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Este livro tem a -inalidade de preencher um vácuo, permitindo aos pro-issionais do Direito um conhecimento sustentável, no que se refere à atividade aérea e sua relação com a responsabilidade jurídica em tão complexo campo técnico. Por outro lado alcançará também os pro-issionais da atividade aérea que têm sido alvos das implicâncias da responsabilidade jurídica em toda a atividade, sobretudo em caso de acidentes aeronáuticos. Tudo isto aumenta a demanda por pro-issionais especializados em Direito Aeronáutico tanto do setor público como pelo privado, se valendo de novos instrumentos de atuação. APRESENTAÇÃO Diante do novo contexto nacional e internacional não há mais como desprezar os aspectos jurídicos na atividade aérea. Pilotos, controladores, diretores, gerentes e demais profissionais da aviação partem para um caminho sem volta no que se refere à responsabilidade jurídica. Os últimos acidentes ocorridos no Brasil e no mundo têm apresentado uma desfecho jurídico que tem surpreendido a comunidade aeronáutica e que não pode mais ser ignorada. Conhecer Direito Aeronáutico e saber agir de acordo com ele, será o melhor caminho a percorrer para que os aeronautas evitem dissabores jurídicos. Mostraremos uma série de acidentes ao redor do mundo e verificaremos que a criminalização em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos é real, crescente, inevitável e irreversível. Podemos notar que isso ocorre há décadas: em países democráticos e autoritários; em países subdesenvolvidos, em desenvolvimento e desenvolvidos; em países que têm a aviação avançada e outros que nem tanto. A criminalização percorre os países de todos os continentes e culturas. Só há uma maneira de evitar a criminalização em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos: evitar as condutas criminosas na atividade aérea que derivam resultados lesivos, pois muitas condutas dos profissionais se enquadram perfeitamente no conceito de crime e, por consequência, serão criminalizadas em virtude da soberania de cada país e da adequação às suas leis penais. Neste sentido, cabe aos profissionais da atividade aérea amoldar suas condutas e procedimentos de forma a evitar as condutas ilícitas para que, como consequência, evitemos a criminalização na atividade aérea. Eis o nosso desafio ao apresentar esta nova mentalidade tão essencial ao futuro da aviação e dos profissionais que nela agem. Dentre os vários casos analisados destacaremos: - Voo 1907 X Legacy: Por que o controlador, contra o qual pesava a mais grave acusação que o levaria a responder penalmente por aproximadamente vinte anos de reclusão, foi absolvido? O que esta absolvição representará para os profissionais da atividade aérea, sobretudo instrutores e checadores? - Voo 3054: Análise da peça acusatória do Ministério Público Federal que apontou três profissionais da atividade aérea como os responsáveis penalmente por este acidente. - Caso Mamonas Assassinas: em 2013 esse caso foi reaberto pela justiça brasileira para fins de apurar a responsabilidade civil. Não havendo nexo causal entre a conduta dos controladores e o acidente, surge um enigma a ser desvendado: quem e quanto se pagará por este acidente? Desejamos bom trabalho aos juízes, advogados e peritos nesta árdua tarefa. Este livro tem a finalidade de preencher um vácuo permitindo aos profissionais do Direito um conhecimento sustentável no que se refere à atividade aérea e sua relação com a responsabilidade jurídica em tão complexo campo técnico. Por outro lado alcançará também os profissionais da atividade aérea que têm sido alvos das implicâncias da responsabilidade jurídica em toda a atividade, sobretudo em caso de acidentes aeronáuticos. Tudo isto aumenta a demanda por profissionais especializados em Direito Aeronáutico tanto do setor público como pelo privado, se valendo de novos instrumentos de atuação. 1 APERTEM OS CINTOS... O COMANDANTE FOI SUGADO PARA FORA PELO PARABRISA EM PLENO VOO! No dia 10 de junho de 1990, ocorreu um dos mais intrigantes acidentes da história da aviação. O copiloto passou a ver uma imagem que não podia acreditar ser verdadeira: a metade do corpo do piloto em comando ficou presa para fora da cabine de pilotos, durante o voo a cinco quilômetros de altura. O corpo do piloto se chocava violentamente na fuselagem do avião o qual deslizava a uma velocidade superior a 500 km horários. Temperatura do ar externo de aproximadamente vinte graus negativos. Com oitenta e um passageiros e seis tripulantes, a aeronave partiu para um mergulho fatal e o copiloto, plenamente atônito, tentou assumir o comando do voo, mas não entendia o motivo pelo qual não conseguia dominar os comandos que estavam travados e passou a lutar inútil e horrivelmente para livrar o bi-reator da funesta descida. Pouco antes de a aeronave alcançar o nível de voo, ouve-se um grande estrondo! A cabine é tomada por uma densa formação, algo semelhante a nevoeiro. Trata-se de uma bomba? Será uma despressurização? Há sinais característicos tanto de uma bomba como de uma despressurização. Tsunami aéreo! Na despressurização o ar não consegue reter o vapor d’água restringindo sensivelmente a visibilidade dentro da cabine. Começa a faltar ar na cabine de comando e na cabine de passageiros. Uma descida de emergência não é descartada. O copiloto tenta, em vão, se comunicar com os órgãos de controle. O barulho é ensurdecedor! Tudo quanto é objeto está voando em todas as direções na cabine de comando. Tudo o que acontece dá a nítida impressão de uma despressurização. Se realmente for, o piloto tem pouco, pouco tempo para tomar uma providência que possa garantir sua vida e dos demais ocupantes da aeronave. Sem o para-brisa esquerdo, a aeronave mergulha vertiginosamente com claros sinais de despressurização. Diante destes sinais o copiloto não tem dúvida alguma que a aeronave apresenta problemas seriíssimos, todavia não consegue identificar precisamente o tipo de emergência. Desconfia de despressurização, porém não consegue discernir o que tenha provocado esta maldita emergência. Mas o que é despressurização? O copiloto passa a exercer a função do primeiro piloto (comandante), e tenta desesperadamente assumir o comando da aeronave. Tarefa inútil! Os comandos estão travados! Qual o motivo do travamento? Olha para esquerda e percebe que o comandante foi sugado para fora da cabine. Só não foi lançado completamente pelos ares, porque um dos seus pés está enroscado na coluna vertical do manche e pelo forte vento que prensa e cola o corpo contra a fuselagem. Um dos comissários percebe o que está acontecendo na cabine e, de pronto, parte para o caos que restou da cabine e passa a segurar as pernas do comandante para que ele não seja arremessado de vez pelo espaço aéreo. Mas a pressão é muito forte, o comissário precisa atuar com uma força descomunal. Acha que não vai aguentar. Comando ainda travado. O avião continua a descer, velozmente, em um mergulho sem precedente, perdendo mais de três mil pés em curtíssimo e precioso tempo. A velocidade ultrapassa a máxima permitida, comprometendo seriamente a estrutura da aeronave. Se continuar a descer com estaexorbitante razão de descida, as superfícies de comando e sustentação poderão ser gravemente danificadas e o avião passará a ser incontrolável, perdendo a manobrabilidade desintegrando-se em pleno ar. O chefe dos comissários se une ao colega de trabalho e juntos tentam retirar o pé do comandante que trava os comandos. O copiloto precisa urgentemente tirar a aeronave do mergulho mortal. A aeronave desce violentamente na região de Heathtrow, dentro do espaço aéreo mais congestionado de Londres. O risco de colisão com outras aeronaves é real e iminente. Mas precisa manter a descida para que alcance níveis mais baixo onde o ar é menos rarefeito. Não há equipamento de oxigênio para todos a bordo. Isto tem que ser feito o mais rápido possível. Manche travado na posição picada - para baixo - aponta o fim prematuro da viagem. Um terceiro comissário se aproxima da cabine e somente agora conseguem desconectar o pé do comandante do manche. O avião está sob o comando do copiloto que faz seu primeiro voo na companhia, porém opta por não nivelar a aeronave. Precisa alcançar urgentemente níveis mais baixos para sair da funesta despressurizarão. A descida é uma necessidade. Precisa alcançar níveis que proporcionem situações ideais de respiração. O corpo do comandante não está mais na parte superior da cabine. Completamente ensanguentado deslizou para a esquerda e para baixo do para-brisa. Acreditam que ele não está mais vivo. Até que ponto vale a pena segurá-lo? Não seria melhor e mais seguro soltá-lo? Como isto aconteceu? Houve sobreviventes? O Copiloto conseguiu pousar aeronave com segurança? Como imputar a responsabilidade jurídica aos verdadeiros culpados por esta ocorrência? A proposta deste livro é estudar este caso e outros mais intrigantes. De uma forma totalmente inovadora, será apresentada à comunidade aeronáutica a concepção jurídica de investigação de acidentes aeronáuticos. 2 INVESTIGAÇÃO JURÍDICA DE ACIDENTES AERONÁUTICOS X INVESTIGAÇÃO TÉCNICA Por que a criminalização tem aumentado em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos? Quais são os esforços da comunidade aeronáutica no objetivo de evitar a criminalização? Neste livro mostraremos que a comunidade aeronáutica não conseguirá evitar a criminalização em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos e mostraremos o porquê disso. Também apresentaremos os conhecimentos a serem adquiridos para que os profissionais da aviação evite tal dissabor. A Responsabilidade Jurídica na atividade aérea é uma ciência que se iniciou muito antes da criação dos aviões. Já existia na era dos balões. É anterior à Convenção de Chicago1, precede ao Anexo 132 e qualquer outra norma que regulamenta a atividade aérea e investigação de acidente aeronáutico. A história da aviação menciona o caso dos irmãos Montgolfier3 a bordo de um balão no dia 5 de junho de 17834, episódio que contribuiu para a primeira regulamentação aérea em 23 de abril de 1784 pela polícia de Paris, quando proibiu a utilização de aeróstato aos aeronautas que não possuíssem uma licença especial, surgindo a responsabilidade jurídica na atividade aérea. Inexplorada no Brasil, a Investigação Jurídica está avançada na maioria dos países. A problemática com a criminalização é muito mais antiga que qualquer regulamentação internacional. O primeiro caso de que se tem notícia ocorreu há mais de 150 anos na França em 1852, quando se aplicou sanção criminal contra o piloto que causou o acidente de um balão5. O primeiro acidente aeronáutico de notória relevância ocorreu em 1908, envolvendo os irmãos Wright. Na realidade, somente um deles estava presente no acidente. Os irmãos americanos, Orville e Wilbur, apesar de muita controvérsia, foram inventores e pioneiros na construção, com sucesso, do primeiro controlado, alimentado e sustentado mais pesado que o ar, em 17 de dezembro de 1903. O acidente ocorreu com Orville Wright no dia 17 de setembro, resultando em lesão corporal de Orville e na morte de Thomas Selfridge, um tenente do exército americano. O voo fazia parte de uma turnê que os Wright realizavam pelos Estados Unidos e Europa a fim de demonstrar sua máquina voadora. Esses voos eram parte de uma exposição para o Exército dos Estados Unidos. O Exército dos EUA estava considerando comprar aviões da Wright’s para um novo avião militar. Para obter esse contrato, Orville tinha que provar que o avião poderia realizar o voo com sucesso. Controvérsias à parte, a causa do acidente foi atribuída a problemas na instalação da hélice nova que ainda não havia sido testada em voo. A rigor, uma investigação de incidentes e acidentes aeronáuticos divide- se em Investigação Técnica e Investigação Jurídica. A investigação Técnica é realizada conforme orientação da Convenção de Chicago, Anexo 13, e do Manual de Investigação6. É executada pelas autoridades investigativas com a finalidade de apurar causas de um acidente, buscando a prevenção sem o objetivo de apurar responsabilidade ou atribuir culpas. A Investigação Jurídica, por sua vez, subdivide-se em Investigação Administrativa, e Investigação Judicial. A Investigação Administrativa tem a finalidade de apurar responsabilidade administrativa perante o Direito Administrativo – normas regulamentares e disciplinares. A Investigação Judicial tem a finalidade de se apurar responsabilidade civil (dano material e moral) e responsabilidade criminal. Para entendermos melhor essa classificação, citamos o caso de um acidente em que o piloto estava voando em condições climáticas adversas e, devido à baixa visibilidade, colidiu com o terreno e causou a morte de dois ocupantes. O acidente ocorreu pelo fato de o piloto ter ingressado em condições meteorológicas de voo por instrumentos (IMC7) sem habilitação técnica para esse tipo de voo. Neste caso o piloto deveria ser homologado a voar segundo as regras de voo por instrumentos (IFR8), mas tinha apenas habilitação para realizar voos segundo as regras de voo visual (VFR9). Houve flagrante infração administrativa conforme Código Brasileiro de Aeronáutica nos seguintes dispositivos: Art. 302. A multa será aplicada pela prática das seguintes infrações: I - infrações referentes ao uso das aeronaves: t) realizar voo por instrumentos com tripulação inabilitada ou incompleta; Neste caso poderá haver uma investigação administrativa para apurar responsabilidade administrativa e aplicar penalidade prevista. Esse episódio também está sujeito à Investigação Judicial (Responsabilidade Criminal – Responsabilidade Civil). A Responsabilidade Criminal pode ser apurada com a inteligência do artigo 261 Código Penal Brasileiro. Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea: Pena - reclusão, de dois a cinco anos. Sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo. § 1º - Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Forma qualificada Art. 263 - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258. A inteligência do artigo 263 do Código Penal Brasileiro com referência aos artigos citados pode resultar em uma pena superior a vinte anos de reclusão em caso de lesão corporal e mortes, que são consequências notáveis em acidentes aeronáuticos. Além disso, as vítimas ouparentes das vítimas podem pleitear indenização diante dos danos causados em decorrência do acidente, desembocando na responsabilidade civil. Acabamos de analisar sucintamente os tipos de responsabilidade decorrentes de um acidente aeronáutico. Por ora, cabe importante análise do item 3.1 do Anexo 13. “Objective of the investigation 3.1 The sole objective of the investigation of an accident or incident shall be the prevention of accidents and incidents. It is not the purpose of this activity to apportion blame or liability. (Grifo do autor). O único objetivo da investigação de um acidente ou incidente deverá ser a prevenção de acidentes e incidentes. Não é o propósito desta atividade atribuir culpa ou responsabilidade. Importante ressaltar que o anexo 13 faz parte da Convenção de Chicago que legisla especificamente a atividade aérea, isto é, Investigação Técnica. Desta forma, esse mandamento está direcionado estritamente às autoridades investigativas que realizam a investigação com a finalidade de prevenção. Que se repita: esse dispositivo está direcionado à Investigação Técnica, portanto não diz respeito à Investigação Administrativa para fins de apuração de infração administrativa e muito menos à Investigação Judicial, para apuração de responsabilidade tanto civil quanto criminal. Dizer que, em uma investigação de acidentes aeronáuticos, não se possa apurar responsabilidade ou culpa é uma das falácias mais intrigantes que tem atormentado a comunidade aeronáutica e com a qual não podemos mais nos conformar. Desta forma, vale também ressaltar que o referido Anexo não regulamenta e não disciplina as atividades investigativas no âmbito jurídico, realizadas tanto pela Polícia Judiciária quanto pela Polícia Administrativa. A afirmação de que o Anexo 13 impede que uma investigação policial ou judicial seja realizada não se coaduna com a melhor hermenêutica jurídica. Asseverar que uma Investigação Técnica não busca responsabilidade ou culpados é salutar; que a Investigação Técnica tem a finalidade de apurar os fatores contribuintes, levantar as causas para aprendizados e evitar que os acidentes se repitam é um objetivo louvável e que precisa ser aprimorado e compartilhado cada vez mais. Mas, não será demasiado repetir, alegar que não se possa apurar responsabilidade ou culpa em caso de acidentes aeronáuticos é um falso silogismo, um sofisma e uma inverdade jurídica sem cabimento no ordenamento jurídico nacional e internacional. O aumento da criminalização de acidentes aeronáuticos ao redor do mundo ratifica nosso argumento em relação à Responsabilidade Jurídica. A finalidade deste livro, assim como dos cursos ministrados pelo autor, é explorar a Investigação Administrativa e a Investigação Judicial. Ao apresentar novos parâmetros e técnicas totalmente diversas e distintas da Investigação Técnica, o autor inova com a Investigação Jurídica, resultando em conhecimento para a comunidade jurídica nacional e internacional. Ao explorar a Investigação Jurídica, assumimos o desafio de entrar em terreno inóspito, muito perigoso, pois é totalmente desconhecido pela comunidade aeronáutica. Muitos têm temido esse estudo. A ignorância traz medo; traz insegurança. Ingressamos sim em um terreno minado, mas podemos garantir a todos os companheiros da comunidade aeronáutica que ignorância ou desprezo desse assunto será muito mais perigoso ainda. Ora! Se a ignorância gera o temor, está na hora de eliminarmos não o medo, e sim o que tem originado esse temor através do conhecimento dos fatos jurídicos. Há uma máxima no seio da comunidade aeronáutica no sentido de que a criminalização é contraproducente à segurança do voo. Pura falácia! O que prejudica a atividade aérea não é a criminalização, mas sim as condutas criminosas que resultam em criminalização. Ao combater a criminalização, a comunidade aeronáutica vai na contramão da verdade jurídica. Equivocadamente, trata dos efeitos ao invés de tratar da causa. Devemos combater a conduta criminosa, os crimes, e teremos evitado a criminalização. O escopo deste livro, de nossos cursos e de nossa obra anterior (Desvendando a Caixa Preta10) é sensibilizar e principalmente conscientizar a comunidade aeronáutica no sentido de rever suas condutas na atividade aérea que possam resultar em criminalização e evitá-las. Desta forma estaremos trilhando um caminho que garante uma melhor segurança na atividade aérea. Temos plena certeza de que muitos profissionais da aviação irão mudar suas atitudes, comportamentos, procedimentos e condutas ao se conscientizarem disso. Também veremos neste livro por que a comunidade aeronáutica e a filosofia CULTURA JUSTA (JUST CULTURE) têm falhado no sentido de evitar a criminalização dos acidentes aeronáuticos. Não vamos nos posicionar a favor ou contra a criminalização em acidentes aeronáuticos, mas vamos explicar essa realidade e apresentar uma proposta para que os profissionais da atividade aérea estejam preparados e evitem um dissabor jurídico em suas carreiras. A comunidade aeronáutica não tem logrado êxito na descriminalização, pois quer evitar a criminalização, quando na realidade deve evitar o crime. "Uma pessoa inteligente resolve um problema, um sábio o previne." (Albert Einstein) A comunidade aeronáutica tem reclamado que a criminalização tem aumentado consideravelmente e tem lutado inutilmente para evitar esse fenômeno.Com toda sinceridade, com os fundamentos e argumentos apresentados pela comunidade aeronáutica para evitar a criminalização, essa luta será infrutífera. O problema é que a comunidade aeronáutica apresenta os mesmos argumentos utilizados há cinquenta anos. A atividade aérea mudou significativamente nesse período. A ciência jurídica está anos luz à frente da ciência aeronáutica. No Brasil, o sistema de ensino-aprendizagem voltado à atividade aérea remonta à década de 50. O sistema de avaliação dos profissionais da aviação está em torno dos níveis mais elementares do processo ensino-aprendizagem, ou seja, DECOREBA. O sistema de avaliação ainda é baseado no simplório sistema de perguntas e alternativas. Precisamos nos aperfeiçoar e alcançar outros níveis de aprendizagem para que possamos entender o momento jurídico que envolve a atividade aérea e superá-lo. O problema da criminalização na atividade aérea que enfrentamos hoje não pode ser resolvido no mesmo nível de conhecimento em que estávamos quando a aviação foi criada. Se quisermos mudar os resultados, se quisermos evitar a criminalização, precisamos avançar e evitar as condutas criminosas. "Não espere sobreviver aos desafios do ambiente de negócios de hoje utilizando ferramentas de ontem." (Autor desconhecido) Neste livro examinaremos incidentes e acidentes aeronáuticos explorando a responsabilidade jurídica, ou seja, uma análise criteriosa da interpretação e aplicação das regras e normas de tráfego aéreo de uma maneira ainda não vista no seio da comunidade aeronáutica. Nessa específica análise, utilizaremos raciocínio lógico técnico-jurídico aplicado a uma investigação jurídica que difere substancialmente dos critérios utilizados na Investigação Técnica. Se a comunidade aeronáutica deseja evitar a criminalização em caso de acidente aeronáutico, precisa conhecer os critérios utilizados numa investigação jurídica e principalmente passar a agir de modo a evitar atitudes e comportamentos considerados condutas criminosas. E aí sim teráevitado a criminalização. Qualquer atitude diferente disso é caminhar na contramão da história e futuro da aviação. E a comunidade aeronáutica que não se engane, pois não conseguirá evitar a criminalização em caso de incidentes e acidentes aeronáuticos; pelo menos pelo mesmo caminho que tem trilhado até agora. Evitar a criminalização? Falácia! Evitar a conduta criminosa e consequente criminalização. Esta é proposta deste livro. Trata-se de uma nova concepção na atividade aérea. "A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original." (Albert Einstein) 1 Convenção de Chicago - Convenção sobre Aviação Civil Internacional, cuja função é coordenar e regular o transporte aéreo internacional. 2 Aircraft Accident and Incident Investigation. 3 Os irmãos Joseph Michel Montgolfier e Jaques Étienme Montgolfier são considerados os inventores do primeiro aeróstato tripulado. 4 GILLISPEI. Charles Couslton. Montgolfiers brothers and the invention of aviation. New Jersey: Princeton University, 1983, pp. 3-4. 5 A Van Wijk ‘Criminal Liability of Pilots Following an Airline Accident: A Histroy of the Issue Within the International Federation of Air Line Pilots’Associations (IFALPA)’ (1984) IX Air Law 66. 6 Doc 9859 - Safety Management Manual (SMM). 7 IMC – Instrument Meteorological Conditions – Condições Meteorológicas por Instrumentos. 8 IFR – Instrument Flight Rules – Regras de Voo por Instrumentos. 9 VFR - Visual Flight Rules - Regras de Voo Visual. 10 PROFESSOR KALAZANS. Desvendando a Caixa Preta. São Paulo: Editora All Print, 2012. 3 NÃO HÁ NADA DE NOVO DEBAIXO DO SOL! Vou iniciar as análises dos acidentes aeronáuticos neste livro tal como começo algumas palestras e aulas, formulando algumas perguntas sobre acidentes aéreos, e tenho a certeza de que o nobre leitor vai se surpreender. Uma tripulação americana veio a São José dos Campos – EMBRAER – em busca de um avião e, devido a um mal-entendido em relação à autorização da altitude, a aeronave veio a se envolver em um acidente. Isso ocorreu em setembro de um ano terminado em 6. Com esses dados o leitor teria condições de identificar o acidente? Talvez o leitor se precipite e responda que esse fato se refere ao caso voo 1907 X Legacy, ocorrido em setembro de 2006. Mas me refiro ao acidente ocorrido no dia 10 de setembro de 1986 com um avião da Atlantic Southeast, modelo EMB 120 Brasília, prefixo N219AS, quando colidiu com a serra da Mantiqueira, Vale do Paraíba, estado de São Paulo, com perda total da aeronave e cinco vítimas fatais. Outra pergunta: Em setembro de um determinado ano também terminado em 6, uma aeronave, voo 1907, foi instruída para determinada altitude. O piloto americano se equivocou e, desobedecendo à altitude instruída pelos controladores de tráfego aéreo, veio a se chocar com outra aeronave no mesmo nível, matando todos os seus ocupantes. Que acidente é este? Talvez o leitor se precipite novamente e responda que é o caso voo 1907 X Legacy, ocorrido no Brasil em 2006. Mas faço menção ao voo Cazaquistão 1907, da empresa Kazakhstan Airlines, uma aeronave do tipo Ilyushin 76 que, em 12 de novembro de 1996, se chocou nos arredores do aeroporto internacional Indira Gandhi, Nova Déli, com um Boeing 747 da empresa Saudi Arábia Airlines. O controlador, para separar dois tráfegos que evoluíam em rumos opostos na mesma rota, autorizou o voo 1907 a descer e manter o nível 150, evitando o tráfego em sentido contrário, que estava mantendo o nível 140. O voo 1907 não obedeceu às instruções do órgão de controle em relação ao nível de voo designado e, descendo para o nível 140, colidiu frontalmente com o Boeing 747, resultando na morte de 312 pessoas. Vamos nos restringir a esses acidentes, mas poderíamos apresentar diversos acidentes tais como Zagreb11, Lago Constance12 e outros que guardam semelhanças incríveis com esses que acabamos de apresentar. “O que foi, é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer: nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma cousa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos que foram antes de nós.” (Livro de Eclesiastes 1: 9,10.) Avião não cai, avião é derrubado Todos os acidentes aeronáuticos são diferentes, mas os seus elementos básicos não se alteram. Há os que pregam que um acidente aeronáutico não se resume a um único fator, mas a uma somatória de fatores. Realmente, é uma verdade, mas muitos utilizam esse princípio no afã de apontar para uma dificuldade em determinar o fator que efetivamente causou o acidente. O Direito e a ciência utilizada em uma investigação judicial de acidente aeronáutico empregam critérios científicos e técnicos objetivando uma resolução eficaz na responsabilidade legal dos profissionais envolvidos em um acidente. Valendo-se dos elementos básicos que não se alteram nos acidentes (como conduta dolosa, dolo eventual, culpa nas modalidades de negligência, imprudência e imperícia), a arte e ciência de uma investigação judicial chegam à conclusão do adágio largamente utilizado na comunidade aeronáutica: AVIÃO NÃO CAI; AVIÃO É DERRUBADO. Trata-se de uma expressão forte, constrangedora e, até certo ponto, repugnante, rejeitada por muitos, mas tem sentido. Um dos elementos básicos que não se altera nos acidentes é a presença do ser humano. Falho por natureza, a sua presença torna-se um elo fortíssimo nos desdobramentos dos fatos. Outro fator importante é que o ser humano e todo preparo e treinamento voltados a ele não tenham acompanhado, na mesma proporção, todo avanço tecnológico voltado à aviação e equipamentos: aeronaves, sistema de controle, sistema de navegação etc. Corroborando esse entendimento, temos o caso em Tenerife, ocorrido em 1977 nas Ilhas Canárias, onde duas aeronaves moderníssimas com alta tecnologia voltada à aeronavegabilidade vieram a se chocar no solo durante a manobra de táxi porque os pilotos e controladores não souberam se comunicar efetiva e eficazmente, resultando na morte de 583 pessoas. Vinte e cinco anos depois, o mesmo cenário se repetiu no aeroporto de Linate13, onde duas aeronaves se chocaram no solo devido ao mal- entendido na comunicação entre controladores e pilotos, tendo os mesmos elementos – fatores contribuintes – que determinaram o acidente nas Ilhas Canárias: pouca familiaridade com o aeroporto, falha na comunicação, falhas na sinalização das pistas de táxi, baixa visibilidade etc. Incrível! Vinte e cinco anos de lapso temporal e milhas de distância, e o mesmo acidente. No acidente voo 1907 X Legacy, as duas aeronaves mais novas e modernas no mundo se chocaram em espaço aéreo brasileiro porque os pilotos e controladores – seres humanos – não souberam se comunicar, resultando em um mal-entendido na comunicação e no nível autorizado para a aeronave americana. Mas a troca das palavras foi também responsável por vários outros acidentes, conforme verificamos no depoimento de Nestor Zarate, um dos 85 sobreviventes do acidente Avianca 05214, no documentário produzido pela National Geographic Channel 39 Mayday – Desastres Aéreos National Geographic – Canadá, 2002, sobre o acidente ocorrido em 1990 na cidade de Nova York – voo 052 –, caindo por falta de combustível. “Eu fico muito revoltado quando penso que um avião caiu com mais de 161 almas e quase metade das pessoas perderam suas vidas por causa de uma palavra.” Uma das questões que tanto intrigou os advogados, investigadores e vítimas de um acidente que estudaremos detalhadamenteneste livro – Avianca 052 – está ligada diretamente à fraseologia de tráfego aéreo. O piloto responsável pela comunicação com os órgãos de controle trocou uma palavra técnica por um termo coloquial. Para o piloto, as mensagens foram claríssimas, mas os controladores entenderam de forma totalmente diferente, resultando no trágico acidente. A propósito, por que a fraseologia de tráfego aéreo não é uma matéria obrigatória na formação de pilotos, já que é um elemento de grande incidência em acidentes e incidentes de tráfego aéreo? Enquanto o ser humano for um elo na atividade aérea, enquanto o sistema de ensino voltado a pilotos e demais profissionais ligados à atividade aérea se resumir em conhecimento baseado em provas de múltipla escolha ao invés de um processo que melhor qualifique e que possa efetivamente medir o aprendizado, os acidentes não apenas se repetirão como também aumentarão. Repetindo os elementos básicos, compreenderemos a expressão AVIÃO NÃO CAI... Não há como alterar os resultados se não alterarmos os comportamentos e atitudes. Não há como minimizar o número de acidentes aeronáuticos se não minimizarmos os elementos básicos que os determinam. Aos seres humanos não tem sido dada a mesma atenção dada aos equipamentos aeronáuticos. Na atividade aérea, as coisas ainda são mais importantes do que as pessoas. Verificamos isso quando constatamos as causas de certos acidentes que se resumem em fatores pueris e bizarros, como o voo 052 e outros que guardam grandes semelhanças com o voo Tiger 66. Um Boeing 747-249 da empresa aérea Flying Tigers com indicativo de chamada Tiger 66, um voo cargueiro de Singapura para Kuala Lumpur, na Malásia, decolou às 06h04min local de 18 de fevereiro de 1989, com um tempo estimado de voo de 33 minutos. O comandante estava realizando as comunicações, e o copiloto estava pilotando a aeronave, que veio a se chocar com o terreno numa das situações mais bizarras que podem ocorrer na atividade aérea envolvendo falha na fraseologia e principalmente na radiotelefonia, resultando na morte dos três pilotos e mecânico de voo que compunham o número total de pessoas a bordo. Passemos a analisar os momentos finais da comunicação entre pilotos e controladores. CTL = Órgão de Controle. PIL = Piloto. CTL: “Tiger six six descend (to/two) four zero zero, cleared for the NDB approach runway three three.” CTL: “Tiger meia meia, desça (para/dois) quatro zero zero, autorizado aproximação NDB pista 33.” PIL: “Okay, four zero zero.” PIL: “Ok, quatro zero zero.” Interpretação das mensagens Objetivo da instrução emitida pelo controlador: CTL: Desça para dois mil e quatrocentos pés. CTL: Desça para 2.400 pés. Entendimento do piloto PIL: OK, descendo para quatrocentos pés. PIL: OK, descendo para 400 pés. A aeronave veio a se chocar a 437 pés a uma milha do aeroporto, com destruição total da aeronave e carga decorrente do impacto e incêndio que durou vinte e quatro horas. Houve vários fatores que contribuíram para o acidente, tais como erro na navegação, desobediência à altitude mínima do setor sobrevoado etc. Mas vamos nos ater às falhas de comunicação. Um dos argumentos discutidos nesse acidente e equivocadamente analisado refere-se à semelhança da pronúncia entre a preposição to (para) e o numeral two (dois). O numeral two (dois) utilizado pelo controlador teria sido confundido com a preposição para (to) pelo piloto. Diante desse equívoco, há uma corrente de estudiosos no sentido de apontar uma pronúncia que possa diferenciar a preposição to (para) do número two (dois). Não é demasiado ressaltar que, em se tratando de fraseologia internacional, lidamos com pilotos e controladores das mais variadas nacionalidades, e colocar a pronúncia das palavras como elemento diferenciador para garantir assertividade na comunicação é muito arriscado, principalmente quando há outras maneiras de evitar tal conflito. Não há necessidade de se preocupar com esse tipo de incidência na fraseologia, pois a própria radiotelefonia prevê técnica especial para transmissão de números e dígitos com a finalidade específica de garantir a clareza e precisão na radiocomunicação. Radiotelefonia é um estudo composto de técnicas de transmissão radiotelefônica que deve preceder o estudo da fraseologia. É legislado no documento emitido pela ICAO15 e apresenta técnicas na transmissão de número com a finalidade de proporcionar uma transmissão clara, concisa, precisa e isenta de ambiguidades. Em relação à transmissão de números, há uma técnica que garante uma precisão isenta de equívoco, garantindo a segurança na comunicação, conforme verificamos no item 2.4.3 do documento 943216. All number use in the transmission of altitude, cloud height, visibility and runway visual range (RVR) information, which contain whole hundreds and whole thousands, shall be transmitted by pronouncing each digit in the number of hundreds or thousands followed by the word HUNDRED or THOUSAND as appropriate. Combinations of thousands and whole hundreds shall be transmitted by pronouncing each digit in the number of thousands followed by the word THOUSAND followed by the number of hundreds followed by the word HUNDRED. Pelo exposto na norma internacional, os profissionais envolvidos no acidente do voo Tiger 66 – pilotos e controladores – ou ignoravam ou negligenciaram importante regra. Seguindo as normas internacionais e realizando uma interpretação contextualizada dos documentos 444417, 9432 e Anexo 10 volume II18, apresentamos a seguinte instrução para a situação proposta: CTL: Tiger 66 descend and maintain TWO THOUSAND FOUR HUNDRED. PIL: Roger, descend and maintain TWO THOUSAND FOUR HUNDRED. Valendo-se do mesmo critério de interpretação e utilizando os termos e técnicas apresentados pelos documentos acima, jamais veríamos uma instrução confusa do tipo: CTL: Tiger 66 descend TO TWO THOUSAND and FOUR HUNDRED feet. Buscar uma técnica de pronúncia no objetivo de diferenciar os termos TO e TWO na construção de frases relacionadas à instrução de altitudes é rejeitável e contraria as qualidades da boa comunicação preconizada na radiotelefonia e fraseologia previstas nos documentos internacionais. Embora as técnicas apresentadas em documentos oficiais internacionais tenham o objetivo de garantir a segurança e assertividade nas comunicações aeroterrestres, a fraseologia brasileira não adotou tais princípios, fazendo diferença entre a fraseologia inglesa e portuguesa conforme verificamos no item 15 da ICA 100-1219. 15.6.1.1 - Os milhares redondos serão transmitidos pronunciando-se o(s) dígito(s) correspondente(s) ao número de milhares, seguido(s) da palavra MIL (em português) e THOUSAND (em inglês). 15.6.1.2 Somente em inglês, as centenas redondas serão transmitidas pronunciando-se o dígito correspondente ao número de centenas seguido da palavra HUNDRED. A legislação brasileira induz a erro porque, ao contrário do documento 9432 – manual de radiotelefonia da OACI –, adota procedimentos diferentes para centenas e milhares. Ou seja, a legislação internacional preceitua uma forma para transmissão de centenas redondas utilizando-se a expressão HUNDRED e, em se tratando da língua inglesa, a ICA100-12 adotou a mesma orientação. Mas em português orienta que se pronuncie ZERO ZERO ao invés de CENTENA. Isso tem feito com que pilotos e controladores venham, na prática, tantona língua portuguesa quanto na língua inglesa, a se confundir e até mesmo inverter as regras, podendo incorrer na mesma falha ocorrida em Kuala Lumpur. O ideal seria que a legislação de nosso país seguisse a orientação internacional valendo-se do mesmo critério tanto para centenas quanto para milhares. Embora sejamos signatários da OACI, neste caso específico, não foi adotada a regra internacional. Pior ainda, a regra nacional adotou procedimento que fere as qualidades da comunicação. Ainda em relação ao acidente de Kuala Lumpur, consideramos importante mencionar a doutrina referente aos termos READBACK e HEARBACK, que foram proeminentes nesse acidente e permanecem como fatores relevantes na maioria dos incidentes e acidentes de tráfego aéreo e desprezados nos sistemas de ensino-aprendizado voltado aos pilotos e controladores. No anexo 10, volume II, encontramos a seguinte definição de READBACK: READBACK - A procedure whereby the receiving station repeats a received message or an appropriate part thereof back to the transmitting station so as to obtain confirmation of correct reception. O documento 9432 traz a mesma definição, porém mais concisa e objetiva: READBACK - “Repeat all, or the specified part, of this message back to me exactly as received”. Readback, cotejar em português, significa que o piloto deve repetir a instrução exatamente como recebeu, ou seja, não basta repetir as mesmas palavras, mais do que isso, deve repeti-las na mesma sequência que recebeu. Em determinado espaço aéreo, houve um incidente de tráfego aéreo, pois o piloto, ao invés de cotejar determinada instrução, limitou-se a repetir a instrução recebida. CTL: PT DCC suba para 5 mil pés e curve à direita PIL: Ciente, curvando à direita, subindo para 5 mil pés. Nessa ocorrência percebemos que a instrução emitida não foi perfeitamente compreendida pelo piloto, pois o controlador, desejando prover separação com tráfego conflitante, queria que a aeronave, primeiramente, subisse para cinco mil pés para, somente depois, curvar à direita. Ou seja, o piloto repetiu as instruções, mas numa sequência diferente da emitida pelo controlador. Isso não é cotejamento. HEARBACK – equivalente ao que, coloquialmente, conhecemos por feedback, trata-se da mensagem ouvida pelo controlador a respeito do que o piloto falou no cotejamento (READBACK). Nesse sentido, há uma máxima na apuração de responsabilidade em que cotejamento não contestado pelo controlador é tido como correto, passando o controlador, também, a se responsabilizar pelas consequências advindas dessa incorreção. O piloto vai cotejar aquilo que entendeu, devendo o controlador checar, através do HEARBACK, se o piloto entendeu as instruções devidamente. Se, após ter ouvido o cotejamento do piloto, o controlador perceber que houve um entendimento equivocado, deverá corrigir apontando a correção e exigir o cotejamento correto do piloto conforme preconiza o item 5.2.1.9.4.7 do volume II do anexo 10: If, in checking the correctness of a readback, an operator notices incorrect items, he shall transmit the words “NEGATIVE I SAY AGAIN” at the conclusion of the readback followed by the correct version of the items concerned. Seguindo a regra citada, no caso de Kuala Lumpur, o controlador deveria ter procedido de forma a corrigir a imperfeição do entendimento da instrução. CTL: “Tiger six six descend (to/two) four zero zero, cleared for the NDB approach runway three three.” PIL: “Okay, four zero zero.” CTL: “Tiger meia meia, desça (para/dois) quatro zero zero, autorizado aproximação NDB pista 33.” PIL: “Ok, quatro zero zero.” Correção requerida: CTL: Tiger 66, negative descend and maintain four HUNDRED, I SAY AGAIN; descend and maintain two THOUSAND four HUNDRED. PIL: Roger, descend and maintain two THOUSAND four HUNDRED. Conforme analisamos anteriormente, o erro iniciou-se com o próprio controlador quando utilizou técnica incorreta na transmissão de números que compõem mensagem referente às instruções de altitude, incorrendo no que denominamos de imperícia, em Direito. Para apuração de responsabilidade jurídica, principalmente a penal, pilotos e controladores agiram imperitamente e responderiam a título de culpa pelo resultado na modalidade de imperícia. O controlador foi duplamente imperito por empregar forma incorreta na utilização de números e por desconsiderar técnicas relativas ao READBACK e HEARBACK. Embora as técnicas relativas ao READBACK e ao HEARBACK sejam importantes, nesse caso específico, a assertividade na comunicação seria garantida pela aplicação da técnica voltada à transmissão de números e não ao cotejamento em si. Se fosse apurada a responsabilidade de acordo com a legislação penal brasileira, poderíamos verificar que houve culpa tanto do controlador quanto do piloto. Mas, como no Direito brasileiro não há compensação de culpa, a culpa do piloto não isentaria o controlador, que poderia responder pelo resultado – acidente e morte dos ocupantes – por imperícia. Em se tratando de apuração de responsabilidade civil – indenização –, as pessoas jurídicas responsáveis pelos pilotos e controladores – empresa aérea e departamento do controle de tráfego aéreo – iriam compartilhar o prejuízo. Apresentamos esses incidentes enfatizando a fraseologia como um exemplo de certos elementos básicos comuns a muitos acidentes e que precisam ser estudados para que não se repitam, resultando em acidentes pelos mesmos fatores, e assim possamos evitar o sinistro presságio. READBACK e HEARBACK: é incrível como esses dois elementos ainda compartilham ativamente nos incidentes e acidentes de tráfego aéreo. “O que foi, é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer: nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma cousa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos que foram antes de nós.” Passaremos a estudar alguns acidentes e convidamos o nobre leitor a prestar atenção nos detalhes e mistérios que ensejaram as ocorrências e notar que há assuntos se repetem ao longo da história da aviação, tais como FRASEOLOGIA, RADIOTELEFONIA, INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS DE TRÁFEGO AÉREO, PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM aplicado à atividade aérea que remonta à década de cinquenta, por isso passamos a nos incomodar com algumas perguntas que parecem não ter respostas. Por que a fraseologia não é estudada como uma matéria obrigatória e avaliada em banca examinadora para pilotos e controladores, sendo um dos fatores que tem contribuído significantemente para incidentes e acidentes de tráfego aéreo? Por que não se estuda radiotelefonia? Por que não passamos a estudar tráfego aéreo de modo a contextualizar toda a regulamentação aplicando o sistema de interpretação de regras similar ao que ocorre com o estudo de Direito? Quantos acidentes ainda deverão ocorrer para que essas mudanças sejam implementadas? The answer, my friend, is blowing in the wind. You may say I am a dreamer, but, I am sure, I AM NOT THE ONLY ONE. A partir de agora, estudaremos acidentes enfatizando a necessidade de mudar os elementos básicos, principalmente os sistema de ensino- aprendizagem, para que os fatos e fatores não se repitam e deixemos de nos familiarizar com eles. Os fatos se repetem, os elementos básicos dos acidentes são os mesmos. A comunidade jurídica já percebeu isso; a comunidade aeronáutica ainda não. Temos visto um avanço nos processos judiciaisquando se trata de acidentes e incidentes aeronáuticos que desemboca para um caminho sem volta. Interessante que, ao analisar certos processos, verificamos que há semelhanças entre eles em determinados aspectos que têm despertado a atenção da comunidade jurídica e têm sido ignoradas pela comunidade aeronáutica. As semelhanças estão relacionadas na apuração das responsabilidades jurídicas dos profissionais e empresas envolvidas em acidentes que, embora tenham ocorrido em décadas de distância, teimam em repetir os elementos básicos da acusação, principalmente na esfera penal. Percebemos essa ocorrência em vários acidentes tanto no Brasil quanto em países estrangeiros, sendo um deles o voo 254. O voo 254, realizado no trecho entre Marabá e Belém em setembro de 1989, resultou na morte de doze pessoas quando a aeronave caiu na selva brasileira por falta de combustível. O piloto, ao programar a rota de voo antes da decolagem, inseriu um rumo que não condizia com o rumo da rota a ser voada. A empresa aérea responsável por aquele voo havia mudado o procedimento de inserção de rumo no plano de voo. O rumo que era normalmente expresso com três algarismos passou a ser programado com quatro, e o piloto, ao invés de inserir o rumo magnético 0270, inseriu equivocadamente o rumo 2700. Deixando de desprezar o último algarismo, conforme novo procedimento, a tripulação voou no rumo 270 ao invés do rumo 027 previsto na rota compreendida entre Marabá e Belém. Esse erro inicial culminou com outros erros de navegação, resultando na desorientação espacial dos pilotos e no pouso forçado do Boeing 737. Os pilotos sobreviveram e foram processados e condenados penalmente. A mudança do plano de voo implementado na empresa, o modo de divulgação aos pilotos e o treinamento dado aos pilotos em razão dessa mudança foram motivo de calorosos debates no processo penal, sendo discutido se a responsabilidade pelo acidente era dos pilotos, que não estavam familiarizados com o novo plano, ou se da empresa, que não divulgou, de modo eficiente e eficaz, o novo plano de voo, sendo cogitada a responsabilidade do diretor de operações. Quase duas décadas após o acidente da selva amazônica, os mesmos questionamentos jurídicos se repetiram no acidente envolvendo o voo 3054 ocorrido no aeroporto de Congonhas em São Paulo. No dia 17 de julho 2007, por volta das 18h48min, uma aeronave Airbus A-320, operada por uma empresa aérea brasileira de voo doméstico, voo 3054, procedente de Porto Alegre, após ter pousado na pista principal, cabeceira 35L (35 esquerda), percorreu toda a sua extensão na velocidade aproximada de 170 km/h, derivou à esquerda, ultrapassou o canteiro e, após ter sobrevoado a avenida Washington Luís, chocou-se contra um prédio, seguindo-se incêndio de grandes proporções que destruiu completamente a aeronave e a edificação. Desse fato resultou a morte de 187 pessoas que estavam a bordo da aeronave e outras 12 que estavam no edifício, totalizando 199 vítimas fatais. Como supervisor de tráfego aéreo em Congonhas, infelizmente, pude ver a pior visão que um controlador de tráfego aéreo pode ter! A burning crashed aircraft. A aeronave apresentava uma falha mecânica no reversor do motor direito. Reversor é um dispositivo que tem a função de ajudar na frenagem da aeronave durante o pouso. Por conta disso a empresa resolveu travar o reversor. Isso resultou numa mudança de operação que foi implementada em janeiro de 2007. Uma das acusações imputadas está atrelada ao fato de não ter sido divulgado aos pilotos da empresa aérea que o procedimento de operação com o reversor desativado (pinado) da aeronave Airbus A-320 havia sido mudado. Segundo o Ministério Público, os responsáveis por esse conhecimento não informaram de forma clara e eficiente e não garantiram que os pilotos estivessem devidamente esclarecidos a respeito da operação dessa anormalidade. Um ponto que será bem debatido nesse processo está relacionado diretamente ao modo como a empresa se comunicava com os aeronautas, principalmente sobre implementação e mudanças de procedimentos. Na visão do Ministério Público Federal, os pilotos não estavam devidamente informados sobre o novo procedimento relacionado à operação da aeronave com o reversor inoperante. A mudança havia ocorrido em janeiro de 2007 e somente quando os pilotos voavam a aeronave, no momento da consulta do manual da operação da aeronave, no momento do voo, é que os pilotos tinham ciência do novo procedimento. O novo procedimento e a antecedência do conhecimento pelos pilotos desse procedimento são pontos relevantes do processo penal. Aqui cabe uma ressalva interessante, que é um alerta aos aeronavegantes, sobretudo àqueles que ocupam cargos de decisão. Cabe a esses profissionais uma medida de divulgação que assegure que todos os interessados tenham informações de forma precisa. O meio e o modo como essas informações são transmitidas aos tripulantes são essenciais para que venham a se eximir de responsabilidade em decorrência de acidente aeronáutico. Não será demasiado ressaltar que os aeronautas que ocupam cargos de gerência e diretoria devem estar cientes de suas responsabilidades quanto aos procedimentos, bem como de sua divulgação e treinamento a todos os tripulantes. A negligência nesse quesito trará para esses profissionais responsabilidade jurídica pelo resultado do não cumprimento do procedimento. Em relação a esse assunto, cabe também ressaltar que as empresas devem se valer de um meio de comunicação que garanta a certeza da transmissão, recebimento e também do entendimento do procedimento por parte da tripulação. Só a divulgação ou somente a ciência do procedimento não são, por si só, garantia de isenção de responsabilidade. Além de tudo isso, é preciso certificar-se de que o procedimento foi devidamente entendido e será executado conforme o previsto. Valendo-se dos requisitos de uma boa comunicação, esta deverá ser transmitida, recebida e entendida. O meio de divulgação e a maneira como os pilotos acusarão o recebimento e entendimento tornam-se imprescindíveis para a caracterização da culpa ou isenção desta. Na peça acusatória do voo 3054, foi mencionado o meio de comunicação entre a empresa e os tripulantes, ressaltando a ideia que expusemos. Trecho retirado da denúncia: “... a comunicação do “safety” da empresa com os tripulantes eram feitas apenas através de “e-mail” corporativo, sem que houvesse um instrumento de controle que permitisse atestar que as informações transmitidas eram efetivamente lidas, prescindindo de um importante elemento da comunicação.” Eis aí um grande desafio para que as empresas cumpram o objetivo de bem se comunicar, ensinar e treinar seus 2.000, 3.000 ou mais profissionais. Também uma atenção especial deve ser dada aos profissionais envolvidos com a Divisão de Operações e Divisão de Instrução ou Ensino das empresas e instituições, pois têm sido alvos de importantes questionamentos em relação à preparação dos aeronautas sob suas supervisão e direção. Analisando como a ciência jurídica tem se desenvolvido em busca da apuração de responsabilidade em caso de acidente aeronáutico, esses profissionais estarão cada vez mais sujeitos a darem satisfação e responderem juridicamente por seus procedimentos em caso de acidente. Voo 3054; voo 254; voo 40220: acidentes diferentes, ocorridos em épocas diferentes, em circunstâncias diferentes, em locaisdiferentes, porém os elementos básicos que deram origem a eles foram os mesmos que fundamentaram as ações penais. Interessante sopesar a absolvição de um dos controladores do caso 1907 X Legacy contra o qual pesava a mais grave acusação. No início da ação penal, o Ministério Público Federal considerou que o controlador apresentou conduta digna de uma responsabilização a título de dolo, concorrendo a uma pena superior a vinte anos. Para fundamentar a acusação, o Ministério Público Federal baseou-se em duas condutas principais desse profissional. No entanto, durante o processo penal, o juiz concluiu que o controlador acusado apresentava deficiência exatamente nesses dois pontos que fundamentaram a acusação, não resultando outra decisão senão a absolvição. A decisão do juiz para a absolvição foi baseada nas fichas de avaliação e homologação do acusado, que apontavam para as deficiências que fundamentaram a acusação, ensejando responsabilidade jurídica dos profissionais que participaram da instrução e homologação. Um alerta aos profissionais envolvidos nos treinamentos, instruções e homologação - professores, instrutores, checadores, examinadores, diretores, gerentes, chefes etc.: a deficiência em qualquer fase do ciclo ensino-aprendizagem, resultando na aprovação de profissional inabilitado, poderá ensejar responsabilidade jurídica daquele que concorreu com o resultado. Outro alerta aos aeronautas, sobretudo àqueles ligados à operação das aeronaves da empresa. Não basta apenas a implantação de uma maneira e modo de agir. É mandatório que a operação da tripulação seja fiscalizada no sentido de assegurar que os profissionais estejam agindo de acordo com o estipulado, de acordo com o procedimento adotado. Se for comprovado que as tripulações não seguem procedimentos previstos, essa negligência não se limitará a esses profissionais, mas ensejará responsabilidade, também, dos diretores e gerentes. Acidente voo 1907 X Legacy e Zagreb: Quanta semelhança! Em setembro de 1976, cento e setenta e seis pessoas morreram numa colisão entre um avião Hawker-Siddeley Trident da British Airway e uma aeronave Douglas DC-9 da Inex Adria Aviopromet. O acidente ocorreu sobre o espaço aéreo de Zagreb, na antiga Iugoslávia. Para encerrar essa introdução, citaremos as semelhanças entre o caso Zagreb e o caso 1907. Apresentando os fatores que contribuíram com os acidentes e omitindo os dados dos voos, teríamos dificuldade de identificar os acidentes devido a semelhanças entre eles. O primeiro ocorreu em setembro de 1976, o outro em setembro de 2006. Incrível, mas o lapso temporal de trinta anos não foi suficiente para eliminar as similaridades e coincidências, corroborando a ideia de que os acidentes apresentam os mesmos elementos básicos que os determinam. Por outro lado, a comunidade aeronáutica não aprendeu nada com o caso Zagreb que pudesse prever, eliminar ou minimizar os fatores para o segundo acidente, terceiro, quarto... O caso 1907 está para o caso Zagreb assim com o caso Tenerife está para o caso Linate. Quantas outras paridades ainda ocorrerão para que a comunidade aeronáutica se mova? As semelhanças estão nos fatores contribuintes, tais como formação dos controladores, sistema de admissão, treinamentos dos controladores, TRM21, supervisão, etc. Todos esses fatores, a exemplo do que ocorreu com o caso 1907, fizeram parte do processo judicial, evocando os mesmos argumentos e teses jurídicas que a comunidade aeronáutica não podia ignorar. Até mesmo a tese de defesa que contribuiu para a absolvição de um dos controladores sobre o qual pesava a mais grave acusação foi idêntica à tese que fundamentou a sentença absolutória do controlador brasileiro. Quanta coincidência! Quanta semelhança! Quer entender o que ocorreu com o 1907 X Legacy? Quer saber as causas? Quer saber os fatores contribuintes? Quer saber a contribuição do processo ensino-aprendizagem desse acidente? Quer saber qual a contribuição e culpa dos controladores? Estude o caso Zagreb. Quanta semelhança! Por que ignoramos esses episódios? Por que não os estudamos a fim de evitar outros acidentes? Aprender com os erros dos outros... aprender com os próprios erros...evitar os mesmos erros. A história apresenta elementos para que possamos mudar a história e fazer nossa história. E não permanecer na mesma história. Estudar os acidentes de forma mais profunda, de forma a evitar novos acidentes, pelo menos no Brasil, é uma carência marcante. Estudando-os de forma mais profunda, analisando com critérios técnicos mais qualificados, se não eliminarmos todos os erros, com certeza reduziríamos ou até mesmo eliminaríamos os erros já ocorridos. Pelo menos os mesmos erros! O objetivo deste livro, ao analisar os acidentes, é apresentar uma forma diferente de estudá-los, unindo técnicas da ciência aeronáutica e da ciência jurídica. Uma técnica inédita na arte de investigar acidentes aéreos. “Fazendo a mesma coisa dia após dia, não se há de esperar resultados diferentes.” (Albert Einstein) “Nem tudo que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser modificado até que seja enfrentado.” (Albert Einstein) 11 Em setembro de 1976, cento e setenta e seis pessoas morreram numa colisão entre um avião Hawker-Siddeley Trident, da British Airway, e uma aeronave Douglas DC-9 da Inex Adria Aviopromet. O acidente ocorreu no espaço aéreo de Zagreb, na antiga Iugoslávia. 12 No dia 1 de Julho de 2002, um Tupolev Tu-154 e um Boeing 757 colidiram no ar. O acidente foi causado por problemas no controle de tráfego aéreo na Suíça. Os passageiros do Tupolev eram, em sua maioria, crianças a caminho das férias em Barcelona. Um dos grandes fatores que contribuiu para o desfecho do acidente foi a confusão entre as instruções dos órgãos de controle e as sugestões do TCAS. 13 Acidente ocorrido no aeroporto de Milan Linate, em Milão, na Itália, no dia 8 de outubro de 2001. Houve uma colisão entre duas aeronaves, MD 87 e Cessna Citation II, matando 118 pessoas. O Cessna foi instruído a taxiar, mas, devido à baixa visibilidade, ingressou na mesma pista de decolagem onde já se encontrava o MD 87. 14 Acidente ocorrido em 1990, em Nova York, quando uma aeronave do tipo B 707 de uma empresa aérea colombiana caiu nos arredores do aeroporto por falta de combustível. Uma das causas do acidente foi o fato de a tripulação não ter conseguido explicar a situação de emergência para os órgãos de controle, porque não dominavam o idioma inglês. 15 ICAO (International Civil Aviation Organization) - Organização da Aviação Civil Internacional. 16 Doc. 9432 - Manual of Radiotelephony. 17 Doc. 4444 – Rules of the Air and Air Traffic Services. 18 Aeronautical Telecommunications. 19 Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo. 20 Acidente ocorrido no aeroporto de Congonhas no dia 31 de outubro de 1996, conhecido por voo 402, com uma aeronave do tipo Fokker-100 que fazia a ponte aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro. Com noventa passageiros e seis tripulantes a bordo, caiu 24 segundos logo após a decolagem devido a uma falha no reversor do motor direito, levando à morte todos os ocupantes da aeronave e mais três pessoas no solo. 21 Team Resource Management (TRM) – Curso aplicado aos Controladores de Tráfego Aéreo. Tem a finalidade de otimizar a segurança e eficiência dos serviços de tráfego aéreo. 4 APERTEM OS CINTOS, O COMANDANTE FOI DEFENESTRADO EM PLENO VOO. ANALISANDO O ACIDENTE No dia 10 de junho de 1990, ocorreu um dos mais intrigantesacidentes da história da aviação. O copiloto passou a ver uma imagem que não podia acreditar ser verdadeira: a metade do corpo do piloto em comando ficou presa para fora da cabine de pilotos, durante o voo a cinco quilômetros de altura. O corpo do piloto se chocava violentamente na fuselagem do avião o qual deslizava a uma velocidade superior a 500 km horários. Temperatura do ar externo de aproximadamente vinte graus negativos. Com oitenta e um passageiros e seis tripulantes, a aeronave partiu para um mergulho fatal e o copiloto, plenamente atônito, tentou assumir o comando do voo, mas não entendia o motivo pelo qual não conseguia dominar os comandos que estavam travados e passou a lutar inútil e horrivelmente para livrar o bi-reator da funesta descida. O Copiloto conseguiu pousar aeronave com segurança? Houve sobreviventes? Como isto aconteceu? Como imputar a responsabilidade jurídica aos verdadeiros culpados por esta ocorrência? Mergulho fatal A aeronave do tipo BAC-111 está preparada para partir do aeroporto internacional de Birmingham – Inglaterra - para Málaga – Espanha. Este tipo de avião apresenta um excelente histórico de segurança e esta característica faz este metálico pássaro desfrutar de grande prestígio entre os aeronautas. Enquanto o copiloto checa o avião externamente - cheque pré-voo - o comandante, já na cabine de comando, examina o diário de bordo e constata que o avião passou por uma manutenção na noite anterior e verifica que o para-brisa esquerdo foi trocado. Com aparência da mais perfeita normalidade, a tripulação segue com os procedimentos, preparando-se para o voo. Recebe autorização do plano de voo e na sequência, autorização para push-back e táxi. Cumprido todos os procedimentos previstos no ponto de espera recebe autorização para ingressar na pista e decolar. Após a manobra de decolagem, realizando o procedimento de subida, o avião passa a ser pilotado automaticamente. O comandante, relaxando um pouco, solta o cinto de segurança. Pouco antes de a aeronave alcançar o nível de voo, ouve-se um grande estrondo! A cabine é tomada por uma densa formação, algo semelhante a nevoeiro. Trata-se de uma bomba? Será uma despressurização? Há sinais característicos tanto de uma bomba como de uma despressurização. Tsunami aéreo! Na despressurização o ar não consegue reter o vapor d’água restringindo sensivelmente a visibilidade dentro da cabine. Começa a faltar ar na cabine de comando e na cabine de passageiros. Uma descida de emergência não é descartada. O copiloto tenta, em vão, se comunicar com os órgãos de controle. O barulho é ensurdecedor! Tudo quanto é objeto está voando em todas as direções na cabine de comando. Tudo o que acontece dá a nítida impressão de uma despressurização. Se realmente for, o piloto tem pouco, pouco tempo para tomar uma providência que possa garantir sua vida e dos demais ocupantes da aeronave. Sem o para-brisa esquerdo, a aeronave mergulha vertiginosamente com claros sinais de despressurização. Diante destes sinais o copiloto não tem dúvida alguma que a aeronave apresenta problemas seriíssimos, todavia não consegue identificar precisamente o tipo de emergência. Desconfia de despressurização, porém não consegue discernir o que tenha provocado esta maldita emergência. Mas o que é despressurização? Primeiro precisamos saber o que é pressurização. Aviões a reação voam a altitudes superiores a 12 mil metros para desenvolver maior velocidade, economizar combustível aumentando a autonomia resultando em voos mais longos, e proporcionar maior conforto, acima da maioria das nuvens e turbulências. Nestas altitudes o ar é muito rarefeito, isto é, existe pouco ar por metro quadrado, com diferenças significativas de temperatura e pressão incompatíveis para a vida animal. Ar rarefeito pressupõe falta de oxigênio o qual pode resultar em consequências danosas, tais como: insuficiência respiratória, vômitos, dor de cabeça intensa, problemas de saturação da hemoglobina em oxigênio no sangue, perda da consciência, desmaio etc. Em certos casos, pode haver até mesmo o borbulhamento do sangue. Para compensar estes fenômenos, as aeronaves são pressurizadas através de um sistema que transfere parte do ar atmosférico, aspirado e comprimido pelos motores da aeronave, e o direciona para a cabine de passageiros e de pilotos. Consiste em coletar o ar exterior, filtrá-lo, e distribuí-lo na cabine ao mesmo tempo em que se controla a pressão reinante, a saturação de oxigênio, as partículas suspensas, a umidade absoluta, etc. Isso mantém a temperatura e a pressão em valores que permitem a vida humana. Em síntese, a pressurização é um procedimento que compensa a diferença atmosférica entre ar externo e interno da aeronave. As aeronaves a jato são reguladas para uma altitude que se compatibilize com a fisiologia humana, permitindo uma ambientação da cabine em que as condições de pressão e oxigenação são ajustadas para torná-las o mais próximo daquela ao nível do mar. Para que não haja problemas com a pressurização, a aeronave deve ter fechamento hermético, isto é, perfeito. Não pode apresentar a menor brecha, pois um único vazamento compromete todo o sistema e, por conseguinte as vidas a bordo. A despressurização ocorre quando há perda de pressão e pode acontecer lentamente ou de forma abrupta, esta pode ocorrer pela ruptura de uma janela, uma porta ou pelo colapso do sistema. Ocorrendo uma despressurização rápida, a aeronave se comporta como um balão furado por uma agulha. Como a pressão externa é menor, a despressurização é explosiva e acaba jogando para fora tudo o que estava pela frente. Também são consequências da rápida despressurização: rápida expansão do peito, dificuldade de raciocínio e visão, dor de ouvidos e sinusite, formação e expulsão de gases, dificuldades de coordenação, respiração e fala. Acidentes aeronáuticos causados por despressurização rápida Houve um caso interessante de despressurização ocorrido em maio de 2003, envolvendo uma aeronave do tipo Ilyushin 76 MD, fretado de uma companhia da Ucrânia. As portas da aeronave se abriram em pleno voo e os passageiros foram jogados para fora a 10.000 metros de altitude. O acidente resultou na morte de pelo menos 130 pessoas. O número de vítimas é incerto, porque ninguém sabe quantos passageiros embarcaram no voo charter que saiu de Kinshasa, a capital do país, com destino a Lubumbashi, a 3.000 quilômetros de distância. Com apenas 45 minutos de voo as portas traseiras se abriram inteiramente. De forma abrupta, boa parte dos passageiros foi sugada para fora, pelo violento deslocamento de ar causado pela diferença de pressão atmosférica dentro e fora do avião. Outra despressurização rápida ocorreu no Brasil em 29 de setembro de 2006, por volta das 16h56min, horário oficial de Brasília, quando um Boeing 737-800 SFP, voo 1907, de uma empresa de linha aérea brasileira, e um jato executivo Legacy 600, de uma empresa de táxi aéreo americana, colidiram em espaço aéreo controlado sobre a região amazônica do Brasil. A asa direita do jato executivo tocou a asa esquerda do Boeing. O abalroamento resultou na desestabilização do Boeing, fazendo-o entrar em um mergulho descomunal desintegrando a aeronave em pleno voo. Todos os passageiros e tripulantes do voo 1907 morreram, totalizando 154 vítimas. A tripulação da aeronave Legacy conseguiu realizar um pouso de emergência salvando todos os ocupantes.Muitos outros acidentes pelo mundo afora foram causados pelo fenômeno da despressurização. Entre eles acrescentamos: o acidente ocorrido em 1974, quando a porta de carga de um DC 10 da empresa aérea Turkish Airlines abriu em pleno voo provocando uma falha na estrutura da aeronave, causando sua queda nas proximidades de Paris. Outro acidente com características semelhantes ocorreu em fevereiro de 1989, quando a porta de carga de um jumbo da United Airlines abriu em pleno voo próximo ao Havaí, vomitando nove dos 336 passageiros, contudo o piloto conseguiu controlar a aeronave realizando o pouso e salvando os demais passageiros. Outro caso interessante ocorrido no Brasil em 1997, com uma aeronave de uma empresa aérea brasileira, quando uma bomba de fabricação caseira explodiu dentro de um Fokker-100, abrindo um buraco na fuselagem expulsando um passageiro a 2.400 metros de altitude. As vítimas deste tipo de acidente que são atiradas do avião em pleno voo não chegam a sofrer, pois há perda de sentidos imediata devido ao forte deslocamento de ar. Acidentes aeronáuticos causados por despressurização lenta A despressurização lenta é tão perigosa quanto à despressurização rápida quanto aos resultados, no entanto, esta é, aos olhos de muitos aeronautas, mais perigosa, pois é lenta e traiçoeira. A maneira astuciosa de se manifestar foi constatada no caso conhecido como voo 522, da empresa aérea Helios Airways. Em agosto de 2005, um Boeing 737-300 não foi devidamente pressurizado, levando a morte 120 passageiros e tripulantes por falta de oxigênio quando sobrevoava Atenas. Esgotado o combustível, a aeronave colidiu fortemente o solo grego. Fora uma falha humana que causou a despressurização da aeronave. Os engenheiros de manutenção, quando de uma inspeção no solo, deixaram o sistema de pressurização (botão) na posição manual, onde o correto seria automático. Isso levou o avião a despressurizar lentamente à medida que atingia elevada altitude, e, em cerca de 3.000 metros, a tripulação e a maioria dos passageiros já estavam em anoxia total - coma profundo devido à falta de oxigênio. Antes da queda, caças gregos - F16, foram acionados para interceptar a aeronave a qual permanecia totalmente alheia às instruções dos órgãos de controle de tráfego aéreo. Ao se aproximarem perceberam que todos os ocupantes estavam aparentemente desmaiados, acolhidos pelos efeitos de uma lenta despressurização. Antes que a aeronave se chocasse com uma montanha a nordeste de Atenas, foi avistada uma pessoa na cabine de comando, em um vão esforço de evitar o sinistro. Tratava-se de um comissário de voo e também piloto privado que, por utilizar máscaras extras pelo corredor do avião, conseguiu chegar ao cockpit do jato, tentando assumir o controle da aeronave. Outro caso intrigante ocorreu em 1979, com um Boeing 707-323C prefixo PP-VLU, operado pela companhia aérea brasileira Varig, desaparecido sem deixar nenhum vestígio. A aeronave decolou do Aeroporto Internacional de Narita, em Tóquio, no Japão, às 20h23min do dia 30 de janeiro de 1979. O destino final era o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro-Tom Jobim, com uma escala nos Estados Unidos. A aeronave desapareceu sobre o Oceano Pacífico, cerca de trinta minutos após sua decolagem em Tóquio. Nenhum sinal da queda, como destroços ou corpos, jamais foi encontrado. Depois de uma investigação criteriosa nada se pôde concluir. As incertezas levaram a várias especulações no sentido de explicar o enigmático episódio. Muitas hipóteses e teorias surgiram no afã de se apresentar uma solução. A empresa aérea realizou uma investigação particular a qual resultou no seguinte depoimento: "Não foi possível encontrar nenhum indício que lançasse qualquer luz sobre as causas do desaparecimento da aeronave". Dentre as várias teses, surgiu a de um sequestro, em que a aeronave teria sido abatida por mísseis ao ter ingressado em espaço aéreo soviético e muitas outras. A hipótese mais plausível, no entanto, considera que, logo após a decolagem, com a aeronave já tendo atingido um nível de cruzeiro elevado, houve uma despressurização lenta na cabine, o que não causou a explosão da aeronave, ou seja, não foi uma descompressão explosiva, mas lentamente sufocou os pilotos. O avião, então, segundo a linha de raciocínio, voou com ajuda do piloto automático por muitos quilômetros, até que, findo o combustível, caiu sobre o mar em algum ponto extremamente distante dos locais por onde passaram as buscas para localização da aeronave e resgate de possíveis vítimas. Se isso realmente aconteceu, será difícil de ser comprovado, no entanto é uma tese tecnicamente possível. A despressurização é um evento raro e quando ocorre, máscaras caem de compartimentos acima das poltronas. Apesar do susto, não há motivos para pânico, apenas puxe a que estiver mais próxima, coloque-a sobre nariz e boca e respire. Ajude outras pessoas só após colocar a sua máscara. Os geradores de oxigênio duram até 22 minutos, tempo mais do que suficiente para que os pilotos desçam a aeronave para uma altitude segura de três mil metros. Antes de sua próxima decolagem, observe atentamente as demonstrações conduzidas pelos tripulantes. Despressurização é um tipo de emergência na qual deixa o controlador de tráfego aéreo sem ar. Isto porque o controlador sabe que uma aeronave experimentando este tipo de pane irá descer imediatamente sem explicar o que está ocorrendo. Dificilmente o piloto esclarecerá a despressurização para os órgãos de controle antes que inicie a descida, às vezes um verdadeiro mergulho! Quando uma aeronave se encontra em emergência o piloto realiza algumas manobras efetuando alguns procedimentos que às vezes são ignorados pelos controladores. A prioridade do piloto será pilotar a aeronave, ou seja, fará de tudo para conseguir o controle dela, e para isso, muitas vezes, ensejará uma carga de trabalho extrema na tomada de atitudes e decisões, além de atentar para o chek-list, na tentativa de identificar o tipo de pane e aplicar as correções necessárias para que possa pilotar a aeronave. Isto, dependendo da pane, pode demandar certo tempo. Uma vez identificado a pane, controlando e pilotando a aeronave, o piloto dará atenção à navegação, ou seja, envidará todos os esforços para que a aeronave possa se deslocar para um lugar seguro. Neste caso, avaliará um aeroporto de alternativa ou checará a possibilidade de continuar voando em direção a aeroportos próximos disponíveis. Dependendo do tipo de emergência, o piloto opta para a solução mais rápida que possa salvaguardar a vida dos ocupantes e que nem sempre é a mais desejável, porém, é a que apresenta o melhor resultado. Como aconteceu com o voo US Airways 1549, comercial de passageiros. No dia 15 de janeiro de 2009, partindo de nova Iorque para Charlote, Carolina do Norte, realizou um pouso forçado no rio Hudson. Seis minutos após ter decolado do aeroporto de LaGuardia, atingiu um bando de ganso- do-canadá prejudicando o desempenho de ambas turbinas do Airbus 320, apresentando uma considerável redução da potência tornando impossível o voo naquelas condições. Quando a tripulação julgou ser impossível chegar a qualquer aeroporto das imediações com segurança, decidiu desviar para o rio Hudson. Então o avião amerissou intacto salvando todos os passageiros e tripulantes. Com certeza este rio não foi o melhor destino para este voo, mas garantiu o destino de todos. Somente depois
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