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NOÇÕES BÁSICAS DE MORAL Antônio Lopes Ribeiro Abril de 2008 1 ÍNDICE I – MORAL 1. Etmologia: moral e ética............................................................................ 6 2. Moral é: ........................................................................................................ 7 3. Moral não é: 3.1. Moralismo .......................................................................................... 8 3.2. Moralidade ......................................................................................... 9 4. Origem da moral ......................................................................................... 9 5. Importância da moral hoje ......................................................................... 10 II – TEOLOGIA MORAL 1. Definição ..................................................................................................... 12 1.1. Teologia ............................................................................................. 12 1.2. Teologia moral ................................................................................... 12 2. Fontes da teologia moral ........................................................................... 13 2.1. A Sagrada Escritura .......................................................................... 13 2.1.1 Antigo Testamento ............................................................... 13 2.1.2 Novo Testamento .................................................................. 13 2.2. A Sagrada Tradição ........................................................................... 14 2.3. O Magistério da Igreja ........................................................................ 15 III – OS ATOS HUMANOS 1. Definição ...................................................................................................... 16 2. Divisão do Ato Humano ............................................................................. 16 3. Elementos do Ato Humano ....................................................................... 17 3.1. A Advertência .................................................................................... 17 3.2. O Consentimento .............................................................................. 17 3.2.1. O Ato voluntário indireto – de duplo efeito ........................ 18 3.2.1.1. Licitude de um ato voluntário indireto................... 18 3.2.2. Ato voluntário de duplo fim.................................................. 19 4. Obstáculos ao Ato Humano ....................................................................... 19 4.1. Obstáculos por parte do conhecimento: a ignorância .................. 19 4.1.1. Ignorância Vencível .............................................................. 19 4.1.2. Ignorância Invencível ........................................................... 20 4.1.3. Alguns princípios morais acerca da ignorância ................ 20 4.2. Obstáculos por parte da vontade ..................................................... 21 4.2.1. Obstáculos por parte das paixões ...................................... 21 4.2.1.1. Alguns pontos a considerar acerca das paixões.. 21 4.2.1.2. Ilustrando o que foi dito .......................................... 21 4.2.2. Obstáculos por parte dos hábitos ...................................... 22 5. A Moralidade do Ato Humano .................................................................... 22 5.1. O Objeto .............................................................................................. 23 5.2. As Circunstâncias .............................................................................. 23 5.2.1. Influxo das Circunstâncias na Moralidade ......................... 24 5.3. A Finalidade ........................................................................................ 24 6. O que determina a Moralidade do Ato Humano ....................................... 25 6.1. A Ilicitude de agir só por prazer ........................................................ 25 6.2.1. Liberdade e responsabilidade ............................................. 26 2 6.2.2. A liberdade humana na economia da salvação ................. 26 IV – A LEI MORAL 1. Definição e natureza de Lei Moral ............................................................. 27 2. Definição e divisão da Lei 27 2.1. Lei ........................................................................................................ 27 2.2. Divisão da Lei ..................................................................................... 28 3. A Lei Eterna ................................................................................................. 28 3.1. Definição ............................................................................................. 28 3.2. Propriedades da Lei Eterna ............................................................... 29 4. A Lei Natural ................................................................................................. 29 4.1. Preceitos da Lei Natural .................................................................... 29 4.2. Propriedades da Lei Natural .............................................................. 30 4.3. Ignorância da Lei Natural .................................................................. 31 5. A Lei Divina Positiva ................................................................................... 31 6. As Leis Humanas ........................................................................................ 32 V – CONSCIÊNCIA MORAL - 33 1. Conceituação de Consciência Moral ......................................................... 34 1.1. Nos Documentos da Igreja ................................................................ 34 1.2. Em outros autores .............................................................................. 35 2. Natureza da Consciência ............................................................................ 35 3. Regras Básicas da Consciência ................................................................ 36 4. Regras para um Juízo Moral Correto ........................................................ 36 5. Tipos e Estados da Consciência ............................................................... 37 5.1. Consciência Habitual ou Atual ......................................................... 37 5.2. Consciência Antecedente, Concomitante ou Consequente .......... 37 5.3. Consciência Reta ou Distorcida ....................................................... 38 5.4. Consciência Certa ou Duvidosa ....................................................... 39 5.5. Consciência Verdadeira ou Errônea ................................................ 39 6. Formação da Consciência ......................................................................... 40 VI – VERACIDADE, VERDADE E A MENTIRA – 42 1. Veracidade ................................................................................................... 42 2. Verdade ........................................................................................................ 43 2.1. O homem é chamado a viver na verdade ........................................ 44 2.2. Ocultação da verdade ........................................................................ 45 2.2.1. Licitude em ocultar a verdade ............................................. 45 2.2.2. Ocultando a verdade pela restrição mental ....................... 46 3. A Mentira ...................................................................................................... 46 3.1. Princípios moraisacerca da mentira ............................................... 47 3.2. Divisão da mentira ............................................................................. 48 VII – O PECADO – 49 1. A questão do Pecado Original ................................................................... 50 2. Definições clássicas do pecado ................................................................ 51 3. Elementos constitutivos do pecado .......................................................... 51 3 4. Distinção dos pecados ............................................................................... 52 5. Classificação do pecado ............................................................................ 53 5.1. Por sua origem ................................................................................... 54 5.2. Por sua prática ................................................................................... 54 5.3. Por seu aspecto ................................................................................. 54 5.4. Por sua causa ..................................................................................... 54 5.5. Por seu modo ..................................................................................... 54 5.6. Por sua gravidade .............................................................................. 55 6. O Pecado Mortal .......................................................................................... 55 6.1. Definição ............................................................................................ 55 6.2. Implicações do Pecado Mortal ......................................................... 55 6.2.1. Em relação a Deus ................................................................ 55 6.2.2. Em relação ao homem .......................................................... 55 6.3. Condições para haver Pecado Mortal ............................................. 56 7. Pecado Venial .............................................................................................. 57 7.1. Definição ............................................................................................. 57 7.2. Implicações do Pecado Venial .......................................................... 57 7.3. Condições para haver Pecado Venial .............................................. 58 8. Pecados Especiais ...................................................................................... 58 8.1. Pecados contra o Espírito Santo ...................................................... 58 8.2. Pecados que bradam aos céus ......................................................... 60 8.3. Os Pecados Capitais .......................................................................... 60 9. Causas do Pecado ....................................................................................... 61 9.1. Causas Internas .................................................................................. 61 9.2. Causas Externas ................................................................................ 61 10. As Tentações ................................................................................................ 62 10.1. Meios para vencer as tentações ........................................................ 62 11. A Ocasião de Pecado ................................................................................... 63 11.1. Próxima ................................................................................................ 63 11.2. Remota ................................................................................................. 64 11.3. Princípios morais acerca da Ocasião de Pecado ............................. 64 VIII – OS HÁBITOS E AS VIRTUDES – 65 1. Os hábitos ..................................................................................................... 65 1.1. Conceito ............................................................................................... 65 1.2. Elementos que conotam os hábitos .................................................. 65 1.3. Divisão dos hábitos ............................................................................ 65 2. Hábitos operativos ....................................................................................... 66 2.1. Principais hábitos operativos ............................................................ 66 2.2. Origem e desenvolvimento do Hábito Operativo ............................. 67 3. Princípios morais acerca dos hábitos adquiridos .................................... 67 4. As virtudes .................................................................................................... 67 4.1. Etimologia de virtude ......................................................................... 68 4.2. Definição de virtude ............................................................................ 68 4.3. As virtudes na Doutrina da Igreja ...................................................... 69 4.4. São propriedades das virtudes .......................................................... 70 4.5. Alguns princípios acerca das virtudes ............................................. 70 5. Classificação das virtudes .......................................................................... 70 5.1. Virtudes naturais ou adquiridas (humanas) ..................................... 70 5.1.1. Virtudes Intelectuais ............................................................. 71 5.1.2. Virtudes Morais ..................................................................... 71 4 5.1.3. Virtudes Sobrenaturais e os Dons ...................................... 71 5.1.3.1. Virtudes Teologais ................................................... 71 5.l.3.2. Os Dons do Espírito Santo ...................................... 71 6. Virtudes Intelectuais .................................................................................... 72 7. Virtudes Morais (Cardeais) 7.1. A Prudência ......................................................................................... 72 7.2. A Justiça .............................................................................................. 73 7.3. A Fortaleza ........................................................................................... 73 7.4. A Temperança ..................................................................................... 73 8. As Virtudes Sobrenaturais (Teologais) 8.1. A Fé ...................................................................................................... 74 8.2. A Esperança ........................................................................................ 74 8.3. A Caridade ........................................................................................... 75 9. Os Dons e os Frutos do Espírito Santo 9.1. Os Dons do Espírito Santo ................................................................. 76 9.2. Os Frutos do Espírito Santo .............................................................. 76 IX - Bibliografia .................................................................................................. 77 5 NOÇÕES BÁSICAS DE TEOLOGIA MORAL I - MORAL E o jovem rico perguntou a Jesus: “Bom Mestre, o que devo fazer para ter a vida eterna?” (Mc 10, 17), ao que Jesus responde: “Tu conheces os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe” (Mc 10, 19). Essa passagem nos mostra que para ganharmos a vida eterna devemos seguir certos preceitos, no caso do jovem rico, os mandamentos entregues a Moisés noMonte Sinai. O que devo fazer, que caminho devo seguir, que preceitos devo observar, nos dias de hoje, para ter uma vida moral correta e significativa? A resposta a essa pergunta pode ser encontrada tanto na filosofia quanto na teologia, pois essas duas disciplinas são as únicas que se preocupam em dar sentido à vida e em orientar o agir humano “mediante a justificação das escolhas, determinando-as de maneira obrigatória”.1 A parte da filosofia que se dedica a isso chama-se ÉTICA e da teologia, chama-se MORAL. 1. ETIMOLOGIA: MORAL E ÉTICA Em termos etimológicos, Moral tem o mesmo sentido de Ética. Moral vem da palavra moss - moris, em latim, que significa costume ou costumes. Ética vem do grego ethos, que significa a mesma coisa. A explicação que se dá é que Cícero2, com o propósito de enriquecer a língua latina, inventou a palavra “moral”, para não ter que usar a palavra ética em grego. Desta forma, como os gregos derivam a ética de ethos = costume, assim também podem fazer os romanos derivando moralis, moral, de mos, costume em latim.3 Por muitos anos, na história do pensamento, os termos ética e moral foram usados como palavras sinônimas, indistintamente para designar tudo aquilo que se refere ao correto procedimento humano. Porém, segundo o idealismo, que as diversificou, a moral constituía-se no conjunto de valores vividos no âmbito individual, e a ética, referia-se ao comportamento no âmbito social. Dom Benedito Beni dos Santos, Bispo de Lorena (SP), assim se expressa sobre ética e moral: “Na prática são equivalentes. Teoricamente, porém, são distintas. A moral é uma atividade prática. Designa o conjunto de normas referentes à reta conduta humana, ou seja, o bem a ser feito e o mal a ser evitado. A ética, por sua vez, é a teoria da moral, o modo de conceber a moral: a sua origem, a sua natureza, os seus objetivos”; diz ainda que a moral é prescritiva, referindo-se ao dever, enquanto que a ética é descritiva, não emitindo, como a moral, juízo de valor, mas um juízo de realidade. 1 BRUNO FABIO PIGHIN, Os fundamentos da moral cristã – Manuel de ética teológica, Editora Ave- Maria. 2 Marcus Tullius Cícero, em latim. Foi filósofo, orador, escritor, advogado e político romano. Nasceu no ano 106 a.C. 3 Cf. ANTONIO HORTELANO, Moral Alternativa – Manual de Teologia Moral, Paulus. 6 A Ética pode se distinguir da moral, mas não se contrapõe à mesma. Na justificação das escolhas, a ética se fundamenta sobre a verdade atingível utilizando somente a razão, ao passo que a moral, utiliza não só a razão, mas também a fé. A expressão ética refere-se prioritariamente à razão e o termo moral, privilegia a referência a uma fé. Uma melhor explicação é dada pelo autor Bruno Fábio Pighin4, segundo o qual, ética e moral são sinônimos, “porque em ambas as hipóteses se procede por juízos de valor a respeito do comportamento”, sendo a ética “uma elaboração racional que diz respeito ao campo do agir justificado, efetuada em nome do homem, prescindindo das ‘fés’ genéricas (teísmo) e das religiões reveladas (deísmo)” e a moral é sempre uma reflexão crítica do homem sobre o agir, mas é efetuada à luz da fé em Deus, que fundamenta a verdade a respeito do homem”. Embora hajam aqueles que preferem fazer a distinção entre os dois termos, em muitos dos escritos atuais, tanto de filosofia quanto de teologia, os substantivos Moral e Ética se equivalem, como sinônimos, vez que tem um único objeto que, como vimos, é o comportamento humano. 2. MORAL É: O conjunto ordenado de normas, regras e princípios que orientam o homem a perseverar na justiça, regulando o comportamento entre um e outro indivíduo e de ambos para com a sociedade.5 Moral são todos os valores e princípios a serem seguidos por aqueles que procuram alcançar a santidade e a justiça através de boas obras. É o progresso espiritual do homem, sob a graça de Deus. É a total adequação do homem à vontade divina e sua cooperação à realização do seu Plano de Salvação. A moral nos leva antes de mais nada, a fazermos aquilo que é objetivamente bom, independentemente das vantagens ou desvantagens que disso possa decorrer. Sócrates assim se expressou a respeito: prefiro ser vítima da injustiça do que cometer a injustiça. Quando a pessoa assume essa postura existencial, não só os seus atos são bons, mas ela mesma se torna boa moralmente. Torna-se uma boa árvore, que produz sempre bons frutos. Em outras palavras, torna-se uma pessoa virtuosa.6 A moral nos leva a praticar tudo o que é digno do ser humano em oposição ao que é indigno. Ser fiel é digno do ser humano. Ser infiel é indigno. Defender a vida de um inocente é digno do ser humano. Tirar a vida a um inocente, é indigno.7 4 Autor do livro “Os fundamentos da moral cristã” – Manual de ética teológica, Editora Ave-Maria 5 A moral, nesse sentido é historicamente mutável, vez que não são invariáveis e nem perenes, mas mudam de acordo com as exigências da sociedade. Segundo Engels "As idéias do bem e do mal diferem de povo para povo, de geração para geração, e, não poucas vezes, chegam a se contradizer abertamente". Exemplo disso é a mudança de poligamia para monogamia em algumas sociedades primitivas. 6 Cf. com texto de autoria de Dom Benedito Beni dos Santos, intitulado “Religião e Moral”, publicado na seção A palavra dos Pastores, da revista ARAUTOS DO EVANGELHO, nº 64, Abril 2007. 7 Idem. 7 A moral nos leva a praticar atos que estejam não só de acordo com o dever, mas que são feitos por respeito ao dever. Se um comerciante vende sempre pelo preço justo para não perder a freguesia, ele não coloca um ato moral, porém, se vende pelo preço justo por respeito ao dever, seu ato é moral, pois foi sua consciência que exigiu isso.8 Segundo Fabio Pighin, “o conceito de moral refere-se sobretudo à elaboração das escolhas livres, isto é, à ‘moral vivida’, que implica necessariamente os seguintes elementos”: Uma pessoa humana como sujeito do pensamento e do agir moral Um processo interior (efetuado pela consciência) desse indivíduo capaz de avaliar e de determinar as próprias decisões. Decisões caracterizadas pela liberdade – para terem valor moral, as escolhas não devem ser determinadas nem por coação externa e nem interna. Princípios de ação que tornam possíveis escolhas significativas (Lei moral). A moral refere-se aos “princípios objetivos” tendo em vista que a determinação livre de uma pessoa acontece sempre entre alternativas: na escolha entre dois caminhos diversos a serem percorridos. A responsabilidade: escolher com responsabilidade significa fazer uma escolha “justa” que permita à pessoa o desenvolvimento da sua vida da maneira mais significativa possível, em relação aos princípios de ação vistos acima, ou seja, a Lei Moral. A escolha responsável não está ligada à arbitrariedade, mas sim ao conceito de dever moral, o qual não deve ser confundido com a necessidade física de agir, que eliminaria a liberdade de realizar tanto as escolhas justas quanto as escolhas erradas. Agindo por necessidade física e desconsiderando o dever moral de agir, realiza-se a categoria do pecado, sinal negativo do comportamento humano, ou seja, a irresponsabilidade9. 3. MORAL NÃO É: 3.1. MORALISMO Atualmente, aqueles que desconhecem o significado de moral atribuem-lhe uma significação com conotação negativa, contrária àquilo que ela é, denominando- a de maneira depreciativa, com o termo MORALISMO, que seria, uma tendência a considerar de modo exagerado, os aspectos morais, na apreciação dos atos humanos. Moralismo sugere sempre “uma prescrição injustificada e externa a uma situação, sem qualquer esforçopara compreender os problemas reais e novos que ela apresenta. Por isso, é sublinhada a “falsidade” da própria prescrição”.10 8 Idem. 9 BRUNO FABIO PIGHIN, Os fundamentos da moral cristã – Manuel de ética teológica, Editora Ave- Maria. 10 Idem 8 Na linguagem comum, isso se traduziria na seguinte frase: “não venha com moral pra cima de mim!”. 3.2. MORALIDADE Apesar de tratar-se de termos relacionados entre si, moral e moralidade não são a mesma coisa, vez que moralidade refere-se à dimensão interior da pessoa, tendo em vista sua responsabilidade, de forma livre e consciente, perante aos valores humanos. A moralidade, segundo Fábio Pighin, remete sempre à “moral praticada”, e conserva sempre o caráter da ambivalência: o comportamento positivo, se o agir da pessoa for coerente com a lei moral em uma determinada situação, e comportamento negativo, se for contrário à lei moral. Se nos fosse lícito, assim classificar, de acordo com a moralidade, poderíamos através de um juízo da consciência, qualificar uma pessoa como moralmente boa ou moralmente má, dependendo de seu comportamento, porém, assim estaríamos julgando e não cabe a ninguém julgar, a não ser a quem de direito ou a Deus, em sua infinita misericórdia. A moralidade no comportamento negativo, pode ser definida como imoralidade e o extremo da imoralidade, é caracterizado pela amoralidade (ateísmo). A imoralidade é caracterizada pela transgressão da lei moral. Ela aparece atualmente com forte aumento e toca pontos terríveis nas sociedades ocidentais, economicamente progressistas. Efetivamente, difundiu-se o ‘politeísmo dos valores’, isto é, a adoção por indivíduos de critérios diversos, mutantes e contraditórios pelas escolhas, assumidas com base em razões de comodidade11. Amoralidade – comportamento totalmente prescindido de princípios morais! Uma negação do sentido da vida. Uma vida vivida na indiferença em relação aos valores morais. As quedas negativas ocorrem tanto no plano pessoal, como também no plano social, porque toda sociedade se funda em última análise sobre valores morais, sem os quais caminharia para a decomposição12. 4 – ORIGEM DA MORAL Antes de tudo, cabe salientar que é próprio do homem o senso moral. De acordo com o Dicionário Aurélio, o senso moral consiste numa faculdade de reconhecer intuitiva e infalivelmente o bem e o mal, sobretudo nos fatos concretos. Segundo Jean Piaget, o ser humano não nasce com uma moral, mas com aptidão para adquiri-la. A criança não nasce falando uma língua, mas já nasce com aptidão para aprender uma língua. Antônio Hortelano denomina esse senso moral, como sendo uma moral espontânea, uma “tendência inata existente em todo homem normal que o leva instintivamente a fazer o bem e evitar o mal”. Na Veritatis Splendor, João Paulo II 11 Cf. Idem. 12 Cf. Idem. 9 afirma que a instância moral atinge em profundidade, cada homem e compromete a todos (cf. nº 3). Portanto, essa tendência inata do homem o leva a agir, fazendo de sua ação moral uma proposta para fora de si mesmo, ou seja, em benefício do outro. O sociólogo Emílio Durkheim, parte da natureza social do ser humano para explicar a origem da moral. Para ele, a moral começa onde se dá início a uma vida em grupo, tendo em vista não ser possível a vida em grupo sem a existência de normas morais. Percebendo isso, o homem primitivo, aos poucos, foi criando normas de conduta, tendo como base seus usos e costumes tradicionais, que regiam suas relações e garantiam a própria sobrevivência do grupo. Essas normas, sustentadas ao longo dos séculos, transmitidas de geração a geração, foram paulatinamente se enriquecendo, com o acréscimo de novas idéias e regras, constituindo-se finalmente em normas morais. Dessa forma, nasceu a moral. 5 – IMPORTÂNCIA DA MORAL HOJE Nos dias de hoje, a moral tornou-se questão de sobrevivência. Ou o homem toma consciência de uma vez por todas que tem o dever de agir segundo os preceitos morais, ou então estará fadado à sua própria destruição. Basta olharmos à nossa volta para percebermos como se torna latente a falta de moral no mundo. São guerras e mais guerras, totalmente desnecessárias; desrespeito aos direitos humanos e à natureza; o assunto da vez gira em torno da legalização do aborto e do casamento entre gays. Violência em cima de violência em que vemos filhos matando os pais e até pais matando filhos. A vida tornou-se algo obsoleto e igualmente, a própria natureza, cuja destruição poderá riscar o ser humano do mapa. O que vemos na TV, nos jornais, nas ruas e em todos os lugares, nos deixa estarrecidos. A política, que deveria se constituir numa arte de fazer o bem comum e proporcionar uma vida feliz para todos, transformou-se em politicagem, um verdadeiro trampolim para que os políticos que elegemos possam alcançar os próprios interesses e viverem nas mordomias, em detrimento dos interesses da população e da própria nação. O homem tornou-se desumano: lobo do próprio homem. A imagem de Deus, com a qual foi criado, aparece desfigurada. Tomado por diversos tipos de influências negativas, tornou-se um ser imoral. É do nosso saudoso para João Paulo II, essas palavras, sobre o que aconteceu com a humanidade no mundo de hoje: “A descristianização que pesa sobre povos e comunidades inteiras, outrora ricas de fé e de vida cristã, comporta não só a perda da fé ou de qualquer modo a sua ineficácia na vida, mas também, e necessariamente, um declínio ou um obscurecimento do sentido moral: e isto, quer pela dissipação da consciência da originalidade da moral evangélica, quer pelo eclipse dos próprios princípios e valores éticos fundamentais. As tendências subjetivistas, relativistas e utilitaristas, hoje amplamente difundidas, apresentam-se não simplesmente como posições pragmáticas, como prática comum, mas como concepções consolidadas do ponto de vista teorético que reivindicam uma sua plena legitimidade cultural e social” (VS 106). É preciso resgatar o senso moral no homem de hoje e isso somente será possível através de um trabalho árduo por parte da Igreja, a começar pela catequese, principal responsável pela formação moral do homem de amanhã, num trabalho de evangelização e de conscientização sobre os valores morais cristãos, principalmente sobre as três virtudes teologais: Fé, esperança e caridade. Impõe-se urgentemente “que o homem de hoje se volte novamente para Cristo, a fim de obter dele a resposta sobre o que é bem e o que é mal (VS 8)”13, já que essa noção de 13 VERITATIS SPLENDOR (Esplendor da verdade), Nº 8 10 bem e mal parece esquecida nos dias de hoje e somente “Deus pode responder à questão sobre o bem, porque ele é o Bem” (VS 9) absoluto. Somente Jesus, fonte da felicidade do homem, será capaz de reconduzir o mesmo a praticar ações moralmente boas e agindo assim, reconhecer a Deus, “como única bondade, plenitude da vida, termo último do agir humano, felicidade perfeita” (VS 9). Portanto, faz-se urgente que obedeçamos a voz de Cristo, paradigma e modelo do reto agir moral, que ordenou à sua Igreja para ir ao mundo inteiro e anunciar a Boa Nova a toda criatura (Cf. c 16,15), através de uma evangelização revestida de um ardor missionário não só em seus métodos (catequese), como também em sua expressão (testemunho). 11 II – TEOLOGIA MORAL 1. DEFINIÇÃO 1.1. TEOLOGIA: É a ciência que tem Deus por objeto de seu estudo. É a ciência a respeito de Deus. Por extensão, é o estudo das questões que faz referênciaao conhecimento de Deus, de seus atributos e de suas relações com o mundo e com os homens. É o estudo racional dos textos sagrados, dos dogmas e das tradições do cristianismo.14 1.2. TEOLOGIA MORAL: É a parte da Teologia que “estuda os atos humanos, considerando-os em ordem ao seu fim sobrenatural”.15 É parte da Teologia porque: A moral, segundo Sto Tomás de Aquino, se ocupa do movimento da criatura racional para Deus, e como vimos, é a Teologia a ciência que se dedica ao estudo e conhecimento de Deus. Que estuda os atos humanos: daqueles atos que o homem executa com conhecimento e de livre vontade. Em ordem ao fim sobrenatural: Esses atos humanos não são considerados na sua mera essência ou constituição interna (o que é próprio da psicologia), nem em vista de moralidade puramente humana ou natural (o que corresponde à Ética ou Filosofia Moral), mas sim em ordem à moralidade sobrenatural, ou seja, na medida em que aproximam ou afastam o homem do seu fim sobrenatural eterno.16 Segundo Antônio Hortelano, é a ciência da moral humana, por meio de Cristo e através dele. Como vimos, Cristo é o paradigma, o modelo do agir cristão e somente através dele, que nos dá o Santo Paráclito17 é que conseguimos vencer o pecado e agir conforme a sua vontade. A Veritatis Splendor assim se refere à Teologia Moral: “A reflexão moral da Igreja, sempre realizada à luz de Cristo, o ‘bom Mestre’, desenvolveu-se também na forma específica de ciência teológica, chamada ‘teologia moral’, uma ciência que acolhe e interroga a Revelação divina e, ao mesmo tempo, responde às exigências da razão humana”. É Teologia Moral enquanto faz uma reflexão daquilo que se refira “à ‘moralidade’, ou seja, ao bem e ao mal dos atos humanos e da pessoa que os realiza, e neste sentido está aberta a todos os homens”. É teologia, “enquanto reconhece o princípio e o fim do agir moral naquele que ‘só é bom’ e que, doando-se ao homem em Cristo, lhe oferece a bem-aventurança da vida eterna”. 14 Cf. com definição dada pelo Dicionário Aurélio. 15 RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 16 Cf. Idem. 17 Em grego: Parákletos; em latim: Paracletu. Trata-se de um designativo aplicado primeiramente a Cristo e posteriormente ao Espírito Santo, cujo sentido significa: Defensor, protetor, mentor (fonte: Dic. Aurélio). 12 2. FONTES DA TEOLOGIA MORAL Para cumprir seu papel de ciência do conhecimento de Deus, a teologia moral conta com as seguintes fontes, sobre as quais se baseia e se alimenta, que são: A palavra de Deus, contida na Bíblia, a tradição, que de geração em geração transmite a experiência cristã e o magistério da Igreja, que se coloca inquestionavelmente a serviço do povo de Deus. 2.1. A SAGRADA ESCRITURA É a fonte principal da Moral cristã, por constituir-se na própria Palavra de Deus. Já dizia Santo Agostinho: a Bíblia não é senão “uma série de cartas enviadas por Deus aos homens para os exortar a viver santamente”. Em todo o conteúdo da Bíblia, desde o Antigo Testamento até o Novo Testamento, encontramos diversos preceitos morais estabelecidos por Deus, tendo em vista a conduta humana. São normas que orientam o homem, com segurança, e isenta de erro, ao seu fim último, que é a visão de Deus, face a face. 2.1.1. ANTIGO TESTAMENTO No AT encontramos três tipos de normas diferentes, as quais sejam:18 normas jurídicas: são prescrições que abrangem o direito civil, penal e processual (Ex 20-23 e Dt). normas cultual-religiosas: afirmações sobre o que é puro e o que é impuro (Lv 1-15) e parcialmente também a “lei da santidade” (Lv 17-23). normas éticas: São preceitos esparramados no Êxodo, no Levítico, no Deuteronômio, etc. O DECÁLOGO – Os dez mandamentos, baseia-se sobre estas palavras: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair do Egito, de uma casa de escravidão. Não terás outro deus além de mim” (Ex 20,2-3). LER VERITATIS SPLENDOR, pg. 20. 2.1.2. NOVO TESTAMENTO No NT, destaca-se principalmente o Sermão da Montanha, que segundo a Veritatis Splendor constitui a magna carta da moral evangélica, uma formulação mais ampla e completa da Nova Lei (cf. Mt 5-7), em que Jesus diz: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogá-la, mas completá-la” (Mt 5,17). Diz ainda que Cristo é a chave das Escrituras: “Vós esquadrinhais as Escrituras: elas dão testemunho de mim” (cf. Jô 5,39). Cristo “é o centro da economia19 da salvação, é a recapitulação do Antigo e do Novo Testamento, das promessas da Lei e do seu cumprimento no Evangelho; é o elo vivo e eterno entre a Antiga e a Nova Aliança”. (VS 15). No AT, o decálogo está unido “a uma promessa: o objeto da promessa, na Antiga Aliança, era a posse de uma terra onde o povo poderia viver uma existência 18 Cf. BRUNO FABIO PIGHIN, Os fundamentos da Moral cristã – Manual de ética teológica, Ave- Maria, 2005. 19 Economia da salvação – São todos os meios que Deus disponibiliza para a salvação do homem. 13 em liberdade e conforme a justiça (cf. Dt 6,20-25); na Nova Aliança, o objeto da promessa é o “reino dos céus”, como Jesus afirma ao início do Discurso da Montanha” (VS 12). Em Jo 13, 14-15, Jesus se coloca como modelo, como paradigma moral a ser seguido. Seu comportamento e sua palavra, suas ações e seus preceitos, constituem a regra moral da vida cristã. (cf. VS 20). Ele resume o decálogo em um mandamento novo (Jo 13,34-35). Sobre essa nova Lei, S. Tomás escreveu que a mesma “é a graça do Espírito Santo dada pela fé em Cristo”. A Nova Lei além de dizer o que se deve fazer, no agir moral cristão, dá também a força “de praticar a verdade” (cf. Jo 3,21). Além das prescrições morais encontradas em todo o ensinamento de Jesus, “na catequese moral dos Apóstolos, a par de exortações e indicações ligadas ao contexto histórico e cultural, há um ensinamento ético com normas precisas de comportamento. Comprovam-no as suas Cartas que contêm a interpretação, guiada pelo Espírito Santo, dos preceitos do Senhor vividos nas distintas circunstâncias culturais (cf. Rm 12-15; 1Cor 11-14; Gl 5-6; Ef 4-6, Cl 3-4; 1Pd e Tg)”. (VS 26). Todas as prescrições morais do AT, que foram levadas à perfeição por Cristo, no NT, foi confiada à Igreja que por elas zela fielmente, conservando-as e atualizando-as permanentemente, nas diferentes culturas, ao longo da história, sempre zelosa e assistida pelo Espírito Santo. “Quem vos ouve é a mim que ouve” (Lc 10,16), portanto, devemos confiar em tudo aquilo que a Igreja nos ensina sobre a Moral teológica necessária para nos conduzir ao fim último do homem que é seu próprio Criador, Deus. Existem prescrições do AT, meramente cerimoniais ou jurídicas, que foram abolidas no NT, assim como existem prescrições no NT que tiveram finalidade meramente circunstancial e temporal e que já não obrigam seu cumprimento nos dias de hoje: a abstenção de comer carne de animais estrangulados, por exemplo. (At 15, 29). 2.2. A SAGRADA TRADIÇÃO João conclui seu evangelho afirmando: “Há, porém, muitas outras coisas que Jesus fez. Se fossem escritas uma por uma, creio que o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam” (Jo 21,25), o que deixa em aberto a questão da tradição, fonte complementar da Sagrada Escritura. Essas palavras finais de João nos mostra que nem todas as verdades reveladas por Deus, estão escritas na Bíblia e muitas delas, de autoria do próprio Cristo ou dos Apóstolos, por inspiração do Espírito Santo, foram reveladas oralmente e pela Tradição, chegaram até nós. A Tradição a que nos referimos, “é a que vem dos apóstolos e transmite o que estes receberam do ensinamento e do exemplo de Jesus e o que receberam pormeio do Espírito Santo. Com efeito, a primeira geração de cristãos ainda não dispunha de um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento atesta o processo da Tradição viva... Dela é preciso distinguir as ‘tradições’ teológicas, disciplinares, litúrgicas ou devocionais surgidas ao longo do tempo nas Igrejas locais. Constituem elas formas particulares sob as quais a grande Tradição recebe expressões adaptadas aos diversos lugares e às diversas épocas. É à luz da grande Tradição que estas podem ser mantidas, modificadas ou mesmo abandonadas, sob a guia do Magistério da Igreja”. (CIC nº 83). A Tradição chega até nós, pelos seguintes canais: 14 Os Padres da Igreja20 (também chamados Santos Padres), dentre os quais se destacam quatro Padres orientais: Sto Atanásio, São Basílio, São Gregório Nazianzeno e São João Crisóstomo; e quatro Padres latinos: Sto Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho e São Gregório Magno. Em se tratando de matéria de fé, não se permite rejeição aos ensinamentos moralmente unânimes desses Padres, acerca de uma verdade. Os teólogos: São autores posteriores à época patrística, que se dedicaram ao estudo científico e sistemático das verdades relacionadas à Fé e aos costumes. Dentre eles, destaca-se São Tomás de Aquino (1225-74), que foi declarado pela Igreja com o título de “Doutor Comum e Universal”, cuja doutrina foi absolvida pela Igreja, tornando-se base para o ensino tanto da Filosofia, quanto da Teologia. A própria vida da Igreja, desde o início, através da Liturgia e do sentir do povo cristão. 2.3. O MAGISTÉRIO DA IGREJA Coube ao Magistério da Igreja, “o ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida... cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo” (DV 10), ou seja, “foi confiado aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma” (CIC 85). O Magistério, que nunca está acima da Palavra de Deus, mas a serviço dela, não ensina “senão o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino, com a assistência do Espírito Santo, piamente ausculta aquela palavra, santamente a guarda e fielmente a expõe, e deste único depósito de fé tira o que nos propõe para ser crido como divinamente revelado” (CIC 86). A infabilidade do Magistério da Igreja, segundo Ricardo Sada, não incide somente em questões de Fé, mas também em questões de moral e, dentro desta, não exclusivamente nos princípios gerais, pois vai até a normas particulares e concretas. A Igreja ensina de modo infalível, normas morais contidas na Sagrada Escritura e na Tradição, tidas como permanentes e universais, especialmente os dez mandamentos. Como Mestra, a Igreja “não se cansa de proclamar a norma moral (...) De tal norma, a Igreja não é, certamente, nem a autora nem o juiz. Em obediência à verdade que é Cristo, cuja imagem se reflete na natureza e na dignidade da pessoa humana, a Igreja interpreta a norma moral e propõe-na a todos os homens de boa vontade, sem esconder as suas exigências de radicalidade e de perfeição” (VS 95). A Igreja jamais renunciará ao princípio da verdade e da coerência, não aceitando, portanto, chamar bem ao mal e mal ao bem. 20 Trata-se de um conjunto de escritores dos primeiros séculos da Igreja, que, pela sua antiguidade, doutrina, santidade de vida e aprovação pela Igreja, merecem ser considerados autênticas testemunhas da fé cristã. 15 III – OS ATOS HUMANOS 1. DEFINIÇÃO DE ATOS HUMANOS O ser humano é o único ser que é dotado por duas faculdades essenciais, que são: a inteligência e a vontade. Por isso ele é livre nas escolhas dos atos que pratica. Portanto, os atos humanos são aqueles que procedem da vontade deliberada do homem, que os pratica com conhecimento e com livre vontade.21 Dá-se o nome de atos humanos a multiplicidade das escolhas concretas realizadas por uma pessoa.22 Segundo o CIC, a liberdade faz do homem um sujeito moral e quando age de forma deliberada, ele é, por assim dizer, o pai de seus atos. A qualificação de “humanos” indica o agir livre próprio de cada pessoa, que representa um salto de qualidade em relação ao comportamento dos animais. Distingue-se atos humanos de atos do homem, que podem ser designados de atos meramente naturais, os quais não procedem de livre escolha: batimentos cardíacos, respiração, circulação do sangue, sentir dor ou prazer. Não se deve confundir atos humanos com atos do homem, que procedem deste, mas a que falta quer a advertência - caso dos dementes, das crianças pequenas, ou a distração total), quer a voluntariedade (por coação física, etc), quer uma e outra (ex.: quem está dormindo). 2. DIVISÃO DO ATO HUMANO Os atos humanos, livremente escolhidos após um juízo da consciência, são qualificados moralmente como sendo: Bom ou lícito – quando em conformidade com a Lei moral (ex: dar esmola); Mau ou ilícito – quando for contrário à Lei moral (ex: roubar); Indiferente – nem contrário, nem conforme à Lei moral (ex: caminhar). Há ainda uma outra divisão dos atos humanos, em razão das faculdades que o aperfeiçoam, apontada por Ricardo Sada, que pode ser: Interno – É realizado mediante as faculdades internas do homem, seja: entendimento, memória, imaginação, etc (ex., a recordação de uma ação passada, ou o desejo de algo futuro). Externo – Quando intervêm também os órgãos e sentidos do corpo (ex. comer ou ler). O ato externo pode ser em comissão, quando realizamos um ato, ou omissão, quando nos recusamos a realizar um ato que deve ser feito. 21 Cf. RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 22 Cf. BRUNO FABIO PIGHIN, Os fundamentos da Moral cristã – Manual de ética teológica, Ave- Maria, 2005. 16 3. ELEMENTOS DO ATO HUMANO Como vimos, na definição de atos humanos, o mesmo exige a intervenção das faculdades essenciais que são a inteligência e a vontade. Os elementos que o constituem são a advertência, quanto à inteligência, e o consentimento, quanto à vontade. 3.1. A ADVERTÊNCIA Pela advertência, o homem percebe a acão que irá realizar ou que já está realizando. Essa advertência pode se dar de forma plena ou semi-plena, conforme a ação seja advertida com toda a perfeição ou só imperfeitamente (p. ex. estando meio adormecido).23 Todo ato humano requer necessariamente essa advertência, de forma tal que um homem que atue distraidamente e não repara minimamente no que está a fazer, não realiza um ato humano. Para que um ato seja imputado moralmente a alguém, não basta ter somente a advertência do ato em si. É necessário também que essa advertência relacione o ato com a moralidade (Ex: Quem tem consciência de comer carne vermelha, mas sem reparar que é quarta feira de cinzas, embora pratique um ato humano, o mesmo não lhe pode ser imputado moralmente).24 Para que um ato seja imputado moralmente, a advertência tem que ser dupla: do ato em si e da moralidade do ato. 3.2. O CONSENTIMENTO O consentimento é o que leva o homem a querer praticar um ato previamente conhecido pela advertência, procurando com isso um fim. Segundo São Tomás de Aquino, o ato voluntário ou consentido é aquele que procede de um princípio intrínseco, com conhecimento do fim que se almeja. Esse ato voluntário pode ser perfeito, se realizado com pleno consentimento, chamado também de ato voluntário direto. Pode ser imperfeito se realizado apenas com semi-pleno consentimento, sendo portanto, um ato voluntário indireto – de duplo efeito. Ato voluntário Perfeito: com pleno consentimento = ato voluntário direto. Imperfeito: semi-pleno consentimento = voluntário indireto. (deduplo efeito). 23 Cf. RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 24 Cf. Idem. 17 3.2.1. O ATO VOLUNTÁRIO INDIRETO – DE DUPLO EFEITO Como vimos, o ato voluntário indireto, de duplo efeito, é aquele que é realizado apenas com consentimento semi-pleno, seja, parcial. Esse ato se dá quando ao praticar uma ação, além do efeito que de modo direto se procura com ela (o efeito bom), se segue um outro efeito adicional (um efeito mau), que não se pretende, mas apenas se tolera por vir unido ao primeiro. Como exemplo, para ilustrar o que está dito, temos o caso de Hiroshima: para destruir o inimigo e acabar com a guerra, o piloto tinha que bombardear a cidade, mesmo sabendo que morreria muita gente inocente. Diretamente, o que ele queria era destruir o inimigo – ato voluntário direto, e tolera a morte dos inocentes – ato voluntário indireto.25 Outro exemplo de ato voluntário indireto: na área médica, quando uma paciente tem câncer no útero e está grávida, para salvar a mãe, o médico extirpa-lhe o útero (efeito bom) e acelera a morte do feto (efeito mau). Trata-se de um ato voluntário de que se segue um efeito bom e outro mau, seja, um ato voluntário de duplo efeito. Não se deve confundir este, com o ato de dupla finalidade. 3.2.1.1. LICITUDE DE UM ATO VOLUNTÁRIO INDIRETO Existem casos, como os exemplos citados, de Hiroshima e da mãe com câncer, que se torna lícita a realização de ações com um efeito bom, seguido de outro mau. Porém, para que se possa praticar com licitude um ato voluntário que sigam dois efeitos, um bom (voluntário direto) e outro mau (voluntário indireto), é necessário que o mesmo esteja em conformidade com as seguintes condições: A ação tem que ser boa em si mesma – jamais será lícito, por exemplo, mentir para proveito próprio ou alheio, pois mesmo que se alcance bons efeitos com a mentira, a mesma é uma ação má em si mesma. Vale lembrar aqui, o fim não justifica os meios. O efeito imediato, o bom, deverá ser diretamente intencionado, e o mau efeito, uma conseqüência necessária, seja apenas tolerado – O efeito bom deve derivar diretamente da ação e não do efeito mau. Exemplo: jamais seria lícito abortar para salvar a honra de uma jovem, pois o primeiro efeito seria o ato do aborto. A regra do princípio anterior se aplica também aqui, seja, o fim não justifica os meios. O sujeito da ação deve se propor sempre ao fim bom, seja, o bom efeito e não o mau, somente permitido – Caso procure o fim mau, embora através do bom, a ação será imoral, por causa da perversidade da intenção. O fim mau se tolera por ser impossível separá-lo do bom, no que haverá desgosto ou desagrado. Não é lícito intentar os dois efeitos, mas unicamente o bom, permitindo o mau somente por ser absolutamente inseparável do primeiro (ex. empregado ameaçado de morte que dá o dinheiro aos assaltantes, para salvar a vida e não para que roubem do patrão). 26 Deverá haver motivo proporcionado na ação para que se permita o efeito mau – O efeito mau, mesmo que esteja unido de modo indireto ao efeito bom, embora seja permitido, é sempre materialmente mau. Neste caso, em que não existe voluntariedade de pecar, se dá o pecado material que somente por 25 Cf. Idem. 26 Cf. RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 18 causa proporcionada poderá ser permitido. Ex.: Jamais será lícito que para atingir um terrorista escondido, uma ação militar tenha que destruir uma cidade inteira, pois o motivo – atingir um terrorista – não é proporcionado ao efeito mau – destruição da cidade. 3.2.2. ATO VOLUNTÁRIO DE DUPLO FIM Trata-se de um ato de dupla finalidade, não de duplo efeito, como vimos na definição de ato voluntário indireto. Neste caso, há uma ação com um fim próprio (imediato) e outro ulterior (mediato). Um exemplo clássico disso é o filme “Hobin Hood”, cujo personagem com o nome do título, realizava duas ações de fim duplo: rouba dos ricos (fim imediato), para dar aos pobres (fim mediato). Zorro é outro exemplo idêntico. Vale aqui a antiga regra: “o fim não justifica os meios”. 4. OBSTÁCULOS AO ATO HUMANO Para que um ato humano seja considerado como tal, tem que haver a vontade livre do sujeito, devendo o mesmo ser espontâneo e não coagido ou forçado, com conhecimento do fim a que se propõe. Como vimos, o ato deve proceder do homem, com os elementos que lhe são essenciais: O conhecimento (advertência), quanto à inteligência e o consentimento, quanto à vontade. Existem porém alguns fatores que afetam os atos humanos, impedindo ao sujeito o devido conhecimento da ação ou de sua escolha voluntária. São causas que podem modificá-los, quanto à sua voluntariedade ou quanto à sua advertência e em conseqüência, quanto à sua moralidade; algumas delas pode até vir a afetar o elemento cognoscitivo do ato humano (a advertência) e outras, o elemento volitivo (o consentimento), fazendo com que um ato seja visto não como ato humano, mas sim como ato do homem. 4.1. OBSTÁCULOS POR PARTE DO CONHECIMENTO: A IGNORÂNCIA A ignorância é o estado de quem ignora ou desconhece alguma coisa, é o desconhecimento de uma determinada obrigação. Do ponto de vista da Teologia Moral, a ignorância seria “a falta da devida ciência moral, num sujeito capaz de tê-la, do conhecimento moral que se poderia e deveria ter”.27 A ignorância pode ser vencível ou invencível. 4.1.1. IGNORÂNCIA VENCÍVEL A ignorância vencível é aquela que caso o quisesse, o sujeito da ação poderia vencê-la e transpô-la através de um esforço razoável (pensando, estudando e até mesmo consultando a alguém com capacidade para instruí-lo). A mesma pode ser: Simplesmente vencível - quando há um esforço considerável para sair dela, porém, de modo insuficiente ou incompleto. Crassa ou supina (elevada) - quando o sujeito não faz nada ou praticamente nada para sair dela, incorrendo num grave descuido em aprender as principais verdades da Fé Cristã, os preceitos e normas da 27 Cf. RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 19 Moral, bem como seus deveres para com o outro e para com a sociedade, em geral. Afetada – Neste caso, voluntariamente o sujeito escolhe nada fazer para vencê-la, a fim de pecar com maior liberdade. 4.1.2. IGNORÂNCIA INVENCÍVEL A ignorância invencível é aquela que não pode ser superada pelo sujeito que dela sofre, ou pela falta de advertência da mesma (ex. a prática de infanticídio de gêmeos, entre os índios28), ou por se tentar em vão sair dela, através do estudo, ou perguntando. Esse tipo de ignorância é próprio de pessoas rudes e não-civilizadas. O esquecimento e a inadvertência podem, em certas ocasiões, equiparar-se à ignorância invencível (ex.: quem come carne em dia de quarta-feira de cinzas, sem saber, de forma tal que se o soubesse, não comeria). 4.1.3. ALGUNS PRINCÍPIOS MORAIS ACERCA DA IGNORÂNCIA Os princípios que se segue, com relação ao obstáculo da ignorância, estão relacionados diretamente com a responsabilidade moral e do pecado em si, perante Deus: A ignorância invencível retira toda e qualquer responsabilidade aos olhos de Deus, devido à falta de voluntariedade (ex.: uma criança faz algo errado sem o saber, não peca). Parte-se do princípio que “nada é desejado sem antes ser conhecido”.29 A ignorância vencível é sempre culpável perante Deus, em maior ou menor gravidade, conforme haja negligência na averiguação da verdade. A uma ação má realizada com ignorância “crassa ou supina”, imputa-se maior responsabilidade do que com ignorância “simplesmente vencível”, podendo ser pecado moral se depender degrave descuido. A ignorância afetada, longe de diminuir, sempre aumenta a responsabilidade do sujeito perante Deus, por pressupor uma malícia maior, vez que se pratica um ato mau, com consentimento suficientemente deliberado. NOTA: Apesar da ignorância poder eximir de culpa e consequentemente de responsabilidade moral, em alguns casos, porém, há sempre o dever de conhecer a lei moral, para se adequar a ela as próprias ações. A busca pelo conhecimento da lei moral não deve limitar-se apenas a uma fase da vida da pessoa, mas à vida toda. Ganha especial atenção no que se refere às obrigações no campo profissional e também nos deveres civis de cada pessoa, o dever de sair da ignorância. 4.2 – OBSTÁCULOS POR PARTE DA VONTADE Como vimos anteriormente, a vontade é uma das faculdades essenciais para que um ato seja considerado como Ato humano. No entanto, existem alguns 28 Algumas tribos indígenas brasileiras praticam o infanticídio quando nasce gêmeos, pois acreditam ser algo proibido: um é mal e o outro é bom e devido à impossibilidade de saber qual dos dois é bom, sacrificam ambos. 29 Um adágio escolástico, que no latim significa: “nibil volitum nisi praecognitum”, citado por R.Sada. 20 obstáculos que dificultam a livre escolha por parte da vontade. Esses obstáculos são as paixões e os hábitos maus (os vícios). 4.2.1. OBSTÁCULOS POR PARTE DAS PAIXÕES Ao ser criado, Deus dotou o homem com algumas forças em sua natureza que o levam a agir. Essas forças são as “paixões”, movimentos do apetite sensitivo, que se traduz numa série de impulsos, tendências, afetos e sentimentos, que devido ao pecado original, ficaram desordenadas. Algumas dessas paixões, tais como: o medo, a ira, o ódio, o prazer, a violência, quando desordenadas, se constituem em obstáculos à livre escolha feita pela vontade. 4.2.1.1. ALGUNS PONTOS A CONSIDERAR ACERCA DAS PAIXÕES: Paixões tais como a ira, o ódio e o prazer podem converterem-se em boas ou más, dependendo do objeto a que as mesmas se dispõem. Para não conduzirem o sujeito a agir mal, as mesmas devem ser dirigidas pela razão e regidas pela vontade. Exemplo: Quando a ira leva à defesa dos valores divinos, ela é santa (a ira de Jesus Cristo, ao expulsar os vendilhões do Templo – Mc 11,15-19); agrada a Deus o ódio ao pecado; é bom o prazer quando regido pela reta razão. “Se os objetos a que tendem as paixões forem maus, afastam-nos do fim último: tais são o ódio ao próximo, a ira por motivos egoístas, o prazer desordenado...” 30 Se as paixões antecedem à prática da ação de forma influenciável, podem diminuir a liberdade por ofuscarem a razão. Em um acesso de intensa violência, por exemplo, podem chegar até a destruir a liberdade do indivíduo que se deixa arrastar por elas (ex.: um pai que se deixa levar pela ira até matar seu filhinho à pancada). Caso venham após o ato cometido e são diretamente provocadas, a voluntariedade aumenta (ex.: o sujeito que, com a finalidade de aumentar a ira e o desejo de vingança, fica a recordar as ofensas recebidas). Quando ocorre um movimento das paixões que nos inclina ao mal, a vontade pode atuar negativamente, de forma indiferente, não aceitando-o nem rejeitando-o ou pode atuar positivamente, aceitando-o, ou rejeitando-o num ato evidente.31 4.2.1.2 - ILUSTRANDO O QUE FOI DITO O medo – É um vacilar do ânimo, um sentimento de grande inquietação ante um perigo real ou imaginário, que influi na vontade do sujeito que atua. Ainda que intenso, em geral, o medo não destrói o ato voluntário, a não ser quando chega a perder o uso da razão, devido à sua intensidade. O medo não é razão suficiente para se cometer um ato mau, embora haja motivo considerável. (Ex: renegar a fé por medo do castigo ou da morte, ou usar meios contraceptivos por receio das conseqüências graves para a saúde, em caso de uma nova gravidez).32 A violência: É a reação a um fator externo, que leva o sujeito constrangido, moral ou fisicamente, a atuar contra a própria vontade, “saindo do sério”. 30 Cf. RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 31 Idem. 32 Idem. 21 Quando uma pessoa simples e pacata é insistentemente constrangida fisicamente por alguém, vai resistindo, vai resistindo, até não conseguir resistir mais, partindo em revide para a violência, nesse caso, o ato de revide praticado destrói a voluntariedade, vez que a pessoa resistiu interiormente para não consentir a prática do mal. Porém, no caso do constrangimento provocado por violência moral, a voluntariedade nunca será destruída, pois, a pessoa que está sendo constrangida, continua a todo instante senhora da sua liberdade, podendo interiormente acatar ou não a provocação sofrida (a pessoa só pode ferir alguém de fato, fisicamente, pois moralmente, cabe à vítima assimilar ou não a provocação). 4.2.2. OBSTÁCULOS POR PARTE DOS HÁBITOS Os hábitos ou costumes, se dá pela repetição de atos e se definem como firme e constante tendência para agir de certa maneira. É como se fosse uma segunda natureza, positiva ou negativa, segundo os atos que realiza (...) Essa segunda natureza pode criar-se de modo espontâneo e inconsciente ou pode realizar-se consciente e programadamente”.33 Estão muito relacionados com o consentimento. Os mesmos podem ser bons = virtudes, ou maus = vícios. O hábito de pecar, que se constitui num vício arraigado, diminui a responsabilidade caso haja esforço por combatê-lo. Quem não luta para desarraigar um hábito mau contraído voluntariamente, torna-se responsável não só pelos atos que comete advertidamente, mas ainda pelos inadvertidos, seja, quando não se combate a causa, querer a causa é querer o efeito. Quem luta contra os seus vícios é responsável pelos pecados que comete com advertência, mas não pelos que comete inadvertidamente, pois não há na causa o elemento voluntário.34 5. A MORALIDADE DO ATO HUMANO Quando o homem age de forma deliberada, é, por assim dizer, o pai de seus atos. A liberdade faz dele um sujeito moral. Os atos humanos, livremente escolhidos após um juízo da consciência, são qualificáveis moralmente, como sendo bons ou maus (cf. CIC 1749). Para se qualificar moralmente um ato, necessita-se fazer uma reflexão a partir dos elementos que se constituem na fonte da moralidade: O objeto do ato em si mesmo; As circunstâncias que o rodeiam; e A finalidade (ou intenção) que o sujeito se propõe ao realizar esse ato. 5.1. O OBJETO É a matéria de um ato humano, o dado fundamental: do ponto de vista moral, é a ação mesma do sujeito. “O objeto escolhido é um bem para o qual se dirige deliberadamente a vontade”.35 33 ANTONIO HORTELANO, Moral alternativa – Manual de teologia Moral – Paulus, 2000. 34 Cf. RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 35 Cf. CIC nº 1751. “O objeto escolhido especifica moralmente o ato de querer, conforme a razão o reconheça e julgue estar de acordo ou não com o bem verdadeiro” 22 O objeto não é o ato puro e simples, mas o é juntamente com sua qualidade moral. Como nos exemplos a seguir, um mesmo ato físico pode ter vários objetos: ATO OBJETO Matar Assassínio Defesa própria Aborto Pena de morte Falar Mentir Rezar Insultar Abençoar Jurar Difamar Segundo Ricardo Sada, a moralidade de um ato depende principalmente do objeto: se o objeto é mau, o ato será mau; se o objeto é bom, o ato será bom se forem boas as circunstâncias e a finalidade. Ex: Por mais que as circunstâncias ou a finalidade sejam boas, jamais será lícito blasfemar, perjurar, caluniar, etc. Há atos que por não ter moralidade alguma (p.ex.passear), nesse caso, recebe-a da finalidade que a pessoa tenha em vista (ex., descansar e conservar a saúde), ou das circunstâncias que o acompanhem (ex., más companhias).36 5.2 AS CIRCUNSTÂNCIAS As circunstâncias bem como as conseqüências são elementos secundários de um ato moral, que contribuem para agravar ou diminuir a bondade ou maldade moral dos atos humanos. As mesmas podem também atenuar ou aumentar a responsabilidade do agente (ex., agir por temor da morte). As circunstâncias não podem tornar boa ou justa uma ação má em si mesma. (cf. CIC 1752). Concretamente, podemos considerar as seguintes circunstâncias, que afetam o ato humano: Quem pratica a ação, seja, o sujeito da ação (ex. a pessoa que tendo autoridade, dá mau exemplo, peca mais gravemente). Que coisa – qualidade de um objeto (ex., o roubo de uma coisa sagrada) ou da sua quantidade (ex., a soma roubada); Onde – o lugar em que a ação é realizada (ex., um pecado cometido em público é mais grave, pelo escândalo que provoca); Com que meios se realizou a ação (ex. rezar com atenção ou distraidamente, castigar os filhos com excesso de crueldade); 36 Segundo Sada, a Teologia Moral ensina que, embora possa haver objetos morais indiferentes – em si mesmos, nem bons nem maus -, na prática não existem atos indiferentes (a sua qualidade moral vem-lhes, neste caso, da finalidade ou das circunstâncias). Daí que, em concreto, qualquer ação ou é boa, ou é má. 23 O modo como se realizou o ato (ex., se houve fraude ou engano, se se utilizou de violência); Quando se praticou a ação (ex. comer carne em dia de abstinência).37 5.2.1 INFLUXO DAS CIRCUNSTÂNCIAS NA MORALIDADE Circunstâncias que acrescentam conotação moral ao pecado – Num só ato são cometidos dois ou mais pecados distintos (ex., quem rouba um cálice benzido, comete dois pecados: furto e sacrilégio). Circunstâncias que mudam a espécie teológica do pecado – faz com que um pecado passe de mortal a venial ou o contrário (ex., a quantia de um roubo indica se um pecado é venial ou mortal, se for pequena, é venial, se for grande, é mortal). Circunstâncias que agravam ou diminuem o pecado – sem lhe mudar a espécie (ex., dar mau exemplo às crianças, é mais grave que dar mau exemplo aos adultos).38 5.3. A FINALIDADE A finalidade (intenção que o homem tem ao praticar um ato), é um elemento essencial na qualificação moral da ação. A intenção é um movimento da vontade em direção ao objetivo; ela diz respeito ao fim visado pela ação. É a meta do bem que se espera da ação praticada. Segundo Ricardo Sada, em relação à moralidade, o fim de quem atua pode influir de diversos modos: se o fim é bom, junta ao ato bom nova bondade (ex., ouvir missa – objeto bom – em reparação pelos pecados – fim bom); Se o fim é mau, vicia por completo a bondade de um ato (ex., ouvir missa – objeto bom - só para ver, com maus desejos, uma mulher – fim mau). Quando o ato é, em si mesmo, indiferente, o fim transforma-o em bom ou mau (ex. passear diante de um banco – objeto indiferente – a fim de preparar o próximo roubo – fim mau); Se o fim é mau, junta nova malícia a um ato mau em si (ex., roubar – objeto mau – para depois se embriagar- fim mau); O fim bom de quem atua nunca pode converter em boa uma ação má em si mesma (ex., não se pode jurar falso – objeto mau – para salvar um inocente – fim bom; ou dar a morte a alguém para libertar do sofrimento; ou roubar ao rico para dar aos pobres). 6. O QUE DETERMINA A MORALIDADE DO ATO HUMANO Ricardo Sada indica como princípio básico para fazer um juízo da moralidade do ato, o seguinte: 37 RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 38 cf. Idem. 24 Para que uma ação seja boa, é necessário que os três elementos que a constituem, também sejam bons: o objeto, a finalidade e as circunstâncias; para que o ato seja mau, basta que seja mau qualquer um de seus elementos. “O bem nasce da retidão total; o mal nasce de um só defeito”. 6.1. A ILICITUDE DE AGIR SÓ POR PRAZER Agir só por prazer é contra a moral. “A ilicitude de agir só por prazer é um princípio moral que tem na vida prática numerosas conseqüências”39. Algumas premissas sobre a ilicitude de agir só por prazer: É da vontade de Deus que algumas ações sejam acompanhadas de prazer, devido à sua importância para a preservação do indivíduo ou da espécie. Em vista disso, o prazer não tem em si mesmo razão de fim, sendo apenas um meio que facilita a prática desses atos: o deleite é em vista da operação e não ao contrário. Colocar o deleite como fim de um ato implica trocar a ordem das coisas estabelecidos por Deus. Por isso, nunca é lícito operar somente por prazer (ex., comer e beber só pelo prazer é pecado; da mesma forma, é ilícito realizar um ato conjugal em vista somente do deleite (prazer) que o acompanha). É lícito atuar por prazer, desde que o deleite não seja a realidade pretendida em si mesma (ex., é lícito comer e beber com gosto mas não exclusivamente por gosto; é lícito o prazer conjugal em ordem aos fins do casamento, mas não quando é procurado como finalidade única). Para que os atos tenham retidão, é sempre bom referi-los a Deus, fim último do homem, ao menos de modo implícito: “Quer comais, quer bebais, fazei tudo pela glória de Deus” (1Cor 10,31). Se excluíssemos a intenção de agradar a Deus em algum ato, o mesmo seria pecaminoso, se o fizermos de maneira direta.40 6.2. A LIBERDADE NO AGIR DO HOMEM Em Eclesiástico está escrito que “Deus deixou o homem nas mãos de sua própria decisão” (Eclo 15,14). Ao criá-lo dotado de razão, Deus o criou à sua semelhança, conferindo-lhe a dignidade de uma pessoa agraciada com a iniciativa e o domínio de seus atos. O homem é livre tanto para procurar seu criador, como também para negá-lo (Cf. CIC 1730). 6.2.1 LIBERDADE E RESPONSABILIDADE A liberdade é entendida como o poder de agir ou não agir, baseado na razão e na vontade. A mesma deve estar ordenada para Deus. Enquanto não estiver definitivamente fixada em seu bem último, que é Deus, a mesma comporta a 39 RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 40 Cf. Idem 25 possibilidade de escolher entre o bem e o mal, seja, de crescer em perfeição (na escolha do bem) ou de definhar e pecar (escolha do mal). (cf. CIC 1731). Como vimos anteriormente, a liberdade caracteriza os atos propriamente humanos, tornando-se fonte de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito. Quanto mais a pessoa pratica o bem, mais ela é livre, porém, quanto mais pratica o mal, mais escrava ela é do pecado. A liberdade faz com que o homem se torne responsável pelos atos que pratica, na medida em que os mesmos forem voluntários, seja, todo ato diretamente querido é imputável a seu autor, ao passo que a imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ficar diminuídas e até mesmo serem suprimidas dependendo de diversos fatores, tais como: a ignorância, inadvertência, violência, medo, hábitos, afeições imoderadas e outros fatores de ordem psíquica ou social. O direito ao exercício da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade do homem, sobretudo em matéria religiosa e moral, porém, esse exercício não implica o suposto direito de tudo dizer e fazer. (cf. CIC 1732). 6.2.2. A LIBERDADE HUMANA NA ECONOMIA DA SALVAÇÃO Liberdade e pecado – O homem pecou livremente ao recusar o projeto do amor de Deus, enganando-se a si mesmo e tornando-se escravo do pecado. Desde então, a história comprova os infortúnios e opressões advindos do mau uso da liberdade(cf. CIC 1739). Ameaças à liberdade – O exercício da liberdade não implica o direito de dizer e fazer tudo. O homem não basta a si mesmo, tendo por fim a satisfação de seu próprio interesse no gozo dos bens terrenos. Ao fugir da lei moral, o homem prejudica sua própria liberdade, acorrentando-se a si mesmo, rompendo com a fraternidade com seus semelhantes e rebelando-se contra a verdade divina (cf. CIC 1740). Liberdade e salvação – Por sua gloriosa cruz, Cristo obteve a salvação de todos os homens. Resgatou-os do pecado que os mantinha na escravidão. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Somos livres pelo Espírito que nos foi dado: “onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor 3,17). Desde agora participamos da “liberdade da glória dos filhos de Deus”. Liberdade e graça – A graça de Cristo não entra em concorrência com nossa liberdade quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem que Deus colocou no coração do homem. Pela obra da graça, o Espírito Santo nos educa à liberdade espiritual, para fazer de nós livres colaboradores de sua obra na Igreja e no mundo. 26 IV – A LEI MORAL Como vimos anteriormente, o que determina se um ato é bom ou mau, são: o objeto, a finalidade e as circunstâncias. Porém, quando dizemos que um ato é bom ou mau, o fazemos partindo de um critério, de um princípio, ou de uma premissa, seja, em relação a algo que define sua bondade ou malícia. Esse critério, princípio ou premissa, é a Lei Moral “que regula e mede os atos humanos em ordem ao seu fim último”.41 1. DEFINIÇÃO E NATUREZA DE LEI MORAL Segundo Ricardo Sada, por lei moral se entende o conjunto de preceitos que Deus promulgou a fim de que, cumprindo-os, a criatura racional alcance o seu fim último sobrenatural. Ao analisarmos a definição acima, podemos destacar os seguintes elementos, de suma importância para entendermos o significado da Lei Moral: A lei moral é um conjunto de preceitos – Não se trata de uma atitude ou uma decisão generalizada de agir de acordo com a opção de Cristo, mas sim a decisão de cumprir, na prática, preceitos concretos, derivados do preceito fundamental do amor de Deus. Foi promulgada por Deus – A lei moral é dada ao homem por uma autoridade distinta dele próprio; não é o homem quem cria a lei moral, mas esta tem Deus por seu autor. O objeto próprio da lei moral – mostrar ao homem o caminho para atingir o seu fim sobrenatural eterno. A mesma não pretende indicar metas temporais ou finalidades terrenas.42 Obra da sabedoria divina, no sentido bíblico, a lei moral pode ser definida ainda “como uma instrução paterna, uma pedagogia divina. Ela prescreve ao homem os caminhos, as regras de comportamento que levam à felicidade prometida; proscreve os caminhos do mal, que desviam de Deus e de seu amor” (cf. CIC 1950). A mesma encontra em Cristo sua plenitude e sua unidade, vez que o próprio Cristo em pessoa é o caminho da perfeição. Jesus Cristo é o fim da lei, pois somente ele ensina e dá a justiça de Deus (cf. CIC 1953). 2 – DEFINIÇÃO E DIVISÃO DA LEI 2.1. LEI Na definição clássica de São Tomás de Aquino, Lei é a ordenação da razão dirigida ao bem comum, promulgada por quem tem autoridade. 43 Elementos a se considerar nesta definição: ordenação da razão – se apóia em considerações que a justificam. Não se trata de uma ordem arbitrária, não sendo portanto fruto de um simples capricho. 41 RICARDO SADA e ALFONSO MONROY – Curso de Teologia Moral 42 Cf. idem. 43 Cf. idem 27 dirigida ao bem comum – tem por fim o bem comum e não um bem particular. Apesar de a lei obrigar cada indivíduo a agir corretamente, se dirige a todos, tendo em vista o bem comum. Esse bem comum de todos é a plena felicidade, o próprio Deus, fim último do homem e do universo. promulgada – a lei deve ser promulgada para ter força obrigatória, tem que se tornar pública, do conhecimento de todos, pois se dirige antes de tudo à inteligência e não pode ser obedecida se não for conhecida suficientemente. Promulgar por quem tem autoridade – seja, não é um qualquer, mas alguém a quem compete ordenar para o bem comum: Deus, em primeiro lugar e depois, todos os que exercem autoridade em seu nome e que a Ele pertencem. 2.2. DIVISÃO DA LEI A divisão da lei depende de seu autor, seja, de quem a promulga: Se o autor é Deus, chama-se Lei Divina e pode ser: Eterna (encontra-se na mente divina) Natural (lei divina impressa no coração dos homens); Positiva (lei divina contida na Revelação) Se o autor é o homem, a Lei é humana e pode ser: Eclesiástica; Civil. 3. A LEI ETERNA Todas as coisas criadas por Deus seguem leis naturais que lhes são próprias: a terra gira em torno do sol; existem quatro estações durante o ano, que influem na vida da natureza e do homem; os animais só se cruzam com os da sua espécie; o homem quando pratica o mal, sente remorsos pelo que fez. Deus, senhor de todas as coisas, ordenou-as de forma tal que cada uma cumpra a finalidade à qual foi criada, seja, os minerais, as plantas, os animais e o homem, cada um tem seu papel a desempenhar em seu curso natural de existência. 3. 1. DEFINIÇÃO A Lei Eterna nada mais é do que uma ordenação “racional estabelecida entre as criaturas, para seu bem e em vista de seu fim, pelo poder, pela sabedoria e pela bondade do Criador”. (CIC 1951). Santo Agostinho a define como sendo “a razão e vontade divinas que mandam observar e proíbem alterar a ordem natural” e para São Tomás, “o plano da divina sabedoria que dirige todas as ações e movimentos das criaturas em ordem ao bem comum de todo o universo”. Por fim, o Concílio Vaticano II nos recorda que “a norma suprema da vida humana é a própria Lei Divina, eterna, objetiva e universal, pela qual Deus ordena, dirige e governa o mundo, o universo e os caminhos da comunidade humana, segundo a sua sabedoria e seu amor. Deus faz com que o homem participe desta lei, de tal maneira que o homem, por disposição da divida Providência, pode conhecer cada vez mais a verdade imutável” (DH 3). 28 A Lei eterna é, portanto, o princípio primeiro de toda a Moral e quaisquer outras leis que venham a existir, tem que encontrar nesta, sua verdade primeira e última. 3.2. PROPRIEDADES DA LEI ETERNA Principais propriedades da Lei eterna: É eterna – porque é anterior à criação, pensada e projetada por Deus, desde toda a eternidade. 44 É imutável – Como é expressão da própria vontade de Deus, com quem se identifica, a Lei Eterna jamais mudará. É norma suprema de toda a moralidade – todas as outras leis devem estar em conformidade com a Lei Eterna. Devem refleti-la fielmente, não podendo ser justa e racional se for contrária à mesma. É universal – todas as criaturas lhe estão sujeitas: umas, de modo puramente instintivo, outras, as criaturas livres, por submissão voluntária.45 4. A LEI NATURAL Os minerais, as plantas e os animais, enquanto que são guiados por leis físicas e biológicas, sempre obedecem à lei de Deus. Diferentemente de todas as outras criaturas, Deus imprimiu no homem a inteligência para que viesse a conhecer a sua lei, dentro de si próprio. A lei natural não é outra coisa senão a própria lei eterna, gravada no coração do homem, como disse São Tomás de Aquino, “a luz da inteligência infundida em nós por Deus”, que leva o homem a perceber o que deve ou não fazer. Portanto, segundo Ricardo Sada, entende-se por lei natural a própria lei eterna enquanto participada na criatura racional. Ao criar o homem, Deus dota-lhe a natureza de uma ordenação concreta que lhe possibilite conseguir o fim para que foi
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