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Universidade Federal de Viçosa Cap - COLUNI, 1ª Série, Turma C Professoras: Mariana e Ofélia. Análise do Conto: À Procura de um Reflexo (Livro: Doze Reis e a Moça No Labirinto do Vento – Marina Colasanti Feito por: Laura Scofield, 10, Lisandra Oliveira, 17, Luíza Sobreira, 26, Maria Luíza Ribeiro, 34. Viçosa, 2015 Introdução O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de analisar o conto “À Procura de um Reflexo” – Livro Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento, Marina Colasanti- relacionando-o com a obra como um todo, abordando sua temática, a linguagem utilizada, a simbologia por detrás dos personagens e da linguagem e, principalmente, como o conto aborda conflitos humanos e contemporâneos. Os contos de Marina Colasanti são característicos e conseguem colocar em sintonia a ideologia, o texto, o gênero, os personagens e o tema abordado tornando suas obras contemporâneas e exclusivas. “À procura de um reflexo”, assim como muitos dos escritos de Marina, apresentam problemáticas relativas às crises de identidade na pós-modernidade. É interessante a forma na qual Marina aborda essas cisões identitárias, reorganizando elementos de contos de fadas tradicionais e ao mesmo tempo rompendo com a forma antiquada dos mesmos. A construção da identidade é o tema foco do conto estudado. Apesar de parecer uma simples história maravilhosa contemporânea, o conto tem muitas reflexões, indo muito além de um simples entretenimento. A fim de entender o “algo a mais” que Marina Colasanti coloca em seu conto, desenvolvemos uma série de analises contextuais apresentadas abaixo. Desenvolvimento • Marina Colasanti Marina Colasanti tem características de escrita muito marcantes e específicas. Isso pode ser observado em seus contos de fadas, nos quais a preferência é por abordar temas de natureza existencialista. Esses fazem parte do mundo interior e exterior do público alvo, que tem idades bem distintas entre si, contribuindo, assim, com a atemporalidade e universalidade da obra. Em seus contos, Marina procura mesclar situações ilusórias com o âmbito real, muitas vezes contemporâneo, o que dá origem, então, a um conto de cunho fantástico. Posteriormente, a fantasia de seus contos é relacionada a assuntos e situações atuais, promovendo uma reflexão acerca do conto tratado. (http://rascunho.gazetadopovo.com .br/corte-radical/) • Contos Maravilhosos Os contos maravilhosos, apesar de serem acusados de alienantes por alguns estudiosos, são importantes recursos na formação da personalidade, no desenvolvimento emocional da criança e na formação do leitor, por oferecer significados em diversos níveis, enriquecendo a sua existência de muitos modos. O caráter simbólico, o tom coloquial, a presença do maravilhoso, a indeterminação temporal e espacial e os personagens tipificados, são elementos determinantes do gênero que concorrem para a identificação do leitor com a obra. Trabalhando em nível do inconsciente, os contos de fadas desvelam-nos, de forma alegórica, problemas cruciais de nossa existência e oferecem-nos pistas para a conquista da nossa maturidade. • Resumo da obra ' O conto “À Procura de um reflexo” trata basicamente da história de uma moça que, ao se olhar no espelho para tecer suas tranças, não enxerga seu rosto e, por isso, resolve ir ao lago em busca dele. Lá, não encontra na água a sua imagem e é conduzida a uma caverna. Nesse ambiente cavernoso, cheio de espelhos e bacias com água, a moça conhece a Dama dos Espelhos, que a desafia a encontrar o que tanto procurava, ou seja, a imagem perdida. Ao procurar de bacia em bacia o rosto perdido, depara-se com novos reflexos. Nenhum era aquele que mais desejava. Até que a moça atira no espelho a bacia onde está seu rosto, ocasionando o desaparecimento da Dama dos Espelhos. Depois, sai da caverna e, ao se ajoelhar para beber água no córrego, vê seu rosto, que tanto procurava, sorrindo para ela. • Temática do conto A temática do conto é bastante interessante e atual, ela representa a busca por si próprio. No conto, a personagem principal, em uma manhã aparentemente normal, percebe que se perdeu e que não está sendo capaz de se encontrar. A história se desenvolve revelando os caminhos que a menina percorre para, enfim, encontrar-se e aceitar-se por completo. • Linguagem do conto A linguagem do conto é, em geral, simples, porém, existem algumas palavras menos usuais, e assim, desconhecidas pela maioria das pessoas. No entanto, essas palavras não comprometem a interpretação do conto como um todo. “Nos contos colasantianos, o narrador constrói o seu discurso, valendo-se dos recursos da linguagem poética. O texto em prosa é estruturado com frases curtas, com a acentuada presença de paralelismos, de rimas e ritmos próprios do discurso poético, além de figuras simbólicas muito sugestivas. As histórias ganham, pois, uma roupagem rica de elementos ritualísticos e de temáticas pós- modernas, como a ênfase à abordagem da solidão, do individualismo e da procura da identidade em tempos pós- modernos.” (Revista Literatura em Debate, v. 8, n. 14, p. 23- 46, ago. 2014.) Por ser um conto, e ainda mais, um conto fantástico, a linguagem empregada em À Procura de um Reflexo é literária, com o uso recorrente de palavras e expressões no sentido conotativo e o também a utilização de várias figuras de linguagem, o que engrandece o texto. Uma das figuras de linguagem mais presentes é a prosopopeia ou personificação, que atribui características humanas a seres inanimados e que pode ser vista, por exemplo, nos seguintes trechos: “-Como quer que eu saiba, se tantos vêm se procurar em mim? - respondeu o lago desdenhoso. (...)” (Página 56, 5º parágrafo) “O medo, entre rochas, bateu asas.” (Página 58, 3º parágrafo) “Gotas pingavam do alto, gemendo nas poças em que o córrego parecia desfazer-se.” (Página 58, 3º parágrafo.) Além da prosopopeia, outras figuras de linguagem recorrentes são: Hipérbato: transposição ou inversão da ordem natural das palavras de uma oração, para efeito estilístico. “-Imagem minha, -murmurou aflita- onde está você?”(Página 56, 2º parágrafo) “Cochila quase a moça.” (Página 59, 9º parágrafo) “-De quem é este rosto, Senhora? - pergunta a moça tentando controlar o visgo do espanto.” (Página 59, 8º parágrafo) Paranomásia: consiste em aproximar palavras com sons parecidos. “Flutuam as tranças louras, como algas.” (Página 61, 1º parágrafo) “Em cada remanso, em cada refluxo, em cada redemoinho procurou rosto ou rasto.” (Página 58, 2º parágrafo) Antítese: Oposição entre sentido de duas palavras “(...) presente o rosto, ausente o que do rosto conhecia.” (Página 56, 1º parágrafo) Aliteração: Gerada por série combinada de sons. No exemplo do conto, tem-se a repetição do “s”, sugerindo ruído do espelho se quebrando. “Estilhaça-se a luz. Estronda a gruta, enquanto dos cristais a prata se espatifa. O ar estala, extingue toda a chama. Esverdinhando o rosto, as mãos esgatinhando o peito, a Dama estremece, se escama, se esvai. Um grito se estrangula. E estroçada no chão ela estertora.” (Página 62, 4º parágrafo) Além disso, a linguagem conta com várias perguntas retóricas e adjetivos, que facilitam a imaginação da história pelo leitor. Tais fatores aproximam determinado interlocutor dos personagens e do contexto, criando uma atmosfera de cumplicidade. O leitor é cativado pela história e pela maneira em que ela é contada. • Simbologia invocada pela linguagem e personagens A simbologia invocada pelalinguagem e personagens se dá pelo sentido que determinadas palavras e expressões despertam, mesmo que esse seja tão sutil que acaba passando despercebido. Nos contos, cada palavra é escolhida de forma a contribuir com o que o autor deseja passar com sua obra, portanto, é importante que essa simbologia, ou seja, os sentidos internos de cada palavra e expressão sejam descobertos para que se entenda o texto em toda sua complexidade. No primeiro parágrafo do conto, um aspecto interessante da linguagem é a repetição da palavra inútil no seguinte fragmento: “Inútil passar um pano no espelho. Inútil passar as mãos no rosto.” (Página 56, 1º parágrafo) A repetição é muito utilizada na linguagem para dar ênfase a certa ideia, e nesse caso não foi diferente. Porém, a repetição dessa palavra também fez com que, no contexto da história, ficasse mais clara a necessidade de a personagem promover uma busca mais profunda, tendo em vista que simplesmente “passar um pano ou as mãos” seria inútil. Sendo assim, nesse fragmento, a linguagem utilizou-se de suas técnicas a fim de levar o leitor a esta conclusão implícita. Ao trazermos tal impressão para a realidade do texto, podemos prová-la certa, pois encontrar a si próprio é algo muito complexo para que uma busca superficial seja capaz de desvendar. A repetição como forma de dar ênfase e promover determinado significado é ainda utilizada em outros momentos no conto, porém, não convém citar todos, tendo em vista que a interpretação é praticamente a mesma. Ainda na primeira página do texto, outra frase chama a atenção pelo seu sentido oculto: “E duas lágrimas quebraram a lisura da margem.” (Página 56, 4º parágrafo) Na realidade do conto, essas lágrimas surgem em razão da tristeza da moça e enquanto ela procura a si própria no lago. Quando é dito que as lágrimas quebram a lisura da margem, fica subtendido que a tristeza e a busca da moça incomodaram um ambiente antes harmonioso (o lago). Portanto, fazendo uma interpretação mais profunda dessa frase, que ao ser analisada rapidamente parece apenas uma forma de embelezar o texto, é possível chegar à conclusão que a procura por si próprio afetaria não só a pessoa que se busca, mas também tudo aquilo que a rodeia, podendo despertar diferentes sentimentos em cada um desses “sujeitos”. Além disso, ainda se tratando da interação entre a moça e o lago, é dito: “-Como quer que eu saiba, se tantos vêm se procurar em mim? - respondeu o lago desdenhoso. - Talvez tenha sido levada pelo córrego, com outras miudezas.” (Página 58, 1º parágrafo) Nesse caso, a resposta do lago, que, assim como no tópico anterior, é um sujeito na busca da menina, tem como função explicitar outra reação possível daquilo que nos rodeia em relação a nossos conflitos pessoais. Ele, desdenhoso, diminui a busca e sentimentos da garota, porém, a mesma, determinada, o que fica mais claro no decorrer do conto, continua seu caminho. Isso representa outra dificuldade enfrentada por quem se procura: aprender a conviver com comentários desdenhosos e manter o foco. Outra análise interessante pode ser feita no seguinte fragmento: “E em cada quieto olho d’água se defronta com uma nova imagem, sem que nenhuma seja aquela que mais deseja.” (Página 60, 3º parágrafo) Nesta parte do texto, o fato de a menina ver em cada olho d’água uma nova imagem significa que a personalidade dela é constituída pela fusão das várias identidades que possui. E, tendo em vista que o conto gira em torno da busca pelo autoconhecimento e aceitação de todas as partes do ser, pode-se perceber também que, ao se deparar com imagens que a menina não desejava ver, existe um sentimento de negação de um pouco do que ela é. No final do conto, quando, por fim, a menina sorri, podemos chegar a conclusão que ela aceitou todas as partes que agora conhece de si. Na frase: “Por mais que sentisse a pele sob os dedos, ali estava ela como se não estivesse presente o rosto, ausente o que do rosto conhecia.” (Página 56, 1º parágrafo), fica explícito o desconhecimento da menina acerca de si mesma, que a impediu de observar sua imagem. Era por essa razão que ela não era capaz de enxergar seus traços, sua sombra e seus reflexos. Mudando um pouco a forma de interpretação, a fim de trazer o foco da análise para as palavras e seus significados simbólicos, ressaltaremos, agora, a importância do espelho no conto. De acordo com o Dicionário dos Símbolos, o espelho assume a figuração de superfície que reflete a “verdade, o conteúdo do coração e da consciência”. Sendo assim, é por isso que a menina vai à procura de sua imagem no espelho, a fim de conhecer a si mesma e encontrar-se, mesmo que, no início do conto, ela tenha buscado apenas a imagem que havia formulado sobre si mesma. Além disso, a caverna e a saída da menina desta representam também o processo de busca pelo qual passa a garota. A caverna, de acordo com o dicionário de símbolos, seria “símbolo da exploração do eu interior e lugar de amadurecimento do sujeito”. Ao entrar na caverna escura e que desperta medo, a menina mostra seus sentimentos de anseio e temor em relação a sua busca pelo autoconhecimento, porém, é lá que ela se tornará forte para aceitar e encontrar o que tanto procura. É uma trajetória desafiadora e difícil, levando em consideração que a menina já tinha uma imagem feita de si mesma e que, mesmo que buscasse se conhecer, ainda não estava pronta a se livrar das antigas concepções. Podemos ver essa busca como um dilema, em que a menina busca a si mesma por ter se perdido, mas ainda mostra-se receosa com o que pode encontrar. Ainda nesse ambiente, os sentimentos despertados, como no seguinte fragmento: “Trancada na gruta entre velas acesas, a moça não sabe do tempo. Sabe apenas que não quer afastar-se de si mesma, deixar seu rosto sozinho na água fria. E ali, junto dele, sem ousar acariciá-lo com medo de romper-lhe os traços, deixa as horas passarem em silêncio.” (Página 61, 7º parágrafo), demonstram que ainda existia certo apego da menina em relação a sua antiga imagem, remetendo a negação da mesma às suas outras identidades e à possibilidade de uma parte dela diferente daquela que ela, vaidosamente, todos os dias, cultuava. Ela ainda se agarrava a aquilo que ela considerava que era, mesmo que fosse frio e não reagisse de forma alguma à sua presença, o que pode ser visto quando ela se questiona por que sua reflexo não sorri ao “vê-la” pela bacia. Durante o conto, a menina é movida e instigada pelo estranhamento. Ela sai a busca de si mesma em razão do fato estranho que foi não se encontrar para fazer as tranças, logo depois se depara com a estranheza da carverna, a discrepância da tão bela dama com o ambiente em que se encontrava e o sorriso também estranho dessa senhora. Ela se depara com várias situações estranhas e, no final, aceita a própria estranheza de ser formada por mais do que aquilo com o qual ela se deparava, aceitava e cultuava. A respeito da simbologia invocada pelos personagens, a protagonista mostra-se comum. Em nenhum momento é dito que é dotada de extraordinária beleza, mas mesmo assim, quando se perde, a garota procura incessantemente por si. Isso pode indicar o caráter ordinário da busca por si próprio, que não depende de um fator maior que o incentive. Apenas existe, pois a autodescoberta é essencial na vida de qualquer ser. No decorrer do conto, fica claro que a menina enfrenta dificuldades, que são representadas pelo medo, e por alguns outros fatores mais implícitos, como por exemplo, a água trançada em seustornozelos, que representa a dificuldade de “andar contra a correnteza”¹, porém, ela não desiste de sua missão, o que mostra alguém determinado a buscar-se mesmo que para isso tenha que vencer muitas barreiras. Em sua relação com a mulher da caverna dos espelhos, a menina mostra-se tímida e acuada no primeiro momento, porém, quando aparece a necessidade da utilização de um pouco de “força”, ela mostra-se capaz de aplicar a mesma e terminar “vencendo” aquela batalha que, depois de uma análise mais profunda, fica claro que era contra ela mesma. A Dama dos Espelhos era, na verdade, uma parte dela, o “duplo” que ela não era capaz de aceitar. No que diz respeito à interpretação da simbologia da mulher da caverna dos espelhos, ela se mostra amarga e fria. Solitária, gosta da visita da menina, mesmo que provavelmente saiba o que a mesma significa. Tendo em mente que a Dama dos Espelhos representa uma parte marginalizada da e pela menina, podemos concluir que a solidão, vivenciada pelas “duas” mostra o quão vaidosas e orgulhosas elas eram, levando em conta que eram capazes de viver satisfeitas apenas com a própria presença. No conto, o pontapé inicial para a busca da menina por si foi o fato de ter se perdido, já que não era capaz de ficar sem si própria e não tinha mais ninguém. A Dama dos Espelhos, no primeiro momento, é representada com grande beleza. Porém, o rosto pálido que é visto na primeira bacia que a menina avista é da mulher, que não seria tão bela assim. Isso mostra a relatividade da beleza. Essa mulher, que se mostra bela, é na verdade diferente da imagem que passa, o que suscita uma reflexão a respeito do que as pessoas são verdadeiramente, o que elas são capazes de transperecer e até que ponto de escondem. De acordo com os conceitos já citados a respeito do “duplo”, a Dama seria uma parte da personalidade da menina que havia sido marginalizada pelo ego da mesma, pois a garota não era capaz de se aceitar por inteiro. No final do conto, a menina ajoelha-se, o que pode ser interpretado como um sinal de rendimento e de aceitação. Neste momento, a menina aceita seu duplo e todas as partes² de sua personalidade que era antes incapaz de aceitar. Em razão disso, ela sorri, mostrando que sua busca está completa. “Lá fora, na claridade da manhã que apenas se anuncia, o córrego mantém o antigo trote, água fresca e cantante que parece chamá-la. E a moça se aproxima, se ajoelha, estende o queixo, boca entreaberta para matar a sede. Mas no manso fluir da margem outra boca a recebe. Boca idêntica à sua, que no claro reflexo do seu rosto de volta lhe sorri.” (Página 62, 7º parágrafo) 1: A correnteza seria o senso comum, que normalmente procura nos tender à acomodação. 2: Essas outras partes já foram citadas, sendo todas aquelas imagens vistas, inicialmente, pela menina nos olhos d’águas. As imagens que ela não desejava ver. • Intertextualidade no conto No conto "À procura de um reflexo" é possível notar temas comuns no contexto da pós-modernidade, como a busca pelo duplo. Essa temática já foi abordada em épocas mais antigas, por Plauto (Os menecmas, 206 a.C.) e William Shakespeare (Comédia dos erros, 1592-1593), além de outros artistas. No entanto, suas concepções do duplo não promoviam a visão de uma fragmentação do reflexo, deixando de lado a discussão sobre a identidade de quem era duplicado e não tratando-o como "representação de uma cisão interna" (LISBOA, Ana Maria - 2000, p.121) . Podemos relacionar a ausência de um reflexo no conto, explicitada no trecho "[...] procurando-se para tecer tranças, não se encontrou", com a presença do duplo como uma imagem independente e solta, que não depende do seu sujeito. Essa concepção também é presente em A incrível história de Peter Schelmihl, de Chamisso, em que o protagonista vende sua alma ao diabo e desprende-se do seu outro eu. Em ambas a sombra é o duplo ameaçador, que se torna um "bem necessário" para o sujeito, o qual precisa desse reflexo para assegurar a sua própria existência , pois “o sentido é justamente o que é fornecido não por ele mesmo, mas pelo outro...” (ROSSET, 2008, p.74). Baseando-se na concepção do duplo que é presente em "À procura de um reflexo" e na obra de Chamisso, podemos chegar a conclusões semelhantes ao do filósofo Clément Rosset e afirmar que, se a ilusão do real (o outro eu) não está no sujeito, ela estará em outro lugar, ou seja, fora dele. Logo, as personagens dessas obras buscaram-se além de si, não possuindo conhecimento próprio até se encontrarem . No conto de Marina Colasanti, a moça não via a sua imagem exatamente porque não a conhecia. É viável ver a busca pelo duplo como a busca pelo sentido, pelo autoconhecimento. Tal ato pode ter uma iniciativa temerosa, pois o medo, normalmente, é envolvido em momentos de descobertas pessoais. A obra Corda Bamba, de Lygia Bojunga, demonstra bem essa situação relacionando tudo o que está em nossa mente à um corredor de portas fechadas, que seriam os fragmentos de nossa identidade, "nós mesmos não abrimos todas as portas, porque suspeitamos que o que há do outro lado não será agradável de ver (...) Vivemos numa espécie de alarme em relação a nós mesmos, que talvez seja não querermos saber quem somos na realidade" (SARAMANGO, José). Em "À procura de um reflexo", a moça, sem sombra de dúvida, demonstrou medo ao abrir as portas que levariam-na ao seu descobrimento, "[...] o medo, entre rochas, bateu asas.". Entretanto, sua persistência lhe mostrou o caminho, "[..] viu brilhar a claridade". Tal sentimento de temor pode ser fundamentado pela imprevisibilidade do que está atrás da porta, "Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, pode encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas." (NERUDA, Pablo) . Na fábula A ilha, de Ricardo Kelmer, assim como no conto de Marina Colasanti, questionamentos funcionam como um elemento precursor à busca por si : "Era uma ilha que vivia no meio do oceano. Levava uma vida tranquila, sem grandes questionamentos. Conhecia outras ilhas e com elas se comunicava. Um dia, porém, uma ideia inquietou a ilha: se toda vez que a maré baixava, uma porção de terra se descobria, então até que ponto haveria terra? Até que ponto a ilha existia?" (Passagem de A ilha) ; "Imagem minha, [...] onde está você?" (Trecho de À procura de um reflexo) . Em ambas as obras é notável a importância de questionar para descobrir . A moça nunca teria achado o seu duplo se não tivesse se perguntado onde ele estava, assim como a ilha, que nunca conseguiria criar um conceito sobre si se não estivesse questionado-se. • Forma como o conto aborda conflitos humanos e contemporâneos A abordagem dos conflitos humanos é feita de forma brilhante. Sem fazer com que seus contos tomem um caráter educativo e escolar, Marina Colasanti é capaz de passar morais sólidas e muito importantes para a construção de um indivíduo. No conto À Procura de um Reflexo, o conflito que é mais desenvolvido é o que diz respeito à busca por si próprio no mundo contemporâneo, cheio de forças contrárias e influências, que podem tornar mais cômodo simplesmente se utilizar de uma “ideologia própria” já criada. Com a quantidade perfeita de personagens, Marina é capaz de representar cada um dos sujeitos que influencia essa busca, desde aqueles secundários, como o rio e o córrego, que representam as dificuldades, até a menina e a Dama, que representam o que o desconhecimentode si mesmo pode resultar e como ele influencia na aceitação e formação de quem um indivíduo é verdadeiramente. Marina Colasanti aborda os conflitos humanos de forma profissional, relacionando sua história com importantes conceitos psicanalíticos, como o Duplo que, como já foi dito foi proposto por Sigmund Freud, Otto Rank e Clément Rosset. Em seu conto, são tratadas questões como a instabilidade, a incerteza e a dúvida, que marcam a pós-modernidade, com o auxílio de uma personagem que, com dificuldades, vai à procura de sua unidade, de encontrar sua imagem perdida. A unidade que a menina busca seria encontrada quando ela aceitasse todas as partes de seu ser, ou seja, todas as fragmentações de sua identidade. Nos dias de hoje, em que a busca por se enquadrar nos padrões propostos pela sociedade é tão constante que chega a ser doentia, muitas vezes, as pessoas renunciam à sua identidade, pois ser apenas a parte de si que agrada as outras pessoas facilita o processo de inserção social. Porém, o que muitas vezes não é notado, e que Marina destaca em seu conto, é o que essa marginalização de pedaços da identidade pode causar. Quando as pessoas optam por não serem elas mesmas por completo, elas entram em um processo no qual podem acabar perdendo-se, pois reprimir a si mesmo pode levar ao desconhecimento do que um indivíduo verdadeiramente é. No conto, a menina não busca a inserção na sociedade, pois é tão grande sua vaidade, que se faz feliz sozinha, saindo de seu estado de estagnação apenas quando não consegue mais a própria companhia, no caso, o seu reflexo no espelho. Ao analisar o conto e relacioná-lo com a atualidade contemporânea, podemos perceber que a exclusão da própria identidade é a conseqüência dos anseios pessoais que diferem para cada pessoa. No caso do conto, a menina seleciona partes de si, pois não é capaz de se aceitar por inteiro, e, no exemplo que foi citado nessa discussão, as pessoas omitem parte de si para buscar a aceitação da sociedade. É importante ressaltar que o que leva as pessoas a marginalizarem a si próprias não é, neste trabalho, tão focalizado, como as conseqüências desse processo, tendo em vista que o primeiro é individual, possuindo razões diversas e, por isso, não pode ser tratado, em sua integridade, no contexto geral que buscamos analisar; e, o segundo, por expressar conseqüências, em grande parte, comuns e que já foram analisadas por estudiosos, é mais fácil de ser generalizado, tendo em vista que as conseqüências geradas seriam praticamente as mesmas, com apenas algumas variáveis. Conclusão: Em suma, À Procura de um Reflexo é um conto muito enriquecedor e a Marina conseguiu, de uma forma muito interessante e convidativa, abordar um tema bem contemporâneo. Esse processo de autoconhecimento, tão necessário em uma sociedade pós-moderna na qual boa parte das pessoas parece estar robotizada pela sua rotina, idiotizada pelos aparelhos eletrônicos e pela mídia alienante, constitui uma das principais preocupações da literatura infantil contemporânea. Nesse sentido, Marina continua a escrever contos de fadas em pleno século XXI com o propósito de se valer de estruturas consagradas da tradição popular para operar transformações nas invariantes narrativas a partir de novos revestimentos figurativos, que abarcam temáticas caras à pós- modernidade. A literatura infanto-juvenil, produzida nas duas últimas décadas do século XX e no século XXI problematizam questões referentes à diversidade cultural e às múltiplas identidades que atravessam o indivíduo. No caso específico de “À procura de um reflexo”, a perda do reflexo corresponde à perda de referências que ancoravam o sujeito em um sistema social. A longa travessia identitária permite que o sujeito, no mergulho das trevas de seu inconsciente (metaforizado pela caverna) possa ser iluminado pela aceitação de si mesmo. Referências bibliográficas • Principal referência : COLASANTI, Marina. Doze Reis e a moça no labirinto do vento. 12ª edição. São Paulo, GLOBAL EDITORA. 2005. • Fontes virtuais: • http://www.apoiopsicologico.psc.br/principais-conceitos-psicologia- analitica-jung/ • http://www.facevv.edu.br/Revista/05/raphaela%20magalhaes.pdf • http://www.escritas.org/pt/biografia/marina-colasanti • http://analisetextual1.blogspot.com.br/2012/05/iconicidade-lexical-na- obra-de-marina.html • http://revistas.fw.uri.br/index.php/literaturaemdebate/article/viewFile/14 42/1796 • http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/autoconhecimento • http://www.citador.pt/frases/citacoes/a/hugo-von-hofmannsthal • http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/ HYPERLINK "http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/Investigac oes-Vol22-N1-artigo02-Adilson-dos-Santos.pdf"Investigacoes HYPERLINK "http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/Investigac oes-Vol22-N1-artigo02-Adilson-dos-Santos.pdf"-Vol22-N1-artigo02- HYPERLINK "http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/Investigac oes-Vol22-N1-artigo02-Adilson-dos-Santos.pdf"Adilson-dos HYPERLINK "http://www.revistainvestigacoes.com.br/Volumes/Vol.22.N1/Investigac oes-Vol22-N1-artigo02-Adilson-dos-Santos.pdf"-Santos.pdf • http://blogdokelmer.com/2010/06/10/a-ilha-uma-fabula-do- autoconhecimento/
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