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2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores Prof. Dr. oriDes Mezzaroba Prof. Dr. rayMunDo Juliano rego feitosa Prof. Dr. VlaDMir oliVeira Da silVeira Profª. Drª. ViViane Coêlho De séllos-Knoerr Vol. 17 DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA Coordenadores Prof. Dr. nestor eDuarDo araruna santiago Prof. Dr. nivalDo Dos santos Prof. Dr. fáBio anDré guaragni 2014 Curitiba Nossos Contatos São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.br Redes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE Equipe Editorial EDITORA CLÁSSICA Allessandra Neves Ferreira Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete Pozzoli Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão Luiz Eduardo Gunther Luisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos Conselho Editorial D597 Direito penal e criminologia Coleção Conpedi/Unicuritiba. Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr. Coordenadores : Nestor Eduardo Araruna Santiago / Nivaldo dos Santos / Fábio André Guaragni. Título independente - Curitiba - PR . : vol.17 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014. 516p. : ISBN 978-85-8433-005-8 1. Direito penal. 2. Criminologia. I. Título. CDD 341.5 Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Capa: Editora Clássica MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza Vice-Presidente Aires José Rover Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu Secretário-Adjunto Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente) Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular) Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente) Colaboradores Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC Diagramador Marcus Souza Rodrigues XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR Sumário APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................ PRINCÍPIOS DA APLICABILIDADE DA LEI PENAL NO TEMPO: LEIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS (Paulo César Corrêa Borges e Olívia Felippe Fogaça) ................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ LEI PENAL NO TEMPO ............................................................................................................................... LEGISLAÇÃO .............................................................................................................................................. LEIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS À LUZ DO DIREITO PENAL MÍNIMO ........................................... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ TUTELA PENAL DE BENS JURÍDICOS SUPRA-INDIVIDUAIS NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO: A QUESTÃO DAS INDICAÇÕES CONVENCIONAIS CRIMINALIZADORAS E O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL (José Carlos Portella Junior e Fábio André Guaragni) ....................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A GLOBALIZAÇÃO E A NECESSIDADE DE TUTELA PENAL DE BENS JURÍDICOS SUPRAINDIVIDUAIS: A FORMAÇÃO DE UM DIREITO PENAL DE ÂMBITO GLOBAL ..................................................................... A APLICAÇÃO INTERNA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS EM MATÉRIA PENAL E O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL: OS CAMINHOS LEGISLATIVOS E A ÊNFASE AO USO DE ELEMENTOS NORMATIVOS INTEGRADORES DE NORMAS DEFINITÓRIAS NOS TIPOS ....................................................................... O LEGISLADOR PENAL BRASILEIRO COMO CAMINHANTE ..................................................................... CONCLUSÕES ............................................................................................................................................ REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A TRANSFIGURAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE SOBERANIA COMO REFLEXO DA SOCIEDADE GLOBAL DE RISCOS –O QUE O DEVIR DO SÉCULO XXI RESERVA PARA O DIREITO PENAL? (Adriana Maria Gomes de Souza Spengler) ......................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ O PODER SOBERANO A PARTIR DA CONCEPÇÃO DE SOBERANIA EM JEAN BODIN ............................... A SOCIEDADE GLOBAL DE RISCOS COMO NOVO PARADIGMA .............................................................. FATORES DECORRENTES DA SOCIEDADE DO RISCO QUE CONTRIBUEM PARA A TRANSFIGURAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE SOBERANIA .............................................................................................................. O DIREITO PENAL DO RISCO PARA O DEVIR DO SÉCULO XXI .................................................................. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 14 17 18 18 23 25 31 32 33 34 35 39 45 47 48 51 52 52 55 58 62 65 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEGITIMIDADE DA PENA CRIMINAL A PARTIR DO CONCEITO DE ESTADO DE DIREITO (João Alfredo Gaertner Junior) ................................................................................ INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ UMA CONCEPÇÃO DE ESTADO DE DIREITO ............................................................................................. UMA BREVE ANÁLISE DAS PRINCIPAIS TEORIAS DA PENA ..................................................................... A LEGITIMIDADE DA PENA A PARTIR DO CONCEITO DE ESTADO DE DIREITO .......................................CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL NA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL: CONSEQUÊNCIAS E PARADOXOS (Luis Gustavo Blaskesi de Almeida) ....................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO PROVEDOR ......................................................................................... O PARADIGMA DA POLÍTICA ECONÔMICA ESTATAL INTERVENTIVA E A UTILIZAÇÃO DO DIREITO PENAL COMO MEIO E NÃO COMO FIM ................................................................................................... O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE COMO PARADIGMA LEGITIMADOR DE TODA E QUALQUER INTERVENÇÃO NO CAMPO PENAL ........................................................................................................... A LEGITIMAÇÃO DA ESCOLHA DOS BENS JURÍDICOS DIFUSOS QUE MERECEM A TUTELA PENAL: TRÊS OUTROS PRINCÍPIOS ....................................................................................................................... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA CRIMINAIS: NECESSIDADE DE RELEITURA DOS INSTITUTOS DIANTE DOS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO PENAL (Antonio José F. de S. Pêcego e Sebastião Sérgio da Silveira) ...................................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ DEFINIÇÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS ............................................................................................ DEFINIÇÃO DE REINCIDÊNCIA CRIMINAL ............................................................................................... MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA CRIMINAL NUMA VISÃO AXIOLÓGICA ................................. A INEFICIÊNCIA COMO CAUSA DE REITERAÇÃO NA DELINQUÊNCIA .................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... NOTAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................................................... POLÍTICA CRIMINAL DAS DROGAS: O PROIBICIONISMO E SEU BEM JURÍDICO (Katie Silene Cáceres Arguello e Vitor Stegemann Dieter) ............................................................................................................ INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS DISCURSOS SOBRE A DROGA .................................................................. 66 71 72 73 79 91 96 98 99 100 101 102 105 108 110 112 113 114 115 117 121 124 125 127 128 128 DROGAS: OS PLANOS DE AMEAÇA À SOCIEDADE ................................................................................... A POLÍTICA BÉLICA DE CONTROLE SOCIAL .............................................................................................. A SAÚDE PÚBLICA: UM OBJETO SIMBÓLICO DA PROIBIÇÃO ................................................................. POR UMA POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS E DE DESCRIMINALIZAÇÃO ........................................... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A NOVA ORDEM SOCIO-ECONÔMICA E A INDÚSTRIA DO CONTROLE PENAL (Washington Pereira da Silva dos Reis) ......................................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ O ESTADO PREVIDENCIARISTA COMO BASE PARA A CONSOLIDAÇÃO DA NOVA POLÍTICA PENAL ..... AS CONTRADIÇÕES DO CONTROLE PENAL PREVIDENCIÁRIO E A POLÍTICA GOVERNAMENTAL DISCRIMINATÓRIA E EXCLUDENTE .......................................................................................................... OS LIMITES DO ESTADO NO CONTROLE PENAL ...................................................................................... O DECLÍNIO DO PREVIDENCIARISMO PENAL E A CULTURA DO CONTROLE PENAL REPRESSIVO ........ CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS NOVAS FORMAS DE CONTROLE SOCIAL NA PÓS-MODERNIDADE ......... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ LESÕES CORPORAIS DECORRENTES DA CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO: REFLEXÕES SOBRE O SENTIDO SOCIAL DE ADEQUAÇÃO DA CONDUTA MÉDICO-TERAPÊUTICA (Pedro Paulo da Cunha Ferreira e Flávia Siqueira Costa Pereira) ...................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ O TRANSEXUALISMO COMO TRANSTORNO DE IDENTIDADE DE GÊNERO E O MÉTODO DA TRANSGENITALIZAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONDUTA MÉDICO-TERAPÊUTICA ...................... A ADEQUAÇÃO SOCIAL DA CONDUTA MÉDICA: APRECIAÇÃO CRÍTICA ................................................ CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E RESPONSABILIDADE PENAL EM MATÉRIA AMBIENTAL (Érika Mendes de Carvalho e Gustavo Noronha de Ávila) ................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E MEDIDAS DE PREVENÇÃO ....................................................................... PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: ORIGEM E RECONHECIMENTO JURÍDICO ................................................ CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE PRECAUÇÃO ................................................................. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E DELIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PENAL NOS DELITOS AMBIENTAIS .............................................................................................................................................. 132 136 138 143 146 147 150 151 153 154 157 158 165 166 168 169 170 180 184 186 189 190 195 197 200 204 CONCLUSÕES ............................................................................................................................................ REFERÊNCIAS............................................................................................................................................. BENS JURÍDICOSMEDIATOS E IMEDIATOS TUTELADOS NOS TIPOS PENAIS CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (Ariosto Teixeira Neto) .......................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ BENS JURÍDICOS MEDIATOS E IMEDIATOS DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA ..................... A ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA E O INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO ............................... TEORIA FISCAL APLICADA NO DIREITO PENAL – ALGUMAS OBSERVAÇÕES RELEVANTES ...................... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ O TRABALHO ESCRAVO E A TUTELA PENAL: ANÁLISE ACERCA DO DELITO DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (Carolina Augusta Bahls Maranhão e Douglas Bonaldi Maranhão) INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO ................................................................................... NECESSIDADE DE TUTELA PENAL ............................................................................................................ CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ RETROATIVIDADE BENÉFICA OU LEX TERTIA? UM ESTUDO SOBRE O CONFLITO DE LEIS NO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS (Benedicto de Souza Mello Neto e Renê Chiquetti Rodrigues) ........................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ PRIMEIRA CORRENTE: DA IMPOSSIBILIDADE DE COMBINAÇÃO DE DIPLOMAS LEGAIS ........................ SEGUNDA CORRENTE: DA MÁXIMA EFETIVIDADE À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA ............................................................................................... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ REDISCUTINDO A DEFINIÇÃO DO DELITO DE TORTURA E SUA RELAÇÃO COM O CRIME DE MAUS- TRATOS (Vanessa Chiari Gonçalves) ........................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ CONCEITUANDO O DELITO DE TORTURA: A TORTURA-PROVA E A TORTURA-PENA ............................... A TORTURA-PENA E O DELITO DE MAUS-TRATOS ................................................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................... 212 214 217 217 221 225 228 230 231 234 235 236 242 253 254 257 258 260 267 278 279 281 282 282 289 294 295 DO SIMBOLISMO PENAL E DA LEI MARIA DA PENHA: A (IN)EFETIVA PROTEÇÃO DA MULHER (Andréia Colhado Gallo Grego Santos e Bruno Baltazar dos Santos) ........................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ DO GÊNERO FEMININO E SUA PROTEÇÃO .............................................................................................. DO SIMBOLISMO PENAL ........................................................................................................................... DA INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCESSO LEGISLATIVO ........................................................................ DA (IN)EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA ....................................................................................... DAS PERSPECTIVAS DE SOLUÇÃO ............................................................................................................ CONCLUSÕES ............................................................................................................................................ REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E A COOPERAÇÃO JURÍDICA PENAL INTERNACIONAL (Sarah Maria Veloso Freire Lopes) .................................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A COOPERAÇÃO JURÍDICAPENAL INTERNACIONAL ............................................................................... EFICIÊNCIA NA COOPERAÇÃO JURÍDICA PENAL INTERNACIONAL ....................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A “LEI DA GRAVIDADE” E O EXCESSO DE PRAZO: ESTUDO SOBRE A PRISÃO CAUTELAR NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nestor Eduardo Araruna Santiago e Daniela Karine de Araújo Costa) INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ METODOLOGIA DO TRABALHO ................................................................................................................ RESULTADOS OBTIDOS ............................................................................................................................. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS ................................................................................................. CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERENCIAS ............................................................................................................................................ LIMITES E POSSIBILIDADES CONSTITUCIONAIS À CRIAÇÃO DO BANCO DE PERFIS GENÉTICOS PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL (Carolina Grant) ................................................. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM CONFLITO: O DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMACIONAL, PRIVACIDADE, INTIMIDADE E INTEGRIDADE .......................................................... COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE ALEXYANA: UMA SOLUÇÃO POSSÍVEL ..................................................................................................................................REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 297 298 299 302 306 308 314 315 317 319 319 320 324 331 331 333 334 335 335 337 344 345 350 351 366 370 373 DO BERÇO À CELA – A EXTENSÃO DAS PENAS NA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER (Larissa Urruth Pereira) ............................................................................................................................... BREVE INTRODUÇÃO AO APRISIONAMENTO FEMININO ...................................................................... A GESTAÇÃO, A MATERNIDADE E O CONTEXTO PRISIONAL NA PENITENCIÁRIA FEMININA MADRE PELLETIER .................................................................................................................................................. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A REALIDADE CARCERÁRIA (Denise Hammerschmidt e Gilberto Giacoia) ............................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ TENDÊNCIAS DE CRISE DO SISTEMA PENAL ............................................................................................ PASSADO DA REAÇÃO PENAL ................................................................................................................... EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA A PARTIR DA APARIÇÃO DA PRISÃO .................................................. ABORDAGEM TEÓRICA DE ERVING GOFFMAN ....................................................................................... CRISE ATUAL DA PRISÃO ........................................................................................................................... ADVERTÊNCIAS CONCLUSIVAS ................................................................................................................ BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................... NOVOS OLHARES DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA – UMA APROXIMAÇÃO ENTRE O MECANISMO DA VÍTIMA EXPIATÓRIA E O CORDÃO SANITÁRIO DE CONTROLE (Milton Gustavo Vasconcelos Barbosa e Thayara Castelo Branco) ............................................................................................................. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ BREVES APONTAMENTOS SOBRE A TEORIA MIMÉTICA E O MECANISMO DO “BODE EXPIATÓRIO” .. A LOUCURA COMO SINAL VITIMÁRIO ..................................................................................................... O ARSENAL DE ARMAS E A ESTRUTURA DE GUERRA DOS MANICÔMIOS ............................................. A MEDIDA DE SEGURANÇA COMO CORDÃO SANITÁRIO DE CONTROLE .............................................. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ CÂMERAS DE VIGILÂNCIA – UM SISTEMA DE CONTROLE SOCIAL SURVEILLANCE CAMERAS - A SYSTEM OF SOCIAL CONTROL (Rafael Mendes Zainotte Pitzer) ............................................................... INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... CONTROLE SOCIAL POR MEIO DO DIREITO PENAL ................................................................................. 1984 – ANÁLISE E APLICAÇÃO AO ESTUDO ............................................................................................. VIGIAR E PUNIR - UMA ANÁLISE EM FOCO .............................................................................................. 375 376 381 398 401 404 406 406 407 408 411 415 416 419 426 427 427 432 434 436 443 444 447 448 448 452 456 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ MUDANÇAS NO PODER E SABER CRIMINOLÓGICO: DA DISCIPLINA À EXCLUSÃO (Marília De Nardin Budó) .......................................................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ FAZER VIVER E DEIXAR MORRER: O BIOPODER EM FOUCAULT ............................................................. DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA E A CRIMINOLOGIA DA VIDA COTIDIANA ........................................... RACISMO E CRIMINALIDADE: A CRIMINOLOGIA DO OUTRO ................................................................ CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ EXPANSIONISMO PENAL E CRISE DO MODELO LIBERAL: O RENASCIMENTO DO POSITIVISMO CRIMINOLÓGICO (Gerson Faustino Rosa e Hamilton Belloto Henriques) ................................................. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A RELAÇÃO DE COMPLETUDE ENTRE A POLÍITICA CRIMINAL E A DOGMÁTICA PENAL ............................ PRINCÍPIOS DA POLÍTICA CRIMINAL ....................................................................................................... EXPANSIONISMO PENAL .......................................................................................................................... A MODERNIZAÇÃO DO DIREITO PENAL SEGUNDO LUIS GRACIA MARTÍN ........................................... MOVIMENTO CONTRÁRIO À MODERNIZAÇÃO DO DIREITO PENAL – DIREITO DE INTERVENÇÃO ..... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A DEFESA SOCIAL, AS ESCOLAS PENAIS E AS RELAÇÕES DE PODER NO SISTEMA PUNITIVO (Bartira Macedo de Miranda Santos) ....................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A DEFESA SOCIAL NA ESCOLA CLÁSSICA ................................................................................................. DEFESA SOCIAL NA ESCOLA POSITIVA ..................................................................................................... MICHEL FOUCAULT E A ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE PODER NO SISTEMA PUNITIVO ............................... CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 459 461 462 463 465 468 475 480 481 483 484 487 490 493 494 495 498 501 504 504 505 508 510 519 521 Caríssimo(a) Associado(a), Apresento o livro do Grupo de Trabalho Direito Penal e Criminologia, do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º de junho de 2013. O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito, nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas. Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos, tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos. Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2) aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram- nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 11 selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido mais difícil. Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto para eventos. O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de 2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que inserirem seus dados. Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –, mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da segunda versão, disponível em 2014. Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05, além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 12 Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras parcerias e editais para a área do Direito. Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro. Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais. Curitiba, inverno de 2013. Vladmir Oliveira da Silveira Presidente do CONPEDI COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 13 Apresentação Uma das maiores dificuldades sentidas pelos Coordenadores do Grupo de Trabalho (GT) de Direito Penal e Criminologia é colocar fim nas discussões sempre acirradas, mas respeitosas, dos artigos apresentados. Por este motivo, um dos professores condutores dos trabalhos disse que sob o GT, onde quer que ele se realize, sempre há um “barril de pólvora”. A analogia, obviamente, não foi feita à toa. As discussões dos temas penais e criminológicos invadiu e invade de tal forma a vida do cidadão que até mesmo a grande mídia, no intuito de informar (ou seria deformar?), tem dado grande destaque não só a casos notórios e bárbaros, mas também a crimes “comuns”. Assim, o debate sobre o Direito Penal e demais Ciências Criminais ganha importância desmedida não só para os leigos, mas, também, para aqueles que se dedicam à pesquisa e à academia, seja sob o estudo do fenômeno criminoso em si, seja sob a repercussão penal e processual penal que elas representam. E esta discussão encontra eco apropriado nos encontros anuais do CONPEDI, que, sabedor da importância dos estudos criminológicos, de política criminal, de Direito, Processo Penal e Execução Penal – conjunto formador de um direito penal total, na sempre citada expressão lisztiana - tem procurado dar vez e voz aos pesquisadores da área, a seu turno produtores de trabalhos de peso e excelência, trazendo para os encontros material para profundas reflexões, que se desenvolvem a posteriori, seja formando parcerias para pesquisa, seja realizando publicações conjuntas. No CONPEDI realizado na cidade de Curitiba, na sede do Unicuritiba, durante o primeirosemestre de 2013, o material de pesquisa selecionado constituiu-se, mais uma vez, como expressão múltipla dos setores de conhecimento indicados. Mais: os trabalhos revelam, dentro de suas estruturas, o diálogo do direito penal com a criminologia, do direito substantivo com o adjetivo, dos temas de parte geral, especial e legislação extravagante. Não se cingem a áreas delimitadas do conhecimento criminal: antes, revelam que – nestes tempos da modernidade líquida apontada por Bauman – até mesmo os campos do direito penal total se COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 14 liquefazem e misturam-se, numa interação setorial impensável ao tempo dos discursos estanques da modernidade dos grandes enredos. A própria possibilidade de catalogar os textos por setor ganha contornos de dificuldade. De todo modo, a pretensão de organizar a obra de modo setorial foi levada avante. Daí derivou a seguinte divisão: a) Temas de direito penal: a.1) Parte Geral: textos 1 a 8, abordando, sucessivamente, temas de política criminal, princípios jurídico-penais, teoria da norma penal e teoria da pena; a.2) Parte Especial: o texto 9, respectivo a lesões corporais derivados da cirurgia de mudança de sexo; a.3) Legislação extravagante: direito penal econômico, englobando os textos 10 a 12, atinentes ao direito penal do trabalho, direito penal ambiental e direito penal tributário; a.4) Legislação extravagante: temas esparsos, aglutinando os textos 13 a 15, sobre tortura, violência doméstica e entorpecentes. b) Temas de processo e execução penal: b.1) Processo Penal: textos 16 a 18, versando sobre cooperação jurídico-penal internacional, prisões cautelares e meios de prova; b.2) Execução Penal: textos 19 e 20. c) Criminologia, em que se reúnem os últimos cinco trabalhos – textos 21 a 25 - todos críticos em relação ao controle social penal. A edição de livros separados por GTs, iniciado no XXI CONPEDI, realizado em Niterói em 2012, consolida a produção da área e faz despertar no leitor o desejo de querer participar das importantes discussões travadas em dia intenso, com igualmente intensa troca de experiências. Segue, aqui, um novo exemplar. Basta submeter seu artigo, e, sendo aceito, traga seu fósforo para acender o pavio dos debates! COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 15 Coordenadores do Grupo de Trabalho Professor Doutor Nestor Eduardo Araruna Santiago – UNIFOR Professor Doutor Nivaldo dos Santos – UFG Professor Doutor Fábio André Guaragni – UNICURITIBA COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 16 PRINCÍPIOS DA APLICABILIDADE DA LEI PENAL NO TEMPO: LEIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS. PRINCIPLE OF APLICABILITY OF CRIMINAL LAWS IN TIME: TEMPORARY AND EXCEPTIONAL LAWS. Paulo César Corrêa Borges1 Olívia Felippe Fogaça2,3 RESUMO: A Parte Geral do atual Código Penal brasileiro regula, em seu art. 3º, a aplicação das leis temporárias e excepcionais, determinando que, para tanto, se abra uma exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal. A partir de uma análise inicial puramente técnica, indaga-se sobre a recepção desta previsão pela atual Constituição Federal, posterior ao Código Penal. O presente artigo pretende, a partir de uma orientação voltada a um direito penal mínimo e garantista, sustentar que as leis temporárias e excepcionais não são uma afronta somente à Constituição Federal, mas sim uma afronta ao modelo de Estado Social e Democrático de Direito. PALAVRAS-CHAVE: lei penal; leis temporárias e excepcionais; princípio da irretroatividade; direito penal mínimo. SUMMARY: The General Part of the current Brazilian Penal Code regulates in his art. 3, temporary and exceptional legislation, determining that, to make this situation technically appropriate, is makes an exception to the principle of non-retroactivity of criminal law. From a initial purely technical analysis, arises a questioning as to the reception of this prediction by Federal Constitution, that is subsequent to the Criminal Code. This article aims, from a minimum criminal law perspective and a guarantee orientation, expose the temporary and exceptional laws are not only an affront to the Constitution, but an affront to the model of the welfare state and democratic state of law. 1 Professor Assistente-doutor de Direito Penal e Criminologia do Departamento de Direito Público da UNESP; é Coordenador do PPGDIREITO - Programa de Pós-graduação em Direito da UNESP; é presidente do Conselho Editorial da Revista de Estudos Jurídicos UNESP (2010/2013); é membro do IBCCRIM, AIDP e MMPD; e é Promotor de Justiça do MPESP. Foi membro do CONDEP/SP, representando a UNESP; e do CEAC – Conselho Editorial Acadêmico da Fundação Editora UNESP (2008/2011). E-mail: pauloborges@franca.unesp.br 2 Graduanda do 4º ano do Curso de Direito da UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlia de Mesquita Filho – Campus de Franca. Bolsista pela CNPq. E-mail: fogacaolivia@gmail.com 3 Artigo desenvolvido em co-autoria. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 17 KEY-WORDS: criminal law; temporary and exceptional legislation; principle of non- retroactivity of criminal law; minimum criminal law. 1. Introdução O sistema político brasileiro adotado atualmente é de um Estado Social e Democrático de Direito, implicando na atuação de um Estado em favor dos interesses da sociedade, pautando-se, para tanto, em um corpo legislativo elaborado em acordo com a Constituição Federal. O atual Código Penal, no entanto, vige desde uma data anterior à atual Constituição Federal (CF/88), de modo que a recepção de seus artigos pela CF/88, muitas vezes, pode não acontecer. A permanência da aplicação de artigos não recepcionados pela CF/88 implica, naturalmente, em inconstitucionalidade flagrante. A partir do estudo das leis temporárias e excepcionais, reguladas no art. 3º do Código Penal, e sua compatibilidade com as previsões constitucionais, surge a indagação acerca de sua recepção, conforme será demonstrado em momento oportuno. Em um segundo momento, fazendo uma remissão ao conteúdo de um Estado Social e Democrático de Direito, analisam- se as funções das leis temporárias e excepcionais com vistas a tal modelo de Estado, e, partindo de leituras críticas sobre criminologia e sociologia, constata-se que a situação das leis penais e temporárias vai muito além de uma mera irregularidade de hierarquia legislativa, sendo, isso sim, e em conjunto com todo um ordenamento penal orientado para tanto, uma afronta ao próprio modelo de Estado Social e Democrático de Direito. 2. Lei penal no tempo O Direito Penal compreendido pela sociedade atual é um direito que sofre limitações de cunho humanístico, e, sendo assim, sua baliza mais importante é o princípio da legalidade. Prevista no art. 1º do atual Código Penal Brasileiro e no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal de 1988, a legalidade é uma garantia fundamental proveniente de um Estado Social e Democrático de Direito. O art. 1º, CP, define: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”, bem como o art. 5º, XXXIX, CF, prevê que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. O princípio da legalidade, nos textos legais, aparece desdobrado em dois princípios derivados, quais sejam o da anterioridade e o da reserva legal. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol.17 - Direito Penal e Criminologia 18 De acordo com o princípio da reserva legal, somente leis em sentido estrito, ou seja, emanadas pelo Poder Legislativo, podem definir crimes e penas. E, segundo o princípio da anterioridade, a lei penal somente atinge fatos posteriores ao início de sua vigência. A aplicação destes princípios apresenta justificativas tanto lógicas como políticas; como se pode extrair dos ensinamentos de Hobbes, “se a pena supõe um fato considerado como transgressão à lei, o dano praticado antes de existir a lei que não o proibia, não é uma pena, mas um ato de hostilidade, pois antes da lei não existe transgressão à lei” (HOBBES, apud QUEIROZ, 2001, p. 71), de modo que a anterioridade revela-se como corolário lógico da reserva legal (QUEIROZ, 2001, p. 71). Já, de acordo com Mir Puig, o princípio da legalidade é, além de uma concatenação lógica, “uma ‘garantia política’ de que o cidadão não poderá ser submetido, seja pelo Estado, seja pelos juízes, a penas não aprovadas pelo povo.” (MIR PUIG, 2007, p. 88). Tais garantias, no entanto, nem sempre existiram. Conforme anteriormente mencionado, a legalidade é amparada pela CF/88 como uma garantia fundamental, isto é, uma ideologia desenvolvida somente no Iluminismo. A origem e contexto histórico dessas garantias serão mais bem abordados no próximo tópico. 2.1. Histórico Conforme aludido, o princípio da legalidade e seus derivados, anterioridade e reserva legal, são extremamente recentes, remetendo suas origens à ordem surgida após a Revolução Francesa, no Séc. XVIII. Anteriormente, o Direito Penal era regido pelas funções de retribuição e intimidação (PRADO, 2010, p. 80) , desde a Antiguidade Romana até o que se conhece por Direito Penal Comum, surgido no Séc. XII como resultado da fusão dos direitos penais anteriores (PRADO, 2010, p. 85). Inclusive, ainda que já houvesse um histórico de leis escritas, é no Direito Penal Comum que sua importância como fonte de Direito toma relevância (PRADO, 2010, p. 86). Apesar do avanço com as leis escritas, o Direito Penal Comum representava os regimes absolutistas, de modo que a legislação penal da época se caracterizava pela crueldade e pelo arbítrio judiciário, criando uma “atmosfera de incerteza, insegurança e justificado terror” (PRADO, 2010, p. 87), permanecendo o Direito Penal em absoluta desumanidade. Como reação aos excessos do Absolutismo, surgiu um movimento humanitário, resultado da Revolução Francesa, e conhecido como Iluminismo. É somente a partir da ideologia liberal, orientada pelo humanismo, que se concebe a legalidade como “limite ao COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 19 poder punitivo do Estado, dotado de sentido de garantia para a liberdade do cidadão.” (MIR PUIG, 2007, p. 87). Surgem, então, os Estados de Direito. Deve-se ressaltar que a legalidade pode ser encontrada como princípio tutelado por nações anteriores ao Século das Luzes, como a Magna Carta inglesa, de 1215, e a Constitutio Criminalis Carolina, de 1532, mas sua conotação não é a mesma, visto que a primeira admitia o costume como fonte de Direito, e a segunda não proibia a analogia em desfavor do réu (MIR PUIG, 2007, p. 87). Com efeito, a legalidade como proteção dos cidadãos contra o poder punitivo do Estado surge somente com o famoso aforismo elaborado por Feuerbach, qual seja, nullum crimen, nulla poena sine lege (MIR PUIG, 2007, p. 87). No mesmo sentido, Beccaria, ao publicar a obra “Dos delitos e das penas” em 1764, é o primeiro a sistematizar o princípio da estrita legalidade dos crimes e das penas em três postulados fundamentais: “legalidade penal, estrita necessidade das incriminações e uma penologia utilitária.” (PRADO, 2010, p. 88). A partir desses pensamentos, Beccaria se torna o precursor da Escola Clássica, a qual considera “o Direito Penal não tanto em função do Estado, quanto em função do indivíduo, que deve ser garantido contra toda intervenção estatal não predisposta pela lei e, consequentemente, contra toda limitação arbitrária da liberdade” (PRADO, 2010, p. 89). Desde a Escola Clássica até os dias atuais, a teoria do delito transformou-se intensamente, desenvolvendo novas ideias, até atingir o que se sustenta por Estado Social e Democrático de Direito, surgido, por excelência, em resposta à grande depressão, crise econômica iniciada nos Estados Unidos no ano de 1929 devido, entre outras razões, à política de não intervenção do Estado na economia, e que atingiu o mundo todo. Um Estado que se diz de Direito, portanto, é aquele pautado pela legalidade, e que surge no Séc. XVIII, o Século das Luzes, como reação ao absolutismo da época; um Estado Social quer dizer que a intervenção política somente se justifica na medida em que tutela os interesses da sociedade como um todo; e a expressão “Estado Democrático” corresponde àquele Estado que se põe a serviço do cidadão (MIR PUIG, 2007, p. 86). 2.1.1. Brasil Em âmbito nacional, o itinerário histórico corresponde ao percorrido mundialmente, como se é de esperar, apenas apresentando a defasagem temporal que é característica dos COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 20 países, por assim dizer, “subdesenvolvidos”, que seguem os modelos e referenciais dos países centrais. A sociedade primitiva brasileira, isto é, a existente antes da chegada dos colonizadores portugueses no Séc. XVI, caracterizava-se pela vingança privada (PRADO, 2010, p. 122). Já, no período colonial, vigorou no Brasil a legislação portuguesa, incluindo, naturalmente, a legislação penal lusa. As primeiras duas décadas desde o descobrimento foram regidas pelas Ordenações Afonsinas, consideradas o primeiro código europeu completo. Em 1521, a legislação foi substituída pelas Ordenações Filipinas, tidas como uma cópia piorada das ordenações anteriores, considerados os erros gramaticais do texto legislativo (PRADO, 2010, p. 122 et. seq.). O Código Criminal do Império surgiu em 1830, como o primeiro código autônomo não somente do Brasil, como de toda a América Latina (HUNGRIA apud PRADO, 2010, p. 125). Orientado pelas diretrizes da Carta Magna brasileira de 1824, foi o primeiro documento que imperou no Brasil protegendo direitos e interesses individuais, de acordo com as tendências liberais do Iluminismo. Inclusive, foi a primeira legislação a garantir a legalidade como um direito fundamental, visto que as ordenações, elaboradas em um contexto absolutista, não previam o princípio da legalidade (PRADO, 2010, p. 124-125). Pode-se notar, então, que, tanto no Brasil como no mundo, o princípio da legalidade, como forma de garantir direitos individuais fundamentais, em especial a liberdade dos cidadãos, se concretizou na sociedade muito recentemente. Compreende-se, assim, que a legalidade não surgiu isoladamente, mas sim acompanhada de um rol de outros princípios, com o escopo de transformar o sistema jurídico da época. Ocorre que, quando da aplicação do princípio da legalidade e de seus derivados – anterioridade e reserva legal, surgem conflitos de ordem temporal. Esses conflitos e as soluções adotadas serão estudados a seguir. 2.2. Conflitos da lei penal no tempo A aplicação da lei penal no tempo sofre alguns conflitos, no que tange à incidência da legislação em situações de revogação de leis. Em um caso como este, surge a indagação acerca de qual legislação deve ser aplicada em crimes que foram cometidos sob a vigência de uma legislação e passam a ser julgados sob a vigência de outra. A solução encontrada pelo CP, em seu art. 1º, e em acordo com a CF/88, em seu art. 5º, XL, é a aplicação do princípioda irretroatividade da lei penal, que consiste na não incidência de uma lei a fatos anteriores à sua vigência. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 21 O princípio da irretroatividade, ainda, vem acompanhado do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, que se justifica, conforme leciona QUEIROZ (2001, p. 72), pelo caráter garantista do Estado em não cometer excessos no exercício do poder punitivo, além de permitir o alcance dos objetivos da pena, quais sejam, advertir e prevenir. No mesmo sentido, defende PRADO (2010, p. 197) que a incidência de uma lei mais severa a um caso anterior à sua vigência é vedada por razão de ordem político –criminal, visto que, em tal caso, inexiste o requisito da culpabilidade para a constituição do delito. A conjugação dos princípios da irretroatividade da lei penal e da retroatividade da lei penal mais benéfica, de acordo com ANÍBAL BRUNO (1984, p. 261), muito além de regular um conflito de ordem lógica, oferece garantia e estabilidade da ordem jurídica, dando ordem e firmeza nas relações sociais e de segurança dos direitos do indivíduo. 2.3. Leis temporárias e excepcionais As leis temporárias e excepcionais são leis que apresentam um término de vigência no próprio corpo do texto legislativo, pois são editadas a fim de regulamentar situações passageiras. A distinção entre a lei temporária e a lei excepcional consiste em que a primeira apresenta uma data fixa no calendário para o fim de sua vigência, ao passo que a última determina uma situação em que deve parar de viger, como, por exemplo, o término da situação que causou sua edição. PRADO explica que a lei temporária exige duas condicionantes: uma situação transitória de emergência e o termo de vigência (2010, p. 199). Complementando, QUEIROZ, ao citar MARQUES, ensina que, nas leis temporárias e excepcionais, “o tempo integra a estrutura da norma, ou como condição de maior punibilidade [...].” (2001, p. 77). A implicação dessas leis é a não incidência do princípio da irretroatividade da lei penal e da retroatividade da lei penal mais benéfica, visto que tais leis ainda são aplicadas a fatos cometidos durante sua vigência, ainda que tais fatos sejam julgados em momento posterior ao término da vigência. QUEIROZ descreve o evidente fundamento da ultratividade dessas leis: “se tais normas, ao final de sua duração, perdessem, sem mais, o seu poder coercitivo quanto aos fatos consumados durante a sua vigência, simplesmente ninguém as respeitaria, seriam de todo inúteis [...].” (2001, p. 77). JOPERT classifica tal fundamento como de ordem lógica (2006, p. 57); e, no mesmo sentido, JUNQUEIRA explica que a não ultratividade dessas leis as esvaziaria de qualquer eficácia preventiva (2005, p. 41). COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 22 3. Legislação O artigo do CP que regula as leis temporárias é o art. 3º, que diz: “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.” Atente-se para o fato de que a redação do texto apresenta-se confusa, visto que “decorrido o período de sua duração”, que vem em primeiro lugar, refere-se à lei temporária, que está em segundo lugar, e “cessadas as circunstâncias que a determinaram”, que vem ao final, é referente à lei excepcional, que se localiza no início do texto legislativo. Deixadas as irregularidades técnicas à parte, o art. 3º dispõe sobre uma exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal combinado com o da retroatividade da lei penal mais benéfica, contido no art. 2º e parágrafo único, que preveem: “Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. Da análise da CF/88 acerca do tema, encontra-se o art. 5º, XL, que prevê: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Esta disposição é a única existente na Magna Carta, e incisivamente não admite qualquer exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal e da retroatividade da lei penal mais benéfica. 3.1. Posição doutrinária Expondo o pensamento majoritário da doutrina, FRAGOSO (1993, p. 102) é incisivo ao afirmar que a lei mais severa em nenhum caso retroage. Mais adiante, todavia, aponta a única exceção a tal regra, que é constituída pelas leis temporárias e excepcionais (FRAGOSO, 1993, p. 104). Em sentido diverso, TOLEDO define que “a eficácia da lei penal no tempo subordina-se a uma regra geral e a várias exceções [...].” (2010, p. 30). Ocorre que tais afirmações não procedem, visto que a regulamentação da lei penal no tempo feita pela CF/88 não admite exceções, implicando na não recepção do art. 3º do CP. Com efeito, ZAFFARONI defende que a disposição legal contida no art. 3º do CP, “posto que constitui exceção à irretroatividade legal que consagra a Constituição Federal (‘salvo para beneficiar o réu’) e não admite exceções, ou seja, possui caráter absoluto” (2005, p. 200). Em sentido contrário, aponta JESUS que “o problema deve ser colocado sob o prisma COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 23 da tipicidade e não do direito intertemporal”, dado que a referência temporal é elementar da lei excepcional ou temporária, sendo, assim, pura técnica legislativa. E finaliza: “Compreendido o problema como sendo de tipicidade e não de direito intertemporal, conclui- se não ser inconstitucional o art. 3º do CP.” (2006, p. 96 – 100). Tal argumento, todavia, não prossegue, dado que uma simples verificação da posição do art. 3º perante o art. 2º e o art. 4º revela que a questão é de direito intertemporal: sobre o art. 2º, segue a nomenclatura “lei penal no tempo”; sobre o art. 3º, “lei excepcional ou temporária”, e sobre o art. 4º, “tempo do crime”. Em se tratando de questões temporais nos artigos antecedente e subsequente ao art. 3º, dada a descrição dos mesmos, por razões puramente lógicas compreende-se que o artigo intermediário trata também de assunto intertemporal. Doutrinariamente, a opinião majoritária sobre a justificativa da exceção feita no art. 3º resume-se à eficácia que se perderia caso não houvesse a exceção, conforme aludido anteriormente (QUEIROZ, 2001, p. 77; JUNQUEIRA, 2005, p. 41). Essa justificativa, entretanto, é demasiado atentatória à proteção das liberdades individuais perante o Estado, pois, basta a alegação de perda de eficácia para se contornar previsão constitucional e para o atingimento de qualquer pretensão punitiva do Estado, e portanto, garantia de eficácia, neste caso, não pode ser aceita em detrimento de preceitos constitucionais. Argumenta-se, ainda, que o caso não seria de revogação de uma norma por outra, situação que pede a aplicação do princípio previsto no art. 5º, XL, CF/88, visto que “a lei posterior não tem o condão de revogá-las [leis temporárias e excepcionais]; o que na verdade ocorre é uma autorrevogação” (PRADO, 2010, p. 199). Tal inferência é igualmente improcedente, dado que a leitura do art. 2º, parágrafo único, CP, e do art. 5º, XL, CF/88 permite entender que qualquer lei posterior que favoreça o indivíduo deve ser aplicada, ainda que tal lei não tenha tido o condão de revogar a lei temporária ou excepcional, de modo que o fato de tais leis se autorrevogarem não exclui a incidência da retroatividade da lei mais favorável. Há quemdefenda, também, que “a Constituição determina a retroatividade da lei posterior mais benéfica apenas quando as duas leis em conflito tratarem do mesmo fato”, e “as leis temporárias ou excepcionais não tratam do mesmo fato regulado pela lei do período de normalidade, que entra em vigor após a auto-revogação das primeiras. Isso porque a lei excepcional ou temporária trata de hipóteses ocorridas em especiais períodos de tempo” (JOPPERT, 2006, p. 58). A improcedência do exposto é flagrante, pois em momento algum a Constituição Federal exige que as leis em conflito tratem do mesmo fato, limitando-se a impor que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Ademais, o fato de as leis COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 24 temporárias ou excepcionais tratarem de hipóteses especiais não implica que o fato a ser regulado é diferente daquele em situação de normalidade. Partindo do pressuposto de que a exceção contida no art. 3º, CP é de flagrante inconstitucionalidade, deduz-se que as leis temporárias e excepcionais devem incidir somente nas hipóteses de julgamento anterior à autorrevogação. Tal entendimento implica em evidente injustiça, dado que os delitos julgados até a autorrevogação levam à punição do agente, enquanto aqueles julgados em momento posterior levam à absolvição do indivíduo. O escopo a seguir, portanto, é desconstruir o instituto das leis temporárias e excepcionais através da análise dos motivos políticos de sua existência. 4. Leis temporárias e excepcionais à luz do direito penal mínimo 4.1. O sistema penal é um sistema político De acordo com ROBERTI, a análise dos princípios penais contidos na Constituição Federal permite entender que a orientação a ser adotada é de um sistema repressivo reduzido, atuando apenas como garantidor dos direitos de cada cidadão. “Dessa maneira, o Direito Penal deve estar presente nos conflitos sociais, apenas quando for estritamente necessário e imprescindível, não além; impõe-se, assim, prévia comprovação de que existem outras alternativas que não a criminalização.” (2001, p. 61-62). Um princípio constitucional penal que pode ser mencionado é o da subsidiariedade, delimitado por MIR PUIG da seguinte maneira: “O Direito penal deixa de ser necessário para proteger a sociedade quando isso puder ser obtido por outros meios, que serão preferíveis enquanto sejam menos lesivos aos direitos individuais.” (2007, p. 93). Ocorre que, a partir da leitura da obra de Zaffaroni intitulada “Em busca das penas perdidas”, em resposta a Look Hulsman e sua obra “Das penas perdidas, percebe-se que o sistema penal atual sofre uma crise de deslegitimação. Basta uma breve e superficial análise da execução da pena privativa de liberdade para se constatar que a mesma não apresenta as condições necessárias para ressocializar o condenado, descumprindo uma função primordial da pena. Paralelamente, a tendência mundial relatada por ROBERTI em se buscar a punição em meios outros que as penas privativas de liberdade demonstra que “o excesso de intervenção penal, a falta de critérios e o uso abusivo da pena deixam um vácuo na sociedade, em face do esvaziamento da força intimidadora da pena.” (2001, p. 62). COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 25 MIR PUIG complementa: “Se o Direito penal de um Estado social só se legitima na medida em que protege a sociedade, perderá sua justificação caso sua intervenção demonstre- se inútil por ser incapaz de evitar delitos.” (2007, p. 92), de modo que, através de uma simples coerência lógica do que deva ser um Estado social, a partir de um estudo puramente teórico, também é possível sustentar a deslegitimidade que enfrenta o atual sistema penal. A falta de legitimidade não se limita à sua relação com os presidiários, alcançando todo o sistema repressivo do Estado, atingindo o próprio órgão legislativo e judiciário. ROBERTI destaca a expressiva influência exercida pela mídia, através da divulgação da impunidade, a fim de gerar um clamor social por justiça: em resposta a este clamor, o poder legislativo “sem atacar as verdadeiras causas da violência e da criminalidade, edita uma nova lei a todo e qualquer fato socialmente significante e com caráter negativo” (2001, p. 109-110). ZAFFARONI destaca que a inflação progressiva e constante das tipificações somente colabora para aumentar o arbítrio seletivo dos órgãos executivos, com consequente aumento do poder controlador dos mesmos (1991, p. 27). Este arbítrio seletivo consiste, conforme o autor explica, no fato de os órgãos executivos operarem somente contra quem desejam, visto que a disparidade entre as tipicidades existentes e a capacidade fática de se punir todos os delitos cometidos é abissal. Tal situação se apresenta como uma “falsidade da legalidade processual” (ZAFFARONI, 1991, p. 26-27). Essa falsidade é bem explorada pela teoria do etiquetamento, ou labeling approach, trabalhada na obra de Alessandro Baratta intitulada “Criminologia crítica e crítica do direito penal”. QUEIROZ, de forma sucinta, define a teoria: “sob a etiqueta de ‘delito’, agrupa-se toda uma série de comportamentos que nada têm em comum, exceto quanto ao fato de estarem criminalizados. Significa, ainda, que o crime não é um objeto do sistema penal, senão resultado mesmo do seu funcionamento.” (2001, p. 61). Os comportamentos eleitos para serem criminalizados são aqueles praticados, em sua maioria, por indivíduos das classes sociais mais baixas. Tal afirmação é facilmente comprovada pela leitura dos tipos penais elencados no Código Penal: o bem jurídico objeto da tutela estatal mais protegido é a propriedade, bem detido pelas classes sociais mais favorecidas em detrimento das necessitadas. O próprio cárcere retrata esta opção do aparelho repressor, bastando verificar o perfil dos presos. Admitindo, então, que o sistema repressivo brasileiro sofre na atualidade uma crise de deslegitimação, e considerando, ainda, a teoria do etiquetamento, conclui-se, bem como fez ZAFFARONI, que a agência judicial é política (1991, p. 207), incluindo-se, naturalmente, a COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 26 agência judicial penal e o sistema penal como um todo. “Porque não há exercício de poder estatal que não seja político: ou é político ou não é poder.” (ZAFFARONI, 1991, p. 207). Em consonância, porém sob uma ótica mais voltada às agências criminais, BARATTA aponta: “o poder de atribuir a qualidade de criminoso é detido por um grupo específico de funcionários que [...] exprimem certos estratos sociais e determinadas constelações de interesses.” (2002, p. 111). Este grupo de funcionários, destaca o autor mais adiante, é um grupo que tem o poder de influir sobre os processos de criminalização, de modo que a criminalidade passa a ser compreendida como uma realidade social forjada, ou seja, tem sempre natureza política (BARATTA, 2002, p. 119). A admissão, portanto, do sistema repressivo do Estado como um ente político traz três implicações diretas: primeiramente, que esse sistema, nele incluindo o órgão legislativo, o judiciário, bem como as agências executórias e até mesmo a mídia, atua em função de um interesse parcial, ou seja, de um interesse tendencioso, político. A segunda implicação, decorrente da primeira, consiste em que a elaboração dos textos normativos penais é feita visando atender o interesse político existente. Em terceiro lugar, estabelece-se, através de uma simples verificação histórica, que o interesse político que move o sistema penal não se altera, ainda que se alterem os partidos políticos, e busca, através do sistema repressivo doEstado, manter o status quo vigente, e que esse interesse político consiste na proteção do sistema econômico capitalista. A inserção do elemento econômico é descrita por ROBERTI: “Em busca de um ‘culpado’, pela presença em nossa sociedade da crescente violência individual, começa-se a explorar a existência da pobreza que, à primeira vista, nos parece ser conseqüência inevitável de uma certa ‘ordem natural’ que comanda as relações entre os homens.” (2001, p. 110). Evidentemente, a exploração da pobreza como causa da violência não é feita por acaso, e a existência dela não provém de uma ordem “natural”, mas sim forjada, e ambas essas situações são o escopo final do interesse político do Estado. Desse modo, infere-se que os institutos penais existentes estão a serviço de um interesse político, e, dentre tais institutos, as figuras das leis penais temporárias e excepcionais. 4.2. Leis penais temporárias e excepcionais As leis temporárias e excepcionais surgiram no ordenamento jurídico brasileiro com a edição do Código Penal de 1940, ainda em vigor. O período em que foi elaborado o referido COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 27 código remete à implantação do Estado Novo por Getúlio Vargas, em que foi adotado um regime ditatorial e, portanto, antidemocrático. Inclusive, foi sob esse regime que foi outorgada a Constituição Federal de 1937, a única na história do Brasil, até o presente momento, que não previu em seu texto o princípio da retroatividade da lei penal mais benigna, de modo a permitir a ultra-atividade das leis temporárias ou excepcionais. (BORGES, 2005, p. 128-130). Durante a vigência da Constituição Federal de 1937, o instituto das leis penais excepcionais e temporárias, e sua qualidade de ultra-atividade, apresentava-se, no plano lógico-formal, como constitucional. No entanto, a partir da aprovação da Constituição Federal de 1946, ocasião em que a retroatividade da lei penal mais benigna foi restabelecida em seu art. 141, parágrafo 294, juntamente com o regime político democrático (BORGES, 2005, p. 130), aquele instituto não foi recepcionado e sua aplicação subsequente passou à inconstitucionalidade, permanecendo irregular até os dias atuais5. Ressalta-se aqui que a hipótese de simples impedimento da ultra-atividade dessas leis, mas a perpetuação dessa modalidade, incidindo somente naqueles casos julgados durante sua vigência, é igualmente inaceitável, visto que, em concordância com a maioria doutrinária, tal norma seria injusta (JOPPERT, 2006, p. 57), ao punir somente parcela dos infratores, e também perderia sua eficácia (JUNQUEIRA, 2005, p. 41). A partir de uma análise para além da inconstitucionalidade do art. 3º do atual Código Penal6, e retomando o contexto histórico-político da outorga da Constituição Federal de 1937 e da elaboração do Código Penal de 1940, extrai-se a verdadeira razão de ser das leis temporárias e excepcionais: estas leis sempre irão prever uma situação legal mais severa do que a anterior, sempre irão criar tipos penais para ocasiões que se pretendem de urgência e fora da normalidade, para regular a atuação dos membros da sociedade de acordo com os interesses políticos do Estado. Uma norma que possa enrijecer o ordenamento jurídico penal de forma rápida e aos moldes dos interesses dos detentores de poder revela-se extremamente conveniente, mas tal possibilidade somente pode ser admissível em um regime político totalitário, como aquele vigente à época de sua criação. Uma vez restabelecida a democracia, este instrumento deveria ter sido aniquilado do sistema penal, dada sua flagrante arbitrariedade. 4 CF/46, art. 141, parágrafo 29: A lei penal regulará a individualização da pena e só retroagirá quando beneficiar o réu. 5 CF/88, art. 5º, XL: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. 6 Art. 3º, CP: A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 28 Inclusive, a título de enfatizar o caráter antidemocrático com que a ferramenta das leis temporárias e excepcionais atuou na história brasileira, destaca-se o Ato Institucional n. 1, instaurado em 1964, primeiro ano de um novo regime ditatorial, uma norma temporária que suprimiu direitos básicos dos cidadãos. Ainda que o Ato Institucional não tenha sido uma lei temporária, apresenta a mesma linha funcional que as leis temporárias e excepcionais penais, e, segundo BORGES, é suficiente para demonstrar “a natureza ditatorial ou antidemocrática das referidas leis temporárias, que afrontam a estabilidade das relações jurídicas e são circunstanciais.” (2005, p. 131). O caráter antidemocrático das leis temporárias e excepcionais pode ser detectado, ainda, através da observância de outros institutos, que estabelecem uma harmonia entre si para atender a finalidade política almejada. Como exemplo, é possível citar a tentativa de contornar a vedação constitucional de penas perpétuas com a instauração das medidas de segurança, medidas aplicadas àqueles infratores incapazes, e que não apresenta limite temporal de sua incidência. Regulamentada de maneira elaborada pela primeira vez no Código Penal de 1940, as medidas de segurança passaram a desenvolver a função de “neutralização dos ‘indesejáveis’, pela simples deterioração provocada pela institucionalização demasiadamente prolongada” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2006, p. 194). Finalmente, o fato de o atual Código Penal ter sido fruto de um decreto-lei, ou seja, de elaboração do próprio presidente da República, dada a previsão feita pela ditatorial Constituição Federal de 1937 (BORGES, 2005, p. 129), demonstra a tendência antidemocrática de todo o conteúdo do referido código. 4.3.Proposta a partir da ótica do direito penal mínimo Através dos aportes teóricos da obra de Alessandro BARATTA (2002), intitulada “Criminologia crítica e crítica do direito penal”, tem-se um embasado panorama das principais correntes criminológicas ao longo da história, culminando em uma criminologia crítica, a qual busca as razões da criminalização construída pelos órgãos penais ao invés de buscar as razões da criminalidade existente, aos moldes da criminologia clássica. O autor estabelece três proposições básicas de onde se deve partir para se compreender o sistema penal e para poder interferir nele: primeiramente, deve-se admitir que, a despeito do que se encontra positivado, o direito penal não defende somente os bens jurídicos essenciais de interesse social, e, se o faz, faz de maneira desigual perante cada cidadão. A segunda proposição estabelecida como ponto de partida de uma criminologia COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 17 - Direito Penal e Criminologia 29 crítica é a admissão de que o direito penal, contrariamente ao postulado na Magna Carta, não é igual para todos, de maneira que a condição de criminoso é atribuída de forma desigual e não aleatória ao longo da sociedade. Por fim, a terceira proposição estabelece que o grau de punição exercido sobre os crimes efetivamente averiguados não corresponde ao grau de danosidade social, mas sim de danosidade àqueles bens de interesse das classes detentoras do poder político (BARATTA, 2002, p. 162). Admitindo a crise de legitimidade do sistema penal, como exposto no item 4.1., observa-se um ordenamento jurídico penal inchado, em que ocorre o “fenômeno da hipercriminalização”. Este fenômeno acaba por atingir uma tipificação excessiva dos atos praticados pelos cidadãos, tendo
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