de mais ou menos dois itens), como por exemplo:
i a 1 t r e u
 Mas se agrupamos essas letras numa palavra, como
l e i t u r a
a memorização fica muito mais fácil, e podemos repetir uma sequência de bem 
mais de sete letras, como na palavra “legibilidade”. Isso acontece porque as letras, 
agrupadas em palavras, passam a compor uma unidade, uma vez que formam um 
22 É possível facilitar a leitura
elemento significativo. Com isso, passam a constituir um único item presente na MCP, 
isto é, uma única fatia.
O mesmo processo que vimos no fatiamento de letras acontece com as palavras: 
podemos repetir (na mesma ordem) uma sequência de sete palavras aleatórias:
no encontrou irmão meu Shopping amigo o
E se, novamente, agrupamos essas palavras em unidades significativas maiores, 
todo o processo se repete: podemos reter mais facilmente essas palavras, porque cada 
grupo formado é que constituirá uma fatia de informação contida na MCP.
Meu irmão encontrou o amigo no Shopping.
Agrupando as palavrasem unidades maiores, podemos guardar literalmente 
uma frase de bem mais de sete palavras. Por exemplo:
(3) Semana que vem vou devolver o livro que peguei emprestado na 
biblioteca.
Quando fatiamos a sentença podemos fazer recortes em lugares diferentes, 
formando fatias maiores ou menores. Um exemplo do fatiamento de (3) poderia 
ser o seguinte:
(3’) Semana que vem | vou devolver | o livro | que peguei emprestado | 
 na biblioteca. |
Teríamos, nesse caso, cinco fatias. Mas poderíamos fatiar diferentemente, 
formando fatias menores (de até uma única palavra) ou maiores. Poderíamos, por 
exemplo, formar uma única fatia para o grupo
| vou devolver o livro |
Mas observe que não é qualquer reunião de palavras que pode constituir uma 
fatia: | o livro | pode ser uma fatia, mas “devolver o” não. Isso porque o livro compõe 
uma unidade, um constituinte na língua (ao contrário de “devolver o”, que qualquer 
um sente que “não gruda bem”).
As fatias contidas na MCP – sejam elas compostas de números, letras ou de 
qualquer outro tipo de informação – correspondem sempre a algum tipo de material 
já presente como uma unidade na memória de longo prazo. Assim, por exemplo, 
“Independência ou Morte” pode ser uma fatia porque essa expressão está guardada 
como um todo único, dessa mesma forma, na nossa memória.
23Um modelo de descrição da leitura
Já no caso do recorte de fatias linguísticas que não constituem expressões 
prontas, já decoradas, o trabalho do leitor será mais complicado do que a simples 
busca na memória de longo prazo de um material aí presente de forma literal. Isso 
acontece porque as fatias que identificamos numa sentença como
(3’) Semana que vem | vou devolver | o livro | que peguei emprestado | 
 na biblioteca. |
não se encontram presentes, dessa mesma forma, na MLP. O fato é que estamos 
constantemente interpretando (e fatiando) sentenças novas, que nunca vimos antes, e 
por isso essas fatias não podem estar armazenadas literalmente na memória. Por outro 
lado, sabemos que essas mesmas sentenças são construídas de acordo com regras da 
língua que estão – essas sim – presentes na memória permanente do falante. É com base 
nessas regras da língua que o leitor poderá fatiar as sentenças, procedendo a um duplo 
trabalho: terá de buscar na memória as regras da língua que lhe permitem montar fatias 
novas, e comparar o material percebido com essas estruturas linguísticas presentes na 
MLP. Em outras palavras, o leitor terá de construir as fatias, encaixando o que ele captou 
dentro de esqueletos sintáticos buscados na MLP, de forma a agrupar as palavras em 
constituintes. É por isso que “devolver o” não pode constituir uma fatia, isto é, porque 
não corresponde a nenhum tipo de unidade possível presente na MLP.
Então podemos dizer que o processo de fatiamento de sentenças novas (isto é, 
sentenças que não são frases feitas ou que não foram decoradas) não envolve apenas 
a busca de material já pronto na MLP, mas faz uso de informação aí presente para 
proceder ao recorte das fatias linguísticas.2
Embora não possamos aumentar o número de fatias retidas na memória de curto 
prazo – já que a capacidade da memória mantém-se sempre constante –, podemos 
aumentar o tamanho da fatia. Quanto maior a fatia, isto é, quanto mais elementos 
puderem ser agrupados em unidades significativas, maior será a quantidade de material 
que a memória de curto prazo poderá guardar.
Vimos então que o material que entra na MCP tem de ser organizado em fatias. 
E para que isso aconteça é preciso que o cérebro veja sentido na informação que entra na 
MCP, isto é, é preciso que o cérebro identifique unidades significativas nessa informação. 
E quanto maiores essas unidades, mais rápida e eficiente será a leitura.
Ver é algo episódico
Quando lemos, nossos olhos se movimentam. Esse movimento ocular executado 
na leitura não é linear e contínuo, como se o olho estivesse “escorregando” pelo 
2 Para mais detalhes sobre esse processo de fatiamento linguístico, veja-se Perini, Fulgêncio e Rehfeld, 1984, p. 45-84 
e Frank Smith, 1989, especialmente os capítulos 3-5.
24 É possível facilitar a leitura
papel. Ao contrário, é um movimento que poderia ser descrito como um salto rápido 
e irregular, um pulo de uma posição para outra. Esse pulo é chamado sacada e pode 
ser facilmente observado se olharmos para o olho de uma pessoa enquanto ela lê.
Esse movimento se faz em todas as direções: para frente, para trás, para cima 
ou para baixo da linha do texto. A cada vez que o olho realiza uma pausa entre um 
salto e outro, diz-se que ocorre uma fixação – e é durante as fixações, isto é, quando 
o olho está relativamente imóvel, que a informação é coletada.
A única finalidade de uma sacada, seja em que direção for, é movimentar o 
olho a fim de coletar mais informação. A velocidade com que os olhos se movem de 
uma fixação para outra é estabelecida pelo tempo necessário para que o cérebro extraia 
um sentido de cada nova entrada de informação. O tempo gasto em cada fixação é 
condicionado pela compreensão, e não vice-versa. Isso significa que a compreensão não 
pode ser melhorada com o simples aumento na velocidade das fixações. Não se pode 
acelerar a leitura apressando os olhos, isto é, fazendo um maior número de fixações 
num mesmo período de tempo. Isso teria como consequência uma confusão adicional 
para o cérebro, em vez de acelerar suas decisões. Não haveria tempo para o cérebro 
decidir sobre uma porção de informação antes que ela fosse apagada por uma nova 
entrada, o que obviamente prejudicaria a compreensão em vez de melhorá-la. 
Vamos explicar melhor: como vimos, a memória de curto prazo opera tomando 
como unidades as fatias, que são elementos significativos. Para montar as fatias, é 
preciso que o cérebro veja sentido no material percebido; não basta captar muito 
material, se o cérebro não vê relação entre as suas partes, e portanto não pode agrupar 
os sinais visuais em fatias de significado. Além disso, para que a leitura possa prosseguir, 
é necessário que entre sempre mais material na MCP. Para isso, é preciso “limpar” a 
MCP continuamente, porque a capacidade de retenção da MCP é limitada e se esgota 
em pouco tempo. Por isso, o material guardado de forma literal na MCP deve ser 
interpretado tão rapidamente quanto possível, para que o significado montado possa 
ser enviado para a memória de longo prazo, e aí então possa entrar mais material na 
MCP. Quando o significado é passado para a memória de longo prazo, as fatias saem 
da MCP; a MCP é então esvaziada, permitindo a entrada de mais material.
O segredo da leitura fluente é trabalhar paralelamente e eficientemente com a 
IV e a InãoV, de forma a montar as fatias linguísticas e compor o significado de forma 
rápida, enviando imediatamente para a memória de longo prazo a informação captada. 
Ao montar o significado e mandar essa informação para a MLP, mais material pode 
ser captado e todo o processo se repete. 
Assim, não existe uma taxa de leitura melhor: ela depende da dificuldade da 
passagem que está sendo lida, ou melhor, das habilidades do leitor para interpretar aquela 
passagem. Se a leitura é muito lenta e o leitor dá muita atenção a detalhes, não conseguindo 
processar mais do que poucas letras, palavras ou conceitos individuais, o significado global 
25Um modelo de descrição da leitura
do texto pode se perder definitivamente. A leitura deve ser, portanto, relativamente rápida, 
mas não indiscriminada. O cérebro deve operar seletivamente, fazendo um uso máximo 
daquilo que já sabe, e analisar o mínimo de informação visual necessária para a verificação 
ou modificação do que pode ser previsto no texto. Assim, cada fixação abrange uma grande 
quantidade de informação visual, mas o cérebro só se detém no processamento de parte 
dela: a parte que não pode ser prevista ou que é necessária à verificaçãodas previsões feitas. 
Portanto, fazer uma leitura eficiente é fazê-la rápida e seletivamente. 
A probabilidade de acerto na previsão se relaciona inversamente com o número 
de alternativas com que o cérebro deve lidar, isto é, quanto menor for o número de 
alternativas, maiores serão as possibilidades de a previsão se confirmar. Isso pode ser 
verificado a partir do exemplo que se segue. Imagine uma pessoa esperando um ônibus 
em um ponto por onde ela sabe que só circulam os de número 2003, 3002 e 3040. 
Ao avistar ao longe o letreiro de um ônibus onde consegue ler 20..., essa pessoa não 
precisa ler o restante do número. Ele poderá ser imediatamente previsto, uma vez 
que não há, entre as alternativas possíveis, outro ônibus cujo número comece com 
2. Assim, a informação captada é imediatamente associada à unidade maior 2003, 
armazenada na memória de longo prazo da pessoa. Se, ao contrário, o algarismo inicial 
identificado é 3, a pessoa deverá ainda decidir entre duas alternativas, e para isso deverá 
buscar mais informação no letreiro do ônibus verificando os últimos algarismos (ou, 
pelo menos, o penúltimo).
A InãoV deve, então, ser utilizada para reduzir o número de alternativas 
enquanto lemos. Se sabemos que um determinante (como o, esse, aquele) inicia 
um sintagma nominal, as alternativas sobre a palavra que o segue são reduzidas. Se 
encontramos a palavra desconhecida endívia numa receita culinária, as possibilidades 
sobre seu significado são reduzidas. A seletividade para a coleta e análise da informação 
visual depende, assim, do uso de estratégias eficientes de utilização da InãoV.
Mas o leitor usa a InãoV não somente para fazer previsões, como também para 
inferir, ou seja, para deduzir certas informações não explícitas, que são importantes 
para que ele possa conectar as partes do texto e chegar, enfim, a uma compreensão 
coerente e global do material lido. Veremos, a seguir, alguns exemplos de como o leitor 
estabelece e utiliza inferências na leitura.
Inferências
Geralmente pensamos (incorretamente) que, quando lemos, vamos juntando 
uma palavra com a outra e com isso captamos a informação. Mas não é bem assim. 
A obtenção de informação não se faz exclusivamente pela compreensão das palavras 
26 É possível facilitar a leitura
presentes no texto. O significado não é computado somente através dos elementos 
explícitos, e a informação literal não exprime tudo o que o autor tem a intenção 
de comunicar. O significado global não é simplesmente uma soma do significado 
individual de cada palavra, mas vai além disso: para entender um texto, o leitor precisa 
também construir a lógica que relaciona as informações apresentadas, elaborando as 
pontes de sentido que ligam as várias informações. O leitor precisa conectar as partes 
para dar coerência ao conjunto. 
Vamos retomar o exemplo 1:
(1) A casa da Bia foi assaltada. Ela está pensando em comprar um cachorro.
Como vimos, a conexão lógica entre as duas sentenças do exemplo 1 não é 
apresentada explicitamente. Essa relação tem de ser construída pelo próprio leitor 
com base no seu conhecimento do mundo, isto é, com base na sua InãoV. Ou seja: o 
texto 1 não diz nada a respeito de qual é a relação entre o cachorro e o assalto, mas o 
leitor constrói sozinho essa relação, a partir de uma série de conexões lógicas que ele 
próprio elabora, pensando mais ou menos do seguinte modo:
a) quem tem uma casa assaltada fica temeroso de que tal fato se repita;
b) alguns tipos de cachorro têm a fama de tomar conta do seu território;
c) se um cachorro defende a moradia e se Bia quer ter sua moradia defendida, 
 então Bia vai comprar o cachorro para defender a sua casa. 
É a operação descrita no item “c” que confere lógica ao texto e liga as duas 
sentenças. É essa a relação entre o cachorro e o assalto que faz do exemplo 1 um texto, 
e não duas sentenças isoladas e desconexas.
Essa relação entre as sentenças não está visualmente presente, mas foi acrescentada 
ao texto pelo próprio leitor. Quem entendeu o exemplo 1 necessariamente construiu 
a relação lógica que ligou as duas sentenças, recuperando da memória as informações 
que permitiram conectar os fatos. Isso quer dizer que o leitor acrescentou dados ao 
texto, ao elaborar uma ponte de sentido que não estava explícita. É esse processo de 
dedução de informações não explícitas, de acréscimo de dados ao texto e de construção 
de pontes de sentido que tem o nome de inferência.
Vê-se então que o autor não explicita todas as informações, e que o leitor 
também é responsável pela construção do sentido. Cabe ao leitor inferir as relações 
implícitas e elaborar o significado, montando o quebra-cabeças do texto com as peças 
de informação que lhe são transmitidas explicitamente. 
Para isso ele precisa ter na sua memória os dados que o autor não explicitou. 
Por exemplo, se alguém não sabe que um cachorro pode servir para proteger uma 
27Um modelo de descrição da leitura
casa, certamente não vai entender o texto. Sem o conhecimento prévio, fica impossível 
montar a lógica que liga as informações.
O conhecimento prévio sobre o assunto do texto, que permite a elaboração 
de previsões e inferências, é provavelmente o aspecto mais importante de todos no 
tratamento da legibilidade. Para que um texto seja legível é indispensável que o leitor 
tenha conhecimentos prévios que lhe forneçam os instrumentos para a construção 
das relações lógicas e das pontes de sentido. Sem o domínio desse tipo de informação 
não-visual, a leitura é praticamente impossível, ou pelo menos muito mais difícil. 
Dada a importância para a legibilidade, trataremos mais a fundo desse assunto no 
próximo capítulo.
Resumindo as observações feitas até aqui, podemos dizer que não é possível 
ler um texto valendo-se apenas de IV, isto é, dos sinais gráficos; a leitura é o resultado 
da interação entre a IV, fornecida pelo texto, e a InãoV, que é o conhecimento prévio 
armazenado na memória do leitor. O leitor eficiente utiliza esse conhecimento prévio 
para fazer uma leitura rápida e seletiva através da previsão de parte do material do texto. 
Além disso, a InãoV é também utilizada pelo leitor para completar as informações 
implícitas e elaborar inferências, que contribuem na construção do sentido do texto.
O estabelecimento de inferências, bem como a formulação de previsões, são 
processos que fazem parte da linguagem em geral, e portanto estão presentes tanto 
na compreensão da fala quanto da escrita.
Para compreender, não basta saber a língua; para ler, não basta ver e decodificar 
aquilo que está impresso no papel. É necessário, igualmente, fazer uso da informação 
não-visual, tanto para adiantar e antecipar as informações que são previsíveis quanto 
para inferir dados, deduzindo as informações não explícitas. Essas informações 
inferidas são necessárias para ligar trechos, construindo a coesão do texto, e também 
para elaborar a lógica e a coerência do discurso. 
Em outras palavras, a leitura pressupõe pelo menos dois processos que dependem 
de conhecimento prévio, isto é, de informação não-visual: de um lado, a previsão, que 
acelera e portanto facilita a leitura; de outro, a inferência, que completa e possibilita 
a conexão e a compreensão do material expresso no texto. Então, se um leitor tem 
informação não-visual insuficiente, é de se esperar que tenha dificuldades na leitura:
s� SE�ELE�NáO�PODE�PREVER�E�TEM�DE�PRESTAR�ATEN½áO�A�TODO�O�MATERIAL�VISUAL�� 
 lendo “palavra por palavra”, a velocidade de leitura pode cair a ponto de 
 tornar impossível a compreensão global do texto;
s�� SE�ELE�NáO�PODE�FAZER�INFERãNCIAS��TAMB£M�DIlCILMENTE�COMPREENDERÕ�O�QUE� 
 lê, uma vez que é impossível mencionar explicitamente toda a informação 
 necessária à compreensão de um texto.
28 É possível facilitar a leitura
Implicações para o aprendizado da leitura
A partir do que vimosna seção anterior, podemos dizer que uma das razões 
pelas quais o aprendizado da leitura pode ser tão difícil para as crianças é que às vezes 
elas têm pouca informação não-visual relevante. Assim, uma maneira de facilitar o 
aprendizado da leitura seria fornecer ao aluno textos cuja leitura não dependesse de 
InãoV que ele não possui. Isso inclui todo tipo de conhecimento prévio, linguístico 
e não-linguístico.
Os pesquisadores concordam, em geral, que é lendo que se aprende a ler. 
Kleiman (1989a), por exemplo, diz que “o caminho para chegar a ser um bom leitor 
consiste em ler muito” (p. 8). Smith (1989) afirma à página 103: “como muitos 
outros aspectos da leitura fluente, a seletividade para coleta e análise de amostragens 
da informação visual disponível no texto vem com a experiência da leitura”. 
Se o aprendizado da leitura é adquirido através da prática, seria útil que as 
dificuldades fossem introduzidas paulatinamente. Isso implica, principalmente, não 
exigir conhecimentos prévios que o leitor não possui. Mas alguns materiais iniciais de 
leitura podem não estar favorecendo a utilização do já escasso conhecimento prévio de 
que dispõe a criança: não apenas o conhecimento de mundo, que certamente é menor 
que o de um adulto, mas o próprio conhecimento sobre como ler. 
Se, como vimos, ler depende da utilização de estratégias eficientes, e se existem 
estratégias de compreensão que são específicas do texto escrito, então é de se esperar 
que a criança que está aprendendo a ler não domine perfeitamente essas estratégias. 
Seu conhecimento linguístico prévio deve abranger apenas as estratégias adequadas 
ao estilo oral. Assim, as estratégias adequadas à leitura devem ser gradativamente 
adquiridas pela criança, e sugerimos que esse aprendizado deva aproveitar ao máximo 
o conhecimento prévio que a criança possui. E aqui entram questões fundamentais: é 
possível ensinar a ler? É possível ensinar e treinar o uso de estratégias? Se sim, como? 
Todo tipo de estratégia é ensinável?
É essa proposta que procuraremos desenvolver neste livro. Discutiremos algumas 
características do texto didático que parecem apresentar dificuldade para o aprendiz, 
porque exigem dele habilidades (estratégias) e conhecimentos que ele não possui. 
Argumentaremos que essas características podem ser evitadas nos textos apresentados 
aos leitores iniciantes, com o objetivo de facilitar o aprendizado da leitura. Não se trata 
de lhes negar o acesso a textos mais difíceis. Naturalmente o bom leitor deve ser capaz 
de ler textos de estrutura mais complexa. Mas propomos que essa complexidade, ou 
dificuldade, seja graduada, incrementada passo a passo, e que os textos não apresentem, 
num mesmo trecho, diversos pontos de dificuldade – o que poderia tornar a leitura um 
desafio árduo, por vezes insuperável. 
29Um modelo de descrição da leitura
Acreditamos que, se as complexidades que um texto pode apresentar forem 
dosadas e apresentadas ao leitor iniciante de forma gradativa, a criança será capaz de 
vencer a tarefa de aprendizagem da leitura com mais tranquilidade, porque será capaz 
de compreender o que lê e poderá crescer aos poucos. Construindo ou selecionando 
textos segundo esse critério, acreditamos que o aluno poderá adquirir as estratégias 
de maneira eficaz e sem os traumas que costumam surgir com o fracasso diante de 
tarefas impossíveis. Poderá até mesmo gostar de ler!
A utilização do conhecimento prévio
A elaboração de inferências
Às vezes um texto está adequadamente estruturado do ponto de vista formal – isto é, 
está bem composto com relação ao aspecto sintático, semântico, discursivo, ortográfico –, 
mas ainda assim pode ser pouco legível; quer dizer, o texto, ainda assim, pode ser 
considerado incompreensível por alguns leitores. Isso pode parecer estranho à primeira 
vista: como um texto formalmente bem organizado pode ser de difícil compreensão?
Para esclarecer esse ponto vale lembrar o que vimos no capítulo anterior: a 
interpretação do que é lido não se processa exclusivamente com base no material presente 
no texto. Quando lemos, não estamos jogando unicamente com aquilo que é expresso 
de modo explícito, mas também com um mundo de informação implícita, não expressa 
claramente no texto, mas totalmente imprescindível para se poder compor o significado.
O leitor deve acrescentar conhecimentos extras àquilo que vem dito literalmente. 
Essas informações fornecidas pelo leitor, que servem para criar lógica no texto, são essenciais 
para a compreensão daquilo que o autor quer comunicar. Como vimos no primeiro capítulo, 
é esse processo de elaboração ativa de conhecimentos, a partir de relações que estabelecemos 
entre o que é dito e o que conhecemos anteriormente, que é chamado de inferência.
Vamos ver um exemplo. Eu posso escrever para um amigo e dizer somente 
o seguinte: 
(1) O Zé passou. 
32 É possível facilitar a leitura
Esse amigo vai compreender a mensagem porque ele sabe completar o que eu 
não disse, ou seja, ele sabe se o Zé passou no vestibular ou no exame para motorista, 
por exemplo. Já para outra pessoa que não conhece bem o Zé e não sabe que tipo de 
exame ele fez, a mesma informação teria de ser transmitida de forma diferente, talvez 
explicitando melhor os detalhes. Nós moldamos a forma da mensagem dependendo 
daquilo que sabemos que o nosso interlocutor pode deduzir e completar. Esse é um 
dado importante, porque indica que, quando escrevemos, precisamos moldar o texto 
de acordo com o possível leitor, tendo em vista o tipo de conhecimento prévio que ele 
possui, e a sua capacidade de completar o que não está expresso claramente no texto.
Um outro exemplo de como fazemos inferências é apresentado pelo seguinte 
par de sentenças: 
(2) Rosália está plantando a flor no jardim. 
(3) Rosália está plantando a flor no vaso.
Em (2), compreende-se que a Rosália está no jardim (junto com a flor), mas 
na frase (3) infere-se que somente a flor está no vaso, mas a Rosália não. Isso parece 
evidente, mas quem formulou esse dado foi o leitor, porque essa diferença não está 
escrita na frase. Em princípio poderia haver ambiguidade, mas qualquer dúvida é 
desfeita por causa do nosso conhecimento de como as coisas funcionam no mundo, 
bem como das dimensões de um vaso e de um jardim. Vê-se então que a utilização 
do conhecimento prévio e a formulação de inferências são operações corriqueiras, que 
fazemos a todo momento, sem nem mesmo perceber.
O que acontece é que nem tudo é dito explicitamente; nem tudo é colocado às 
claras – e nem é preciso, porque sabemos deduzir e completar o que não está no texto. 
O significado de uma mensagem não é computado só a partir dos elementos que estão 
explícitos. Na verdade, o leitor tem de completar uma parte da informação que não está 
visível, e para isso usa os conhecimentos que ele já tinha para dar coerência ao texto.
Vejamos como se dá o estabelecimento de inferências, através de alguns exemplos 
apresentados por Castelfranchi e Parisi (1980):
(4) Hoje Pedrinho veio buscar o avô. O velhinho caminhava apoiando-se 
 numa bengala.
Para compreender esse texto, o leitor tem, entre outras coisas, de compreender 
quem é que caminhava apoiando-se numa bengala, ou seja, quem é o velhinho. 
Em outras palavras: para integrar as duas sentenças, o leitor tem de relacionar 
o “velhinho” a um dos dois indivíduos mencionados: a Pedrinho ou ao avô. 
Mas a qual deles? O texto não esclarece esse ponto, mas seguramente todo 
mundo liga o “velhinho” ao “avô”, e entende que era o avô que caminhava com 
33A utilização do conhecimento prévio
uma bengala. Essa ligação (isto é, a correferência entre “velhinho” e “avô”) não está 
expressa no texto. Só é possível elaborar essa inferência através do conhecimento 
enciclopédico que as pessoas têm sobre “avô”, que inclui não somente o significado 
básico da palavra(pai do pai ou pai da mãe), mas também informações do tipo: “em 
geral os avós são pessoas mais velhas”. Esse conhecimento enciclopédico anterior, não-
verbal, é que privilegia a ligação entre velhinho e avô, e descarta uma possível ligação 
de referência entre Pedrinho e velhinho. 
Esse exemplo evidencia que a integração das sentenças de maneira coerente não 
depende somente da compreensão daquilo que está expresso explicitamente: depende 
também de certos conhecimentos implícitos, que estabelecem os elos para a ligação 
lógica das sentenças.
Outro exemplo semelhante é o seguinte:
(5) Meu cachorro está passando mal. O meu pai disse para levá-lo à 
 clínica veterinária.
No exemplo (5) aparece o pronome lo, que remete a quem deve ser levado à 
clínica veterinária. Qual é o referente do pronome (isto é, a entidade para a qual o 
pronome aponta): o cachorro ou o pai? Em princípio o pronome deveria ser ambíguo, 
já que ele está completamente livre, tanto na sintaxe quanto na semântica, para se referir 
ao cachorro ou ao pai. Mas nesse caso não temos nenhum problema na identificação 
da entidade à qual o pronome se refere, e entendemos imediatamente que quem deve 
ser levado à clínica é o cachorro. O nosso conhecimento prévio sobre animais e o 
que se faz quando eles estão doentes, mais a nossa tendência a ligar as informações e 
procurar um elo lógico entre os dados apresentados nas sentenças, privilegia a ligação 
entre o pronome e o cachorro. Na verdade, a gente nem percebe que o pai também 
poderia ser levado à clínica veterinária (por exemplo, ele poderia trabalhar lá). Esse 
exemplo mostra que a identificação do referente de pronomes às vezes é feita através 
de inferências, que têm por base o conhecimento prévio.
Nos exemplos (4) e (5) vimos casos de utilização do conhecimento prévio 
na interpretação do referente das palavras velhinho e lo. Palavras como essas, que
podem remeter a várias entidades e evocar referentes diferentes, dependendo 
do contexto em que se encontram, são chamadas “anáforas”. A identificação do 
referente das anáforas pode ser um problema importante na leitura. Retornaremos 
a essa questão no capítulo “Elementos dados e anáfora”, quando esse assunto será 
examinado mais detalhadamente.
Também dentro da própria sentença pode ser necessário inferir relações não 
especificadas, com base em outros conhecimentos possuídos pelo leitor. Esse é o caso, 
por exemplo, da interpretação da preposição de nas seguintes frases:
34 É possível facilitar a leitura
(6) O gato morreu de medo. (causa) 
(7) O gato morreu de noite. (tempo) 
(8) É uma garrafa de vinho. (conteúdo da garrafa) 
(9) É uma garrafa de vidro. (material com que foi feita a garrafa)
Como explicam Castelfranchi e Parisi (1980), nesses casos a preposição de 
tem um conteúdo semântico vago, pouco específico, e a relação que se estabelece (de 
tempo, causa, conteúdo, etc.) é construída com base no nosso conhecimento prévio, 
a partir do que julgamos que seja viável ou plausível naquela situação. A relação não 
especificada é identificada pelo leitor com base em informação não-visual, isto é, com 
base no seu conhecimento permanente. Guiado pelo contexto, o leitor infere qual o 
conteúdo cognitivo a ser completado.
Observe-se que, no nível sintático, não é possível explicar a diferença de 
interpretação entre as sentenças. Isto é, a relação sintática entre os termos de (6) e (7) 
de um lado, e de (8) e (9) de outro, é igual. Na verdade, o leitor baseia a interpretação 
das sentenças de (6) a (9) não apenas na sintaxe, mas também no seu conhecimento 
de como as coisas se estruturam e se relacionam no mundo.
É a capacidade que o leitor tem de fazer inferências que permite ao autor não colocar 
no texto toda a informação necessária à sua compreensão. Quando se lê, por exemplo,
(10) Enquanto Alaíde estava cozinhando, um pingo de gordura fervendo 
 caiu no seu braço.
infere-se imediatamente que “Alaíde se queimou”, e por isso essa informação não 
precisa vir expressa no texto. Da mesma forma, se alguém me diz que 
(11) Artur está trabalhando.
e eu sei que “Artur trabalha na Faculdade de Letras”, daí eu posso concluir 
inferencialmente que “Artur está na Faculdade de Letras”.
Como mostram esses exemplos, a construção de inferências tem como 
consequência a geração de conhecimentos novos com base nas informações do texto e 
nos conhecimentos já possuídos anteriormente. Quer dizer, quando construímos uma 
inferência, acrescentamos mais dados além dos que já estavam expressos, e incluímos 
informações extras ao texto.
Essa informação adicional, elaborada pelo leitor, passa igualmente a fazer 
parte do seu conjunto de conhecimentos, do mesmo modo como acontece com 
as informações transmitidas literalmente no texto. A capacidade inferencial é de 
tal forma inerente à compreensão da linguagem que o leitor, quando memoriza 
35A utilização do conhecimento prévio
as informações recebidas, incorpora a esse elenco também a informação inferida, sem 
nem mesmo perceber que essa informação não estava explícita no texto. Esse dado 
inferido, que na verdade é construído pelo leitor, entra na memória como se fizesse 
parte do texto, do mesmo jeito que as informações literais.
Johnson, Bransford & Solomon (1973) (apud Bransford & McCarrell, 1977) 
comprovaram esse fato quando realizaram uma experiência em que foram apresentados, 
a dois grupos de leitores, textos como os apresentados a seguir:
(12) Fernando queria consertar o armário. Estava batendo um prego quando 
 o telefone tocou.
(13) Fernando queria consertar o armário. Estava procurando um prego 
 quando telefone tocou.
Após a leitura de (12) e (13), os sujeitos dos dois grupos deveriam ler o texto 
(14) a seguir, e dizer se o tinham lido anteriormente:
(14) Fernando queria consertar o armário. Estava batendo um prego com o 
 martelo quando o telefone tocou.
Note-se que o martelo não foi mencionado em nenhum dos textos iniciais (12) 
e (13), mas o grupo que leu o primeiro texto (o de número 12) – que leva à inferência do 
uso de um martelo – afirmava ter lido o texto final (14). Já o grupo que leu o texto (13) – 
que não pressupõe o uso do martelo – dizia ter lido um texto diferente de (14). Vemos 
assim que o material inferido é memorizado pelo leitor juntamente com as informações 
explícitas. Essa experiência mostra que o que armazenamos da leitura é o sentido que 
construímos para o texto e não sua forma literal e, principalmente, mostra que desse 
sentido fazem parte as inferências que elaboramos.
Vamos examinar agora um pequeno texto e levantar as inferências envolvidas 
na sua compreensão. 
(15) Amanhã é o aniversário da Laurinha. Ana e Luísa foram comprar um 
 presente. Elas estão pensando em comprar uma boneca. 
 (Exemplo adaptado de Charniak, apud Castelfranchi e Parisi, 1979)
s� %M�PRIMEIRO�LUGAR��SE�AMANHá�£�O�ANIVERSÕRIO�DA�,AURINHA��SUPOMOS�QUE� 
 ela ganhará presentes. Essa é uma inferência baseada num conhecimento de 
 âmbito cultural, uma vez que há países onde não se oferecem presentes no 
 dia do aniversário. Portanto, nem todas as pessoas poderiam construir aqui 
 essa inferência.
36 É possível facilitar a leitura
s� !�PARTIR�DO�CONHECIMENTO�ENCICLOP£DICO�DE�QUE�hQUANDO�£�O�ANIVERSÕRIO�DE� 
 alguém compram-se presentes para o aniversariante”, inferimos que o presente 
 que Ana e Luísa foram comprar é para Laurinha.
s�� %� SE� O� PRESENTE� £� UMA�BONECA�� INFERIMOS� A� IDADE� DE�,AURINHA�� DEVE� SER� 
 uma criança.
A reconstrução das inferências envolvidas na interpretação desse pequeno texto 
pode parecer extensa, mas é inegável que quem compreendeu o texto teve de construir 
todas essas relações. O que é realmente surpreendente é a facilidade e o automatismo 
com que realizamos todas essas operações mentais. 
É claro que nem sempre é tão fácil construir as inferênciasenvolvidas num 
texto; a dificuldade de compreensão da leitura pode residir exatamente na dificuldade 
de estabelecer as inferências necessárias à integração das informações.
Vimos então que no processo de comunicação através da linguagem é necessário 
que o leitor (ou ouvinte) acrescente ao texto uma série de conhecimentos que ele mesmo 
já possui, de forma a poder estabelecer uma ligação ou uma ponte entre os elementos 
linguísticos realmente presentes, integrando as informações e dando coerência ao 
enunciado. É como se o leitor estivesse, a todo tempo, lendo nas entrelinhas. Para se 
entender a linguagem é preciso inferir diversas informações que não estão mencionadas 
explicitamente, mas que são absolutamente imprescindíveis para se poder entender 
a mensagem.
A compreensão da linguagem é então um verdadeiro jogo entre aquilo que está 
explícito no texto (que é em parte percebido, em parte previsto) e entre aquilo que 
o leitor insere no texto por conta própria, a partir de inferências que faz, baseado no 
seu conhecimento do mundo.
Expectativas e a noção de “esquema”
Vimos que as inferências que construímos na leitura de um texto estão ancoradas 
no nosso conhecimento prévio. Mas como é que esse conhecimento é ativado?
Para examinar esse ponto, vamos retomar o exemplo (4):
(4) Hoje Pedrinho veio buscar o avô. O velhinho caminhava apoiando-se 
 numa bengala.
Quando analisamos esse caso, vimos que a correferência entre “velhinho” e 
“avô” é privilegiada com base no nosso conhecimento enciclopédico. O fato é que, 
ao se mencionar a palavra avô, o que é ativado na mente do leitor não é somente a 
definição do item, isto é, “pai do pai ou pai da mãe”. Juntamente com os elementos 
37A utilização do conhecimento prévio
que definem o conceito são ativadas na memória várias outras informações que se 
relacionam a esse conceito, como, por exemplo, o de “pessoa idosa”. Elementos como 
esse não fazem parte da lista de traços semânticos obrigatórios – aqueles que servem 
para definir um conceito; são somente noções esperadas, mas são igualmente acionadas 
e focalizadas quando se menciona um item léxico. 
Na verdade, uma palavra evoca na mente do leitor muito mais informações 
do que os seus traços definitórios, e ativa uma área cognitiva mais ampla, que inclui 
também os conhecimentos enciclopédicos relacionados ao conceito mencionado. 
Esses elementos esperados – chamados expectativas – são acionados juntamente com 
os traços que definem um item léxico, e muitas vezes são utilizados para promover a 
relação entre as partes de um enunciado.
As inferências que construímos na leitura têm como base as nossas expectativas, 
quer dizer, o que a gente espera que aconteça ou seja verdadeiro em cada situação. Esse 
é um tipo de conhecimento prévio especialmente importante no estabelecimento de 
inferências, bem como na formulação de previsões.
Exemplos de expectativas podem ser buscados na explicitação do processo de 
compreensão do texto (15) visto anteriormente. Dissemos que “se amanhã é aniversário 
da Laurinha, supomos que ela ganhará presentes”. Mas como pudemos elaborar essa 
suposição? Essa inferência foi construída com base no nosso conhecimento prévio a 
respeito dos aniversários, que promove a expectativa de que o aniversariante ganhe 
presentes. Dissemos também que “se o presente é uma boneca, inferimos que Laurinha 
é uma criança”. Essa inferência se baseia na expectativa seguinte: “espera-se que um 
brinquedo seja oferecido como presente a crianças, e não a adultos”. Vê-se então que 
inferimos certas informações a partir daquilo que julgamos mais provável naquela 
situação, ou seja, a partir das nossas expectativas.
Estudos na área da psicologia cognitiva (como Schank (1978), Minsky (1975) 
e Rumelhart e Ortony (1976)) mostram que a memória tem de ser organizada de 
forma a permitir ao indivíduo ter acesso a informações relevantes que se ligam a 
um estímulo. Essas informações “adicionais” estão guardadas na nossa memória, 
interagindo com outras informações, de forma a compor um quadro que define um 
certo tipo de conhecimento. É como se cada unidade de conhecimento guardada na 
memória fosse interligada às demais, compondo uma espécie de “tecido” ou “circuito” 
cognitivo. Ao se acionar um conceito na memória, ativam-se simultaneamente outras 
informações que se ligam a ele. Essa rede de informações interligadas compõe o que 
se chama de “esquema”. Um esquema inclui basicamente um nódulo central, que 
é o conceito ativado por um estímulo (como uma palavra, por exemplo), e mais as 
expectativas que se ligam a esse conceito. 
Assim, por exemplo, o esquema de “cachorro” poderia ser representado, grosso 
modo, da seguinte maneira:
38 É possível facilitar a leitura
Esquema de “cachorro”
 Expectativa 1
 serve para 
 proteger casas
 
 Núcleo – 
 Expectativa 2 traços: Expectativa 3 
 é possível que animal pode
 tenha pulgas quadrúpede morder
 mamífero, 
 etc....
 
 Expectativa 4
 faz carinho e 
 companhia
 ao dono
Quando o conceito de “cachorro” é acionado na memória, ativam-se 
simultaneamente todas essas informações ligadas ao nódulo central focalizado.
Os esquemas são estruturas que representam a organização do conhecimento 
armazenado na memória. São fatias do mundo dos conceitos, que podem ser ativadas 
na mente de um indivíduo através de um estímulo. São formados por informações 
que estão ligadas umas às outras, num processo interativo, compondo uma espécie 
de rede ou circuito mental. Como vimos, os esquemas se mostram necessários ao 
sistema de processamento da informação, desempenhando um papel importante no 
estabelecimento de inferências e na compreensão dos textos.1 
Para exemplificar a ativação dos esquemas cognitivos, vamos voltar novamente 
ao primeiro exemplo visto no primeiro capítulo:
(16) A casa da Bia foi assaltada. Ela está pensando em comprar um cachorro.
Vimos que, para integrar essas duas sentenças num texto coerente, o leitor tem 
de criar pontes de sentido, ou seja, conexões lógicas. A integração das duas sentenças 
não está explicitada, mas é construída pelo leitor a partir do seu conhecimento prévio, 
1 A esse respeito, veja-se também Van Dijk, 2002.
39A utilização do conhecimento prévio
que promove certas expectativas a respeito dessa situação. Ao serem ativados os 
conceitos de “casa” e “assalto”, o leitor levanta imediatamente diversas expectativas, 
dentre as quais a seguinte: quem tem uma casa assaltada provavelmente tentará 
evitar que isso se repita, e portanto espera-se que procure proteção. Já o conceito 
de “cachorro”, evocado na segunda sentença de (16), inclui a seguinte expectativa: 
cachorros servem para proteger casas (como representado na expectativa n. 1 do 
esquema anterior). São essas duas expectativas que, ao serem acionadas e interligadas, 
permitem que o leitor elabore a inferência de que a função do cachorro será guardar 
a casa, para evitar novo assalto.
Observe-se que, se modificássemos a segunda sentença de (16), construindo (17)
(17) Minha casa foi assaltada. Estou pensando em comprar um porquinho- 
 da-índia.
seria difícil encontrar uma relação lógica no texto, uma vez que o conceito de 
“porquinho-da-índia” não inclui expectativas que poderiam se relacionar às expectativas 
acionadas pela primeira sentença.
É fato que é muito mais fácil entender o texto (16), em que aparece o cachorro, 
do que o (17), em que aparece o porquinho-da-índia. Mas apesar da dificuldade de 
integração das duas sentenças do exemplo (17), o leitor procura imaginar uma relação 
qualquer que possa ligar os dois fatos. Na verdade, ele sempre tenta entender duas 
sentenças justapostas como se fosse um texto, mesmo que isso lhe custe bastante esforço. 
O leitor parte sempre do princípio de que o autor não escreveu tais coisas por acaso, 
que ele não é doido, que na verdadeo escritor tem a intenção de transmitir alguma 
informação, e que deve haver alguma lógica subjazendo à colocação apresentada. Por 
isso o leitor faz força para entender e procura sempre imaginar uma conexão possível 
entre os fatos relatados.
Grice (1967) exprimiu essa ideia quando formulou o chamado “Princípio 
Cooperativo”, que consiste num elenco de convenções, estabelecidas tacitamente entre 
o emissor e o receptor, necessárias à comunicação eficiente. Uma das convenções – ou 
“máximas”, segundo a terminologia usada por Grice – é a seguinte:
Máxima de Relação: seja relevante
Essa máxima resume o princípio que orienta o leitor na busca de uma coerência 
no discurso: o leitor supõe que o autor queira transmitir uma mensagem e que procura 
ser relevante naquilo que diz; fica a cargo do leitor procurar essa relevância e a lógica 
da informação. 
Vamos considerar outro exemplo:
40 É possível facilitar a leitura
(18) João matou Maria. Amanhã vou visitar João na cadeia.
Todos conseguem compreender essas duas sentenças como um texto, ou seja, 
todos veem aí duas sentenças relacionadas entre si, e não duas frases isoladas. Então, 
é preciso explicar como chegamos a estabelecer essa relação; precisamos explicar, por 
exemplo, porque não nos parece estranho o fato de João estar na cadeia.
Todo o nosso raciocínio se baseia nos conhecimentos que já possuímos 
anteriormente, que se ligam ao esquema de “assassinato”. Quando encontramos a 
situação “X matar Y” ativamos imediatamente na nossa memória uma série de outros 
conhecimentos ligados a essa noção, como:
s�ASSASSINATOS�SáO�CRIMES��PROIBIDOS�POR�LEI�
s�AS�TRANSGRESSµES�Í�LEI�SáO�PASS¤VEIS�DE�PUNI½áO�
s�UMA�DAS�FORMAS�DE�PUNI½áO�£�COLOCAR�O�INFRATOR�NA�CADEIA�
Assim, baseados nesses conhecimentos, podemos ter a expectativa de que 
ocorram certas situações, como a prisão do assassino.
Em outras palavras, podemos dizer que, quando o texto evoca na mente do 
leitor a noção “assassinato”, são ativados paralelamente vários outros conceitos, dentre 
os quais a expectativa de que o agente seja preso. É essa expectativa, portanto, que 
explica o fato de João poder ser visitado na cadeia, e confere coerência ao texto (18). 
Baseados nessa expectativa, inferimos que João está na cadeia porque matou Maria.
Se tivéssemos, em vez do texto (18), algo como (19),
(19) João matou Maria. Amanhã vou ao enterro de João.
a integração das duas sentenças seria mais difícil, uma vez que o esquema de “assassinato” 
não levanta a expectativa de que o agente também morra. É provável inclusive que, 
no lugar de “vou ao enterro de João” o leitor entenda “vou ao enterro de Maria”. As 
expectativas que ativamos com relação aos conceitos ou situações levantadas pelo texto 
são de tal forma poderosas que podem dirigir a leitura e guiar a interpretação. Nesse 
caso, como a expectativa mais forte é de que Maria fosse enterrada, e não João, pode 
acontecer de o leitor nem mesmo se deter na decodificação do final da segunda sentença, 
porque já pode prever qual seria a informação dada nesse trecho. Assim, quando o 
leitor encontra “vou ao enterro de...”, ele salta a parte que vem imediatamente depois, 
completa sua interpretação com a expectativa formulada e compreende ou julga ter 
visto “vou ao enterro de Maria”.
As expectativas variam em força de presença, sendo algumas ativadas mais fortemente 
do que outras, de acordo com critérios socioculturais ou individuais. Vimos nos exemplos 
que é mais fácil integrar o texto (18) do que (19), porque a expectativa que permite a 
41A utilização do conhecimento prévio
integração das sentenças de (18) (“agente de um assassinato ser preso”) é mais fortemente 
ativada do que aquelas que poderiam ligar as sentenças de (19) (como, por exemplo, 
“agente de um assassinato ser morto”). Essa explicação é pertinente se considerarmos 
nossa cultura. Mas numa cultura diferente, onde hipoteticamente houvesse pena de morte 
automática para assassinos, a expectativa “agente ser morto” poderia ser ativada mais 
fortemente do que para nós brasileiros, e permitiria que o leitor integrasse de modo mais 
fácil o texto (19). É nesse sentido que afirmamos que as expectativas são determinadas 
socioculturalmente. Além disso, podem variar de indivíduo para indivíduo. Por exemplo, 
o esquema de “cachorro” pode conter, para algumas pessoas, a expectativa “proteção”, ao 
passo que para outras pode se ligar a “perigo”, dependendo de suas experiências pessoais. 
Quando a interpretação de um texto exige uma ponte de sentido baseada numa 
expectativa fortemente ativada, o texto é mais fácil de ser compreendido. Por exemplo, 
vamos imaginar um texto que fale de uma situação de “compra”: isso ativaria um script 
que inclui uma lista de detalhes que caracterizam o evento e que se ligam normalmente 
a essa situação, como “ida a uma loja”, “vendedor”, “pagamento”, “dinheiro”, “carteira”, 
“lucro”, “embrulho”.2 Podemos ligar com mais facilidade sentenças que envolvam uma 
expectativa fortemente ativada, como no exemplo a seguir:
(20) Gostaria muito de comprar a sua rifa, mas infelizmente estou sem 
 minha carteira no momento.
Por outro lado, quando o texto envolve expectativas mais fracas, a ligação entre 
as sentenças pode ser mais difícil, como se vê no exemplo a seguir:
(21) Gostaria muito de comprar a sua rifa, mas infelizmente estou sem 
 minha chave no momento.
O esquema de “compra” ativa muito fracamente a ideia de “chave” (ao contrário 
da ideia de “carteira”, que é ativada fortemente). Para a compreensão de (21), o 
leitor deve percorrer um caminho maior. Uma possibilidade é que o esquema de 
“compra” ative o esquema de “dinheiro”, que por sua vez está ligado a “cofre”, que 
então ativaria “chave”. Vê-se que para integrar (21) o esforço é bem maior, exigindo 
que se percorra um caminho mais comprido do que em (20). Em (20), a expectativa 
de que haja uma carteira está ligada ao esquema de “compra” de uma forma mais 
estreita, mais próxima, mais evidente. Por outro lado, a existência da chave de um 
cofre nesse esquema não é uma expectativa tão forte; ao contrário, é uma expectativa 
fraca, ligada de maneira muito distante ao esquema de “compra”. Para fazer a ligação 
da chave mencionada com a situação de “comprar uma rifa” o leitor tem de elaborar 
2 O termo “script” é usado por Schank (1978) para se referir ao esquema cognitivo que se relaciona a uma cena, 
como a situação de “fazer uma compra”.
42 É possível facilitar a leitura
uma porção de deduções, tem de fazer uma série de raciocínios, e se esforçar 
objetivamente no sentido de descobrir uma possível relação entre os fatos. Todo esse 
raciocínio toma tempo, e às vezes é desenvolvido até de forma consciente.
Por outro lado, quando a ligação do texto é feita através de uma expectativa 
fortemente ativada, como no caso de (20), a compreensão é imediata e o raciocínio 
envolvido não é consciente. Nesse caso, o texto é compreendido mais facilmente e 
mais rapidamente. Chegamos então ao seguinte princípio:
Princípio 1: Textos cuja compreensão depende da utilização
de expectativas fortemente ativadas são mais legíveis.
Vimos então que as palavras mencionadas ativam na mente do ouvinte ou leitor 
não somente o significado que as define, mas todo um esquema de conhecimentos, 
composto de informações que se ligam ao conceito evocado.
Num texto, os esquemas evocados por cada item léxico interagem uns com os 
outros, privilegiando certas expectativas. Por exemplo, vimos que quando obtemos 
a informação de que
(22) João matou Maria.
acionamos imediatamente a expectativa de que João seja preso. No entanto, se 
sabemos que
(23) João matou a barata.
ou
(24) Um urso polar matou Maria.
não ativamos a mesma expectativa de prisão do agente, uma vez que ela só é acionada 
na presença de um agente e de um paciente humanos. Portanto, é a integração

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