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Os Gêneros Literários O Gênero Dramático Helena Parente Cunha

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Universidade Católica de Brasília
Letras
Estudos Crítico-Teóricos da Literatura II
Prof. Robson André da Silva
OS GÊNEROS LITERÁRIOS
[O gênero dramático]
Helena Parente Cunha(
A essência dramática
A essência dramática se apresenta por meio de fenômenos estilísticos determinados que situam a obra no ramo do Drama se esses traços preponderam sobre os demais.
A palavra drama oferece certa ambigüidade que convém esclarecer. Além de se referir ao ramo genérico, é empregada muitas vezes como sinônimo de peça teatral, outras vezes, como resultante do hibridismo composicional da tragédia e da comédia. A fim de estabelecer a distinção, o ramo genérico pode também se denominar Dramática.
Vimos que o narrador apresenta a ação progressivamente, através de descrições e análises, com maior ou menor detalhe, estendendo-se longamente. Tal procedimento não é adequado à obra dramática, pressionada a uma economia de meios, devido ao fator tempo, já que a duração da peça se limita a algumas horas. A ação épica ou romanesca se expande no espaço e no tempo, deslocando-se à vontade de um lugar para outro, do passado para o futuro; a dramática acontece no palco, no momento da representação, coagida a uma seleção de lances num ritmo cênico acelerado.
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A profusão de personagens e incidentes do mundo épico dispersa o enfoque do narrador, que se demora em cada parte, importante em si mesma e praticamente alheia ao final. A visão setorial épica cede à visão globalizante dramática, que se volta para o que vai acontecer e instiga a ação para o final. Esta preocupação com o desfecho demanda que as partes se relacionem entre si e com o todo, numa interdependência em que nada funciona isoladamente. Devido a este caráter basilar, Staiger denomina tensão a essência dramática.
De forma idêntica aos casos anteriores, a essência dramática não se efetua em sua pureza, mas há autores que timbram no efeito da tensão, entre os quais Racine, cujas peças se desenrolam cerradamente, sem manifestações supérfluas, a partir de um momento inicial convenientemente urdido para o desfecho.
A fábula de sua tragédia Britânico se resume no seguinte: o jovem imperador Nero, que por ardis de sua mãe Agripina usurpara o trono a Britânico, irritado com sua presença, manda-lhe raptar a noiva, Júnia, por quem se apaixona, embora não correspondido. Agripina, temendo que o pretendido casamento de seu filho com Júnia abalasse seu poder na corte, alia-se ao preceptor de Nero, Burrus, que quase o convence a renunciar a seus intentos. Narciso o incita à traição e ao envenenamento de Britânico. Júnia refugia-se entre as vestais e Nero entrega-se ao desespero.
A peça tem início quando todas as forças se acham concentradas para o desfecho. São brevemente evocados os antecedentes que levaram Nero ao trono e seu reinado de três anos, sob o controle de Burrus e Agripina. Sequioso de poder, não suporta mais o jugo e Britânico serve de pretexto para a explosão do monstro latente. Tudo converge para o sentimento de rivalidade, ódio e ganância de Nero, desde a primeira cena, intensificando-se o conflito numa tensão avassaladora que arrasta inevitavelmente para o assassínio de Britânico.
Muitas vezes a ação se relaxa em episódios desnecessários à meta final e em sacrifício da tensão. O exemplo mais elucidativo encontra-se nos mistérios. Isto é, espetáculos religiosos medievais, como o Mistério de Adão. Esse tipo de teatro organizava uma ampla representação que abarca a história do homem, desde a queda de Adão até o Juízo Final, ou então a vida de um santo ou de Jesus, do nascimento à morte. Avul-
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tam os detalhes e os episódios numa encenação que durava em média três dias e, às vezes, quarenta. Verifica-se uma quebra da tensão dramática, para a entrada maciça da épica, pois na verdade, os acontecimentos são mais narrados que representados. Não é sem fundamento que Auerbach aproxima esse espetáculo da grande arte plástica das igrejas medievais, com a visão panorâmica e sucessiva da realidade em diversas cenas justapostas, como no teatro.
Fenômenos estilísticos
Maneira dramática — Ficou claro que, na obra lírica, a relação entre o autor e o mundo é de envolvimento e, na épica, de confronto, num aumento progressivo do distanciamento, que reclama a presença do narrador, na qualidade de mediador do relato.
Na obra dramática, o autor desaparece atrás do mundo criado, numa espécie de realidade independente, onde os acontecimentos se desenvolvem autonomamente, sem a interferência do narrador.
Assim se justifica a necessidade do palco, como representação do mundo, diante do qual o espectador assiste ao desenvolvimento da ação por intermédio das personagens.
Para Aristóteles, o objeto da mímesis recai sempre sobre as ações das personagens, mas quanto à maneira da sua realização, destacam-se duas fundamentais, a narrativa, que estudamos, e a dramática que faz as próprias personagens aparecerem e agirem diante de nós. A ação se desenrola através de acontecimentos que revelam as personagens, situadas num determinado lugar e numa certa época.
A ausência da mediação do narrador para a apresentação dos fatos decide a importância capital das personagens que, na opinião de Décio de Almeida Prado, constituem praticamente a totalidade da obra, uma vez que tudo se passa através delas.
Lembrando que drama em grego significa ação, compreendemos que este é o elemento nuclear do teatro, mais relevante aí que na obra épica ou romanesca. O teatro representa a ação, o romance e a epopéia narram a ação. O mesmo objeto ou ação pode ser concebido segundo a maneira narrativa ou a dramática, de acordo com a preferência do autor: a primeira apresenta progressivamente, a segunda, representa tensamente.
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Concentração — A tensão dramática, dinamizada pelo alvo a alcançar, impele a ação e suprime todo excesso. Deste aspecto provém a concentração ou densidade, já defendida por Aristóteles, que atribuía, ao mais concentrado um prazer maior do que aquilo que vem diluído.
Por se achar no final o objetivo da trama e por existir cada parte somente em função do todo, não se admite retardamento na ação nem desperdícios de pormenores.
... Convém restringir o tempo, economizar espaço e escolher um momento expressivo da longa história, um momento pouco antes do final, e daí desse ponto reduzir a extensão a uma unidade sensivelmente palpável, para que ao invés de partes, grupos coesos, ao invés de passagens isoladas, o sentido global fique claro, e nada do que o espectador deva fixar se perca5.
Foi o que verificamos no Britânico de Racine, que restringiu o tempo do desenvolver da ação, escolhendo o momento expressivo do rapto de Júnia para dar início à tragédia, quando os sentimentos de Nero estavam suficientemente maduros a ponto de evolverem rumo à decisão do assassinato de Britânico. Cada parte adensa o encaminhamento do desfecho. A intervenção de Agripina e Burrus atuam no sentido de incitar a obsessão de domínio em Nero, ávido por sacudir a incômoda tutela. A súbita paixão por Júnia precipitou a eclosão do monstro, durante tanto tempo reprimido, que só aguardava um móvel para subir à tona.
As unidades — O imperativo da concentração e do sentido global mobilizado em direção ao desfecho, se conexiona à unidade de ação, mais significativa na obra dramática que na épica. Sacrifica-se a unidade, caso se entrelacem muitas ações. Isto já era do conhecimento de Aristóteles, para quem a ação deve organizar-se una e inteira, com as partes de tal modo entrosadas que a simples supressão ou deslocamento de uma delas basta para transtornar ou mutilar a totalidade.
O teatro medieval carece da unidade de ação, emaranhando-se no abarrotamento de episódios que dispersam a densidadedramática.
Na Poética, Aristóteles só formula explicitamente o princípio da unidade de ação; quanto às unidades de tempo e lugar, notam-se não mais
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que escassas referências. Os teóricos do Renascimento e do Classicismo conceberam a doutrina das três unidades — ação, tempo, lugar — que se arregimentou entre os estatutos da administração criadora. Essa atitude repercute a visão intelectualista da época, que entendia o ato criador como produto do esforço lúcido da razão e sujeito a regulamentação intransigente.
À unidade de ação, que condensa num todo coeso a ação principal e as acessórias, acrescenta-se a unidade de lugar, numa imposição de concentrar toda a encenação às vezes numa única sala ou aposento, e a unidade de tempo, que se restringe no máximo a vinte e quatro horas e no mínimo à duração real do espetáculo.
As regras das três unidades encontraram em Racine seu representante mais genuíno. Essa rigidez, no entanto, não é apanágio dos autores de gênio, haja vista Shakespeare que passa por cima das unidades de lugar e de tempo, modificando a cena e dilatando a ação durante semanas ou meses, sem com isto desmantelar a tensão dramática. As cenas de Romeu e Julieta se desenrolam em praças públicas e ruas de Verona, em vários aposentos e no jardim da casa de Capuleto, na cela de Frei Lourenço, no cemitério e no túmulo da família de Julieta. O tempo se estende por alguns dias, entre o primeiro encontro de Romeu e Julieta, o banimento de Romeu, a combinação do casamento de Julieta com Páris, sua simulada morte na data da cerimônia e a morte dos dois amantes.
Mas a unidade de ação se mantém densa na trama de todos os acontecimentos, em torno da desavença das famílias Capuleto e Montecchio, que obstou a união dos jovens.
Diálogo — O diálogo é a forma natural de as personagens desenvolverem a ação, emancipadas do narrador. O monólogo não chega a contradizer a situação dialógica, por constituir recurso para a personagem expressar os próprios pensamentos, indispensáveis ao decurso da trama. O inesquecível monólogo em que Hamlet profere a frase proverbial “Ser ou não ser, eis a questão”, além de ser a expressão da dúvida existencial do homem, se insere no dinamismo da peça, sombreada pelo sentimento de hesitação da personagem central, após o desmoronamento dos valores do seu mundo.
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Como o gênero dramático assenta na tensão dos acontecimentos apontados para o desfecho, as personagens se armam em função do que há de vir. Anatol Rosenfeld assegura que, para se produzir uma ação através do diálogo, este deve contrapor as vontades das personagens, isto é, revelar atitudes contrárias.
O que se chama, em sentido estilístico, de “dramático”, refere-se particularmente ao entrechoque de vontades e à tensão criada por um diálogo através do qual se externam concepções e objetivos contrários produzindo o conflito6. 
O entrechoque de vontades entre Nero e os que apóiam a causa de Britânico provoca o conflito que somente o diálogo pode transmitir.
A ação, provinda do choque de interesses opostos, antes de chegar ao desfecho, passa por momentos chamados nó, reconhecimento, peripécia, clímax. 
Entendemos por nó o conjunto de interesses que destrói a situação inicial para encetar a ação. O nó de Romeu e Julieta é o encontro dos jovens e seu súbito amor, que entra em conflito com a posição dissidente das duas famílias.
A passagem da ignorância ao conhecimento denomina-se reconhecimento, que se realiza, por exemplo, quando Julieta vem informada de que Romeu assassinara seu primo Tebaldo e fora banido de Verona.
Peripécia é a mudança da ação contrariamente ao que se esperava. Romeu se havia casado ocultamente com Julieta e aguardava a ocasião de tornar o fato conhecido, quando provocado por Tebaldo, mata-o e é obrigado a deixar sua esposa. Em toda peça contam-se vários reconhecimentos e peripécias.
O clímax aparece no ponto culminante do conflito, depois do qual a trama deve terminar, como, por exemplo, o suicídio de Romeu, ao supor Julieta morta, levando-a a idêntico fim.
Todos esses momentos se expressam pelo diálogo, no dinamismo da ação assestada sempre para o desenlace ou desfecho.
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Espécies do gênero dramático
Tragédia — Para Aristóteles, a tragédia é a mímesis de uma ação importante e completa, num estilo agradável, executada por personagens que representam os homens melhores do que são, a fim de suscitar piedade e terror e obter a catarsis dessas emoções.
Não pretendemos discutir o significado da catarsis. O efeito catártico da tragédia foi alvo das mais acaloradas discussões, contando-se, desde o Renascimento até hoje, com mais de 150 posições acerca deste verdadeiro enigma. Registra-se uma tendência marcante para interpretar a catarsis no sentido de purificação e descarga de emoções.
No século XVII Boileau exalta o “doce terror” e a “encantadora piedade” da tragédia, que deve ser fecunda em nobres sentimentos.
Muitas tragédias rastrearam a linha aristotélica e retiraram seus argumentos de situações históricas ou lendárias de maior ou menor relevo, com personagens de excelsos valores morais, selecionadas da aristocracia, classe considerada detentora das virtudes heróicas. Em Fedra, Racine recria, a partir de Eurípedes, a princesa vítima de uma paixão culpada por seu enteado Hipólito. Não obstante esse amor incestuoso, o próprio autor reconhece, no prefácio da tragédia, os elevados sentimentos de Fedra, seguindo à risca o figurino das excelências nobiliárquicas: nem culpada nem inocente, a princesa se torna vítima da cólera dos deuses. Fedra possui todas as características que Aristóteles aponta para o herói trágico, capaz de despertar a compaixão e o terror.
	Quer obedeça ao receituário classicizante, quer enverede por um caminho mais livre, a tragédia contém sempre personagens que vivem uma irreparável desgraça. Staiger assevera que “quando se destrói a razão de uma existência humana, quando uma causa final e única deixa de existir, nasce o trágico”. O trágico é o esfacelamento do sentido último e absoluto de uma existência, a explosão do “mundo” do homem.
Em Frei Luís de Sousa de Garrett, Madalena de Vilhena, na suposição de que seu marido havia morrido, casa-se com Manuel de Sousa Coutinho, tendo nascido desta união Maria. O regresso do primeiro marido provoca o extermínio da família porque a desonra destrói a lógica de sua existência: Maria morre, Manuel e Madalena vão “amortalhar-se” nos hábitos religiosos.
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A personagem trágica, quando não se suicida, termina louca ou prostrada sob os escombros do seu mundo. Fedra, depois de lutar desesperadamente contra sua paixão fatídica, não resiste à vergonha e se suicida. Nero sofre um acesso de loucura a seguir ao assassinato de Britânico, porque perde Júnia, em quem projetou sua ânsia de poder. Madalena e Manuel vão esconder-se, prostrados à beira da ruína de suas vidas.
O sentimento trágico se estriba num fracasso que derruba o ideal supremo de um ser, como a virtude de Fedra, o poderio de Nero, a honra de Madalena e Manuel. E o amor de Romeu e Julieta.
Comédia — Assim como o trágico não se encontra só na tragédia, mas em qualquer obra que mostre o naufrágio de um homem, o cômico também está presente em toda a literatura, desde a epopéia de Homero aos romances de Cervantes, Balzac ou Machado de Assis. O trágico e o cômico correspondem a necessidades vitais, os dois pólos entre os quais o homem oscila, quando se eleva acima de si mesmo ou rasteja nas próprias limitações.
Apesar de o cômico invadir muitas áreas literárias, se apresenta em sua maior pureza na comédia, concebida especificamente para realçar seus traços.
Aristóteles conclui que a tragédia mostraos homens melhores do que são e a comédia os representa piores, inferiores, fixando o ridículo que se encontra num defeito. Compreende-se por que ainda no século XVII, época em que a aristocracia goza de prestígio, as personagens principais da tragédia pertenciam às classes mais altas e as da comédia venham da burguesia e do povo. As virtudes heróicas, que na tragédia provocam admiração, se transformam na comédia em imperfeições e cacoetes, alvo de zombaria.
Na tragédia e na comédia o olhar recai sobre algo que constitui o centro de interesses do homem, o objeto que dá sentido à aventura existencial. A comédia ridiculariza esse objetivo e, em vez de valorizar sua derrocada, nega-lhe importância e escarnece-lhes a razão de ser. A estupefação trágica cede ao motejo diante do disparate. Naturalmente o objetivo em que se empenha o herói trágico se inclui na esfera das grandezas do homem; o que atormenta a personagem cômica, deita raízes no terreno das baixezas.
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Molière explorou todos os ridículos humanos, acentuando seus traços, de acordo com o procedimento adotado pela comédia, que exagera a fim de tirar partido do efeito cômico. Em O avarento, o dinheiro é a paixão de Harpagon, a aspiração última de sua existência. No momento em que o velho usurário descobre o furto de seu tesouro, alucinado, grita por socorro no auge do desespero. Molière insiste nos excessos da personagem, tornando a situação engraçada e não dolorosa:
Ai de mim!... Meu pobre dinheiro, meu querido dinheiro, meu grande, meu adorado amigo!... Privaram-me de ti!... E visto que foste arrebatado, perdi minha razão de ser, meu consolo, minha alegria!... Tudo acabou para mim!... Nada mais tenho a fazer no mundo!... Longe de ti é impossível continuar a viver!... Não posso mais7.
O roubo produz a explosão do mundo de Harpagon, que seria trágica se o objeto da angústia fosse outro. Mas o dinheiro não tem acesso ao território do sublime e circula sob a jurisdição dos valores escorregadios. E se por ventura se torna vício, como em Harpagon, pode levar o homem a derrapar ou se esborrachar, nunca a soçobrar com a dignidade trágica.
Tem razão o velho Aristóteles ao afirmar que a comédia executa a mímesis dos maus costumes, pois se compraz nos defeitos mais ridículos. Esses defeitos se afiguram como sustentáculo do mundo das personagens, elementos em torno dos quais giram suas vidas. Por serem defeitos, são mesquinhos e amesquinham o horizonte do homem. O autor cômico os apreende e carrega os seus traços para levar o ridículo à zombaria.
No Auto da Compadecida, Ariano Suassuna sublinha caricaturalmente, através das cascatas de astúcias de João Grilo, os preconceitos do Padre, cheio de respeito humano, a hipocrisia melada do sacristão, a aquiescência passiva do padeiro, a leviandade oca de sua mulher ou o enfatuamento medíocre do Bispo.
Na tragédia acompanhamos o aniquilamento do herói que se alçara a altíssimos vôos. O homem se investe de grandeza sublime porque aspirou a uma dignidade coerente e profunda. Na comédia, a pretendida dignidade, se não for autêntica, mas superficial, vem desmistificada para gáudio da platéia.
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A mistura das espécies do gênero dramático — A pureza dos gêneros e a delimitação de suas espécies, ponto de honra da estética clássica, já sofrera um acinte com a tragicomédia barroca.
Victor Hugo, no seu provocador Prefácio de Cromwell, se arroja contra as regras que estandartizavam a criação poética, ferindo de morte a famigerada pureza dos gêneros, em desacordo com os ideais de liberdade dos românticos. Promove a dissolução das fronteiras e prega um hibridismo que amalgama o mais elevado sublime da tragédia ao mais
imprevisível grotesco a que possa chegar a comédia. 
Para Victor Hugo, a sumidade poética do seu tempo é o drama, “que funde num mesmo sopro o grotesco e o sublime, o terrível e a bufonaria, a tragédia e a comédia”.
Sem tanto estardalhaço, mas numa oposição sistemática e consciente à tragédia clássica, o chamado drama burguês do século XVIII desmonta os marcos divisórios, numa posição daqui e dali ao mesmo tempo. Hauser declara que a mera existência de um drama elevado cujos protagonistas eram os burgueses, expressava a pretensão dessa classe em ser levada a sério, como a nobreza. Com isso dá-se uma relativização e depreciação das virtudes heróicas aristocráticas, passando o burguês, que antes só aparecia em cena com finalidade cômica, a assumir trágicos destinos.
O melodrama também já se antecipara aos românticos, em idêntica disposição anticlassicista, numa mescla de patético e brutal, em linguagem ora trivial, ora empolada.
Essas investidas contra a dramaturgia preparam lentamente o caminho para a dissolução da estrutura rigorosa que susteve as produções teatrais até o século passado. A ação que, durante milênios, forneceu o suporte do drama, atinge agora, muitas vezes, os extremos da inação na qual os antigos heróis se deseroízam em anti-heróis.
Da atitude dos protagonistas decorria o conflito, num encadeamento de acontecimentos entrelaçados por uma lógica de causa e efeito. O teatro clássico devassa o íntimo das personagens, ancorado no porto seguro da psicologia racional. Essa garantia de penetração começa a vacilar a partir das descobertas psicanalíticas de Freud, que fazem aflorar o mundo do inconsciente. As profundezas das regiões abissais do eu, ina-
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cessíveis à representação lógica, passaram a interessar os autores teatrais que, sem conseguirem transpor tais vivências para o plano do diálogo, criam nova linguagem para as expressar.
Eugene O’Neill em Estranho Interlúdio acrescenta ao diálogo real os pensamentos mais recônditos do eu profundo das personagens, superpondo os dois planos. As dimensões do passado e do presente, da realidade e da alucinação se permeiam, sem demarcações nítidas, em Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues.
O tempo linear do teatro tradicional vem substituído pela simultaneidade das vivências do tempo interior. As formas oníricas do inconsciente, desconexas logicamente, anulam as leis do tempo e do espaço, em oposição à tensão da essência dramática; eliminam a situação dialógica que segurava o conflito e a ação do teatro tradicional. Atualmente vários autores relegaram a segundo plano as situações passíveis de serem vividas pelo diálogo, em concessão à prioridade das vivências inconscientes e não comunicáveis.
As visões do eu profundo configuram a mesma atmosfera irreal do romance contemporâneo, também sob o impacto da descoberta das zonas subterrâneas do homem, que invadiram a literatura e abriram novos temas para o enigma do ser.
A influência das regras que nortearam as doutrinas clássicas, decorrentes das interpretações de Aristóteles, provinha em parte da necessidade de criar a verossimilhança, largamente discutida na Poética. A verossimilhança produz no espectador a ilusão de viver a ação cênica. Uma das características da dramaturgia moderna, a ruptura da ilusão, não deixa o espectador se identificar com o que se passa no palco, induzindo-o a se distanciar da cena para observar e julgar, sem os envolvimentos emocionais de outrora.
Em Seis Personagens à Procura de Autor, Pirandello dissipa a ilusão, com uma ação que é em parte a busca de ação pelas personagens que invadem a cena, declinando suas razões para poderem representar. Brecht, no intuito de impedir os atores de se transformarem nas personagens, faz com que eles saiam do papel, rompendo o espaço e o tempo ilusório da peça, como no Pequeno Organon, para conversarem entre si ou se dirigirem ao público. No Auto da Compadecida, de Ariano Suassu-
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na, depois que as personagens morrem, assassinadas pelo Cangaceiro, o Palhaço explicaao público que a cena vai mudar e manda os defuntos se levantarem a fim de ajudarem a modificação do palco. Quando tudo está preparado para o julgamento, no outro mundo, Palhaço quer saber dos atores quais os que estavam mortos e ordena: “Deitem-se todos e morram”.
Cada época possui seu estilo, expresso em todas as produções culturais e artísticas, que evoluem, acompanhando o calendário histórico. Todo texto literário está indissoluvelmente preso ao contexto histórico e social do tempo e se conjuga às demais manifestações culturais, numa gama de características afins.
A evolução industrial, tecnológica e científica de nosso século vertiginoso alterou o comportamento do homem, que vive hoje sob o signo da mudança, num repúdio ostensivo a tudo que traz a chancela do passado tradicionalista e decrépito, estranho aos recentes valores instaurados.
É natural que os gêneros literários sofram o influxo da voragem reformadora e busquem formas inéditas, que se adaptem à nova visão do mundo. Assim se explica a urgência de instaurar modelos literários originais na Lírica, na Épica e no Drama.
O homem de nossos dias é um ser perdido num universo sem fronteiras, à procura de si mesmo, à espera das respostas para as novas perguntas oriundas de sua inquietação de sempre.
Eduardo Portella define com muita propriedade a literatura como “uma forma de manifestação totalizadora do real, de tudo aquilo que é”. Estruturando-se o real nas relações globais do homem com as coisas, concluímos que todas as inovações da literatura são as tentativas do escritor para revelar a nossa realidade palpitante e às vezes apocalíptica.
Conclusão
A tensão que constitui a essência dramática, caracterizada por fenômenos estilísticos apropriados, não parece corresponder às realizações do teatro moderno. A recordação e a apresentação, mesmo nas mais arrojadas composições, persistem essencialmente na Lírica e na Épica. Terá o Drama chegado a uma encruzilhada de sua trajetória?
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Anatol Rosenfeld empreendeu um arguto estudo sobre os traços épicos no teatro, em que a mediação do narrador se faz sentir cada vez mais intencionalmente.
Ora, o palco não é privilégio do Drama, haja vista a encenação de composições líricas. Estaria a Épica caminhando para o palco? O teatro, com suas tendências épicas, não estaria fadado a se tornar mais épico do que dramático? É cedo para responder. Talvez até para perguntar.
Epílogo
Várias tentativas foram feitas no intento de interpretar a tríplice divisão dos gêneros como logicamente necessária, transpondo as fronteiras do território literário.
Victor Hugo aproxima o desenvolvimento da espécie humana ao da poesia, dividido em três períodos, na seguinte correlação:
idade fabulosa ( lírica ( juventude
idade antiga ( épica ( virilidade
idade moderna ( dramática ( velhice
	
Segundo Victor Hugo, a sociedade humana começa a cantar o que sonha (lírico), depois canta o que faz (épico) e por fim pinta o que pensa (dramático), devendo tudo na vida passar por essas três fases, sem exclusividade de nenhuma delas:
il y a tout dans tout; seulement il existe dans chaque chose un élément générateur auquel se subordonnent tous les autres, et qui impose à l’ensemble son caractère propre8.
(Tradução: Há tudo em tudo; apenas existe em cada coisa um elemento gerador ao qual se subordinam todos os outros e que impõe ao conjunto seu caráter próprio).
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Numa outra perspectiva, mas dentro da concepção unificadora, Jakobson determina a correspondência entre as estruturas lingüísticas e os gêneros literários:
Lírica — lª pessoa (função emotiva da linguagem): o eu fala
Épica — 3ª pessoa (função referencial): fala-se de algo
Dramática — 2ª pessoa (função conativa): fala-se a alguém
Da mesma forma que os gêneros, uma função lingüística não se arroga privilégios de exclusividade, só de predomínio sobre as demais. Na composição literária pontifica a função poética da linguagem, entretanto, em consonância com o relevo das outras três funções, temos a determinação dos gêneros.
Verificamos que Staiger se preocupa sobretudo com a essência dos gêneros. Além de “conceitos fundamentais da poética”, a questão envolve a problemática do Homem:
(A Poética) se anuncia como uma contribuição da Ciência da Literatura para o problema da Antropologia Geral, quer dizer, ela esforça-se para provar como a essência do homem aparece nos domínios da criação poética9.
Cassirer, ao estudar a evolução da linguagem, estabelece o seu desenvolvimento em três níveis: sensorial, figurativo e lógico. A partir do princípio de que a consciência lingüística, originariamente, se vincula à consciência mítica, a fase sensorial assinala a criação dos deuses momentâneos, quando a emissão oral não possui designação fixa. Na etapa figurativa, a palavra, no seu sentido mítico, se concebe na qualidade de ser substancial. Isto quer dizer que a palavra ainda não se arvora à condição de signo de um objeto, mas é o próprio objeto, numa identificação concreta. Somente após um lentíssimo caminhar do concreto para o abstrato, o homem atinge o grau de elaboração do signo lingüístico que, ao invés de unir o nome a uma coisa, remete-o à sua representação mental; nesta última fase, a lógica, a palavra se destaca do objeto, abstratiza-se e se torna conceito, veículo do pensamento.
Ora, as esferas do sensorial ou emotivo, do figurativo ou intuitivo, do lógico ou conceitual constituem a realidade do ser humano, a sua própria essência. Para Staiger, os conceitos do lírico, do épico e do dra-
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mático representam as possibilidades fundamentais da existência humana, correspondendo aos três níveis descritos por Cassirer.
A evolução do homem primitivo ao moderno registra o percurso do estágio sensorial ao figurativo e ao lógico, que por sua vez se correlacionam às gradações sílaba, palavra e frase, infância, juventude e maturidade, passado, presente e futuro. Apesar de vistas em sucessão, não se admite considerar nenhum nível dessas gradações isoladamente; só na sua unidade indissolúvel.
Os planos do sensorial, do intuitivo e do lógico convivem no homem da mesma forma que a sílaba e a palavra na frase. Idêntico fenômeno se observa nas dimensões temporais: a criança contém a semente do jovem, o velho prende suas raízes na infância. Não é possível cortar uma fatia do tempo e fragmentá-la de um antes e um depois, por ser o tempo uma estrutura unitária em que coexistem passado, presente e futuro. Tal raciocínio corrobora a impraticabilidade do monopólio de um gênero em qualquer obra, mas sua existência simultânea com a preponderância de um deles.
Em resumo do exposto acima, apresentamos o seguinte quadro:
lírico 	épico 	dramático
 (recordação) (apresentação) (tensão)
 
 ( ( (
 
 sensorial figurativo lógico
 
 ( ( (
 
 sílaba palavra frase
 
 ( ( (
 
 infância juventude maturidade
 
 ( ( ( 
 
 passado presente futuroESSÊNCIA DO HOMEM
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A recordação lírica, como diz Staiger, “é uma volta ao seio materno no sentido de que tudo ressurge naquele estado pretérito do qual emergimos”. Por isto se associa ao passado, à infância, ao grito emotivo silábico do estágio sensorial. A apresentação épica torna presente, defronte de nós, a ocorrência relatada; as coisas desfilam ante os olhos do narrador, revestido do encantamento surpreso da juventude, em que a palavra assume sua força na descrição do mundo descoberto. A tensão dramática projeta para o futuro o acontecimento, numa visão madura que conexiona logicamente os fatos, como as palavras na frase.
Assim, a problemática dos gêneros, longe de se restringir aos âmbitos da História e da Crítica literárias, invade as áreas histórica, social, antropológica, lingüística, filosófica. Os vários ramos do conhecimento, diversificados nos seus setores específicos, dão-se, todavia, as mãos, rumo ao tesouro escondido no fundo dos tempos, num empenho comum em decifrar o enigma do Homem: a sua Verdade.
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( CUNHA, Helena Parente. Os gêneros literários. In: PORTELLA, Eduardo et alii. Teoria Literária. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1975, p. 115-130.
5 STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética. Rio, Tempo Brasileiro, 1969, p. 135.
6 ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo, Buriti, 1965, p. 23.
7 MOLIÈRE. O avarento. Rio, Ed. de Ouro, 1965, p. 184.
8 HUGO, Victor. Cromwell. Paris, Nelson, Editeurs [s. d.], p. 30.
9 STAIGER, Emil. Op. cit., p. 197.

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