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GUIMARÃES, A.S.A. Preconceito racial: Modos, Temas e Tempos Cap. 1: Cor e raça Começa questionando o porquê de o preconceito racial ser direcionado a não-brancos, abordando a hipótese de associação à dualidade branco/preto, claro/escuro, onde o branco simboliza o bem e o negro o mal. (pag. 11) Propõe revisitar essas crenças e busca avançar em uma interpretação diversa, partindo de uma análise das ciências sociais, para as quais o preconceito tem pressupostos históricos, políticos, culturais e sociais. (pag. 11) NEGRO: A COR E A RAÇA Início do uso do termo “negro” pelos europeus para se referir aos povos de pele mais escura, grifando que, para a maioria dos europeus o primeiro contato com negros africanos ocorre somente após as conquistas do século XVI. Os relatos desses primeiros encontros demonstram a “surpresa” dos europeus em relação a cor dos africanos subsaarianos. O autor diz que daí brota o primeiro sentimento negativo que relaciona o negro ao simbolismo europeu de pecado, morte, derrota, em contraposição ao branco, que simboliza sucesso, pureza e sabedoria. (pag. 12) Cita Bastide, dizendo que, sem nos darmos conta, a ligação entre negritude (que ele chama de negrura) e inferno, pecado e trevas – o que assimilamos dos gregos e do cristianismo – exerce influência sobre nossa visão dos africanos, como se uma maldição estivesse colada a sua pele. (pag. 12) Em seguida menciona que esse simbolismo das cores não é universal, o que é percebido pelos europeus (relativismo de valores). Os povos árabes sabiam, por exemplo, que a preferência pela cor branca feita pelos europeus e a designação dos outros povos como “negros” se devia a seu etnocentrismo. Para os europeus nunca foi necessário definirem-se como “brancos”, designação essa adotada a partir da definição dada pelos mouros, depois que o contato frequente torna necessária a distinção para além da situação geográfica – deixam de ser do norte/sul. (pag. 12,13) Tinhorão coloca que o termo “negro” era usado para designar todos os tipos raciais de pele morena que os portugueses se relacionavam. Os negros africanos eram designados como “etíopes”, “gentios” ou “guinéus”. O termo “preto” foi o primeiro a ser empregado exclusivamente aos africanos subsaarianos. “Para o povo em geral, o negro mais caracteristicamente africano passaria a ser sempre o preto”. (pag. 13, 14) A Europa já era uma sociedade hierarquizada e praticante da escravidão entre os povos conquistados, teorizando sobre a inferioridade natural destes (pelo menos desde os gregos). Inferioridade relacionada à origem geográfica, justificando submissão, valentia e inteligência pelo clima. Na tradição judaico-cristã, filósofos religiosos, como Santo Agostinho, explicavam a subordinação de alguns povos a partir do trecho da bíblia que retrata a maldição de Cã. (pag. 14, 15) Primeira menção à divisão dos seres humanos em espécies diferentes é feita por François Bernier, em 1684. Ele lista 5 espécies, a primeira agrupando europeus, norte-africanos, habitantes do oriente médio, persas e iranianos e indianos (os indígenas americanos também entrariam nesse grupo). Já a raça “negra” (caracterizada pelos “lábios grossos”, “narizes achatados”, “negrura essencial”, “pouca barba”, “cabelo como lã”, “dentes brancos como marfim” e “língua, reentrância da boca e lábios vermelhos como coral”) incluiria as outras partes da África, exceto o Cabo da Boa Esperança, que teria seus negros classificados como uma terceira raça (por serem “pequenos, magros, secos, feios, velozes, adorarem comer carniças e intestinos e falarem uma língua irreproduzível pelos europeus”). As outras duas raças seriam formadas pelos povos asiáticos e pelos Lupões, dos quais ele confessa ter visto apenas 2 “espécimes”. (pag. 18, 19) Séculos 19: surgimento de teorias raciais. Explicação biológica para origem das supostas raças humanas, suas capacidades (cognição, sociabilidade) e habilidades (religiosas, psicológicas, morais etc.). (pag. 17) Passagem de uma explicação pela geografia e pelo clima para a explicação pela constituição biológica dos indivíduos. Teorias raciais mais empenhadas em explicar a variação de costumes, culturas e sociabilidade dos povos do que conhecer e esclarecer a diversidade biológica e genética humana. Busca por explicações para a variação de desenvolvimento das nações e civilizações. (pag. 20) “O que as teorias raciais faziam (e ainda fazem), presas a esses erros, nada mais era que reproduzir preconceitos vulgares ou refiná-los, buscando uma justificação pseudocientífica para a dominação política, a exploração econômica e os sentimentos etnocentristas e classistas dos poderosos”. (pag. 21) COR E RAÇA NO BRASIL Inicialmente “negro” era termo para designar todo escravizado, sendo os indígenas “negros da terra”, diferenciando-os dos negros de África. Já no século 19, em sua primeira metade, 3 dimensões intervinham na classificação dos libertos: a cor, a nacionalidade e a condição legal. Em relação à cor, podiam ser negros ou pardos. Quanto à nacionalidade, eram africanos ou crioulos (estes nascidos no Brasil). Já sobre condição legal, eram forro – ou seja, libertos – ou ingênuos – isto é, nascidos livres. João Reis registra dois termos raciais para este mesmo período na Bahia: pretos, para africanos, e crioulos, para negros nascidos no Brasil. Na segunda metade do século 19, “preto” passa a designar tanto africanos, quanto descendentes. “Negro”, paulatinamente, passa a ter um significado mais racial e pejorativo. (pag. 22) Uso da expressão “raça negra” no sentido biológico inclusive em jornais do movimento negro, como marcador da inferioridade que lhes foi atribuída. Chamam a si mesmos de “homens de cor” e “homens pretos” e à coletividade de “classe” (sentido social). (pag. 23) Constante acusação de preconceito, feita aos indivíduos mais claros seria uma estratégia discursiva, cujo objetivo seria criar solidariedade e identidade entre todos os descendentes próximos ou longínquos de africanos, e que, portanto, implicitamente, a ideia de raça biológica está sendo mobilizada para tal objetivo. Ao mesmo tempo, essa estratégia fortalece a representação dos brancos de que não existiria preconceito no Brasil, e que os problemas dos “negros” seriam criados por eles mesmos, incluindo o preconceito. (pag. 26) A partir da década de 1920 “raça” passa a ter um novo sentido, positivo, assim como a autodenominação de “negros”. Desuso dos termos classe e homens de cor, tanto no movimento negro, quanto na imprensa. (pag. 27, 28) A RAÇA AUTODEFINIDA Ressignificação dos termos “negro” e “raça”: 1º como definição europeia, segundo como designação de pessoas de status social ou biologicamente inferiores, e num terceiro momento, apropriadas por estes mesmos povos em um movimento de libertação colonial e recuperação de autoestima. (pag. 29) No Brasil a autodesignação dos negros pode ser vista, em parte, como reflexo da revolução identitária em nível mundial do final do século 19 e início do 20. (pag. 30) Aproximação entre “raça” e “cultura”, sendo o primeiro conceito ressignificado para designar uma comunidade histórica e espiritual transnacional, e a segunda para designar o conjunto de manifestações artísticas e materiais desse povo transnacional. “Negro” foi escolhido pela comunidade como forma de designar a si mesma. (pag. 30) DuBois, em 1897, é o primeiro a teorizar sobre a “raça negra” a partir de um significado não completamente biológico, aproximando-se do que posteriormente é definido por Franz Boas como “cultura”. DuBois fala de diferenças mais profundas, que seriam espirituais, psíquicas, baseadas indubitavelmente no físico, mas que o transcendem infinitamente.(pag. 30) Compreensão de uma “cultura negra” que distingue negros de brancos, justificando a luta em prol da emancipação política dos negros e alimentando o ideal nacionalista pan-africanista de muitos movimentos sociais. (pag. 32) A superação da classificação pseudocientífica da humanidade em raças levaria a diferentes tipos de atitudes político-ideológicas. O autor destaca 3 delas: (a) a negação das raças e a releitura das diferenças entre os povos humanos em termos de “cultura”, sendo qualquer menção a raças passando a ser vista como racista. (b) transformação da raça biológica em raça histórica. Nesse caso, o racismo é definido não em termos da afirmação das diferenças físicas ou culturais entre as raças, mas da sua hierarquização e eventual opressão. (c) pregação pela hibridação cultural e miscigenação biológica entre as “raças” originais, visando a constituição de uma só nação ou uma só humanidade de cor variada, mas misturada. (pag. 33) AS CORES (OU AS RAÇAS?) DOS BRASILEIROS Aborda como os brasileiros são classificados e se classificam por cor, usando como fontes as pesquisas por amostra do IBGE (principalmente censos e PNAD1) – que têm cobertura nacional, e pesquisas etnográficas – restritas a áreas relativamente pequenas. (pag. 34) O autor aponta as categorias raciais utilizadas nos censos, destacando também a forma como a pergunta era feita: até 1980 a pergunta era “qual a sua cor?”, já em 1991, passa a ser “Qual a sua cor/raça?”. No censo de 1872, as alternativas eram “branco”, “preto”, “pardo” e “caboclo”; em 1890, “pardo” é substituído por “mestiço”; em 1940, as categorias passam a ser “branco”, “preto”, “amarelo” e “outros” - embora na tabulação os “outros” fossem agrupados como “pardos”; em 1950 e 1980 as opções eram “branco”, “preto”, “pardo” e “amarelo”, em 1960 adicionou-se “índio” e, em 1991, esta categoria foi substituída por “indígena”. (pag. 34, 35) As pesquisas etnográficas dos anos 50, no Brasil, preferem falar de “raças sociais” em vez de “raças históricas”, uma vez que, se a ideia de raças humanas se mantém no imaginário de muitas sociedades, ainda que inexistentes na natureza, isso representa que são construções sociais, que têm função e realidade sociais. Os critérios pelos quais as raças são percebidas mudam, então, de sociedade para sociedade, e até mesmo de época para época. (pag. 35) Charles Wagley (1968), estudando a formação de raças sociais nas Américas, identificou 3 padrões distintos ou 3 tipos de sistemas de classificação: (1) ancestralidade ou origem, (2) status sociocultural, ou (3) aparência física. Na verdade, ele sistematiza as descobertas de uma série de estudos antropológicos e sociológicos sobre relações raciais na América Latina, das décadas de 1950 e 1960. (pag. 35) Marvin Harris sintetiza a especificidade da classificação de cor no Brasil observando que esta ocorria de modo diferente do que se passava nos EUA – onde os filhos herdavam o status racial do progenitor de menir prestígio. No caso brasileiro, a cor dos filhos era definida socialmente de modo individual e independente dos pais, podendo um pai preto gerar filhos brancos, ou morenos, se estes apresentassem fenótipos brancos. (pag. 36) [preconceito de marca e de origem de Oracy Nogueira] Harris tecia críticas ao sistema de classificação empregado pelo IBGE, tendo como repercussão, nos anos de 1970, da retirada do quesito cor do censo. Após pressão de demógrafos e cientistas sociais, o IBGE introduziu uma pergunta aberta no PNAD de 1976, que captou 136 categorias diferentes de cores. Esse resultado, por um lado, sinaliza a 1Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. importância da cor como marcador social, e por outro lado, pode significar também que o poder de demarcação desses nomes isoladamente não é muito grande. (pag. 38) Em contraponto, Nelson Valle Silva argumenta que, uma vez que 94% dos respondentes se limitaram às categorias branca, clara, morena clara, morena, parda e preta, as categorias censitárias realmente tinham consistência e demarcavam, portanto, grupos. Essa pergunta aberta mediria, pois, um fenômeno de identidade social e não exatamente racial, uma vez que estaria fora de uma escala de cor. (pag. 39) Após pressão política feita por pesquisadores e ativistas negros, a questão sobre cor foi mantida no censo. Como resultado, antropólogos e sociólogos voltaram a pesquisar e refletir sobre a classificação racial brasileira. (pag. 40) Moema Teixeira observa “que as categorias, embora não esteja explícito, têm como referência última a dualidade brancos e pretos”, e também que a ambiguidade das categorias de cor “se instaura de 3 formas: pela utilização de mais de um termo relativo à cor - “mulato bem claro”; pelo acréscimo de alguma outra característica física como cabelo ou olhos [...]; e, ainda, pela associação à cor de alguma pessoa presente ou de conhecimento mútuo”. (pag. 40, 41). Maggie: 3 ordens de relações sociais em que se constroem as identidades de cor: a da cultura, a da sociedade e a da convivência intragrupal. Fry: 3 modos de classificação simultâneos: modo múltiplo (com uma centena de termos), o modo censitário (com categorias fechadas) ambos presentes nas camadas populares, e o modo binário (negros e brancos), que segundo ele seria imposto às camadas populares por ativistas negros, por intelectuais e pela mídia. (pag. 41) Autor fecha capítulo dizendo que “cor” é um atributo social, ou seja, que não se pode classificar alguém como branco, preto, negro, pardo etc. de forma objetiva, independentemente dos sujeitos e das relações que estão envolvidos. Afirma, ainda, que a classificação por cor pode conotar não apenas “raças” – grupos demarcados por crenças na comunalidade de sangue e hereditariedade, mas também etnias – grupos cujas fronteiras são delimitadas por remissões a comunalidade de origem geográfica, religiosa, regional ou cultural (“baianos”, “nordestinos”, “judeus”).
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