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Os Gêneros Literários Fundamentos Políticos, Filosóficos e Históricos Helena Parente Cunha

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Universidade Católica de Brasília
Letras
Estudos Crítico-Teóricos da Literatura II
Prof. Robson André da Silva
OS GÊNEROS LITERÁRIOS
[Fundamentos poéticos, filosóficos e históricos]
Helena Parente Cunha(
Conceituação e evolução histórica
A problemática dos gêneros, a mais antiga da teoria literária, também das mais complexas e controvertidas, empenha ainda hoje o interesse dos estudiosos, que perseveram na busca de uma conceituação. Entre divergências e oscilações, o assunto atravessa toda a história da literatura e da crítica, ora assumindo acomodações de fidelidade a preceitos estáticos, ora desencadeando inovações, com investidas aguerridas e alvoroçadas. O fato é que a questão permanece aberta, a aguçar nossa curiosidade num desafio milenar.
O primeiro a tomar consciência dos gêneros foi Platão, mas cabe a Aristóteles o lançamento de suas bases fundamentais na Poética, que se inicia com a intenção de abordar a produção poética e os seus diversos gêneros, classificando as obras segundo elementos formais e conteudísticos. Assim, o gênero literário pressupõe uma classificação de obras consignadas por características afins. Wellek e Warren opinam:
Creemos que el género debe entenderse como agrupación de obras literárias basada teoricamente tanto en la forma exterior (metro o estructura específicos) como en la interior (actitud, tono, propósito; dicho más toscamente: tema y público)�.
Anatol Rosenfeld alvitra que a divisão das obras literárias por gêneros parece proveniente da “necessidade de toda ciência de introduzir certa ordem na multiplicidade dos fenômenos”.
Embora a Poética de Aristóteles continue sendo o texto básico para o enfoque dos gêneros, durante séculos vem suscitando interpretações, que variam ao sabor do aparecimento de novos modelos literários e segundo a evolução do conceito de literatura.
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Na Idade Média não houve sistematização rigorosa sobre os problemas literários, a não ser os tratados de poética trovadoresca, todavia sem vinculações com as doutrinas dos antigos. No Renascimento, graças à sedução exercida pela arte greco-latina, a Poética de Aristóteles e a Epístola aos pisões de Horácio promoveram inúmeras discussões do maior interesse para o novo espírito crítico que despontava. A questão dos gêneros tornou-se então o ponto central da interpretação do fenômeno literário.
Aristóteles considera dois modos básicos de produção poética: o narrativo e o dramático, não estudando propriamente a poesia lírica. Os críticos renascentistas e clássicos, entretanto, com base nos postulados horacianos, incluíram o lírico entre os gêneros e deram início à carreira da divisão tripartida da produção literária (lírica, épica, dramática) que, apesar das dissensões, prevalece para grande parte dos teorizadores, até nossos dias.
No século XVII, admitia-se que cada um desses grandes gêneros se subdividia em gêneros menores, severamente distintos e regidos por regras intransigentes e imutáveis que comandavam a criação e orientavam poetas e críticos, a ponto de o valor da obra ser reputado na dependência desses cânones.
Tal posição normativa se alicerçava na crença de que os gêneros eram essências fixas ou formas exigidas pela natureza, e como os antigos realizaram essas formas de maneira superlativa, seus exemplos constituíam os modelos supremos a serem escrupulosamente imitados.
Trata-se de uma concepção supra-histórica que nega a possibilidade de desenvolvimento e variações dos gêneros, segundo as exigências de cada época.
A inflexibilidade das estéticas renascentistas e classicistas não pontificou em termos absolutos e, desde os séculos XVI e XVII, surgiram polêmicas, muitas das quais a propósito de obras que não se enquadravam nas delimitações impostas. Na famosa “Disputa entre Antigos e Modernos”, já se desconfiava da intemporalidade dos preceitos aristotélicos e horacianos, uma vez que um novo sentido da historicidade do homem e da cultura instigava a admissão de novas formas literárias ou a adaptação dos gêneros tradicionais às contingências temporais.
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O Barroco opta por maior liberdade criadora e advoga as mutações do conceito. Cultiva o hibridismo dos gêneros, proscrito pela normatividade classicista, tendo produzido, entre outras infrações, a tragicomédia.
No século XVIII, a despeito de as correntes neoclássicas manterem compromissos com as doutrinas do Classicismo francês, a fé no progresso e a crise dos valores tradicionais sacodem a convicção da imutabilidade dos gêneros. Além disso, as importantes formas literárias que nascem, como o drama burguês e uma nova modalidade do romance, jogam por terra a tirania da norma.
O Pré-romantismo contesta o despotismo clássico e proclama a força criadora do gênio, que o Romantismo desenvolve com características próprias, sem chegar a banir os gêneros, mas patrocinando ostensivamente a legitimidade da sua mistura. Vitor Hugo, no ruidoso Prefácio de “Cromwell”, põe em rebuliço os baluartes estéticos com imprecações contra o convencionalismo do padrão de belo cultivado pelos antigos e imitado com fervor pelos prosélitos da Antiguidade. Argumenta que, se na natureza o belo coexiste ao lado do feio, não compete ao homem retificar Deus e sim seguir o seu exemplo, na aliança dos contrários. Da união do grotesco e do sublime nasce a complexidade do gênio moderno, oposto à uniforme simplicidade dos antigos.
Nos fins do século XIX, Brunetière, influenciado pelo positivismo naturalista, adapta o dogmatismo das doutrinas clássicas à teoria evolucionista de Darwin, encarando o gênero como espécie biológica que nasce, se desenvolve, envelhece e morre. Contra esta concepção, que focaliza o gênero como entidade substancialmente existente a ditar leis para a atividade criadora, se insurge Benedetto Croce, que minimiza a importância dessas imposições cerceantes.
Nas últimas décadas o problema dos gêneros retorna à arena dos debates, tendo constituído o tema único do III Congresso Internacional de História Literária, realizado em Lyon, em 1939. A disparidade de concepções dos trabalhos apresentados atesta o interesse do tema, sua atualidade e, sobretudo, sua inesgotabilidade.
A tendência moderna dos escritores é, cada vez mais, libertar-se das intolerâncias acadêmicas, em rebeldia contra os princípios autoritários,
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em nome de uma originalidade que derruba a ordem preestabelecida e instaura novas modalidades, cada vez mais difíceis de serem classificadas nas fronteiras dos gêneros.
Se adotarmos a divisão tripartida — lírico, épico e dramático — como encaixar nesses três compartimentos a multiplicidade da produção literária? Como classificar certos contos que adotam o procedimento do puro diálogo, peculiar à obra dramática? E certas composições dramáticas onde apenas comparece uma personagem em extenso monólogo? E as obras líricas de cunho narrativo ou em diálogo, ou ainda quando a emoção cede à reflexão?
Não teria sentido instituir novas divisões, que cresceriam ilimitadamente, tal a desconcertante diversidade das obras. Como agir diante do impasse?
Emil Staiger parece encontrar a solução para este beco sem saída dos estudos literários, adotando a tradicional tripartição, porém numa perspectiva aberta, que estabelece a diferença básica entre a conceituação substantiva e a adjetiva.
Os substantivos Lírica, Épica e Drama referem-se ao ramo, em que se classifica a obra, de acordo com determinadas características formais. Os poemas de breve extensão que expressam estados de alma, se enquadram na Lírica. O relato ou apresentação de uma ação pertence à Épica, enquanto a representação da ação, movida por um dinamismo de tensão, se situa no Drama.
Os adjetivos lírico, épico e dramático definem a essência, isto é, os traços característicosda obra, manifestados por seus fenômenos estilísticos.
Toda obra pertence ao ramo genérico cuja essência se revela em caráter prioritário, todavia participa também da essência ou dos traços particulares dos outros gêneros. Desta feita, uma balada dialogada se coloca sob o rótulo da Lírica, embora a essência dramática também se faça notar. Uma peça teatral pode participar da essência do lírico, se tiver transbordamentos afetivos. O romance pertence ao ramo da Épica, mas seus diálogos o aproximam da essência dramática e a efusão de sentimentos torna-o lírico.
Staiger assevera que nenhuma obra pode ser classificada exclusivamente num gênero, partilhando sempre da essência dos demais. Este 
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enfoque oferece a vantagem de desfazer a artificialidade da setorização rígida, sem cogitar de obsoletas normas e regras a serem obedecidas.
A questão da terminologia sempre figurou entre os motivos de discrepância para os autores que se ocuparam com os gêneros literários. Muitos utilizam a palavra gênero para denominar as mais diversas categorias literárias, como prosa, poesia, verso, canção, balada, romance, conto, novela, soneto, epopéia, lírica, grotesco, sublime, drama, descrição, narração etc.
Podemos considerar as subdivisões dos três grandes gêneros em espécies, também denominadas formas, classes ou sub-ramos.
Espécies da Lírica: soneto, ode, balada, vilancete, rondó, rondel etc.
Espécies da Épica: epopéia, romance, conto, novela.
Espécies do Drama: tragédia, comédia, tragicomédia, farsa.
Não entraremos em detalhes quanto às espécies dos gêneros, por fugirem à finalidade de nosso estudo, a não ser em breves passagens na parte relativa ao Drama, a fim de esclarecer certas noções deste ramo.
Examinaremos os gêneros na sua significação substantiva e adjetiva, a partir de sua essência observada através dos fenômenos estilísticos que nos parecerem mais representativos e que procuraremos exemplificar, tendo em vista a sua melhor compreensão.
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( CUNHA, Helena Parente. Os gêneros literários. In: PORTELLA, Eduardo et alii. Teoria Literária. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975, p. 93-97.
� WELLEK, René & WARREN, Austin. Teoria literária. Madrid, Gredos, 1959, p. 278.

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