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A crítica da economia política clássica 8.1 A afirmação do sistema industrial e a economia política clássica • O período compreendido entre 1780 e 1850 corresponde a uma etapa de afirmação acelerada e irresistível do moderno sistema industrial, cujo centro dinâmico e irradiador se encontrava na Inglaterra. • À medida que o sistema industrial capitalista se afirmava como um vetor irresistível do desenvolvimento econômico, as formas sociais, políticas, as expressões ideológicas, artísticas e científicas que lhe correspondiam eram reiteradas. • O vigor desse movimento de afirmação, evidenciado nas várias frentes em que ele atuava, não evitou a manifestação de focos de resistência. 8.2 As primeiras lutas de resistência à opressão do sistema industrial • O ambiente fabril nas primeiras décadas da Revolução Industrial era extremamente hostil. • As condições de superexploração não tardaram a desencadear movimentos sociais de resistência. • Um dos primeiros movimentos de resistência organizados elegeu o desemprego como inimigo principal. • Outra via de resistência adotada pelos trabalhadores foi a de elaboração de petições aos empresários e ao Parlamento descrevendo as condições precárias e desumanas e pedindo providências para atenuar o sofrimento dos trabalhadores. • Em 1829 foi organizado o Grande Sindicato dos Tecelões. • Em 1830 foi organizada a Associação Nacional de Proteção ao Trabalho. • Em 1833 foi organizada a União Geral dos Trabalhadores. • Em 1833 foi organizado o Grande Sindicato Nacional. • Em 1838, William Lovett e James Watson elaboraram a carta do Povo, baseada em seis reivindicações: sufrágio universal masculino; igualdade dos distritos eleitorais; voto secreto; eleição anual para o Parlamento; pagamento aos parlamentares eliminação do critério de propriedade para candidatura. • Esse “programa” propunha basicamente uma reforma parlamentar radical, cuja implantação transformaria o regime liberal inglês numa democracia liberal. • A proposta foi rejeitada e o movimento tornou-se alvo de uma violentíssima repressão policial da qual ele nunca mais conseguiu se recuperar. • O vigor das novas lutas sociais colocava em evidência os problemas da nova ordem industrial com tal contundência que os intelectuais simplesmente não tinham como ignorá-los. • Duas grandes linhas de reflexão surgiram: Uma delas assumiu uma postura crítica em relação à nova ordem, sem conseguir elaborar uma proposta de superação consistente e viável. A outra expressava a nítida preocupação com a preservação do moderno sistema industrial e abordava os complexos problemas que se desenhavam numa perspectiva de administrá-los e controlá-los. 8.3 Socialistas utópicos, socialismo francês e inglês 8.3.1 A reforma social no interior da ordem 8.3.1.1 Os socialistas utópicos • Essa designação foi utilizada originalmente por Marx e Engels, para identificar um conjunto de ativistas e intelectuais que se destacaram na Inglaterra e na França na crítica aos efeitos sociais perversos do desenvolvimento industrial. • Na Inglaterra, Robert Owen (1771-1858) acreditava que era possível organizar a sociedade do nascente sistema industrial sobre bases mais humanas desde que três principais obstáculos fossem removidos: a propriedade privada; a religião; as regras do casamento burguês. •Na França, Saint-Simon (1759-1825) considerava que a atividade mais relevante da economia era a da indústria produtiva e, como decorrência, concluía que o controle social e político da nova sociedade deveria caber aos agentes produtivos (os industriais). • Charles Fourier (1770-1837), na França, acreditava que a finalidade suprema da humanidade era promover a satisfação de todas as necessidades psicológicas e individuais e a obtenção do máximo de prazer pelo indivíduo. • A contribuição mais importante do pensamento dos socialistas utópicos reside na crítica à sociedade burguesa, denunciando seus aspectos sociais perversos e repercutindo, no plano do debate ideológico, as explosivas lutas sociais que vinham sendo travadas desde o início do século XIX na Europa. • As fragilidades mais evidentes do conjunto de idéias desse grupo residem: na visão de que a superação das precárias condições de vida e trabalho dos assalariados fabris seria conseguida com a ajuda das classes proprietárias; na falta de uma análise ou teoria econômica, especialmente no que se refere a uma análise econômica das relações de propriedade do sistema capitalista- industrial. 8.3.1.2 Socialismo francês • J.C.L. Sismonde de Sismondi (1773-1842) Na obra De la richesse commerciale, de 1803, reconhece os efeitos positivos do livre mercado, condena o intervencionismo, mas demonstra alguma reserva diante da constatação de que o trabalhador ficava com uma pequena parte de tudo o que era produzido. Na obra Nouveaux principes d’économie politique, ou de la richesse dans ses rapports avec la population, de 1819, relativizou a importância dos livres mercados diante dos efeitos distributivos nefastos que decorriam de seu funcionamento. A idéia central que Sismondi defende é que a concorrência e a separação entre o trabalhador e os meios de produção levam à superprodução, às crises e à miséria dos trabalhadores. Três fatores determinam a eclosão das crises: concorrência entre os produtores; valorização do capital, que induz o crescimento constante da produção; separação entre o capital e o trabalho. Para enfrentar esse quadro, Sismondi propõe basicamente duas medidas: 1. A meta da política econômica deveria ser a restauração da unidade entre a propriedade e o trabalho, visando restabelecer o equilíbrio entre a produção e o consumo; 2. Essa “unidade” deveria ser restaurada pela recriação do pequeno produtor independente. • Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) Proudhon nasceu e se educou no interior de uma família pequeno-burguesa. Entretanto, desde suas primeiras obras, assumiu uma posição crítica em relação a vários aspectos da ordem social burguesa. Em O que é a propriedade ou investigação sobre o princípio do direito e do governo, de 1840, formulou a célebre conclusão “a propriedade é um roubo”. Na Filosofia da miséria, de 1846, procurou realizar uma síntese complicada entre a defesa da propriedade privada e a condenação dos excessos do capitalismo. Proudhon acreditava que o objetivo supremo da comunidade humana era o da realização da justiça, entendida como reciprocidade, igualdade e equilíbrio. Proudhon acredita que a justiça só pode ser alcançada instaurando-se um equilíbrio de forças na sociedade por meio da democratização da propriedade privada. A sociedade ideal de Proudhon supunha a eliminação do Estado, do lucro e a democratização da propriedade privada. 8.3.1.3 Socialistas ingleses • William Thompson (1783-1833) Em suas obras, Thompson denunciava que as relações de propriedade vigentes eram responsáveis pela miséria dos trabalhadores, pois garantiam aos proprietários dos meios de produção a apropriação da maior parte do produto feito por eles. Do seu ponto de vista, o sistema capitalista é tão coercitivo quanto os anteriores, apenas com a diferença que nele a coerção é econômica, enquanto nos demais é exercida pela violência física e direta. Observava que as condições de livre mercado e a concorrência eram responsáveis pelos desequilíbrios entre a oferta e a demanda, gerando instabilidades e crises que resultavam em desemprego, fome e sofrimento. Acreditava que o grau de felicidade e prazer dos membros de uma comunidade era função direta da distribuição da riqueza. Conclui que a melhor forma de organização social é aquela baseada no planejamento e no cooperativismo, inspirados no modelo de Owen, e que ela seria implantada de forma gradual à medida que a superioridade deste sistema ficasse cada vez mais evidente. • John Gray (1799-1850) o autor condena os feitos sociais do capitalismo nascente, em especial a concentração da riqueza entre os proprietários e da miséria entre os não-proprietários. Enfatiza que o trabalho é a única fonte legítima do direito de propriedade, e defende que o fim da exploração depende da eliminação da renda, do lucro e do juro. Nos trabalhos de 1831 e 1848, o autor apresenta os princípios de organização do que considerava uma sociedade ideal: um “mundo” da produção constituído por uma comunidade de pequenos produtores independentes, os quais forneceriam produtos com valor expresso em números de horas de trabalho que seriam trocados no mercado por títulos ou certificados equivalentes, emitidos por um banco de troca que, além de ser responsável pela emissão desses certificados, também teria a tarefa de regular a produção e o consumo. • John Francis Bray (1809-1895) Bray era crítico da ordem social existente e adepto da teoria do valor-trabalho de Ricardo. Seu estudo dá um passo além ao observar que a criação de uma nova ordem social exigia a superação das condições de produção capitalistas e, conseqüentemente, das relações de propriedade sobre as quais elas se sustentavam. A criação de uma sociedade que superasse os problemas sociais do capitalismo deveria estabelecer um sistema de propriedade comum, ou social, dos meios de produção e, a partir dele, sistemas de circulação e distribuição da riqueza planejados e regulados socialmente. • Thomas Hodgskin (1787-1869) Na primeira obra, denunciou que a propriedade dos meios de produção permitia a uma classe ociosa a apropriação injusta da maior parte do produto gerado pelos trabalhadores. Na segunda, condenou o lucro e a renda, pois observou que, apesar de corresponderem à maior parte do trabalho produzido pelos trabalhadores, eram apropriados integralmente pela classe ociosa. apresenta sua visão sobre as formas da propriedade privada: forma natural: aquela em que o trabalhador se apropria da totalidade de seu trabalho, produzido por meios próprios. forma artificial: aquela em que os proprietários ociosos se apropriam do produto do trabalho alheio em virtude da propriedade herdada-adquirida sobre os meios de produção e garantida pelas instituições e as leis. Segundo Hodgskin, o requisito básico para a implantação da sociedade ideal seria a abolição da propriedade ociosa dos meios de produção, além das leis, das convenções e das instituições que garantem a opressão dos trabalhadores. Hodgskin reconhece o capital como uma relação social coercitiva fundada em relações de propriedade normativas, isto é, uma convenção criada pela sociedade. Hodgskin sinaliza que, ao menos sob uma de suas manifestações, a propriedade privada não tinha nada de natural, era uma convenção criada pelos homens, determinada por relações de poder, instituições e assegurada em leis típicas de uma ordem social específica.
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